A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, ao julgar recurso de agravo de instrumento nº 1401993-20.2022.8.12.0000, manteve a aplicação de multa cominatória majorada à empresa do setor sucroalcooleiro por descarte irregular de vinhaça ou vinhoto (resíduo do processamento da usina de álcool de cana), que ocasionou danos ambientais em propriedade vizinha, pela proliferação da “mosca-da-cana”.
A usina havia agravado a decisão proferida pelo magistrado da Vara Única de Nova Alvorada do Sul, que, em ação de obrigação de fazer, havia majorado multa cominatória estabelecida em decisão de tutela provisória, aplicou multa por litigância de má-fé à empresa agravante; determinou a realização de perícia técnica; atribuiu ônus da prova à usina; e rejeitou as preliminares aduzidas contra a medida.
Conforme relatório, ficou constatado que a Usina não tomou nenhuma solução concreta para solucionar o problema de descarte irregular da vinhaça em suas plantações de cana, a qual se dava em quantidade muito superior ao que o solo consegue absorver, o que acarreta infestação descontrolada da “mosca-da-cana”, a qual atacaram os animais criados na propriedade vizinha. A “mosca-da-cana” (também conhecida como “mosca-do-estábulo”) é espécie hematófaga e causa prejuízos na medida em que ataca os animais de produção, além de também atacar humanos.
O Relator, Des. Dorival Renato Pavan, assim consignou em seu voto:
“Infere-se dos autos que os agravados ajuizaram ação de obrigação de fazer em face da agravante e alegaram, em suma, que a requerida vem descartando vinhaça em suas plantações em quantidade muito superior ao que o solo consegue absorver, o que fez surgir na região das propriedades rurais dos autores a “mosca-da- cana”, infestação sem controle, em meados do ano de 2011 e desde então já foram propostas duas ações judiciais, contudo, nenhuma solução concreta foi tomada.
Aduziram que no dia 31 de julho de 2019, na Fazenda Velha Recordação, de propriedade da requerente, foi realizado auto de constatação que comprova o ataque da referida mosca aos animais ali criados, uma vez que referida mosca é hematófoga (alimenta-se de sangue). Referido problema vem há anos causando danos e prejuízos aos autores, considerando os ataques aos animais e, inclusive aos seres humanos.
Requereram, assim, que a ré seja coibida de descartar a vinhaça em excesso em meio as plantações, de maneira a formar lagoas e poças, quer voluntariamente quer em decorrência de vazamento de dutos, o que causa a proliferação e infestação descontrolada do referido inseto (“stomoxys calcitrans” – mosca-da-cana).
A tutela provisória foi parcialmente deferida para o fim de determinar que a ré agravante se abstenha de realizar, por qualquer meio ou método, o descarte danoso de vinhaça no solo, em quantidade superior ao que seja este capaz de absorver, de maneira a formar poças ou lagos, bem como que coíba a ocorrência de vazamento em seus canais condutores ocasionando o mesmo problema.
Os requerentes/agravados informaram nos autos que a liminar não foi cumprida, tendo o douto magistrado determinado a majoração da multa para R$ 3.000,00 por dia de descumprimento. O julgador saneou o feito e afastou as alegações de existência de coisa julgada, litispendência, ilegitimidade ativa, inadequação da via eleita, cerceamento de defesa e tumulto processual, tendo imposto multa por litigância por má-fé à requerida. Fixou, ainda, os pontos controvertidos,atribuiu o ônus da prova à requerida e designou perito.”
O acórdão foi publicado no DJe de 19/09/2022 e ainda cabe recurso.
Fonte: Portal DireitoAmbiental.com, Agravo de Instrumento nº 1401993-20.2022.8.12.0000/MS (julgado no dia 15/09/2022, publicado no DJe de 19/09/2022), processo originário (1ª instância) nº 0800565-89.2019.8.12.0054 (Vara Única de Nova Alvorada do Sul, Juiz de Direito Jessé Cruciol Junior).
Clique aqui e baixe a íntegra do acórdão do TJMS.
Confira a ementa do julgado:
EMENTA:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – DESCARTE DE VINHAÇA POR EMPRESA E OCORRÊNCIA DE DANOS AMBIENTAIS EM PROPRIEDADE VIZINHA – LEGITIMIDADE DOS PROPRIETÁRIOS – DISCUSSÃO DE DIREITOS PARTICULARES. I) Em que pese a ofensa às regras ambientais ser um dos fundamentos do pedido, a pretensão exposta na demanda é predominantemente referente ao direito de vizinhança e às consequências advindas em uma propriedade particular. Neste norte, resta patente a legitimidade ativa dos autores, proprietários do imóvel prejudicado, para o ajuizamento da ação, não havendo que se falar em qualquer vício na titularidade do direito discutido. NÃO COMPROVAÇÃO DE CUMPRIMENTO DE LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA – VALOR DA MULTA COMINATÓRIA MAJORADO – INOCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO. I) Havendo indícios suficientes para respaldar a conclusão a respeito de não cumprimento de ordem judicial anteriormente imposta, resta cabível a majoração da multa cominatória arbitrada. II) Havendo previsão expressa a respeito da possibilidade de alteração do valor da multa no curso do processo, não há que se falar em ocorrência de preclusão sobre a imposição do montante. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – OCORRÊNCIA DE DANOS AMBIENTAIS – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO CONSISTENTE NA APLICAÇÃO DO AFORISMO IN DÚBIO PRO AMBIENTE – CABIMENTO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO IMPROVIDO. I) Nas ações civis por dano ambiental, a análise acerca do ônus da prova deve ser encerrado à luz do princípio da precaução, que se traduz na aplicação do aforismo in dubio pro ambiente, e também pela interdisciplinariedade entre as normas de proteção ao consumidor, porque se tutela, igualmente, bem jurídico de caráter público e coletivo. COMPROVADA MÁ-FÉ E ABUSO DE DIREITO – MULTA DEVIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I) Tendo a parte requerida apresentado alegação contrária a texto expresso de lei, com comportamento expressamente condenado pelo Código de Processo Civil no inciso I do art. 81, mantém-se a condenação da parte ao pagamento de multa por litigância de má-fé. II) Recurso conhecido, e improvido. Decisão mantida.
A C Ó R D Ã O:
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos, Por unanimidade, negaram provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Veja também:
– vídeo de reportagem do Globo Rural sobre ataque da mocas-da-cana em propriedades de SP https://globoplay.globo.com/v/5475747/
– “MOSCA DO ESTÁBULO” provoca prejuízos a agricultores e pecuaristas
– Artigo – Mosca-dos-estábulos: Um grande desafio a ser vencido (publicação da Embrapa)