segunda-feira , 18 março 2024
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(DES)GOVERNANÇA, GESTÃO DE RISCOS, RESPONSABILIZAÇÃO E O CASO COVID-19

por Franco Cristiano da Silva Oliveira Alves.

 

Os efeitos deletérios decorrentes da declarada disseminação de uma nova cepa do Coronavírus, o Covid-19, pela Organização Mundial de Saúde, restam proclamados em diversos orbes de interesse pelos diversos países atingidos. Cataloga-se que, especialmente pelos resultados econômicos, com efeitos globalizantes, inclusive países não atingidos ou minimamente alcançados pelo contágio da praga, estão potencialmente subjugados ao envenenamento pelo Covid-19.

Ao abrigo da calamidade, para além dos riscos diretos e lastimosos às vidas humanas culminadas pelo contágio, os oblíquos efeitos sobre a atividade econômica e, por consequência, a outras vidas sujeitas indiretamente ao ferrão do Covid-19, revela a quase absoluta insipiência social e aqui, especificamente, de incontáveis organizações empresariais para lidar com crises dessa natureza. Por um fio da catástrofe, muitos se perceberam sem musculatura financeira, sem planos de ação operacional, sem respostas jurídicas rápidas e adequadas e observaram que em seus patuás de sobrevivência, se encontrava apenas o pavor, o pânico. A (des)governança ascendeu ao palco.

A governança coorporativa, quimérica na esmagadora maioria das organizações empresariais do país,  sobremodo por ser considerada, erroneamente, como prática destinada apenas a grandes corporações, que tem seu berço originariamente nos memoriosos acordos de Bretton Woods[1], pode ser suscintamente conceituada como o conjunto de processos, controles, costumes, políticas, normas internas que regulam a forma de dirigir uma empresa ao alcance de seus objetivos.

No contexto nacional, o termo ganhou força, especialmente, com o advento das políticas de integridade abordadas por algumas organizações públicas e privadas, voltadas a reencontrar a confiança da opinião pública, face à prática de relações incestuosas voltadas a construção de práticas fraudulentas e corruptivas.

É possível afirmar, portanto, que a governança é programa destinado a demonstrar que a respectiva organização é confiável aos interesses da sociedade, de seus funcionários, consumidores, investidores e a todos aqueles com quem venha a se relacionar de forma imediata ou indireta. É prática voltada a assegurar que a organização empresarial possui pernas firmes, assentadas em solo forte. É prática destinada a demonstrar que o estabelecimento atua de forma cautelosa, preventiva e transparente quanto a sua realidade, virtudes e fraquezas.

Ao se falar das micro e pequenas empresas, especificamente, é possível dizer que a governança se traduz em um estado de confiabilidade aos seus próprios dependentes, isto é, aos seus sócios, ao quantitativo de funcionários e aos demais cuja condição de existência esteja afeiçoada ao bom desempenho de suas atividades.

Uma microempresa sob desgoverno, por exemplo, é um comboio desnorteado com aptidão a ceifar a integridade de seus próprios atores, de seus agregados e intervenientes. É instrumento temerário, cortante, que pode dilacerar as mãos daqueles que a portam. A organização empresária, por consequência, carece de ser confiável aos seus próprios senhores, antes de mais nada.

Acordar à sombra de uma suspensão indeterminada de atividade, sem a adequada provisão financeira, sem as adequadas respostas ao público interno, a credores, investidores e consumidores revela, não somente a iminência de uma catástrofe, mas sobretudo, que a organização está desprovida de mínimas práticas de governança.

Sem embargo de outros conhecidos tópicos principiológicos inerentes à governança coorporativa, como equidade e dever de prestar contas, não se desconhece que visando prevenir a submissão da organização e demais stakeholders a perdas das mais variáveis espécies, não poderá a organização ser bem governada, sem a adequada gestão de riscos coorporativos.

A entrega da atividade empresarial a volatilidades do mercado financeiro, a problemas de infraestrutura, a questões operacionais, ambientais, ao traçado geopolítico, que podem decidir os rumos da organização, de forma impreterível, devem ser conhecidos pela organização, satisfatoriamente mensurados, tratados e constantemente reavaliados, sob pena de não se entregar o que se espera de uma organização bem governada, isto é, confiável, repisa-se, ao seu público interno e externo.

Especificamente no que tange ao Covid-19 é pertinente registrar que uma eventual disseminação de um agente viral, com extensão pandêmica já estava no radar de riscos globais, como revelam os dados do Fórum Econômico Mundial. Os dados de 2015, por exemplo, revelam o risco de disseminação de agentes infecciosos em 2º lugar[2].

O mapa de riscos globais relativos ao ano de 2019 já revelava a permanência do risco entre os mais prováveis e impactantes[3].

Os dados apresentam ainda, a interconexão deste tipo de evento à instabilidade social, desestabilização de governos e falhas de infraestrutura, se associando, quanto ao seu potencial lesivo, a outros eventos considerados relevantes do ponto de vista da gestão de riscos globais, tais como catástrofes da natureza, crise hídrica, desemprego e fome[4].

 

Com efeito, a margem de discussões de natureza conceitual jurídica sobre o que possa ser considerado caso fortuito ou força maior, é fato incontestável que o risco de uma pandemia decorrente da propagação de um agente infeccioso, a exemplo do Covid-19, não pode ser tratado como mero elemento imprevisível. Não se trata, em absoluto, do ponto de vista da detecção de riscos, de um fator invisível. Ele já estava lá.

A cegueira acerca da potencialidade de ocorrência e perigo de um evento pandêmico, sem pretensão deste autor, parece se situar mais, ao que parece, no campo da ausência de práticas efetivas de governança, alicerçadas na adequada gestão de riscos, seja no universo coorporativo ou público.

Há de se reafirmar, portanto, que a manutenção ou o saudável desenvolvimento das organizações empresariais, alvo destas linhas, face à fluidez da pós-modernidade, diante da externalidade cada vez mais profunda da ação antrópica por terrenos ainda pouco explorados, está a exigir a adequada gestão de riscos, sob pena, inclusive, de restarem descaracterizados os elementos excludentes da responsabilização, o caso fortuito ou a força maior.

Pelo contrário, a ausência de boas práticas de governança e, por consequência, da adequada gestão de riscos, pode revelar descuido com a boa-fé e transparência frente aos dançarinos do tablado coorporativo, atraindo o eventual dever de indenizar, pela omissão na adoção de práticas preventivas e planos de ação mitigadores de danos, decorrentes de eventos que, longe de serem invisíveis, foram de fato apenas negligenciados.

A gestão de riscos, seja no campo público ou privado, que nesta investigação ganha especial destaque, ao lado de mecanismos de compliance e outros voltados para a integridade, são escoras da boa governança, sem a qual não será possível fazer emergir uma sociedade e um modelo econômico efetivamente sustentável, em um mundo marcado pela alta complexidade na relação entre as mais diversas forças e pela realidade simulada pela virtualização que se multiplicará exponencialmente após o episódio Covid-19.

Muitos itens serão restabelecidos às prateleiras da vida; outros serão perdidos e permanecerão lacunosos; outros serão sobrepostos sem deixar saudade. Em todo caso, diz o ditado que prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém.

Notas:

[1] Acordos de gerenciamento econômico global que estabeleceu em 1944 as regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo.

[2] Fonte: Fórum Econômico Mundial. Disponível em: < http://reports.weforum.org/global-risks-2016/part-1-title tba/?doing_wp_cron=1585185341.4751279354095458984375#view/fn-2>. Acessado em 25 de março de 2020.

[3] Fonte: Fórum Econômico Mundial. Disponível em: < http://reports.weforum.org/global-risks-2019/survey-results/global-risks-landscape-2019/?doing_wp_cron=1585186361.7268550395965576171875#landscape>. Acessado em 25 de março de 2020.

[4] Fonte: Fórum Econômico Mundial. Disponível em: < http://reports.weforum.org/global-risks-2019/survey-results/global-risks-landscape-2019/#risks/R_INFECTIOUSDISEASES//>. Acessado em 25 de março de 2020.

Franco Cristiano da Silva Oliveira Alves – Advogado com atuação em Direito Ambiental e Urbanístico, Governança e Compliance. É atualmente sócio da SPBR Governança, Compliance & Sustentabilidade. É Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Triângulo Mineiro – UNITRI. É pós-graduado em Direito Público. É autor do livro “Código Florestal Mineiro Comentado.” (Editora Pillares). Possui artigos e publicações em diversas áreas do direito. Foi Superintendente do PROCON Municipal de Uberlândia (MG) e Superintendente Regional do Meio Ambiente da SEMAD/MG. Lecionou Direito das Relações de Consumo, Responsabilidade Civil, Direito Digital e das Comunicações na UNIPAC/Uberlândia (MG) e UNIMINAS/PITÁGORAS (MG). É conferencista, tendo proferido palestras para entidades como CDL, OAB, ACIUB, FIEMG, dentre outras instituições públicas e privadas. Foi eleito advogado do ano em 2009 pela 13ª Subseção da OAB/MG.

 

Direito Ambiental

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