Por Marcos Saes
Não. A resposta é simples e direta. E sequer deveria causar tanta repercussão e desdobramentos.
“O direito ambiental é apaixonante, mas ainda é direito”. Essa afirmação, que parece óbvia, é o começo do artigo “O Direito Ambiental como Matéria de Paixões: A suspensão da Resolução CONAMA 500 pelo STF e o princípio da legalidade”, que escrevi em conjunto com Mateus Stallivieri da Costa, em obra intitulada “Princípio da Legalidade no Direito Ambiental”1.
As coisas óbvias devem ser ditas e repetidas, sob pena de, mesmo sendo absurdas, passarem a ser aceitas como se corretas fossem. No direito Ambiental, assim como em qualquer outro ramo do direito regulado pela regra de competência legislativa trazida no art. 24, da Constituição Federal, não é a norma “mais restritiva” que vale. O que vale é a regra geral e, se houver alguma lacuna, a norma que a suplementou. Inclusive, na maioria dos casos, se houver uma norma mais restritiva que a outra, essa será inconstitucional. Vejamos.
O art. 24 da Constituição Federal é claríssimo ao dizer que compete à União editar normas gerais sobre inúmeros assuntos, e para o que nos interessa, sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição”2. O mesmo artigo ainda explica que os Estados podem suplementar a legislação federal. E se formos ao art. 30 da nossa Carta Magna, veremos que aos municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local, sem jamais contrariar os comandos federais e estaduais. E que bom que isso é assim. Que bom que “a regra é clara”.
Imaginemos o caos que seria se cada município pudesse, por exemplo, legislar sobre a conservação, proteção, regeneração e utilização do Bioma Mata Atlântica ou mesmo dos outros biomas? Lembremos que esses biomas, segundo a própria Constituição, são patrimônio nacional e não de um ou outro município ou mesmo Estado da Federação. Daí a importância de serem regulamentados por uma norma geral, como é a Lei 11.428/06 (Lei da Mata Atlântica) ou, na falta desta, por uma norma estadual (competência supletiva), como é o caso da Lei do Cerrado (Lei Estadual 13.550/09) no Estado de São Paulo. Se algum município tiver disposições que contrariem essas normas, sendo mais ou menos restritivas, padecerão do vício de ilegalidade e inconstitucionalidade e poderão gerar prejuízos à sociedade.
Por isso que a regra constitucional de competência está correta e deve ser respeitada. Cabe à União editar lei geral e não cabe a nenhum outro ente criar normas que contrariem essa regra. Sejam essas normas mais ou menos restritivas, em todos os casos serão inconstitucionais. Não desconhecemos correntes doutrinárias e até mesmo decisões judiciais que no pretenso afã de fazer a defesa(!) do meio ambiente, apressam-se em afirmar que uma norma mais restritiva deve sempre prevalecer. Isso é desrespeitar a Constituição Federal. Quem assim age, parece esquecer, propositalmente, que preservação e uso sustentável ocorrem quando há segurança jurídica e não desrespeito à Carta Magna do país. Lembremos que ao poder Judiciário é devido verificar a correta aplicação das normas, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais. Qualquer coisa diferente disso é ativismo judicial que não constrói um país justo ou um desenvolvimento sustentável.
Assim, ainda que tratando de direito do consumidor, merece aplausos a recentíssima decisão do Órgão especial do TJSP, em que, com brilhantismo, colocou uma pá de cal na pretensa discussão sobre a prevalência de normas mais restritivas:
“Não é o fato de a lei municipal ser pior ou melhor, mais ou menos restritiva do que as normas federais ou estaduais vigentes que torna o Município competente para legislar sobre o tema. A competência legislativa exige uma análise prévia à do teor das disposições impugnada, porque, afinal, a entidade política incompetente não pode editar leis válidas, por mais que sejam bem-intencionadas, quaisquer que seja o seu teor”3.
Dessa forma, fica claro que o que torna uma lei válida e constitucional, não é ser mais ou menos restritiva, ser pior ou melhor que outra norma, mas sim o respeito à regra constitucional de competência legislativa. Doutrina ou decisões demagógicas ou apaixonadas não trarão proteção ambiental ou desenvolvimento sustentável. Trarão, por outro lado, cenários de ilegalidade e insegurança jurídica. Assim, ainda que o direito ambiental (assim como todas as questões que envolvem meio ambiente) seja apaixonante, é necessário que seja tratado como um ramo do direito e que tanto a atividade legislativa, quanto às decisões judiciais e os doutrinadores, devem respeito, acima de tudo, às normas e regras constitucionais.
Nas questões ambientais não é a lei mais ou menos restritiva que vale, mas sim aquela feita com respeito à Constituição Federal.
1 Obra coletiva, organizada por Vanusa Murta Agrelli e Bruno Campos Silva, Editora Paixão.
2 Art. 225, inciso VI.
3 ADI 2188592-33.2019.8.26.0000, Rel. Des. Damião Cogan.
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