terça-feira , 3 dezembro 2024
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Construtora deve regularizar empreendimento para poder continuar obra construída em área de manguezais

“O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve, na última semana, a sentença que obriga uma construtora de Florianópolis a regularizar um empreendimento que está sendo construído em uma área de manguezais para obter o licenciamento da obra. A decisão foi proferida em sessão de julgamento da 3ª Turma da corte.

Em agosto de 2007, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) realizou uma vistoria no empreendimento, um loteamento que a empresa estava construindo. Na ocasião, ela teve dois autos de infração e dois termos de embargo de obra lavrados contra si em relação à área localizada na parte sul do terreno.

Segundo o IBAMA, a construtora não respeitou o que foi acordado no licenciamento da área. O instituto ainda afirmou que a empresa teria destruído 0,12 hectares de vegetação em área considerada de preservação permanente e instalado loteamento em uma área de 1,55 hectares sem o devido licenciamento ambiental.

A empresa, então, ajuizou na Justiça Federal de Santa Catarina (JFSC) uma ação solicitando a declaração judicial de nulidade dos autos de infração e dos termos de embargo de obra, sob a alegação de que a supressão de vegetação ocorreu apenas nas áreas previstas no Projeto Urbanístico apresentado ao IBAMA.

A 6ª Vara Federal de Florianópolis indeferiu o pedido da autora. A construtora recorreu ao TRF4 pedindo a reforma da sentença. A 3ª Turma, no entanto, decidiu negar o provimento a apelação cível por unanimidade.

Segundo a relatora do caso no tribunal, desembargadora federal Vânia Hack de Almeida, a exploração ambiental deve resguardar a existência de um meio ambiente saudável, motivo pelo qual é regulada e depende de permissão das autoridades competentes, sob a pena de autuação.

Vânia ainda acrescentou que “o meio ambiente saudável como uma garantia de bem estar digno para esta e para as futuras gerações está constitucionalmente consagrado no art. 225 da Constituição Federal”.

‘A implantação de empreendimento em desacordo com a autorização dos órgãos competentes demonstra a validade dos autos de infração e dos embargos de obra’, concluiu a magistrada ao negar provimento ao recurso da construtora”.

Fonte: TRF4.

Direito Ambiental

Confira a íntegra da decisão:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5012921-89.2017.4.04.7200/SC

RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE: G 4 CONSTR/ E INCORPORACOES LTDA/ (AUTOR)

ADVOGADO: MARCOS ANDRÉ BRUXEL SAES

APELADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

 

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação contra sentença que julgou  improcedente ação ordinária de declaração de nulidade de autos de infração e termos de embargo de obra (Loteamento Parque dos Aracuãs) impostos pelo Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA contra a empresa autora G4 CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA, lavrados sob o fundamento de destruir 0,12 hectares de vegetação em área considerada de preservação permanente e instalar loteamento em área de 1,55 hectares sem o devido licenciamento ambiental.

Em suas razões recursais, a G4 CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA sustenta, em síntese, (a) ausência de materialidade a embasar os autos de infração e os termos de embargos da obra, ante a inexistência de intervenção em área de preservação permanente, porquanto o curso d’água existente no terreno sul do loteamento não é natural mas sim uma vala de drenagem para escoamento das águas pluviais (curso d’água artificial); (b) a região onde se localiza o empreendimento não pode ser definida como “zona de amortecimento” da ESEC Carijós, por falta de definição legal; (c) a implantação do projeto residencial nos moldes efetivado foi autorizada pelo IBAMA, pelo ente licenciador FATMA e pela Prefeitura de Florianópolis; (d) existe a possibilidade de supressão de vegetação nativa com vistas  à implantação de loteamento em área urbana; (e) ainda que tenha havido dano, foi este plenamente recuperado, conforme decidido nos autos da ação anulatória conexa nº 5008513-31.2012.4.04.7200.

Oportunizado prazo para contrarrazões, vieram os autos conclusos.

Parecer do MPF pela manutenção da sentença.

É o relatório.

Peço dia.

VOTO

Unidade de Conservação (UC) é a denominação dada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), conforme Lei nº 9.985/00, às áreas naturais passíveis de proteção por suas características especiais. São “espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção da lei” (art. 1º, I).

A Zona de Amortecimento (ZA) é uma área estabelecida ao redor de uma UC com o objetivo de filtrar os impactos negativos das atividades que ocorrem fora dela, como: ruídos, poluição, espécies invasoras e avanço da ocupação humana, especialmente nas unidades próximas a áreas intensamente ocupadas. Conforme Resolução CONAMA nº 13/90, a ZA de UC sem plano de manejo é de 10 mil metros, reduzida para 3 mil metros em casos de grande impacto ambiental, conforme consideração do órgão licenciador, com fundamento em EIA-RIMA.

Ela foi criada pelo artigo 2º, inciso XVIII da Lei nº 9.985/00, que a define como o “entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade”. As zonas de amortecimento não fazem parte das UCs mas, localizadas no seu entorno, têm a função de proteger sua periferia, ao criar uma área protetiva que não só as defende das atividades humanas, como também previnem a fragmentação, principalmente, o efeito de borda.

A Estação Ecológica de Carijós (ESEC CARIJOS) é uma unidade de conservação brasileira de proteção integral da natureza localizada no município catarinense de Florianópolis, ao norte da ilha de Santa Catarina. Foi criada em 1987 pelo Decreto nº 94.656 para preservação dos manguezais e restingas do rio Ratones, Papaquara, Veríssimo e do Saco Grande, todos ameaçados pela crescente ocupação urbana desordenada e ilegal. Além do ecossistema de manguezal, também protege áreas de restinga, rios e banhado abrigando mais de 500 espécies de animais e dezenas de espécies de flora de manguezais e restingas. Protege, ainda, 3 sítios arqueológicos – sambaquis – com idade estimada de 4.000 anos, indícios da antiga ocupação humana na região.

O empreendimento denominado Parque dos Aracuãs, de titularidade da empresa G4 CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA., com área total de 90.572m2, localiza-se a 2.500 metros da ESEC CARIJOS.

Sob a égide da Resolução CONAMA nº 13/90, o IBAMA qualificava-se como gestor/responsável pela administração dessa Unidade de Conservação. Nestas condições, realizou vistoria no local em 2006 e emitiu o Parecer Técncio nº 36/06, elencando condicionantes a serem observadas pela empresa empreendedora no respectivo empreendimento:

“Pelo acima exposto, concluímos que:

1. A área de vegetação de restinga em estágio médio de regeneração natural mais ao sul do terreno (conforme indicado na figura 1) deve ser mantida intacta e, se possível, recuperada e enriquecida. Conforme demonstrado, a supressão dessa vegetação tem grande potencial de afetação à biota da ESEC Carijós. Inclusive, a licença de corte de vegetação do órgão estadual não permite a supressão dessa vegetação.

2. Os lotes e áreas institucionais inseridos na vegetação acima citada deverão ser excluídos do empreendimento.

3. Somos favoráveis à anuência a todo o restante do empreendimento em tela, pela inexistência de dano potencial à biota da ESEC Carijós.

4. Antes do inicio das obras deve ser resolvida a questão do embargo imposto à área.”

Em 07.08.2007, foi realizada nova vistoria no local, a qual restou documentada no Relatório de Vistoria Técnica UMC/SC nº 14/07, que apontou que a empresa G4 descumpriu as condicionantes impostas no Parecer Técnico 36/06, nos seguintes termos:

“Relatório de Vistoria Técnica UMC/SC nº 14/07

Em atendimento à denúncia sobre o empreendimento “Parque de propriedade dos Araquãs“, de G4 Construções e Incorporações ltda., localizado no bairro de Cacupé, na cidade de Florianópolis-SC, foi realizada, no dia 07 de agosto do presente ano, vistoria in loco sobre a qual temos a informar:

[…].

8. Em vistoria ao local foi observada supressão de vegetação aos fundos do terreno (FOTOS 1 e 2) a qual foi delimitada com aparelho GPS para posterior confrontação com dados de imagens e relatórios anteriores, já que a área encontra-se totalmente descaracterizada.

9. Dentro da área suprimida foram observados dois pontos de desmatamento (FOTOS 3 e 4) em áreas de preservação permanente por estarem à margem e um curso d’água retilinizado que corre ao fundo do terreno e que deságua, alguns metros à frente, na ESEC Carijós.

[…]

10. Em análise posterior constatou-se que houve supressão de vegetação em área total de 1,55 (um virgula cinqüenta e cinco) hectares não anuída pelo IBAMA.

11. Da área acima citada 0,12 (zero vírgula doze) hectares de área de preservação permanente às margens do curso d’água que existe aos fundos do terreno.

12. As áreas anteriormente descritas podem ser observadas na FIGURA 2.

[…]

Conforme o exposto acima concluímos que:

1. Faz-se necessária autuação pela instalação do loteamento em tela em desacordo com o licenciamento ambiental, assim como, autuação pela destruição da vegetação de preservação permanente das margens do curso d’água.

2. Conforme já havia sido exposto no Parecer Técnico 36/O6, todo esse dano afeta diretamente a Estação Ecológica de Carijós, tanto pela conectividade da vegetação quanto pelos danos ao curso d’água que deságua na mesma poucos metros à frente.

3. Sendo assim se faz necessária a recuperação imediata da área em questão por parte dos proprietários e as ações administrativas e judiciais por parte do IBAMA para garantir que essa recuperação se efetive.”

Com base nos supramencionados Parecer Técnico nº 36/06 e no Relatório de Vistoria Técnica UMC/SC nº 14/07, o IBAMA lavrou os Autos de Infrações nº 448191-D e nº 448193-D e os respectivos Termos de Embargos da Área nº 424470-C e nº 424469-C, em desfavor da empresa G4 CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES por “destruir 0,12 hectares de vegetação em área considerada de preservação permanente” e por “instalar loteamento em uma área de 1,55 hectares sem o devido licenciamento ambiental”.

Especificamente em relação a esta área de 1,55 hectares, a empresa também foi autuada pelo desmatamento providenciado conforme AI nº 337736, impugnado nos autos da Anulatória nº 50085133120124047200, questão a ser tratada adiante.

É contra os AI nº 448191-D e nº 448193-D e o subsequente embargo da obra que a empresa autora ajuizou a presente ação anulatória. Vejamos suas alegações:

(a) Ausência de materialidade a embasar os autos de infração e os termos de embargos da obra, ante a inexistência de intervenção em área de preservação permanente, porquanto o curso d’água existente no terreno sul do loteamento não é natural mas sim uma vala de drenagem para escoamento das águas pluviais (curso d’água artificial)

O Laudo de Exame de Meio Ambiente nº 810/2008 – SR/DPF/SC, elaborado no dia 15.07.2008 por peritos da Polícia Federal, juntado aos autos às fls. 314/332 (Evento 2_PET21, fls. 16/37 do PDF), atestaram que o local encontra-se situado nas proximidades da ESEC Carijós, formada por dois manguezais existentes na ilha de Santa Catarina: o manguezal do Rio Ratones e o manguezal do Saco Grande, bem como a existência de dois cursos d’água nas adjacências e no interior do terreno (porção norte e porção sul do loteamento).

Ademais, os peritos ainda verificaram que o curso d ́água retificado continua prestando os mesmos serviços ambientais que já eram oferecidos pelo curso d ́água natural existente no local. Segundo os peritos, o terreno vistoriado caracteriza-se como área de preservação permanente, vez que verificaram que o curso d’água localizado na porção sul do terreno exerce as mesmas funções de um curso d’água natural, porquanto transporta propágulos, que são orgânulos destinados a multiplicar vegetativamente as plantas, servindo, inclusive, de alimentação e abrigo para a fauna, bem como foi constatada a influência de marés.

A perícia realizada em juízo enfatizou que “embora não apresente formato natural, o Córrego de Baixo, diferentemente de uma vala de drenagem, encontra-se substituindo um curso d’água” (fl. 8 do PDF do evento 3_LAUDPERI66).

Em sendo anteriormente um curso d ́água natural, sua Área de Preservação Permanente não se extingue pelo fato de haver sofrido retificação ou modificação de curso para fins de drenagem pluvial.

Como bem enfatizou o parecer ministerial, “Interpretação em contrário levaria ao absurdo do proprietário de uma área, na qual estava localizada uma APP de margem de rio, poder retificar ou modificar o curso do aludido rio e, com isso, extinguir a APP. Isso violaria a máxima de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza”.

(b) A região onde se localiza o empreendimento não pode ser definida como “zona de amortecimento” da ESEC Carijós, por falta de definição legal

Conforme já destacado, a ZA (Zona de Amortecimento) é definida em lei e tem a função de proteger a periferia (entorno) das unidades de conservação, criando uma área protetiva que permite, sob condicionantes, atividades antrópicas. Conforme Resoluções 13/90, 419/09 e 428/10, a ZA varia de 3 mil ou 10 mil metros do limite da UC, conforme impacto ambiental. No caso dos autos, conforme breve síntese supra, o empreendimento encontrava-se dentro do raio de 10 km da ESEC CARIJÓS, devendo observar os limites de atuação para garantia do meio ambiente como bem indispensável para esta e para as futuras gerações.

Há, então, definição legal da ZA bem como de sua área, desrespeitada pelo empreendimento, nos termos já destacados.

(c) A implantação do projeto residencial nos moldes efetivado foi autorizada pelo IBAMA, pelo ente licenciador FATMA e pela Prefeitura de Florianópolis

Conforme ampla fundamentação supra, o IBAMA, na qualidade de agente fiscalizador de ZA de UC, em 2006 elaborou parecer indicando os limites da atuação do empreendimento da G4 e, em nova visita em 2007, verificou o descumprimento de tais limites, sendo lavrados contra o empreendedor autos de infração por violação ambiental. Ou seja, houve desrespeito à legislação de proteção ambiental e, por conseguinte, às diretrizes dos licenciamentos providenciados perante os órgãos competentes.

A infração constatada pela autarquia federal no AI nº 448191-D foi capitulada nos arts. 38 da Lei nº 9.605/98, 25 do Decreto nº 3.179/99 e 2º da Lei 4.771/65 (antigo Código Florestal), que dispõem, in verbis:

Lei 9.605/98:

Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

(…)”

Lei 4.771/65

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

[…]”

“Decreto 3.179/99:

Art. 25. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Multa de RS l.500. 00 (mil e quinhentos reais) a RS 50.000,00 (cinqüenta mil reais), por hectare ou fração.”

Por sua vez, o AI nº 448193-D fundamentou-se nos seguintes dispositivos, in verbis:

“Lei 9.605/98:

Art. 60. Construir, reformar: ampliar. instalar ou fazer funcionar. em qualquer parte do territórios nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:

(…)”

Decreto 3.179/99

Art. 44. Construir, reformar: ampliar. instalar ou fazer funcionar. em qualquer parte do territórios nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:

Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).”

 Ademais, como bem enfatizou a sentença, “não prospera também a alegação da autora de que a anuência do IBAMA ao empreendimento nos moldes propostos à FATMA e ao Município impediria a sua ação fiscalizatória. Isso porque, se houve omissão do empreendedor quanto a informações importantes acerca do ambiente em que seria instalado o loteamento (no caso, a existência de curso d’água) e, se constatados danos ambientais em face desses bens não descritos, não só poderia o órgão ambiental impor sanções, como tinha obrigação de atuar.

Ainda que houvesse dúvida acerca da caracterização do corpo hídrico, não poderia o empreendedor descumprir as premissas e limitações exigidas pelo órgão ambiental. Mesmo que a incerteza fosse dele próprio, sua obrigação seria impor restrições à obra no local, em homenagem ao princípio segundo o qual, na dúvida, deve-se privilegiar as ações que evitem danos ao meio ambiente. Neste sentido:

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ORIGEM DE curso d’água LOCALIZADO NO CAMPUS NA UNIVERSIDADE. INCERTEZA. PROVA PERICIAL. CURSO D’ÁGUA CARACTERIZADO COMO ARTIFICIAL OU QUE COM SUA RETIFICAÇÃO DEIXOU DE SER NATURAL. CÓDIGO FLORESTAL. INEXISTÊNCIA DE DISTINÇÃO ENTRE CURSO D’ÁGUA NATURAL OU ARTIFICIAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PROTEÇÃO DAS MARGENS. NÃO INDICAÇÃO DA REPOSIÇÃO NATURAL. CABIMENTO DE MEDIDAS COMPENSATÓRIAS. INDENIZAÇÃO EM PECÚNIA. AFASTAMENTO. 1. Persistindo incerteza quanto à natureza do canal de drenagem: se constitui ou não um curso d´água e, em caso positivo, se natural ou artificial, há de prevalecer o princípio in dubio pro ambiente ou in dubio pro natura. 2. No que respeita às medidas compensatórias, uma vez reconhecida a inviabilidade de se recompor in natura o alegado dano ambiental, cabível a adoção de medidas compensatórias ecológicas, destinadas a recuperar a qualidade da água de todos os cursos d”água existentes no campus. 3. No caso, apesar de o dano ao meio ambiente ter sido provocado pela UFSC, a licença foi concedida pela FATMA e foi determinante para a degradação constatada nos presentes autos, cabendo a ambos, portanto, o dever de reparar. 4. Desnecessária a imposição de indenização, uma vez que as medidas de compensação impostas à ré já trazem em si benefícios ambientais que compensarão também a degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente, e reverterão em benefício à Bacia Hidrográfica do Itacorubi, fim colimado pelo autor com o pedido. (TRF4, APELREEX 5021309-83.2014.404.7200, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 14/05/2015)”

Verifica-se, portanto, que a implantação eo projeto não observou as limitações constantes da autorização.

(d) Existe a possibilidade de supressão de vegetação nativa com vistas  à implantação de loteamento em área urbana

Os fatos narrados nos autos ocorreram sob a égide da Lei nº 4.771/95 (Código Florestal antigo), o qual previa que:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d’água, em faixa marginal cuja largura mínima será:

[…]

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.”

O atual Código Florestal, Lei nº 12.651/12, prevê:

“Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

(…)”

Vale lembrar, por oportuno, que o manguezal, pela sua importância como berçário da fauna ictiológica, como filtro de poluentes, para contenção das marés e manutenção da linha de costa, já era considerado Área de Preservação Permanente – APP pelo antigo Código Florestal (alínea “f” do art. 2º da Lei nº 4.771/65), vigente à época dos fatos, in verbis:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

(…)

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

(…)”

A proteção ao manguezal foi mantida pelo inc. VII do art. 4º da Lei nº 12.651/2012 (atual Código Florestal), in verbis:

“Art. 4º – Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(…)

VII – os manguezais, em toda a sua extensão.”

Considerando que os manguezais são ecossistemas inseridos necessariamente na Zona Costeira, haja vista a interação dos mesmos com a água do mar, sua proteção e defesa foi incluída na Lei nº 7.661/88, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, que assim dispôs:

Art. 3º. O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:

I – recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas;

(…)”

Desse modo, tendo em vista que os manguezais, por sua importância (serviços ambientais que presta à sociedade), possuem extensa proteção jurídica, sendo, inclusive, classificados como APP, não se pode admitir que a biota da ESEC Carijós, que, repita-se, é formada pelos manguezais do Rio Ratones e do Saco Grande, venha a ser afetada por empreendimentos implantados no entorno, ou seja, num raio de 10 Km, nos termos do art. 2º da Resolução CONAMA nº 13/90 (já transcrita acima), notadamente se levarmos em consideração que a área embargada pelo IBAMA foi reconhecida como relevante para a proteção da aludida Unidade de Conservação Federal.

Assim, seja sob a égide da legislação anterior, seja pela atual, há expressa previsão legal de APP em área urbana e, in casu, tratando-se de Zona de Amortecimento de Unidade de Conservação somando-se a existência de mangue à existência de córrego cujas margens caracterizam-se como APP, não há qualquer fundamento para o provimento das alegações da empresa autora para a anulação dos autos de infração contra ela lavrados e ora impugnados.

Destaque-se que, como já enfatizado, a ZA não integra a UC mas se submete à regulação da atividade nela a ser exercida. Neste contexto, o só fato de ser ZA não impede corte de vegetação. A recíproca é verdadeira, no sentido de que por se tratar de ZA em área urbana não garante, por si só, o direito ao corte de vegetação. Não por outro motivo a área é fiscalizada pelo IBAMA, e suas diretrizes devem ser respeitadas. Neste contexto, a autora obteve autorização da FATMA para corte de vegetação (evento 3, ANEXOS PET6) em área total de 91.485,75, devendo ser respeitada reserva legal de 18.276,72m2 restando o corte, então, limitado a 74.765,64m2. O que se verifica nos autos, conforme declaração da perícia, é que houve corte para além de tal autorização e em desrespeito à diretriz do IBAMA, invadindo a área de APP em ZA, do que o só fato do imóvel se localizar ou não em zona urbana não afasta a irregularidade verificada.

(e) Ainda que tenha havido dano, foi este plenamente recuperado, conforme decidido nos autos da ação anulatória conexa nº 5008513-31.2012.4.04.7200.

Conforme breve menção supra, a fiscalização do IBAMA realizada após elaboração de Parecer Técnico de acompanhamento de construção de loteamento no perímetro da ZA de UC, constatou o desrespeito às suas diretrizes e lavrou os AIs nº 424470 e 424469, no qual fixou multa de R$ 45.000,00 e R$ 30.000,00, respectivamente, ambos impugnados nestes autos e que devem ser mantidos.

Também lavrou o AI nº 337736, no qual restou fixada multa de R$ 20.000,00, impugnada e mantida nos autos da AO nº 5008513-31.2012.4.04.7200.

Destaque-se que o AI nº 448193 tratou da instalação de lotemanto em área indevida no entorno da reserva, enquanto o AI nº 337736 tratou da supressão de vegetação nativa especificamente nesta área, de 1,55ha. Ou seja, um mesmo ato, a invasão de loteamento em área não autorizada, localizada em APP dentro de ZA de UC, acarretou o descumprimento de diretriz do IBAMA e também desmatamento, restando violados diversos dispositivos legais. Específica e respectivamente o art. 60 da Lei nº 9.605/98 cumulado com os arts. 2º e 44 do Decreto nº 3.179/99 e os arts. 40 e 70 da Lei nº 9.605/98 cumulados com os arts. 2º e 27 do Decreto nº 3.179/99.

Destaque-se a sentença de improcedência da AO nº 5008513-31.2012.4.04.7200, proferida em 10/07/2017, e mantida por este Regional em 03/12/2015, ensejou a seguinte ementa, sob a relatoria do eminente Desembargador Federal  Fernando Quadros da Silva:

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ICMBio. FATMA. NULIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO E DE TERMO DE EMBARGO INEXISTENTE. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO.

1. Mantidos o auto de infração e o termo de embargo de obra lavrados em razão de supressão de mata nativa na construção de loteamento, no entorno da ESEC CARIJÓS.

2. Contudo, tendo a prova técnica também demonstrado que no imóvel periciado existe vegetação de porte florestal em bom e razoável estado de conservação, com estágio médio de regeneração florestal, deve ser oportunizada a retomada do licenciamento ambiental na referida área.

Contra esta decisão o IBAMA embargou de declaração apontando ser extra petita. Os aclaratórios foram desprovidos no ponto em 25/02/2016, subindo o feito ao STJ, que determinou o reexame da insurgência.  Em 09/11/2016, este Regional sanou a omissão e manteve integralmente o entendimento proferido sob a seguinte fundamentação:

“Ressalte-se que o voto-condutor, ao adotar em parte a sentença, que entendeu pela higidez do auto de infração e do tempo de embargo questionados, porquanto a prova pericial acostada aos eventos 87 e 103 demonstrou que a cobertura vegetal no imóvel periciado apresenta elementos da flora pertencente à Floresta Ombrófila Densa e que na porção sul há predominância do estágio médio de regeneração, enfrentou a questão de que houve corte de vegetação nativa no entorno da Unidade de Conservação sem autorização.

Contudo, entendeu-se que, diante da comprovada possibilidade de regeneração da vegetação, deve ser oportunizada a retomada do licenciamento ambiental na referida área. Tal entendimento não extrapola os limites da lide, porquanto já no pedido inicial foi enfatizado que a haveria a possibilidade de  o empreendimento ter o licencimento reconhecido, apenas restando controversa a delimitação da área abrangida e o fato de estar situado em área urbana consolidada.

Assim, supre-se a omissão apontada, ressaltando-se que tal análise não representa modificação no julgado.

Ante o exposto, diante do julgamento proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em rejulgamento, voto no sentido de dar provimento aos embargos de declaração.”

Novamente os autos subiram ao STJ com Agravo contra decisão denegatórioa de RESP, recurso que pende de julgamento.

Destaque-se, como acima indicado que, de fato, nos autos AO nº 5008513-31.2012.4.04.7200 restou reconhecida a existência de possibilidade de compensação de dano e refazimento do licenciamento.

Com base nesta situação, a autora G4 postula, em seu apelo, que os efeitos deste reconhecimento surtam efeitos nestes autos. Especificamente requer, pelo princípio da eventualidade, que seja oportunizada a retomada do licenciamento ambiental da referida área, conforme já decidido na ação conexa  nº 5008513-31.2012.4.04.7200.

Entretanto, não se discute nos presentes autos a possibilidade de a empresa autora G4 proceder à regularização do seu empreendimento, loteamento Parque dos Aracuãs, no entorno da Estação Ecológica de Carijós – ESEC Carijós, por meio de novo licenciamento ambiental. Conforme sua exordial, seu pedido consistiu tão somente em anular os autos de infração lavrados pelo IBAMA em seus desfavor, bem como os respectivos termos de embargos da área.

Assim, como bem enfatiza o parecer ministerial, de lavra do Procurador Regional da República Fábio Nesi Venzon:

“Os Termos de Embargo tem de ser mantidos, pois objetivam quem fiquem intocadas as áreas degradadas, a fim de que as mesmas possam se recuperar, nada impedindo a regularização do empreendimento fora das áreas degradadas objeto dos autos de infração.

Saliente-se que a empresa autora somente poderá regularizar o seu empreendimento, para fins residenciais, na via administrativa, desde que se submeta às restrições impostas pelo órgão ambiental competente, devendo observar as medidas mitigadoras dos impactos e outras condicionantes, bem como deixando intocadas as áreas degradadas objeto dos presentes autos de infração e respectivos termos de embargo, sob pena de se agravar a degradação da APP e cursos d’água existentes no local, bem como pôr em risco a ESEC Carijós, que é formada por 2 (dois) importantes manguezais existentes na Ilha de Santa Catarina: o Manguezal do Rio Ratones e o Manguezal do Saco Grande, possuindo uma área total de 718 ha.”

Ou seja, devem ser confirmados os autos de infração e mantidos os embargos sem óbice de que, administrativamente, a autora obtenha a regularização do empreendimento mediante o cumprimento dos requisitos legais.

Destaque-se que o mesmo fato, qual seja o desmatamento, foi também lastro para a Ação Criminal nº 50077613020104047200, transitando em julgado decisão condenatória dos sócios da G4 CONSTRUÇÕES E INCORPORTAÇÕES LTDA., João Vicente Gasparino da Silva e Paulo Roberto Gasparino da Silva, como incursos nas sanções do artigo 38-A da Lei nº 9.605/98, ficando sujeitos a uma pena de um ano de detenção em regime aberto, que foi substituída pelo pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 20.000,00, a ser destinada a entidades assistenciais ou públicas do Município de Florianópolis.

Ou seja, este Regional já por duas vezes pronunciou-se e reconheceu a existência de dano ambiental decorrente da atuação da G4 em construção de loteamento na ZA da ESEC CARIJOS, de forma que após o reconhecimento da existência de desmatamento e da existência de Parecer Técnico limitando a atuação é decorrência lógica o reconhecimento da instalação de loteamento em área indevida, para além daquela objeto do licenciamento.

A sentença, então, deve ser integralmente mantida, motivo pelo qual peço vênia para adotar também seus fundamentos como razões de decidir:

“Em resumo, as sanções impostas decorreram da constatação por parte do IBAMA de que a autora descumpriu as condições da licença. Suprimiu vegetação nativa em área de preservação permanente e também instalou parte do empreendimento em 1,55 ha, cuja área não teria sido licenciada.

 Para a instalação do empreendimento, consistente em um loteamento contíguo à Estação Ecológica de Carijós, a autora obteve aprovação da FATMA e anuência do IBAMA (à época responsável pela unidade de conservação), em 8-12-2006 (fls. 82/83). 

Posteriormente, em agosto de 2007, o IBAMA vistoriou a área, constatando a supressão de vegetação em dois pontos diferentes, “em áreas de preservação permanente por estarem à margem de um curso d’água retilinizado que corre ao fundo do terreno e que deságua alguns metros à frente, na ESEC Carijós” (fl. 97). 

Constou, ainda, do Relatório de Vistoria:

“10. Em análise posterior constatou-se que houve supressão em área total de 1,55 (um vírgula cinquenta e cinco) hectares não anuída pelo IBAMA.

11. Da área acima citada, 0,12 (zero vírgula doze) hectares de área de preservação às margens do curso d’água que existe aos fundos do terreno”.

A autora nega a existência de curso d’água no local do empreendimento; conclui-se, daí, que o processo de licenciamento omitiu essa informação, não se podendo agora alegar que houve concordância do IBAMA ou da FATMA com qualquer tipo de intervenção sobre ele. A respeito desse ponto, então, basta averiguar se existe ou não o referido curso d’água e se ele sofreu as intervenções afirmadas pelos fiscais.

Sustenta a autora que laudos técnicos produzidos por especialistas afirmam que o corpo hídrico situado na porção sul do imóvel se trata de um canal de drenagem, aberto na década de 70 pelo Departamento Nacional de Obras – DNOS quando da instalação da macrodrenagem da Rodovia SC-401 (fl. 307).

Sobre a existência de curso d’água no empreendimento, afirmou a perita (fls. 397/398):

Um curso d’água com aproximadamente 1,5 m de largura tangencia o limite sul do loteamento (…). A Secretaria Municipal de Obras de Florianópolis, em 30.04.08, através do Ofício 518/2008-SMO, se manifestou quanto às drenagens do Cacupé e especificamente as contidas na área. Ficou claro que a área era cortada por uma drenagem chamada ‘córrego de cima’ e no limite com o Loteamento Village Club, possuía outra chamada ‘córrego de baixo’ (caminho natural das águas).

(…)

Conforme se observa nas Figuras 4 e 5, uma drenagem que cortava transversalmente a área foi aterrada. (…) A fração ocupada por APP dentro do loteamento é de cerca de 1200m².  

Em 2008, a Secretaria de Obras do Município de Florianópolis manifestou-se acerca dos problemas de alagamentos na região abaixo da Estrada Geral do Cacupé. No parecer técnico produzido, há menção aos referidos córregos, atribuindo a eles a finalidade de escoar as águas da região (fls. 112/115).

No laudo elaborado pela Polícia Federal juntado aos autos às fls. 314/332, fez-se constar a existência de dois cursos d’água nas adjacências e no interior do terreno. Aquele situado na porção norte do terreno, segundo os peritos, trata-se de um curso d’água natural, que sofreu intervenções ao longo do tempo, inclusive por meio de tubulação, a qual cruza o terreno no sentido Nordeste-Sudoeste. Outro curso d’água localizado na porção sul do terreno, que o corta no mesmo sentido do primeiro, teria sido retificado com a finalidade de favorecer a macrodrenagem dos terrenos úmidos circundantes (fl. 321).

Em que pese toda a discussão acerca das características do curso d’água (se natural ou artificial) e da área como um todo (em relação a qual se concluiu tratar de acrescido de marinha), o que importa para determinar a legalidade do Auto de Infração n. 448191 é saber se existia um curso d’água e se houve destruição de sua vegetação ciliar.

Isso foi suficientemente esclarecido pela perita e pelos demais documentos juntados aos autos. Em seus últimos esclarecimentos, inclusive, a perita afirma que “embora não apresente formato natural, o Córrego de Baixo, diferentemente de uma vala de drenagem, encontra-se substituindo um curso d’água” (fl. 477).

A legislação vigente á época, Lei n. 4.771/65 (Código Florestal), não fazia distinção alguma entre curso d’água natural ou artificial para fins de proteção de suas margens. Além do mais, o fato de o curso d’água ter passado por intervenções que o tornaram retilíneo não altera sua condição de corpo hídrico natural (TRF- 1ª R., AC 2007.38.03.009479-4, Rel. Des. Fed. Selene Maria de Almeida, 5ª T. e-DJF1 DE 19-7-13).

De todo modo, tendo o IBAMA condicionado o prosseguimento da obra ao respeito à vegetação próxima a este curso da água ou vala de drenagem, descabia aos empreendedores desobedecer tal ordem. Ademais, a restrição imposta pela autarquia federal tem por objetivo proteger a função ambiental que este curso da água desempenha e, diferentemente do alegado, o texto do Código Florestal vigente à época dos fatos não fazia diferenciação entre curso da água natural e artificial para fins de proteção como área de preservação permanente.

Por outro lado, não prospera também a alegação da autora de que a anuência do IBAMA ao empreendimento nos moldes propostos à FATMA e ao Município impediria a sua ação fiscalizatória. Isso porque, se houve omissão do empreendedor quanto a informações importantes acerca do ambiente em que seria instalado o loteamento (no caso, a existência de curso d’água) e, se constatados danos ambientais em face desses bens não descritos, não só poderia o órgão ambiental impor sanções, como tinha obrigação de atuar.

Ainda que houvesse dúvida acerca da caracterização do corpo hídrico, não poderia o empreendedor descumprir as premissas e limitações exigidas pelo órgão ambiental. Mesmo que a incerteza fosse dele próprio, sua obrigação seria impor restrições à obra no local, em homenagem ao princípio segundo o qual, na dúvida, deve-se privilegiar as ações que evitem danos ao meio ambiente. Neste sentido:

 ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ORIGEM DE curso d’água LOCALIZADO NO CAMPUS NA UNIVERSIDADE. INCERTEZA. PROVA PERICIAL. CURSO D’ÁGUA CARACTERIZADO COMO ARTIFICIAL OU QUE COM SUA RETIFICAÇÃO DEIXOU DE SER NATURAL. CÓDIGO FLORESTAL. INEXISTÊNCIA DE DISTINÇÃO ENTRE CURSO D’ÁGUA NATURAL OU ARTIFICIAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PROTEÇÃO DAS MARGENS. NÃO INDICAÇÃO DA REPOSIÇÃO NATURAL. CABIMENTO DE MEDIDAS COMPENSATÓRIAS. INDENIZAÇÃO EM PECÚNIA. AFASTAMENTO. 1. Persistindo incerteza quanto à natureza do canal de drenagem: se constitui ou não um curso d´água e, em caso positivo, se natural ou artificial, há de prevalecer o princípio in dubio pro ambiente ou in dubio pro natura. 2. No que respeita às medidas compensatórias, uma vez reconhecida a inviabilidade de se recompor in natura o alegado dano ambiental, cabível a adoção de medidas compensatórias ecológicas, destinadas a recuperar a qualidade da água de todos os cursos d”água existentes no campus. 3. No caso, apesar de o dano ao meio ambiente ter sido provocado pela UFSC, a licença foi concedida pela FATMA e foi determinante para a degradação constatada nos presentes autos, cabendo a ambos, portanto, o dever de reparar. 4. Desnecessária a imposição de indenização, uma vez que as medidas de compensação impostas à ré já trazem em si benefícios ambientais que compensarão também a degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente, e reverterão em benefício à Bacia Hidrográfica do Itacorubi, fim colimado pelo autor com o pedido. (TRF4, APELREEX 5021309-83.2014.404.7200, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 14/05/2015)

A alegação de que houve ofensa ao princípio do devido processo legal porque não estaria delimitada no auto de infração a área de preservação afetada não procede. O auto de infração contém as coordenadas geográficas e o laudo técnico que o embasou traz informações suficientes para a identificação do local. Além do mais, mesmo que houvesse dúvida, isso não impediu a defesa pela autora.

No que tange ao Auto de Infração n. 448193, a questão diz respeito à desobediência aos limites da anuência concedida e à área licenciada. Essa questão já foi objeto de discussão, de forma reflexa, no processo n. 5008513-31.2012.404.7200, em que a autora pretendia a declaração de nulidade do auto de infração n. 337736, imposto sob o argumento de supressão de vegetação nativa (restinga arbórea) sem autorização dos órgãos competentes. Naquela ação, reconheceu-se a legalidade do auto de infração, embora tenha-se concluído que a área afetada era menor (1,55 hectares) do que a apontada pelos fiscais.

Sobre este ponto, o Laudo da Polícia Federal, elaborado em julho de 2008, afirma (fl. 327):

(…) verificou-se a presença do Parecer Técnico n° 36/06 de 23/08/2006, da lavra do IBAMA. Nas conclusões do referido parecer (fl. 178) consta que a área indicada na Figura 01 daquele documento ‘deve ser mantida intacta e, se possível, recuperada e enriquecida’. Na figura 14 deste Laudo plotou-se a linha que delimita a referida área indicada pelo IBAMA sobre a fotografia aérea de outubro de 2007. Nota-se evidente infração dos limites propostos quando da implantação do loteamento, em uma área aproximada de 1,4 ha. Depreende-se do referido parecer que, na época em que foi emitido, existia vegetação na região restrita, embora tal fato não pode (sic) ser comprovado em função da resolução temporal das imagens disponíveis”.

Os fatos ora em discussão inclusive serviram de fundamento para a condenação dos responsáveis legais da autora, em processo penal que tramitou nesta Vara (5007761-30.2010.4.04.7200), cuja sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Nela se reconheceu que o empreendimento desbordou daquilo que havia sido licenciado e anuído pelo IBAMA.

Aliás, só o fato de ter havido intervenção em APP, o que não foi autorizado, já caracteriza o descumprimento das condicionantes da licença.

Que houve corte de vegetação e aterramento da área, e que ela está inserida em local bastante sensível, contígua a uma unidade de conservação federal, isso é notório; o auto de infração, como visto, foi imposto sob o fundamento de ter a autora excedido os limites da licença

Conclui-se, pois, que os fatos descritos nos autos de infração ora enfrentados foram confirmados, ou seja, que há curso d’água no interior do empreendimento e que este avançou sobre área não licenciada e autorizada pelo IBAMA.

Os argumentos de que o empreendimento se situa em área urbana consolidada, e que no seu limite existe loteamento ocupando terreno com as mesmas características, não tem qualquer implicação na solução da lide. A discussão diz respeito apenas à desobediência aos limites da licença, não à regularidade/legalidade do empreendimento como um todo, o que, por sinal, nem faria sentido, posto que a ação foi proposta pela própria empreendedora.

Sobre a existência de definição de zona de amortecimento dessa unidade de conservação (ESEC CARIJÓS), é preciso estabelecer que, embora tenha sido indicada no Plano de Manejo (aprovado pela Portaria 49 do ICMBio em 15/09/2003) e analisada pelo Conselho Gestor em 2006, até o momento não foi aprovada oficialmente. Tal fato, inclusive, culminou na interposição de ACP perante este juízo federal (n. 50199725920144047200), na qual se pede seja obrigado o ICMBio a oficializar a zona de amortecimento.

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido e extingo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487 I, do Código de Processo Civil/2015.”

Não merece provimento, portanto, o recurso de apelação.

Diante do improvimento do recurso, restam mantidos os ônus sucumbencias fixados no decisum, com majoração recursal de 2% da verba honorária, forte no art. 85, §11º, do CPC.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso de apelação, mantendo o embargo, oportunizando-se a retomada do licenciamento para fins de regularização do empreendimento, observada a apreciação pelos órgãos competentes.

 

EMENTA

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. ZONA DE AMORTECIMENTO E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANTENTE. EXPLORAÇÃO EM DESCUMPRIMENTO A DIRETRIZ ESPECÍFICA DO IBAMA. AUTOS DE INFRAÇÃO E EMBARGO DE OBRA. MANTIDOS.

O meio ambiente saudável como garantia de bem estar digno para esta e para as futuras gerações está constitucionalmente consagrado no art. 225 da CRFB/88. A legislação florestal, entretanto, não é nova. O primeiro Código a tratar do tema data de 1934, quando o então presidente Getúlio Vargas editou o Decreto nº 23.792/34 criando limites de ocupação do solo. Tal norma foi substituída pela Lei nº 4.771/65, sujeita a sucessivas mudanças e que vigorou no Brasil até 2012, quando sancionado o Novo Código Florestal, qual seja a Lei nº 12.651/12.

Assim, a exploração ambiental deve resguardar a existência de um meio ambiente saudável, motivo pelo qual é regulada e depende de autorização das autoridades competentes, sob pena de autuação.

A implantação de empreendimento em desacordo com a autorização dos órgãos competentes demonstra a validade dos autos de infração e do embargo de obra.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de agosto de 2018.

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