quinta-feira , 21 novembro 2024
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TJSC desobrigou concessionária de energia de promover ligação de luz em imóvel construído em APP sem alvará ou licença

“A 1ª Câmara de Direito Público do TJ acolheu recurso de concessionária de energia elétrica para desobrigá-la de promover ligação de luz em imóvel localizado praticamente sobre dunas, em área de preservação permanente (APP), no litoral sul catarinense.

Para o desembargador Luiz Fernando Boller, relator da matéria, não resta dúvida que o local onde está edificado o imóvel se constitui em controvertida área ambiental, visto que dentro da faixa de preamar, em parte de restinga fixadora de dunas. Além disso, acrescenta, as provas do processo mostram que a edificação está desprovida de alvará ou licença para construção.

Logo, a conclusão do órgão julgador foi de que a concessionária agiu com legitimidade ao negar o fornecimento, sem vislumbrar qualquer irregularidade ou ilegalidade no ato, uma vez tratar-se de edificação clandestina construída sem o necessário alvará do município em APP.

‘Em resumo, inexiste Alvará ou Licença acostada nos autos, o que evidencia a clandestinidade da obra, de modo que a ausência do respaldo do poder público passa a ser justificativa, sim, para recusa da ligação’, finalizou o relator. A decisão foi unânime”.

Fonte: TJSC.

Direito Ambiental

Conheça a íntegra do julgado:

Apelação Cível n. 0300748-84.2016.8.24.0282, de Jaguaruna

Relator: Desembargador Luiz Fernando Boller

EMENTA

APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. VEREDICTO DE PROCEDÊNCIA. DISTRIBUIDORA COMPELIDA A PROMOVER INSTALAÇÃO E FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA EM IMÓVEL SITUADO EM CONTROVERTIDA ÁREA AMBIENTAL. PRELIMINAR ARGUIDA PELA PROCURADORA DE JUSTIÇA, NOTICIANDO CARÊNCIA DE ATUAÇÃO DO CUSTOS LEGIS NO 1º GRAU. DETERMINAÇÃO, NESTA INSTÂNCIA, POSSIBILITANDO A INTIMAÇÃO DO PARQUET NA ORIGEM. VÍCIO SANADO. APELO DA PRESTADORA DO SERVIÇO,DEFENDENDO A EXISTÊNCIA DE RESTRIÇÃO ECOLÓGICA. PROFÍCUA ASSERÇÃO.IMÓVEL SITUADO DENTRO DA FAIXA DE PREAMAR,EM PARTE DE RESTINGA FIXADORA DE DUNAS.EDIFICAÇÃO, ALÉM DISSO, DESPROVIDA DE ALVARÁ OU LICENÇA PARA CONSTRUÇÃO.”Não é ilegal nem indevida a recusa da concessionária de ligar à sua rede de energia elétrica edificação clandestina realizada sem o necessário alvará de licença do Município, em Áreade Preservação Permanente” (RNMSn. 2013.018733-3) (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4009898-67.2016.8.24.0000, rel. Des. Carlos Adilson Silva j. 03/10/2017). SENTENÇA REFORMADA. PEDIDO REJEITADO. ART. 487, INC. I, DO NCPC. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300748-84.2016.8.24.0282, da comarca de Jaguaruna (Vara Única) em que é Apelante Celesc Distribuição S/A e Apelado Fabrício Medeiros Garcia.

A Primeira Câmara de Direito Público decidiu,à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.O julgamento, em 19 de junho de 2018, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Jorge Luiz de Borba, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Pedro Manoel Abreu e Paulo Henrique Moritz Martins da Silva. Funcionou como representante do Ministério Público o Procurador de Justiça Alexandre Herculano Abreu. Florianópolis, 20 de junho de 2018.

Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER

Relator

 

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta por Celesc Distribuição S/A, em objeção à sentença prolatada pelo magistrado Rodrigo Fagundes Mourão, Juiz Substituto lotado e em exercício na Vara Única da comarca de Jaguaruna, quenos autos da ação de Obrigação de Fazer n. 0300748-84.2016.8.24.0282 ajuizada por Fabrício Medeiros Garcia, julgou procedente o pedido, ordenando o fornecimento de energia elétrica ao imóvel situado no Lote n. 32, da Quadra n. 17, do Loteamento Campos Verdes, no município de Jaguaruna, indo a distribuidora condenada ao pagamento dos honorários advocatícios (fls. 82/86).

Malcontente, Celesc Distribuição S/A aduz que por determinação emanada da Ação Civil Pública nº 97.0003822-0 – em tramitação perante a Justiça Federal -, como de praxe apenas exigiu a apresentação do Laudo Ambiental, não tendo, em momento algum, negado ligação à rede.

Sustenta que o documento de fl. 21 aponta justamente a restrição ecológica incidente sobre o lote em questão, e que Fabrício Medeiros Garcia carece de qualquer documentação legitimando o domicílio, que se situa em faixa de restinga fixadora de dunas, portanto em APP-Área de Preservação Permanente, termos em que – pugnando pelo afastamento da obrigação de satisfação dos honorários -, brada pelo conhecimento e provimento do apelo (fls. 90/112).

Na sequência, sobrevieram as contrarrazões, onde Fabrício Medeiros Garcia refuta as teses manejadas, clamando pelo desprovimento da insurgência, requerendo seja arbitrada verba honorária recursal (fls. 118/131).

Ascendendo a esta Corte, foram os autos por sorteio originalmente distribuídos ao Desembargador Marcos Tulio Sartorato, que, em aresto da Terceira Câmara de Direito Civil, apontou ser uma das Câmaras de Direito Público competente para dirimir a quaestio (fls. 144/148), vindo-me então conclusos (fl. 150).

Em Parecer da Procuradora de Justiça Walkyria Ruicir Danielski, o Ministério Público apontou existência de nulidade absoluta, consistente na falta de intimação do custos legis no 1º Grau. Em não sendo o caso de cassar a sentença, opinou pelo conhecimento e provimento da insurgência (fls. 154/163).

Constatando ocorrência da mácula, determinei a oitiva do parquet na origem (fls. 165/167).

Ato contínuo, a 1ª Promotoria de Justiça da comarca de Jaguaruna apontou que ainda prossegue a discussão no bojo da ação de Obrigação de Fazer n. 0301327-95.2017.8.24.0282 sobre a incompetência da Justiça Estadual para decidir acerca da situação ambiental do loteamento, razão pela qual, por cautela, o melhor seria o sobrestamento do presente feito. Alternativamente,pugnou por nova vista dos autos (fl. 173).

Empós, retornaram-me os autos conclusos (fl. 175).

É, no essencial, o relatório.

 

VOTO

Por vislumbrar a tempestividade e o recolhimento do preparo (fls.113/114), nos termos dos arts. 1.012 e 1.013 do NCPC, recebo o apelo no duplo efeito, e dele conheço porque atende aos demais pressupostos de admissibilidade.

Como bem observado pela Procuradora de Justiça Walkyria Ruicir Danielski, não houve intimação do custos legis na origem, o que implicaria em nulidade absoluta.

Contudo, antes disso determinei a intimação da 1ª Promotoria de Justiça da comarca de Jaguaruna, para que “se manifestasse sobre a existência ou a inexistência de prejuízo […]” (art. 279, § 2º, do NCPC).

Sobreveio então Parecer, no sentido que ainda há discussão no bojo da ação de Obrigação de Fazer n. 0301327-95.2017.8.24.0282, relativamente à incompetência da Justiça Estadual para decidir acerca da situação ambiental do Loteamento Campos Verdes, e que, por cautela, seria melhor o sobrestamento do presente feito até a solução daquela actio.

Alternativamente, caso superado o item, o parquet pugnou por nova vista dos autos (fl. 173).

Pois bem.

É compreensível a preocupação do órgão ministerial.

Mas sustar a entrega jurisdicional até o julgamento de uma outra quaestio – e sem que haja uma manifestação explícita daquele juízo para suspender processos análogos, a exemplo da previsão contida no art. 982, inc. I, do NCPC -, seria um entrave à celeridade processual.

Assim, passo ao exame da aventada nulidade.

A Procuradoria-Geral de Justiça encampou o munus de vetar a ligação da rede elétrica, o que tem sido a praxe do custos legis em casos semelhantes.

Consolida-se, igualmente, o disposto no art. 282, § único, da Lei nº 13.105/15, no sentido de que o juiz,”quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, não pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta […]”.

Deste modo, dou por sanado o vício.

Passo, então, à análise do mérito.

Na exordial, Fabrício Medeiros Garcia afirma ser residente e domiciliado na rua João Rodrigues Martins, n. 427, bairro Centro, no município de Capivari de Baixo.

De outro vértice, o terreno no qual pretende a ligação da energia elétrica, situa-se no município de Jaguaruna. Tudo leva a crer que o princípio constitucional da moradia, conjugado com o da dignidade da pessoa humana – como tem sido tão justificado em outros julgados de nossa Corte para favorecer o consumidor -, já não é tão excelso assim.

Até pode ser verdade que Fabrício Medeiros Garcia esteja querendo a mudança de morada para, com isso, propiciar melhora das condições de saúde de seus familiares:

[…] “Ana Clara Isidro Garcia, criança, é portadora de asma brônquica desencadeada por alérgenos, necessitando residir em ambiente litorâneo – ar puro para melhora clínica de sua patologia […]”(fl. 28).

Em suma, existem inúmeras variáveis.

Mas o risco mesmo de não ter onde residir – e que esteja desprovido de acesso à energia elétrica -, não me parece tão axiomático.

Não vou subvalorizar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

De outro vértice, adianto a existência de posicionamentos distintos nas Câmaras de Direito Público de nosso Pretório, acerca de imóveis situados no município de Jaguaruna.

Nesta Primeira Câmara de Direito Público, em julgado sob relatoriado Desembargador Carlos Adilson Silva, o colegiado de julgadores posicionou-se desfavorável à ligação da energia elétrica, prevalecendo a constatação de que a obra era clandestina (Agravo de Instrumento n. 4009898-67.2016.8.24.0000).

Em outro precedente, sob relatoria do Desembargador Pedro Manoel Abreu, o particular foi beneficiado, porque existente indicativo de que o imóvel pertenceria a loteamento legalizado (Apelação Cível n. 0301791-27.2014. 8.24.0282).

Já a Segunda Câmara de Direito Público converge para observância dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e dignidade da pessoa humana, acolhendo, então, as pretensões para ligação da energia elétrica (Apelação Cível n. 0300099-22.2016.8.24.0282).

A Terceira Câmara de Direito Público, ora decide considerando o adensamento urbano na região para permitir o fornecimento desejado (Apelação Cível n. 0300691-37.2014.8.24.0282), ora apontando a existência de dunas e, via de consequência, a impossibilidade do intento (Apelação Cível n. 0301011- 19.2016.8.24.0282), sem descurar de casos em que a ausência de Alvará construtivo constitui, igualmente, fator impeditivo (Agravo de Instrumento n. 4009902-07.2016. 8.24.0000).

E a Quarta Câmara de Direito Público – conforme a peculiaridade de cada demanda -, também apresenta posicionamentos díspares, testificando que em virtude da”ausência das condicionantes documentais para a realização da construção, dá-se a desoneração da concessionária ao fornecimento do serviço,sob pena de deturpação indevida dos normativos legais reguladores da matéria[…]” (Agravo de Instrumento n. 4002269-08.2017. 8.24.0000), ou seja, permite o acesso à serviço”essencial, sobretudo quando a vizinhança, em situação análoga, goza plenamente do serviço […]” (Agravo de Instrumento n. 4010389- 74.2016.8.24.0000).

A Quinta Câmara de Direito Público, por sua vez, respalda a recusada distribuidora de energia elétrica, mormente se não houver”provas de que se trata de área urbana consolidada […]”(Agravo de Instrumento n. 4014252-38.2016.8.24.0000). Mas há precedente autorizando o serviço almejado, sob o fundamento de que o dano ambiental restou absorvido pela ação do homem,preponderando a urbanização da área (Apelação Cível n. 0301051-35.2015.8.24. 0282).

Inúmeras nuances podem explicar as diferenças.Basta ver que num raio de menos de 50 (cinquenta) metros, pode um imóvel estar aquém, ou além, da linha da faixa de areia (APP), implicando distintas consequências no fornecimento de energia elétrica (fl. 21):

(…)

Em outra imagem constante nos autos, a descrição é mais nítida:

(…)

Cada peculiaridade merece ser ponderada.

No mesmo local onde Fabrício Medeiros Garcia edificou sua casa, podem existir propriedades providas de energia elétrica.

Contudo, isto não confere salvo conduto especificamente para sua residência, que está dentro da faixa de preamar, onde a construção é vedada pela Resolução nº 303/02 do CONAMA.

Imaginemos se as pessoas começassem a edificar construções em cima da faixa de areia da praia, e solicitassem a ligação de energia elétrica sob o argumento de que as residências vizinhas – situadas a menos de 15 (quinze), 20(vinte) ou 30 (trinta) metros -, também estão providas de eletricidade.

Óbvio que perto do ponto referencial, existirão implemento surbanísticos.

Entretanto, isso não significa dizer que o particular vai poder exigir a edificação justamente em um local impróprio.

Por isso, não aquiesço com o chavão” trata-se de área urbanizada e consolidada onde diversas residências vizinhas possuem energia elétrica […]”(fl. 02).

Não há como prosperar esse panorama de que tudo é igual.

Talvez o fato de existirem tantos julgados díspares seja justamente por conta dessas características próprias atribuídas a cada terreno, que merecem e devem ser sopesadas.

E no caso em liça, o ponto central para dirimir a quaestio consubstancia-se na falta de prova para corroborar a conformidade e regularidade da edificação.

Em resumo, inexiste Alvará ou Licença acostada nos autos, o que evidencia a clandestinidade da obra, de modo que a ausência de respaldo do Poder Público passa a ser justificativa, sim, para recusa da ligação.

Afinal,”não é ilegal nem indevida a recusa da concessionária deligar à sua rede de energia elétrica edificação clandestina realizada sem o necessário Alvará de Licença do Município, em Área de Preservação Permanente”(RNMS n. 2013.018733-3) (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4009898-67.2016.8.24.0000, rel. Des. Carlos Adilson Silva j. 03/10/2017).

Permitir a ligação de energia elétrica aleatoriamente, é contribuir para o crescimento desordenado, o que não deve ser respaldo pelo Judiciário.

Portanto, julgo improcedente o pedido.

E diante da reforma da sentença, imprescindível a redistribuição dos ônus sucumbenciais, com a condenação de Fabrício Medeiros Garcia ao pagamento dos honorários, que, em virtude da impossibilidade de mensuração do proveito econômico da demanda, resta mantido nos moldes do veredicto (art.85, §4º, inc. III, do NCPC).

De outro vértice, anoto que este órgão julgador fracionário vinha arbitrando honorários recursais também para os casos de procedência total ou parcial do recurso.

No entanto, de maneira invariável, o STJ tem reiteradamente decidido pela literal aplicabilidade do art. 85, § 11, do NCPC, consignando que”é devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, doCPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/03/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso“(STJ, AgInt nos EREsp nº 1.539.725/DF, Rel.Min. Antônio Carlos Pereira, j. 09/08/2017 – grifei).

Assim, em respeito ao primado da segurança jurídica e uniformidade das decisões judiciais (art. 926 e 927 do NCPC), deixo de aplicar a referida verba sucumbencial recursal. Dessarte, conheço do recurso, dando-lhe provimento, rejeitando o pedido formulado, o que faço com resolução de mérito (art. 487, inc. I, do NCPC), restando invertida a distribuição dos ônus sucumbenciais.

É como penso. É como voto.

Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER

Relator

 

Direito Ambiental

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3 Comentários

  1. Permitir a ligação de energia elétrica aleatoriamente é contribuir para o crescimento desordenado da cidade. Em Florianópolis temos graves problemas urbanísticos, que ocorrem, muitas vezes, pela inércia do Poder Público em fiscalizar.

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