Por Eliege Fante – Especial para a EcoAgência
Parte 1 – Agilizar, liberar, desafogar, destravar as licenças ambientais são palavras de ordem da futura secretária do Meio Ambiente (Sema), indicada pelo Governo Sartori que toma posse no primeiro dia de 2015. Ana Maria Pellini mostrou a sua forma de gestão enquanto diretora-presidenta da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam), entre 2007 e 2009. As notícias veiculadas a partir de maio daquele ano, quando assumiu, davam conta do “planejamento para zerar os estoques” de licenças ambientais até então expedidas de acordo com as regras estabelecidas no Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta assinado entre o Ministério Público Estadual, a Fepam e Sema em 12 de junho de 2006. Para “desovar” as licenças, “mudou as equipes designadas para analisar os Estudos de Impacto Ambiental e os respectivos Relatórios (EIA-RIMA’s), implantou uma força tarefa com participação de técnicos de outras secretarias sem experiência no setor e determinou a emissão das licenças em prazos exíguos”, ouvimos.
A silvicultura teria sido o setor mais beneficiado na gestão de Ana Maria Pellini, tanto que, recém passados três meses de comando na Fepam, o Ministério Público Estadual (MPE) requereu à Justiça a abstenção deste órgão de proteção ambiental de expedir licenças para esta atividade produtiva quando o somatório das áreas superassem os mil hectares, sem a exigência de EIA-RIMA, conforme a Cláusula Segunda do Termo de Ajustamento de Conduta. O MPE lembrava o compromisso assumido pelo Executivo para poder viabilizar mais esta onda de implantação da silvicultura no Estado: expedir as licenças ambientais após terem sido aprovados pela Fepam, “os respectivos estudos de impacto ambiental, com a devida publicidade”. Afirmava ainda o objetivo de evitar que: “o licenciamento fracionado […] resulte em danos irreversíveis ao ambiente que não puderam ser previamente identificados e planejados por meio dos instrumentos de gestão de riscos”.
Consta nesta petição ajuizada pelo MPE que nesses três meses de gestão em 2007, da futura secretária do Meio Ambiente gaúcho, já haviam sido expedidas 68 licenças apenas para as quatro maiores empresas da silvicultura. Somente em 02 de outubro de 2007, a intimação chegou à assessoria jurídica da Fepam. E, a primeira resposta, pode sugerir uma tentativa de postergar a tomada de conhecimento do processo e, por consequência, o cumprimento da sua determinação. A assessoria jurídica da Fepam enviou à Justiça uma petição informando que:
“[…] visando dotar a FEPAM de uma maior eficiência administrativa, entendeu a senhora diretora-presidenta da FEPAM que, a partir de 01.10.07, não mais conferir os poderes especiais de mandado aos advogados da FEPAM, de receber as citações e intimações judiciais.”
“[…] todas as citações e intimações judiciais deverão ser centralizadas na Presidência da FEPAM.”
“Ocorre que, por não estar habituada com a nova orientação da Presidência da FEPAM, a Chefia da Assessoria Jurídica recebeu do Senhor Oficial de Justiça o mandado de citação e intimação do processo de execução em tela.”
“Isso posto rogamos que Vossa Excelência determine uma nova citação e intimação na pessoa da Senhora diretora-presidenta da FEPAM para que a mesma possa surtir os seus jurídicos efeitos.”
O novo mandado chegou à Fepam em 10 de outubro de 2007. Na véspera, a pressão teria sido quase insuportável conforme as informações que acessamos, a ponto de terem sido alterados procedimentos internos da Fepam para “agilizar a liberação” das licenças. Mensagem enviada do Departamento de Finanças ao setor responsável pelo sistema de informática, com a urgência assinalada “crítica” tem a seguinte descrição:
“Estamos necessitando, por demanda da Presidenta, que sejam colocados em vigor uns pagamentos feitos hoje. A […] é a pessoa que tem feito esta operação. O […] desceu na Central de Atendimento e está aguardando lá. Tentei passar esta mensagem para a […], mas ela está desconectada. Por favor, avisa-a. Gracias.”
Foi revelado à EcoAgência que, “em 9 de outubro, até o diretor administrativo foi chamado para ajudar no protocolo e mais dois ou três técnicos, por determinação da diretora-presidenta ficaram até 19h45 para emitirem as licenças que estavam sendo protocoladas naquele dia”.
Um dia depois do recebimento do mandado do Ministério Público pela Presidência, Ana Maria Pellini ainda teve tempo de comunicar à diretoria administrativa da Fepam:
“Determino, em caráter excepcional, que sejam recebidos os documentos da Votorantin Celulose e Papel S.A. com vista a abertura de processos administrativos para fins de licenciamento ambiental, tendo em vista que os valores foram pagos nesta data.” (grifos originais)
Segundo as revelações, a semana entre 3 e 10 de outubro, foi tensa na Fepam. “Ela (Ana Maria Pellini) queria que os técnicos emitissem as licenças sem as empresas terem protocolado o processo, e quando informada que isso não era possível, telefonou para as empresas trazerem os processos, fez os funcionários do protocolo trabalharem depois do expediente.”
Uma das empresas que enviou as informações para “agilizar” a emissão de licenças foi a Aracruz Celulose S.A., com assunto “LO Fepam”, prioridade “Alta”, e apresentou os números de “LO integradora e números de processo de pedido de LO pendentes”, em 5 de outubro de 2007. (Veja aqui a descrição)
No site da Fepam, vimos que o processo referente às quatro primeiras fazendas entraram no sistema em 3 de outubro de 2007 e a licença de operação foi emitida em 8 de outubro de 2007 (LO n. 06352/2007-DL). A validade dessa licença se encerrou em 8 de outubro de 2011. Acessamos o processo da Fazenda Jazidas, São Sepé, a qual tem a licença em vigor e o passivo Área de Preservação Permanente (APP) degradada.
Um dos testemunhos ouvidos pela Justiça em 2011, em razão da ACP movida em outubro de 2007 pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o Ibama, a Fepam, a Stora Enso, a VCP, a Aracruz, a Derflin Agropecuária Ltda, a Azenglever Agropecuária Ltda e o BNDES, traz o relato de uma pessoa da área técnica da Fepam sobre o percurso seguido até a conclusão de expedir ou não a licença de operação solicitada:
“[…] E antes de ele plantar ele tinha que fazer, como ele entra lá no sistema, o meu sistema, quando ele diz onde ele está, me coloca toda uma documentação que ele tem que me apresentar… Está ali… Laudo de cobertura vegetal da área do empreendimento, ou seja, ele fez um levantamento de vegetação no EIA-RIMA, mas na propriedade ele vai ter que me fazer um levantamento minucioso, da cobertura vegetal, caracterizando as formações vegetais ocorrentes, “incompreensível”, etc., com espécies em extinção, espécies endêmicas, vai ter que fazer um laudo de fauna, vai ter que me dizer onde é a APP, se a APP tem a cheia sazonal, onde fica o curso hídrico, onde é o leito do curso hídrico, vai ter que me dizer, me apresentar, um mapa detalhado, me dando essas APPS, me dizendo onde elas ficam, onde tem espécie imune ao corte, ameaçada de extinção, sítios arqueológicos, sítios paleontológicos, sítios históricos, valor paisagístico, valor artístico… Vai ter que me apresentar isso em forma digital, vai ter que me apresentar aqueles planos de gerenciamento de resíduos sólidos, programa de capacitação ambiental dos empregados, das pessoas que vão plantar ou que vão medir as áreas todas, ele tem que me apresentar um projeto de recuperação de áreas degradadas, de áreas mineradas, áreas de APP que não existem mais, que foi destruída, ele tem que me apresentar tudo isso, além do projeto florestal. E isso pode variar em função da unidade de paisagem; eu tenho unidades de paisagens onde ocorrem mais sítios arqueológicos, onde a gente tem mais, onde tem a quilombola, onde tem indígena, etc. […]”
De fato, essa complexa leitura e análise de dados, sem contar as necessárias vistorias in loco, não tem condição de ser realizada em três dias, ainda mais que, o corpo técnico da Fepam não tinha apenas as solicitações de licenças de operação de uma única empresa da silvicultura e tampouco somente pedidos provenientes desta atividade produtiva. A tão propagada, principalmente pela diretora-presidenta, “morosidade” da Fepam na “liberação” de licenças ambientais merece ser questionada. Até porque, durante a sua gestão, muito se dizia a respeito do reduzido corpo técnico do órgão. Apesar dessas dificuldades, a mesma testemunha citada anteriormente revelou à Justiça que, empresas constantes nesta ACP, licenciaram mais áreas para o plantio em relação ao número de hectares que efetivamente receberam a monocultura arbórea.
Entidades Ambientalistas lançaram recentemente o “Manifesto contra a nomeação de Ana Maria Pellini para a chefia da SEMA”, lembrando a “tentativa de deixar sem efeito o Zoneamento Ambiental da Silvicultura” e de não cumprir as etapas do processo de licenciamento ambiental, como a exigência dos Estudos de Impacto Ambiental, no período em que foi diretora-presidenta da Fepam. Lembraram também da Ação Civil Pública (ACP) que moveram na Justiça, em agosto de 2007, acusando-a de improbidade administrativa. Esta ACP teve a sentença julgada improcedente em setembro de 2012 e foi extinta pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 26 de novembro de 2014. A justificativa é a de que associações civis não são partes legítimas em ações de improbidade, estas somente podem ser propostas pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada.
Não é a primeira vez, que Ana Maria Pellini é criticada publicamente após ser indicada para assumir um cargo. Em 4 de maio de 2011, em “Sindicato critica nomeação de ex-secretária geral do governo Yeda como CC da Procempa”, vimos que o Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do Rio Grande do Sul (Sindppd) esclarece em nota que Ana Maria Pellini, indicada para um Cargo em Comissão (CC) na empresa municipal de tecnologia da informação (Procempa), ia ocupar o cargo de Assessor (a) de Projetos Especiais II, nível 122, e especificaram, um dos mais altos salários da empresa, e citaram um relatório apontando que no ano anterior, 56% dos funcionários da empresa não eram de carreira. Afirmavam ainda:
“Infelizmente, Pellini é mais uma CC da Procempa envolvida em denúncias de irregularidades. […].”
A aprovação pelos deputados do projeto de lei que determina a nova estrutura do Executivo estabelece, entre outras medidas, a alteração do nome da Secretaria do Meio Ambiente para Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. A Conselheira da Agapan, Edi Fonseca, lembra que a Sema, criada em 1999, é o órgão central do Sistema Estadual de Proteção Ambiental (Sisepra), responsável pela política ambiental do RS. Para ela, a alteração aprovada fragiliza ainda mais o Sisepra, vítima de pressão direta dos setores econômicos, principalmente do agronegócio e da indústria.