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Município pode legislar estipulando multa para os proprietários de veículos automotores que emitem fumaça acima de padrões considerados aceitáveis

“Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 194704, interposto pela empresa São Bernardo Ônibus Ltda. e outras permissionárias prestadoras de serviços de transporte coletivo de passageiros de Belo Horizonte (MG) contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), que julgou constitucionais normas do município estipulando as multas para os proprietários de veículos automotores que emitem fumaça acima de padrões considerados aceitáveis. Os ministros entenderam que, na defesa de interesses locais, cabe ao município legislar em relação à proteção ao meio ambiente e combate à poluição.

O caso teve origem em mandado de segurança impetrado na instância de origem contra a aplicação de multas. O tribunal estadual, no entanto, julgou válida a cobrança, reconhecendo a constitucionalidade da Lei 4.253/1985 e o Decreto 5.893/1988, de Belo Horizonte, que estipulam as multas. No STF, as empresas alegaram que não compete ao município legislar sobre meio ambiente e que existe lei federal sobre a matéria, inclusive com previsão de penalidades. Para as recorrentes, as normas não teriam sido recepcionadas pela Constituição Federal de 1988.

Até a sessão desta quinta-feira (29/06/2017), haviam votado pelo desprovimento do recurso – mantendo o acórdão questionado – o relator do caso, ministro Carlos Velloso (aposentado), o ministro Ayres Britto (aposentado), o ministro Edson Fachin e a ministra Rosa Weber. O ministro Cézar Peluso (aposentado) proferiu o primeiro voto pelo provimento do recurso, sendo acompanhado pelo ministro Eros Grau (aposentado).

O julgamento foi retomado hoje com o voto-vista do ministro Dias Toffoli, que inaugurou uma nova corrente ao se pronunciar pela extinção do mandado de segurança e a prejudicialidade do recurso extraordinário. Segundo ele, as empresas apontaram a inconstitucionalidade dos dispositivos que regulam as infrações administrativas, sem identificar pormenorizadamente as normas que teriam tipificado as sanções administrativas. Segundo Toffoli, o mandado de segurança teria sido apresentado contra lei em tese, o que é vedado pela Súmula 266 do STF.

Ao seguir a corrente que votou pelo desprovimento do recurso, o ministro Celso de Mello ressaltou a competência dos municípios para legislar sobre o meio ambiente, desde que o faça no interesse local. Para o ministro, a atuação dos municípios para suplementar as legislações estadual e federal sobre o tema não representa conflito de competência com as outras esferas da federação. O decano da Corte salientou que cumpre à União estabelecer planos nacionais e regionais de proteção ambiental, mas que, na eventualidade de surgirem conflitos de competência, a resolução deve se dar pelo princípio da preponderância de interesses e pelo da cooperação entre as unidades da federação.

No caso dos autos, observou o ministro, como as normas estão relacionadas à fiscalização e controle da poluição atmosférica, as autoridades locais, por conhecerem melhor as características da localidade, reúnem amplas condições de fixar regras, pois são os primeiros a identificar eventuais problemas. Segundo ele, entender que os municípios não têm competência ambiental específica é fazer interpretação literal e equivocada da Constituição. “Os municípios formam um elo fundamental na cadeia de proteção ambiental. É a partir deles que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente e pensar globalmente”, afirmou.

O ministro Marco Aurélio e a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, também votaram pelo desprovimento do RE. Já o ministro Gilmar Mendes alinhou-se à corrente vencida, que dava provimento do recurso”.

Fonte: STF, 29/06/2017 (RE 194704).

Direito Ambiental - município estipulando as multas

Leia a íntegra do voto do Ministro Celso de Mello que ressaltou a competência dos municípios para legislar sobre o meio ambiente:

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO:

Ao julgar a ADI 3.540-MC/DF, de que fui Relator, tive o ensejo de salientar que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas.

Essa prerrogativa, que se qualifica por seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Trata-se, consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ 158/205-206, Rel. Min. CELSO DE MELLO) com apoio em douta lição expendida por CELSO LAFER (“A reconstrução dos Direitos Humanos”, p. 131/132, 1988, Companhia das Letras), de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade (PAULO AFFONSO LEME MACHADO, “Direito Ambiental Brasileiro”, p. 121/123, item n. 3.1, 13ª ed., 2005, Malheiros) – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social.

Vale referir, Senhora Presidente, neste ponto, até mesmo em face da justa preocupação revelada pelos povos e pela comunidade internacional em tema de direitos humanos, que estes, em seu processo de afirmação e consolidação, comportam diversos níveis de compreensão e abordagem, que permitem distingui-los em ordens, dimensões ou fases sucessivas resultantes de sua evolução histórica.

Nesse contexto, e tal como enfatizado por esta Suprema Corte (RTJ 164/158-161), impende destacar, na linha desse processo evolutivo, os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos), que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, e que realçam o princípio da liberdade.

Os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), de outro lado, identificam-se com as liberdades positivas, reais ou concretas, pondo em relevo, sob tal perspectiva, o princípio da igualdade.

Cabe assinalar, Senhora Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e de reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível, consoante proclama autorizado magistério doutrinário (CELSO LAFER, “Desafios: ética e política”, p. 239, 1995, Siciliano).

Cumpre rememorar, bem por isso, na linha do que vem de ser afirmado, a precisa lição ministrada por PAULO BONAVIDES (“Curso de Direito Constitucional”, p. 481, item n. 5, 4ª ed., 1993, Malheiros), que confere particular ênfase, entre os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado:

“Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” (grifei)

A preocupação com a preservação do meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (PAULO AFFONSO LEME MACHADO, “Direito Ambiental Brasileiro”, p. 123/124, item n. 3.2, 13ª ed., 2005, Malheiros) – tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade.

A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos tópicos mais expressivos da nova agenda internacional (GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA, “Direito Ambiental Internacional”, 2ª ed., 2002, Thex Editora), particularmente no ponto em que se reconheceu ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e de bem-estar.

Extremamente valioso, sob o aspecto ora referido, o douto magistério expendido por JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Direito Ambiental Constitucional”, p. 69/70, item n. 7, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros):

A ‘Declaração de Estocolmo’ abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um ‘direito fundamental’ entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de ‘direitos a serem realizados’ e ‘direitos a não serem perturbados.

………………………………………………………………………………………….

O que é importante (…) é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: ‘a qualidade da vida’.” (grifei)

Dentro desse contexto, Senhora Presidente, emerge, com nitidez, a ideia de que o meio ambiente constitui patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais (pelos Municípios, inclusive), qualificando-se como encargo irrenunciável que se impõe – sempre em benefício das presentes e das futuras gerações – tanto ao Poder Público quanto à coletividade em si mesma considerada (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Polícia do Meio Ambiente”, “in” Revista Forense 317/179, 181; LUÍS ROBERTO BARROSO, “A proteção do meio ambiente na Constituição brasileira”, “in” Revista Forense 317/161, 167-168, v.g.).

Na realidade, Senhora Presidente, o direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder deferido não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, em um sentido verdadeiramente mais abrangente, atribuído à própria coletividade social.

O reconhecimento desse direito de titularidade coletiva, tal como se qualifica o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, constitui, portanto, uma realidade a que não mais se mostram alheios ou insensíveis, como precedentemente enfatizado, os ordenamentos positivos consagrados pelos sistemas jurídicos nacionais e as formulações normativas proclamadas no plano internacional, como enfatizado por autores eminentes (JOSÉ FRANCISCO REZEK, “Direito Internacional Público”, p. 223/224, item n. 132, 1989, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental Constitucional”, p. 46/57 e 58/70, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros, v.g.).

O Supremo Tribunal Federal, no precedente que venho de mencionar (ADI 3.540-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), firmou entendimento revestido da maior importância jurídico-social, como se vê do seguinte fragmento inscrito na ementa de referido julgado:

“– Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe ao Estado e à própria coletividade a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina (…).” (ADI 3.540-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A controvérsia suscitada na presente causa consiste em saber se os Municípios podem, ou não, legislar, no plano local, sobre medidas destinadas à proteção e à defesa do meio ambiente e da saúde das pessoas que neles vivem.

Entendo que sim, considerando, essencialmente, as premissas que expus no início do presente voto.

É certo que os limites de atuação normativa e administrativa das pessoas políticas que compõem a estrutura institucional da Federação brasileira (CF, art. 18, “caput”) acham-se predeterminados no próprio texto da Constituição da República, que define, mediante a técnica dos poderes enumerados e residuais, a esfera de atribuições de cada uma das unidades integrantes do Estado Federal, como resulta claro do que dispõem os arts. 21 a 24 da Lei Fundamental.

Nesse contexto, cabe à União Federal, considerada a maior abrangência dos interesses por cuja defesa deve velar, o desempenho de um papel de alto relevo no plano da proteção ambiental e da utilização dos mecanismos inerentes ao fiel adimplemento de tal encargo constitucional.

Expressivo, sob tal aspecto, o douto magistério de JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Direito Ambiental Constitucional”, p. 76, item n. 10, 5ª ed., 2004, Malheiros), que bem situa o exercício, pela União Federal, dos poderes que derivam de sua competência constitucional em tema de proteção ao meio ambiente:

À União resta uma posição de supremacia no que tange à proteção ambiental. A ela incumbe a Política geral do Meio Ambiente, o que já foi materializado pela Lei 6.938, de 1981.

Cabe-lhe elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território (art. 21, IX). Só nisso já se tem uma base sólida para o estabelecimento de planos nacionais e regionais de proteção ambiental.” (grifei)

Vê-se, portanto, considerada a repartição constitucional de competências em matéria ambiental, que, na eventualidade de surgir conflito entre as pessoas políticas no desempenho de atribuições que lhes sejam comuns – como sucederia, p. ex., no exercício da competência material (de caráter administrativo) a que alude o inciso VI do art. 23 da Constituição –, tal situação de antagonismo resolver-se-á mediante aplicação do critério da preponderância do interesse e, quando possível, pela utilização do critério da cooperação entre as entidades integrantes da Federação, como observa, em preciso magistério, CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO (“Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, p. 79, item n. 4.2, 7ª ed., 2006, Saraiva):

Por vezes, o fato de a competência ser comum a todos os entes federados poderá tornar difícil a tarefa de discernir qual a norma administrativa mais adequada a uma determinada situação. Os critérios que deverão ser verificados para tal análise são: a) o critério da preponderância do interesse; e b) o critério da colaboração (cooperação) entre os entes da Federação, conforme determina o já transcrito parágrafo único do art. 23. Desse modo, deve-se buscar, como regra, privilegiar a norma que atenda de forma mais efetiva ao interesse comum.” (grifei)

Isso significa que, concorrendo projetos da União Federal, do Estado-membro e dos Municípios, visando ao controle da poluição atmosférica, o conflito de atribuições será suscetível de resolução, caso inviável a colaboração entre tais pessoas políticas, pela aplicação do critério da preponderância do interesse, valendo referir – como já assinalado – que, ordinariamente, os interesses da União revestem-se de maior abrangência.

Cabe referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, o douto magistério de LUCIA VALLE FIGUEIREDO (“Curso de Direito Administrativo”, p. 311/312, item n. 4.5, 4ª ed., 2000, Malheiros):

Pergunta que se põe: se estamos diante de uma Federação e não há hierarquia entre os entes políticos, qual a explicação para essa ordem hierárquica? A explicação, consoante se nos afigura, diz respeito à hierarquia de interesses.

Na verdade, os interesses da União, de espectro mais amplo, devem preferir aos interesses do Estado, e assim sucessivamente.” (grifei)

Isso tudo evidencia o caráter preponderante (porque mais abrangente) do interesse da União Federal em tema ambiental, em ordem a reconhecer-lhe, ordinariamente, precedência, se e quando concorrerem, relativamente à mesma área, projetos federais, estaduais e municipais eventualmente conflitantes, ressalvada, no entanto, a possibilidade constitucional – sempre desejável – de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, nos termos de lei complementar da própria União, cujas normas considerarão, para efeito da referida colaboração, o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (CF, art. 23, parágrafo único).

Tal circunstância, contudo, não subtrai ao Município a competência institucional para legislar sobre o meio ambiente, limitada esta, no entanto, ao tratamento normativo de assuntos de interesse estritamente local (MARCELO ABELHA RODRIGUES, “Instituições de Direito Ambiental – Parte Geral”, vol. 1, p. 114/115, item n. 6.3.3, 2002, Max Limonad; FREDERICO AUGUSTO DI TRINDADE AMADO, “Direito Ambiental Sistematizado”, p. 29/30, itens ns. 5.1 e 5.2, 2009, Método; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, p. 592, item n. 4, 17ª ed., 2013, Malheiros, v.g.), especialmente se se tiver em consideração o que dispõem os incisos I e II do art. 30 da Constituição da República, que veiculam regras legitimadoras das atribuições normativas municipais para adoção de medidas destinadas à defesa da integridade do meio ambiente no plano local, como assinalam, nesse específico tema, eminentes Autores, cuja lição reconhece a competência legislativa municipal para prescrever regras de proteção ao patrimônio ambiental, valendo destacar, no ponto, a precisa observação de ANDERSON FURLAN e WILLIAM FRACALOSSI (“Direito Ambiental”, p. 235, item n. 6.7, 2010, Forense):

O Município, assim como os demais componentes da Federação, possui a incumbência constitucional de proteger o meio ambiente (art. 225), seja administrando, seja legislando. É na esfera municipal que os problemas ambientais se tornam mais visíveis, reais, factíveis, sendo por isso evidente desatino subtrair dos Municípios a incumbência de legislar sobre o meio ambiente.” (grifei)

O controle da poluição ambiental, especialmente vocacionado a impedir a degradação dos índices de qualidade do ar, assim obstando o agravamento da poluição atmosférica (que constitui fenômeno presente nos grandes centros urbanos e nas áreas metropolitanas, como sucede com o Município de Belo Horizonte/MG), traduz matéria que se submete à esfera de competência legislativa dos Municípios, observado, para esse efeito, como limite inultrapassável, o interesse local, e desde que as medidas de regulação normativa não transgridam nem conflitem com o âmbito de atuação que a Constituição da República atribuiu à União Federal e aos Estados-membros.

Essa visão do tema, que reconhece ao Município, em matéria de proteção ao meio ambiente, a possibilidade constitucional de editar legislação objetivando o controle da poluição, inclusive atmosférica (esta geralmente agravada pela emissão de dióxido de carbono produzida pelo serviço de transporte coletivo urbano), tem sido perfilhada por autorizado magistério doutrinário (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental Constitucional”, p. 81/82, item n. 14, 9ª ed., 2011, Malheiros; CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO, “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, p. 219/220, item n. 4.2, 2012, Saraiva; PAULO AFFONSO LEME MACHADO, “Direito Ambiental Brasileiro”, p. 442/444, item n. 3, 2013, Malheiros), desde que o Município, ao assim legislar, faça-o na perspectiva da tutela e regulação normativa de assuntos de interesse estritamente local (CF, art. 30, I), como se depreende da expressiva lição de PAULO DE BESSA ANTUNES (“Direito Ambiental”, p. 110/111, item n. 2.3, 15ª ed., 2013, Atlas):

O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber; promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Parece claro, na minha análise, que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente. Na verdade, entender que os Municípios não têm competência ambiental específica é fazer uma interpretação puramente literal da Constituição Federal.” (grifei)

Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que assiste ao Município competência constitucional para formular regras e legislar sobre proteção e defesa do meio ambiente, notadamente na área de controle da poluição atmosférica, que representa encargo irrenunciável que incide sobre todos e cada um dos entes que integram o Estado Federal brasileiro, impondo-se observar, no entanto, por necessário, que essa atribuição para legislar sobre o meio ambiente deve efetivar-se nos limites do interesse local, em ordem a que a regulação normativa municipal esteja em harmonia com as competências materiais constitucionalmente deferidas à União Federal e aos Estados-membros, tal como tive o ensejo de assinalar em anteriores julgamentos por mim proferidos nesta Suprema Corte (RE 673.681/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 834.510/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

É por esse motivo que, ao apreciar, em outro processo, a questão pertinente à competência legislativa dos Municípios em tema de direito ambiental, proferi decisão consubstanciada em julgamento assim ementado:

“(…) Competência do Município para dispor sobre preservação e defesa da integridade do meio ambiente. A incolumidade do patrimônio ambiental como expressão de um direito fundamental constitucionalmente atribuído à generalidade das pessoas (RTJ 158/205-206 – RTJ 164/158-161, v.g.). A questão do meio ambiente como um dos tópicos mais relevantes da presente agenda nacional e internacional. O poder de regulação dos Municípios em tema de formulação de políticas públicas, de regras e de estratégias legitimadas por seu peculiar interesse e destinadas a viabilizar, de modo efetivo, a proteção local do meio ambiente. (…).” (RE 673.681/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O eminente Ministro LUIZ FUX, por sua vez, em magnífico voto proferido no julgamento plenário do RE 586.224/SP, de que foi Relator, apontou fundamentos que, examinados em face da própria teoria da Federação e do nosso sistema de repartição constitucional de competências, tornam plenamente legítimos os diplomas normativos editados pelo Município de Belo Horizonte/MG, ora questionados na presente sede recursal extraordinária: a Lei municipal nº 4.253/85 e o Decreto municipal nº 5.893/88.

São esses os motivos que têm levado o Supremo Tribunal Federal a consagrar, em seu magistério jurisprudencial, o reconhecimento do direito de todos à integridade do meio ambiente e a competência de cada um dos entes políticos que compõem a estrutura institucional da Federação em nosso País, com particular destaque para os Municípios, em face do que prescreve, quanto a eles, a própria Constituição da República (art. 30, incisos I, II e VII, c/c o art. 23, incisos II e VI), cabendo acentuar que, na sensível área da proteção ambiental, os interesses corporativos dos organismos empresariais devem estar necessariamente subordinados aos valores que conferem precedência à preservação da integridade do meio ambiente (CF, art. 170, inciso VI), como esta Corte Suprema já teve o ensejo de advertir:

“(…) A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE.

– A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, entre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina.

Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural.

A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA.

– O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. (…).”

(ADI 3.540-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Em suma: resulta claro, desse modo, em face do que venho de expor, que esta Suprema Corte – ao reconhecer que o Município, também ele, dispõe de competência para legislar e editar normas de proteção ao meio ambiente e de defesa da saúde dos cidadãos – impõe-lhe, no entanto, limite em sua atuação normativa, que somente se legitimará se essa pessoa política agir com estrita observância da cláusula constitucional inscrita no art. 30, inciso I, da Lei Fundamental da República, que lhe permite “legislar sobre assuntos de interesse local”, e apenas – insista-se – sobre assuntos de interesse eminentemente local.

Sendo assim, e por tais razões, peço vênia para negar provimento ao presente recurso extraordinário, mantendo íntegro, em consequência, o v. acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

É o meu voto.

Direito Ambiental - município estipulando as multas

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