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Crimes ambientais: Fuga do local do desmatamento não caracteriza crime de obstrução à fiscalização do Ibama

“A 4ª Turma do TRF 1ª Região, por unanimidade, negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra decisão do Juízo da Vara Única de Altamira/PA, que rejeitou a denúncia oferecida contra duas pessoas acusadas da prática do crime previsto no art. 69 da Lei nº 9.605/98 (dificultar ou impedir fiscalização do poder público em questões ambientais), por terem se evadido do local em que agentes do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizariam ação de fiscalização ambiental, após ter sido detectado desmatamento por imagens de satélite, dificultando as atividades do poder público.

Entendeu o juiz sentenciante que na denúncia não há exposição da conduta dos denunciados, demonstrando que tenham efetivamente obstado ou dificultado a ação fiscalizatória do Ibama. Ressaltou que não há comprovação de que a fuga dos acusados tenha dificultado a identificação do dano ambiental, circunstância que depende exclusivamente da análise técnica do órgão ambiental, ou a identificação dos autores do dano.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Néviton Guedes, destacou que, de fato, a evasão do local do desmatamento por si só não configura a prática do crime previsto no art. 69 da Lei nº 9.605/98. Contudo, como ressaltado pelo juiz de primeiro grau, a identificação do dano ambiental depende exclusivamente da análise técnica do órgão ambiental. Portanto, ponderou o magistrado, ‘a evasão dos acusados não teve o condão de tornar difícil o exercício do poder de polícia administrativa do Ibama’.

Deste modo, por entenderem que não ficou comprovado que os acusados criaram obstáculo à ação fiscalizadora do Ibama, o Colegiado acompanhou o voto do relator, negando provimento à apelação”.

Fonte: TRF1, 05/06/2017.

 Direito Ambiental

Confira a íntegra da decisão:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N. 0035996-48.2011.4.01.3900/PA

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES
RECORRENTE : JUSTICA PUBLICA
PROCURADOR : CYNTHIA ARCOVERDE RIBEIRO PESSOA
RECORRIDO : ADEMIR DA SILVA FRAGA
ADVOGADO : MT00015828 – MARLON ARTHUR PANIAGO DE OLIVEIRA E OUTRO(A)
RECORRIDO : ORDEIR LUIZ MINEIRO DOS SANTOS
DEFENSOR COM OAB : ZZ00000001 – DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO – DPU

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão do Juízo da Vara Única da Subseção Judiciária de Altamira/PA (fls. 51-3) que rejeitou denúncia oferecida contra Ademir da Silva Fraga e Ordeir Luiz Mineiro dos Santos pela conduta descrita no art. 69 da Lei 9.605/1998, sob o fundamento de inexistência das circunstâncias elementares do crime.

Entendeu o juiz de primeiro grau que na denúncia não há a exposição da conduta dos denunciados demonstrando que tenham efetivamente obstado ou dificultado a ação fiscalizatória do IBAMA. Também não há a comprovação de que a evasão dos acusados tenha dificultado a identificação do dano ambiental, circunstância que depende exclusivamente da análise técnica do órgão ambiental, ou a identificação dos autores do dano.

A denúncia narra que os acusados teriam se evadido do local em que agentes do IBAMA realizariam fiscalização ambiental – após detectaram desmatamento por imagens de satélite –, dificultando, assim, a ação do poder público no exercício de suas atividades, especialmente na identificação do dano ambiental e dos responsáveis por ele.

O Procurador Regional da República, em seu parecer, opina pelo não provimento do recurso (fls. 106-8).

É o relatório.

V O T O

Insurge-se o Ministério Público Federal, por meio de recurso em sentido estrito, contra decisão que rejeitou denúncia oferecida contra Ademir da Silva Fraga e Ordeir Luiz Mineiro dos Santos pela prática da infração penal descrita no art. 69 da Lei 9.605/1998, sob o fundamento de inexistência das circunstâncias elementares do crime, uma vez que a denúncia não expôs a conduta dos denunciados que teria efetivamente dificultado a ação fiscalizadora do IBAMA, não havendo comprovação de que a evasão dos acusados do local do desmatamento tenha acarretado a alegada dificuldade.

De fato, a conduta imputada aos denunciados foi a evasão do local do desmatamento e ela, por si só, não configura a prática do crime previsto no art. 69 da Lei 9.605/1998, de: “[o]bstar ou dificultar a ação fiscalizadora do poder público no trato de questões ambientais”.

Segundo consta na denúncia, a evasão dos acusados do local do desmatamento teria tornado “dificultosa a identificação do dano ambiental” (fl. 4) e a obtenção de “muitas informações sobre as práticas de grilagem” (fl. 5).

Contudo, como bem ressaltou o juiz de primeiro grau na decisão recorrida, a identificação do dano ambiental “depende exclusivamente de análise técnica do órgão ambiental”, e “a prática de grilagem é atividade totalmente estranha ao objeto da fiscalização ambiental” (fl. 52).

Portanto, a evasão dos acusados não teve o condão de tornar difícil o exercício do poder de polícia administrativa do IBAMA.

Nos termos do art. 395 do Código de Processo Penal, a denúncia somente pode ser rejeitada quando for manifestamente inepta, faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Na violação ao art. 69 da Lei 9.605/1998, a jurisprudência deste Tribunal tem se posicionado no sentido de que a conduta do agente deve estar dirigida para dificultar a fiscalização, criando obstáculo à ação fiscalizadora em si. Confira-se:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. LEI 9.605/98 – ART. 19. INFORMAÇÃO INCORRETA SOBRE O NÍVEL DE ESTOQUE DE PESCADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA.

1. A violação do art. 69 da Lei 9.605/1998 exige que a conduta do agente esteja voltada a dificultar a fiscalização, criando obstáculo à ação fiscalizadora em si. Não impedida a ação fiscalizadora, apesar da informação incorreta sobre o volume do estoque pesqueiro, soa atípica a conduta.

2. Recurso em sentido estrito desprovido.

(RSE 0003092-66.2011.4.01.3902/PA, Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, Quarta Turma, e-DJF1 p.222 de 18/10/2013)

PENAL E PROCESSUAL PENAL – USO DE DOCUMENTOS FALSOS – ART. 304 C/C ART. 299 DO CP – ART. 46, § ÚNICO, DA LEI 9.605/98 – CRIME AMBIENTAL – IMPOSSIBILIDADE, NO CASO, DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO – OFENSA À UNIÃO – CONEXÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – INOCORRÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA E DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL – MATERIALIDADE E AUTORIA DOS DELITOS COMPROVADAS – ART. 69 DA LEI 9.605/98 – INEXISTÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE DIFICULTAR A FISCALIZAÇÃO – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS AO RÉU – PROPORCIONALIDADE DA DOSIMETRIA – MAJORADA A PENA-BASE DO DELITO DO ART. 304 DO CP – CONCEDIDO HABEAS CORPUS EX OFFICIO PARA O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL 2007.31.00.000586-0 RELATIVAMENTE AOS FATOS COMUNS – APELO DOS RÉUS DESPROVIDO – APELO DO MPF PARCIALMENTE PROVIDO.

I – (…)

V – Materialidade e autoria dos delitos comprovadas.

VI – Para materialização do delito do art. 69 da Lei 9.605/98, é necessário o dolo específico do agente, a vontade dirigida a dificultar a atuação do agente fiscalizador, criando obstáculo à ação fiscalizadora em si, o que, na hipótese, não se configurou. O dolo do agente, no caso, voltou-se não a tornar custosa a fiscalização, mas a efetivar, apesar dela, mediante o falsum, o transporte e a venda de produto florestal. Mantida a absolvição dos réus nesse particular.

VII – Considerando que a pena abstratamente cominada para o delito do art. 304 c/c 299, é de 1 a 5 anos, de reclusão, e para o delito do art. 46, § único, da Lei 9.605/98, de 6 meses a 1 ano, de detenção, bem como o fato de serem quatro as circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu Wendell Dias Martins, a proporcionalidade da reprimenda deverá ser revista apenas com relação ao delito do art. 304 c/c 299 do CP, majorando-se a pena-base desse delito em 6 (seis) meses, mantida, quanto ao mais, a sentença recorrida.

VIII – Concedida ex officio a ordem de habeas corpus para trancar a Ação Penal 2007.31.00.000586-6, em trâmite na 2ª Vara da Seção Judiciária do Amapá, no que tange à apuração de prática, por meio das ATPF’s 6686861 e 6684903, dos delitos previstos no art. 304 c/c 299 do CP e 46, § único, da Lei 9.605/98, por parte de Wendell Dias Martins, com caráter preventivo, quanto à pessoa jurídica Wendell Dias Martins-ME.

IX – Apelo dos réus desprovido. Apelo do MPF parcialmente provido.

(ACR 0002236-25.2007.4.01.3100/AP, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL KLAUS KUSCHEL, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p.41 de 29/07/2011) (g.n.)

O parecer do Procurador Regional da República não diverge desse entendimento, consoante se vê de excerto abaixo transcrito:

(…)

A denúncia é vazia e vaga e confunde “dificultar, obstar, com “ausência de facilitação”. Não se pode exigir que os réus, os investigados, se antecipem à ação fiscalizatória, para fornecer ao Estado elementos para a própria incriminação. Não é crime que o investigado saia do lugar onde houve o dano. Como explicou a DPU, não se pode obrigar o investigado a auxiliar na apuração dos ilícitos de que é imputado.

O procedimento correto do Procurador de piso seria ter acompanhado a investigação e ter denunciado os dois pelo dano ambiental. Dificultar fiscalização é atrapalhar com ações concretas as fiscalizações. Qualquer pessoa que esteja sob investigação e tenha cometido um delito tem o direito de fugir ou sair do local do delito, salvo prisão em flagrante, tal como tem o direito de não cooperar numa investigação que o pode levar à prisão.

Na denúncia não há nenhuma ação concreta de dificultação. (…)

Desse modo, não ficou comprovado que os acusados, com sua conduta, criaram obstáculo ou dificultaram a ação fiscalizadora do IBAMA, que ocorreu de forma regular. Não impedida a ação fiscalizadora, conclui-se ser atípica a conduta, devendo ser mantida a rejeição da denúncia, por ausência de justa causa para a propositura da ação penal.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito.

É o voto.

 

 

Desembargador Federal NÉVITON GUEDES

Relator

E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. CRIME AMBIENTAL. DIFICULTAR A AÇÃO FISCALIZADORA – LEI 9.605/98, ART. 69. EVASÃO DOS ACUSADOS DO LOCAL DO DESMATAMENTO. FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DESENVOLVIDA REGULARMENTE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO DESPROVIDO.

1. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão do Juízo da Vara Única da Subseção Judiciária de Altamira/PA que rejeitou denúncia oferecida contra os recorridos pela conduta descrita no art. 69 da Lei 9.605/1998, sob o fundamento de inexistência das circunstâncias elementares do crime.

2. A denúncia narra que os acusados teriam se evadido do local em que agentes do IBAMA realizariam fiscalização ambiental – após detectaram desmatamento por imagens de satélite –, dificultando, assim, a ação do poder público no exercício de suas atividades, especialmente na identificação do dano ambiental e dos responsáveis por ele.

3. A violação do art. 69 da Lei 9.605/1998 exige que a conduta do agente esteja voltada a dificultar a fiscalização, criando obstáculo à ação fiscalizadora em si. Não impedida a ação fiscalizadora pela evasão dos denunciados do local do desmatamento, tem-se por atípica a conduta. Precedentes desta Corte.

4. Mantém-se a rejeição denúncia por ausência de justa causa para a propositura da ação penal.

5. Recurso em sentido estrito desprovido.

A C Ó R D Ã O

Decide a Quarta Turma do TRF da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso em sentido estrito.

Brasília, Brasília, 9 de maio de 2017.

 

Desembargador Federal NÉVITON GUEDES

Direito Ambiental

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Direito Ambiental

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