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Poder de Polícia Ambiental: julgado do STJ reafirma a competência dos entes federativos na promoção de medidas protetivas ambientais

No julgamento do REsp nº 1.479.316/SE, ocorrido em 20.08.2015, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou que não existe competência exclusiva de um ente em relação aos demais entes federativos para promover medidas protetivas ao meio ambiente.

Trata-se de caso em que se analisou a legitimidade do Ministério Público Federal em propor ação civil pública contra particular,  em razão de ele ter desmatado vegetação de Mata Atlântica integrante do patrimônio nacional, o qual questionava a legitimidade da autuação do IBAMA e do MPF, bem como o processamento da causa pela Justiça Federal.

No julgamento, o STJ reafirmou o poder fiscalizatório do IBAMA, destacando que o referido órgão ambiental possui “interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado, o que, juntamente com a legitimidade ad causam do Ministério Público Federal, define a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito”.

 

Abaixo, confira a íntegra do julgado:

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.479.316 – SE (2014/0225211-9)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RECORRIDO : HENRIQUE BRANDÃO MENEZES NETO

ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

EMENTA

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ÁREA PRIVADA. MATA ATLÂNTICA. DESMATAMENTO. IBAMA. PODER FISCALIZATÓRIO. POSSIBILIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM . EXISTÊNCIA. PRECEDENTES.

1. Não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, bem como da competência para o licenciamento.

2. A dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta é apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do Parquet Federal.

3. A atividade fiscalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao IBAMA interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado, o que, juntamente com a legitimidade ad causam do Ministério Público Federal, define a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito.

Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes (Presidente), Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 20 de agosto de 2015(Data do Julgamento)

 

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.479.316 – SE (2014/0225211-9)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RECORRIDO : HENRIQUE BRANDÃO MENEZES NETO

ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS:

Cuida-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região assim ementado (fl. 1.138, e-STJ):

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE ÁREA DE MANGUEZAL. MATA ATLÂNTICA. INTERESSE DA UNIÃO. INEXISTÊNCIA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Visa o agravante, neste recurso, à reforma de decisão que reconheceu a ilegitimidade do MPF para defender, em ação civil pública, a preservação de mata atlântica, em função da suposta prática de conduta ilícita atribuída ao ora agravado, consistente no desmatamento de área de mata atlântica no âmbito da “Fazenda Oiteiros”, de sua propriedade particular.

2. É da Justiça Estadual Comum a competência para processar e julgar ação civil pública visando à recuperação de trecho da Mata Atlântica, pois, embora tal área seja considerada “patrimônio nacional” (art. 225, §4º da CF), ela não é bem da União.

3. Precedentes do STF, do STJ e deste TRF.

4. Agravo a que se nega provimento “.

O recorrente alega que o acórdão regional contrariou as disposições contidas nos arts. 7º da Convenção sobre Diversidade Biológica e 6º, IV, da Lei n. 6.938/81. Defende, em suma, a competência da Justiça Federal para o julgamento do feito, bem como a legitimidade do Ministério Público Federal na atuação da presente demanda, pois “a Mata Atlântica, por norma constitucional, foi elevada à condição de patrimônio nacional, restando mais do que prevalente o interesse federal no feito, além disso a atuação do MPF na interposição da Ação Civil Pública atrai a competência para a Justiça Federal ” (fl. 1.162 e-STJ).

Não foram apresentadas contrarrazões (fl. 257, e-STJ). Em seguida, sobreveio o juízo de admissibilidade positivo da instância de origem (fl. 1.178, e-STJ).

Parecer do MPF às fls. 1.194/1.196, e-STJ, opinando pelo provimento do recurso especial nos termos da seguinte ementa:

“Recurso Especial. Ação civil pública. Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica, que atribuiu à União, através de seus órgãos, a identificação, a proteção e a fiscalização dos biomas nacionais. Competência da Justiça Federal em razão da matéria. IBAMA. Poder de polícia e de execução de políticas públicas relativas ao Meio Ambiente. Competência ratificada, em razão da pessoa. Legitimidade ativa do Ministério Público Federal. Pelo provimento “.

É, no essencial, o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS(Relator):

A questão jurídica apresentada neste recurso especial refere-se à legitimidade do Ministério Público Federal em propor ação civil pública contra o recorrido em razão de ter desmatado vegetação de Mata Atlântica integrante do patrimônio nacional.

Cinge-se, reflexamente, ao reconhecimento do poder fiscalizatório do IBAMA.

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região entendeu que o Ministério Público Federal é parte ilegítima para a propositura da ação, pois “a caracterização da vegetação como remanescente de Bioma Mata Atlântica não é suficiente, por si só, a atrair o interesse específico da União, por não se tratar de bem deste Ente Federativo, mas sim patrimônio nacional” (fl. 1.133, e-STJ).

Portanto, a premissa utilizada pelo acórdão recorrido foi a de que o o dano ambiental causado não justifica o interesse do Ministério Público Federal a ponto de considerá-lo como parte legítima da demanda, bem como não salvaguardava a atuação do IBAMA para o caso concreto.

Em verdade, em se tratando de proteção ao meio ambiente, não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, bem como da competência para o licenciamento.

É o que sustentou o Ministro Herman Benjamin, no julgamento do REsp 1.057.878/RS, litteris:

“Em matéria de Ação Civil Pública Ambiental, a dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta (mar, terreno de marinha ou Unidade de Conservação de propriedade da União, p. ex) é apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do parquet federal. Não é porque a degradação ambiental se deu em imóvel privado ou afeta res communis ominium que se afasta, ipso facto, o interesse do MPF” .

Confira-se a ementa do referido julgado:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. ROMPIMENTO DE DUTO DE ÓLEO. PETROBRAS TRANSPORTES S/A – TRANSPETRO. VAZAMENTO DE COMBUSTÍVEL. INTEMPESTIVIDADE DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA 150/STJ. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. NATUREZA JURÍDICA DOS PORTOS. LEI 8.630/93. INTERPRETAÇÃO DO ART. 2º, DA LEI 7.347/85.

1. Cinge-se a controvérsia à discussão em torno a) da tempestividade do Agravo de Instrumento interposto pelo MPF e b) da competência para o julgamento de Ação Civil Pública proposta com a finalidade de reparar dano ambiental decorrente do vazamento de cerca de 1.000 (mil) litros de óleo combustível após o rompimento de um dos dutos subterrâneos do píer da Transpetro, no Porto de Rio Grande.

2. Não se conhece do Recurso Especial quanto à tempestividade do recurso apresentado na origem, pois a matéria não foi especificamente enfrentada pelo Tribunal de origem. Aplicação da Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça.

3. Em relação ao segundo fundamento do Recurso Especial, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que, no caso, a legitimidade ativa do Ministério Público Federal fixa a competência da Justiça Federal.

4. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado no sentido de atribuir à Justiça Federal a competência para decidir sobre a existência de interesse processual que justifique a presença da União, de suas autarquias ou empresas públicas na lide, consoante teor da Súmula 150/STJ.

5. A presença do Ministério Público Federal no pólo ativo da demanda é suficiente para determinar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, o que não dispensa o juiz de verificar a sua legitimação ativa para a causa em questão.

6. Em matéria de Ação Civil Pública ambiental, a dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta (mar, terreno de marinha ou Unidade de Conservação de propriedade da União, p. ex.) é apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do Parquet federal. Não é porque a degradação ambiental se deu em imóvel privado ou afeta res communis omnium que se afasta, ipso facto, o interesse do MPF.

7. É notório o interesse federal em tudo que diga respeito a portos, tanto assim que a Constituição prevê não só o monopólio natural da União para ‘explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão’, em todo o território nacional, ‘os portos marítimos, fluviais e lacustres’ (art. 21, XII, f), como também a competência para sobre eles legislar ‘privativamente’ (art. 22, X).

8. Embora composto por partes menores e singularmente identificáveis, em terra e mar – como terminais e armazéns, públicos e privados –, o porto constitui uma universalidade , isto é, apresenta-se como realidade jurídica una, embora complexa; equipara-se, por isso, no seu conjunto, a bem público federal enquanto perdurar sua destinação específica, em nada enfraquecendo essa sua natureza o fato de se encontrarem imóveisprivados inseridos no seu perímetro oficial ou mesmo o licenciamento pelo Estado ou até pelo Município de algumas das unidades individuais que o integram.

9. O Ministério Público Federal, como regra, tem legitimidade para agir nas hipóteses de dano ou risco de dano ambiental em porto marítimo, fluvial ou lacustre.

10. Não é desiderato do art. 2º, da Lei 7.347/85, mormente em Município que dispõe de Vara Federal, resolver eventuais conflitos de competência, no campo da Ação Civil Pública, entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual, solução que se deve buscar, em primeira mão, no art. 109, I, da Constituição Federal.

11. Qualquer que seja o sentido que se queira dar à expressão “competência funcional” prevista no art. 2º, da Lei 7.347/85, mister preservar a vocação pragmática do dispositivo: o foro do local do dano é uma regra de eficiência, eficácia e comodidade da prestação jurisdicional, que visa a facilitar e otimizar o acesso à justiça, sobretudo pela proximidade física entre juiz, vítima, bem jurídico afetado e prova.

12. O licenciamento pelo IBAMA (ou por órgão estadual, mediante seu consentimento expresso ou tácito) de obra ou empreendimento em que ocorreu ou poderá ocorrer o dano ambiental justifica, de plano, a legitimação para agir do Ministério Público Federal. Se há interesse da União a ponto de, na esfera administrativa, impor o licenciamento federal, seria no mínimo contraditório negá-lo para fins de propositura de Ação Civil Pública.

13. Recurso Especial não provido.”

(REsp 1.057.878/RS, Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26.5.2009, DJe de 21.8.2009.)

Consoante outrora se destacou, a dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta é apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do parquet federal.

Ademais, o poder-dever de fiscalização dos outros entes deve ser exercido quando a atividade esteja sem o devido acompanhamento do órgão competente, causando danos ao meio ambiente.

Convém ressaltar que a atividade fiscalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao IBAMA interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado, o que, juntamente com a legitimidade ad causam do Ministério Público Federal, define a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito.

No mesmo sentido:

“PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – MULTA – CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES COMUNS – OMISSÃO DE ÓRGÃO ESTADUAL – POTENCIALIDADE DE DANO AMBIENTAL A BEM DA UNIÃO – FISCALIZAÇÃO DO IBAMA – POSSIBILIDADE.

1. Havendo omissão do órgão estadual na fiscalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, pode o IBAMA exercer o seu poder de polícia administrativa, pois não há confundir competência para licenciar com competência para fiscalizar.

2. A contrariedade à norma pode ser anterior ou superveniente à outorga da licença, portanto a aplicação da sanção não está necessariamente vinculada à esfera do ente federal que a outorgou.

3. O pacto federativo atribuiu competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente através da fiscalização.

4. A competência constitucional para fiscalizar é comum aos órgãos do meio ambiente das diversas esferas da federação, inclusive o art. 76 da Lei Federal n. 9.605/98 prevê a possibilidade de atuação concomitante dos integrantes do SISNAMA.

5. Atividade desenvolvida com risco de dano ambiental a bem da União pode ser fiscalizada pelo IBAMA, ainda que a competência para licenciar seja de outro ente federado. Agravo regimental provido. ”

(AgRg no REsp 711.405/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 28.4.2009, DJe 15.5.2009.)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial a fim de reconhecer a legitimidade do Ministério Público Federal e determinar o regular processamento e julgamento do feito na Justiça Federal.

É como penso, é como voto.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Relator

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