Informações acessadas pela EcoAgência expõem outras atitudes da futura Secretária da Sema/RS que teve a gestão na Fepam questionada na Justiça
Por Eliege Fante – especial para a EcoAgência
A EcoAgência disponibiliza a segunda parte da reportagem “O modo Ana Maria Pellini de agilizar licenças ambientais”, cuja primeira parte foi publicada ontem (26/12), e que apresenta outras evidências sobre o empenho de Ana Maria Pellini, enquanto gestora da Fepam (2007-2009), de realizar o licenciamento ambiental em conjunto com as empresas da silvicultura. Este “em conjunto” vai muito além do sentido de “em diálogo” de acordo com alguns procedimentos impostos ao corpo técnico da Fepam: emitir uma licença prévia com o prazo aberto para entrega do Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório (EIA-RIMA), sendo que este instrumento é justamente o estudo necessário para se emitir ou não a licença; ter prazo determinando o dia da emissão da licença mesmo faltando as informações para poder avaliar a viabilidade ambiental do empreendimento; ter técnicos impedidos de solicitar complementações quando as informações vinham incompletas ou incorretas; ter a direção dizendo que tem que confiar no que o empreendedor diz.
Em 14 de junho de 2007, a Boise Cascade do Brasil Ltda, então com sede em Guaíba/RS, enviou requerimento à Fepam para a reapreciação das condicionantes n.os 2.2, 2.3, 2.4, 2.5, 2.9, 2.10 e 4.1, além do item 8 dos requisitos para a renovação das licenças de operação 1815, 1822, 1829, 2174 e 1459/2007, “[…] a fim de que se possa adequar as exigências presentes […]”. A Boise se diz uma “pessoa jurídica dedicada às atividades de (a) fabricação, aquisição, venda, importação e exportação de tábuas de madeira, compensado e outros produtos derivados de árvores, (b) exploração de atividades agrícolas, inclusive extrativas vegetais e (c) florestamento, reflorestamento e demais atividades relacionadas à silvicultura”. Em 2008 foi adquirida pela Aracruz com“áreas licenciadas de 15,4 mil ha de terras, das quais 10,2 mil ha plantadas com eucalipto, além de uma laminadora, máquinas, equipamentos e edificações. A aquisição aprovada tem por objetivo atender à demanda por expansão da base florestal da Companhia relacionada ao projeto de expansão da Unidade Guaíba”. Desde 2009, a CMPC (empresa chilena) incorporou o projeto da Aracruz, assumindo o comando sobre estas áreas.
No quadro a seguir, apresentamos as referidas licenças de operação, um total de cinco, as quais a Boise requeria “providências” da diretora-presidenta da Fepam:
LO’s |
Município |
Porte |
Entrada no sistema |
Processo-Situação |
Vigência |
LO -Situação |
2174 |
Butiá |
Excepcional |
26/04/2007 |
003496-0567/07-5 – Arquivado |
11/06/2007 a (indeterm.) |
Vencido |
1459 |
Eldorado do Sul |
Grande |
03/04/2007 |
002609-0567/07-6 – Arquivado |
25/04/2007 a (indeterm.) |
Vencido |
1829 |
Eldorado do Sul |
Pequeno |
03/04/2007 |
002608-0567/07-3 – Arquivado |
17/05/2007 a (indeterm.) |
Vencido |
1822 |
Eldorado do Sul |
Pequeno |
03/04/2007 |
002610-0567/07-3 – Arquivado |
17/05/2007 a (indeterm.) |
Vencido |
1815 |
Arroio dos Ratos |
Médio |
03/04/2007 |
002611-0567/07-6 – Arquivado |
17/05/2007 a (indeterm.) |
Vencido |
Reprodução de informações disponíveis no site da Fepam
Em 6 de julho de 2007, a Boise cobrava do órgão de proteção e planejamento ambiental do RS o cumprimento de acordos feitos a partir do documento citado anteriormente porque em Ofício Fepam DASP 1987/07 (20 de junho) “constam orientações contrárias às conclusões obtidas na reunião e as determinações exaradas pela presidenta” (grifo nosso). Segue:
“foram mantidas pela divisão agrossilvipastoril a exigência de distanciamento de 2/3 da altura média final do povoamento florestal na divisa com propriedades vizinhas – o que resultaria em uma distância de mais de 20 metros – enquanto que em nossa reunião havia sido acordado a retirada dessa exigência , […]. Além disso, a exigência relativa a averiguação e monitoramento da presença da população de Lepthoplosternum tordilho (espécie ameaçada de extinção) foi mantida, ao contrário de determinação expressa”.
Uma breve interrupção na descrição do requerimento para esclarecer que uma das reclamações mais frequentes feitas a Fepam se refere ao sombreamento provocado pelas lavouras da silvicultura que prejudicaria o desenvolvimento das diferentes culturas dos lindeiros.
Por fim, a Boise pedia nesse requerimento “providências no sentido de que as conclusões obtidas na reunião de 18 de junho fossem observadas pela divisão agrossilvipastoril de modo que as futuras licenças bem como aquelas já emitidas, observem as disposições constantes na legislação aplicável e as diretrizes traçadas por V. Sa.”. (grifo nosso).
Em resposta a esta demanda da empresa, Ana Maria Pellini enviou de volta o Ofício Fepam Gabinete n.o 399/2007, em 17 de agosto de 2007, afirmando:
“com relação à exigência de manutenção de aceiro 2/3 da altura média final do povoamento, na divisa com lindeiros, concordo com a proposta da empresa de manter a distância de 10 metros de aceiro, como vem fazendo há quase 20 anos, porém com o compromisso de que em havendo manifestação expressa de algum vizinho lindeiro a empresa assuma o compromisso de atender as reivindicações apresentadas até o limite inicialmente estabelecido como regra geral por esta Fundação.
No tocante ao monitoramento de fauna, igualmente acolho a proposta apresentada, estabelecendo, porém, que nos locais destinados à recuperação das áreas de preservação permanente degradadas e reserva legal o monitoramento de fauna e flora deve fazer parte do programa de recuperação como indicador da eficiência do mesmo.
Por fim, quanto à observância da Norma Técnica ABNT NBR 14789, também considero cabíveis as ponderações apresentadas e dispenso a sua observância, mas como trata-se de orientação com saudável cunho econômico-social, recomendo que seus princípios, na medida do possível e a critério da empresa, sejam observados.”
O modo Ana Maria Pellini de agilizar as licenças ambientais compreendia além desta forma de dialogar com os empresários, simplificar as regras do licenciamento ambiental. O Ibama/RS, por meio do Grupo de Trabalho Bioma Pampa, destacou em avaliação divulgada ainda em 2007, a publicação da Portaria n.o 32 da Fepam, em 28 de maio de 2007, a qual “dispensa o licenciamento ambiental prévio e de operação relativo às atividades de silvicultura para áreas de até 40 hectares e estabelece o Relatório Ambiental Simplificado (RAS) para o licenciamento de áreas maiores que 40 hectares e menores que 1.000 hectares, restringindo a exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório (RIMA) às áreas superiores a 1.000 hectares ou que possam causar significativa degradação ambiental, independentemente do tamanho da área a ser ocupada […].”
De fato, o Ibama/RS já havia constatado nesta avaliação citada, principalmente três iniciativas do Governo Yeda Crusius que buscaram “dificultar ou postergar a aplicação” do Zoneamento Ambiental para a Silvicultura, o documento regrador desta atividade:
“- a instituição (pela Sema), em 21/02/07 (Portaria SEMA n.o 006) de um Grupo de Trabalho integrado majoritariamente por representantes de secretarias estaduais e de entidades empresariais com o objetivo de realizar adequações ao Zoneamento realizado pelos técnicos da SEMA;
– a assinatura, em 03/05/2007, de um novo Aditamento ao Termo de Compromisso Ambiental (TCA) aditado em 19/04/2007 pelo Governo do Rio Grande do Sul e o Ministério Público Estadual, com alteração da sua cláusula segunda. O objetivo desta iniciativa foi incorporar as considerações do Grupo de Trabalho formado pelo Governo Estadual e entidades empresariais na análise para emissão de licenças ambientais para a silvicultura enquanto o Zoneamento não for aprovado pelo CONSEMA”.
Com relação ao cumprimento deste Aditamento de 03 de maio de 2007, segundo as informações acessadas pela EcoAgência, “eramissão impossível, pois o documento recomendava a total reformulação do Zoneamento Ambiental para a Silvicultura e o licenciamento ambiental sem a sua utilização”.
Em conclusão: realizar o licenciamento ambiental em conjunto com as empresas da silvicultura, simplificar as regras do licenciamento ambiental para esta atividade e exercer pressão constante e direta sobre o corpo técnico da Fepam são as ações que caracterizam o modo Ana Maria Pellini de agilizar o processo complexo que é o licenciamento ambiental. O difundido “clima de terror” vivenciado por servidores da Fepam, desde o início da sua gestão, marcou e, ao menos um processo por assédio moral a um técnico condenou a Fundação a indenizá-lo. O trecho de uma ata de Assembleia Geral Extraordinária dos Empregados da Fepam realizada em 2008, descreve a rotina de trabalho dos técnicos:
“[…]. A interferência sistemática da Presidente Ana Pellini interferindo nos trabalhos técnicos e nas exigências de retiradas de condicionantes de licenças e que a mesma impõe aos técnicos verbalmente sem mandar por escrito suas determinações. Que o importante para a atual Direção é apenas a liberação de licenças sem se preocupar com os resultados para o meio ambiente, ou seja, não há planejamento ambiental, não se faz gestão ambiental. Foi falado do desmonte do Departamento de Qualidade Ambiental da FEPAM que está sendo esvaziado nas suas atribuições e cujos técnicos estão sendo sistematicamente deslocados para o Departamento de Controle e agora também para o Laboratório, caracterizando a despreocupação com o planejamento e gestão ambiental. […].”
“A agilização das licenças é um desejo de todos. O que não podemos aceitar é o descumprimento da legislação ambiental para que esta agilização ocorra”, disse uma fonte ouvida pela EcoAgência. A partir do anúncio do governador eleito José Ivo Sartori da nomeação de Ana Maria Pellini para a chefia da Sema, funcionários da Fepam expressaram o temor “com o possível esvaziamento do órgão no governo Sartori”, conforme o noticiado:
“O temor é que haja uma sobreposição de competências nas tarefas de fiscalização e licenciamento ou que essas atividades saiam da esfera da Fepam, o que poderia significar um enorme esvaziamento do órgão. Isso seria um retrocesso em dois sentidos: além de desvirtuar a função da SEMA de elaboração das políticas ambientais, colocaria por terra um dos grandes esforços da atual gestão na Fepam, que foi a revisão da normatização e a criação de um departamento de fiscalização”.
Em 2013, por conta dos resultados da Operação Concutare, Ana Maria Pellini foi ouvida pela imprensa por ter sido “responsável por coordenar um processo que buscou reduzir a fila de espera para análise dos processos visando o licenciamento ambiental quando presidia a Fepam”. Para ela, a “desburocratização” pode ser o antídoto contra a corrupção, disse:
“A tramitação burocrática e a subjetividade nas análises fazem com que o processo seja extremamente demorado. Isso precisa mudar.”
Entretanto, além de valorizar e mostrar a complexidade do trabalho dos técnicos, faltou à grande imprensa noticiar, durante a sua gestão, que: “só no ano de 2007 ela mandou arquivar 3.553 pedidos de licenciamento ambiental pendentes na FEPAM (Ordem de serviço 20/2007-DT), como forma de mostrar eficiência”.
A Operação Concutare, que apontou supostas irregularidades no licenciamento ambiental no Rio Grande do Sul, foi deflagrada em 29 de abril de 2013 e prendeu 18 pessoas entre servidores públicos, consultores ambientais e empresários que atuam em órgãos públicos. Todos respondem em liberdade. Dentre os acusados pela Polícia Federal estão: o ex-secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre, Luiz Fernando Zachia; o do Rio Grande do Sul, Luís Carlos Niedersberg e, o ex-secretário estadual do Meio Ambiente Berfran Rosado (durante o Governo Yeda Crusius).
O conceito de licença ambiental, tão incompreendido, está disponível no site da própria Fepam. E diz:
“um instrumento para proteção dos ecossistemas e melhoria da qualidade ambiental, consistindo na obrigação de prévia autorização dos órgãos ambientais para a implantação e operação de atividades potencialmente poluidoras (na prática, as principais atividades econômicas e sociais dependem hoje de licenciamento). O licenciamento não é apenas a emissão de um documento, mas uma série de atividades complexas que abrange, entre outros, a análise técnica preliminar, a abertura de espaços e promoção do debate público e a fiscalização posterior do atendimento aos termos da licença ambiental”.
Nota da EcoAgência
Não podemos encerrar a nossa reportagem sem lembrar um dos tantos crimes cometidos contra a liberdade de informação, mas que nos marcou profundamente. Em 10 de maio de 2008 a EcoAgência, criada e mantida pelo Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS), passou a sofrer o ataque de crackers (criminosos da internet) os quais, diariamente inseriam mensagens agressivas e retiravam as notícias do site, prejudicando consideravelmente nossa cobertura. Uma das notícias que foi retirada do site “Licença prévia da Fepam à Aracruz desconsidera limites de poluentes”, teve o apoio de blogueiros e demais amigos da liberdade de informação para ser divulgada.
Na ocasião, solicitamos providências à Polícia Federal e o apoio do CPD da UFRGS, mas como os ataques continuaram e se intensificaram o NEJ-RS decidiu tirar a EcoAgência da Internet na tarde de 10 de junho de 2008. Consideramos aqueles ataques um atentado ao direito à informação e à liberdade de imprensa, assegurados pela Constituição Federal. Até a presente data os motivos dos ataques não foram esclarecidos, mas ainda não descartamos a possibilidade de sabotagem, em função da atuação da EcoAgência na denúncia de desmandos e atentados ao meio ambiente, contrariando poderosos interesses políticos e econômicos.
Com o apoio do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, o NEJ-RS teve uma audiência com o superintendente da Polícia Federal no RS, Ildo Gasparetto, para denunciar o crime e pedir investigações. Enquanto o nosso atual e seguro portal de notícias na internet não ficava pronto, continuamos a nossa cobertura jornalística ambiental em um blog e contando com o apoio daqueles que acreditam que a liberdade de imprensa é indispensável em uma sociedade democrática. O novo portal foi lançado em 26 de novembro de 2008 e, desde então, não sofremos mais nenhum ataque de crackers.
Foto: Filipe Castilhos/Sul21/Divulgação
Leia também a primeira parte da matéria: http://direitoambiental.com/?p=3698