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ICMBIO não possui competência para desapropriar ou para promover desapropriação

 

O  Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO não possui competência para desapropriar ou para promover desapropriação para fins de criação de Parques Nacionais (unidades de conservação). Esse foi o entendimento firmado em sentença do Juiz Federal Paulo Pereira Leite Filho da 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro, em ação de desapropriação ajuizada pelo ICMBIO em face de proprietários rurais para fins de criação do Parque Nacional do Itatiaia.

O processo foi extinto sem julgamento de mérito, por falta de legitimidade ativa e de interesse de agir do ICMBIO para o ajuizamento da respectiva ação expropriatória, uma vez que a lei não lhe confere tais poderes.

Direito Ambiental

Confira a íntegra da decisão:

 

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

1a Vara Federal de Resende

JUIZ (A) FEDERAL: PAULO PEREIRA LEITE FILHO

PROCESSO: AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO Nº 0102271-35.2016.4.02.5109 (2016.51.09.102271-4)

AUTOR: INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO

RÉU: HUGO FERRAZ PENTEADO

 

 

SENTENÇA

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO propõe AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO, para fins de proteção de espaço territorial de interesse ambiental, em desfavor de Hugo Ferraz Penteado. Requer liminarmente imissão na posse do imóvel, mediante depósito do valor de avaliação, dentre outros requerimentos relacionados ao objeto da ação. No mérito, pede a transferência dominial do bem para seu nome, mediante a expedição dos competentes mandados translativos ao Cartório de Registro de Imóveis onde se encontra matriculado o imóvel.

Relata não ter havido acordo amigável com o proprietário do imóvel, conforme demonstram as informações prestadas pelos analistas ambientais do Instituto Chico Mendes, em processo administrativo que tramitou para a finalidade expropriatória. Informa, também, a realização de avaliação oficial, tendo sido atribuído aos imóveis o valor total de R$ 378.935,81 (trezentos e setenta e oito mil novecentos e trinta e cinco reais e oitenta e um centavos), englobando terra nua e benfeitorias, atendendo o referido Laudo aos padrões gerais e especiais para técnicas de avaliação.

É o relato do necessário, passo a decidir.

O feito deve ser extinto sem resolução do mérito, por ser o autor carecedor do direito de ação, por ilegitimidade ativa e falta de interesse processual de agir.

Ilegitimidade ativa ad causam

O autor é carecedor do direito de ação por falta de legitimidade ativa ad causam.

Não há previsão legal que confira ao ICMBIO, autarquia federal, competência para desapropriar tampouco para promover desapropriação.

A desapropriação – transferência compulsória da propriedade para o poder público ou seus delegados – é um dos meios mais drásticos de intervenção do Estado na propriedade particular, somente se legitimando nos limites traçados pela Constituição da República e nos casos expressos em lei, observado o devido procedimento legal.

Segundo o § 1º do artigo 11 da Lei 9.985/2000 – no qual o ICMBIO sustenta a legitimidade ativa para propor a presente ação de desapropriação -, “o Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei”.

Entretanto, a lei a que se refere a parte final desse dispositivo ainda não foi editada. Logo, tem aplicabilidade a Lei Geral das Desapropriações.

De acordo com a Lei Geral das Desapropriações, Decreto-lei n. 3.365, de 21-6-1941, podem promover a desapropriação os entes da federação e os territórios, assim como os concessionários e delegatários de serviço público, estes, desde que autorizados de forma expressa em lei ou em contrato:

Art. 2o Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

Art. 3o Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de carater público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato.

Excepcionalmente e mediante previsão legal, as autarquias também podem promover a desapropriação.

A Lei n. 9.074, de 7-7-1995, confere à Agência Nacional de Energia Elétrica o poder de desapropriar:

Art. 10. Cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica. (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

Outrora também fora investido desse excepcional poder de desapropriar o extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER, conforme artigo 14 do Decreto-lei n. 512, de 21-3-169:

Art. 14. O Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, por ato de seu Diretor-Geral, declarará a utilidade pública de bem ou propriedade, para efeito de desapropriação e afetação a fins rodoviários, e a qualquer tempo, poderá requisitar o ingresso de agente do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, em propriedade pública ou privada, para efetivação de estudos que visem à implantação de estradas ou obras auxiliares, observado o dever de preservação do bem e de indenizar as perdas e danos decorrentes da requisição.

No caso presente, não há previsão legal que confira ao ICMBIO, autarquia federal, competência para desapropriar_ tampouco para promover desapropriação. Nem o § 1º do artigo 11 da Lei 9.985/2000 nem a autorização da Presidência do ICMBIO para o ajuizamento da ação de desapropriação lhe conferem tais prerrogativas.

Tampouco procede a alegação de que “o Decreto de criação do Parque Nacional é a autorização para desapropriação dos imóveis privados no seu interior”, porque não encontra amparo jurídico.

Resta, pois, evidenciada a ilegitimidade ativa ad causam do ICMBIO para desapropriar ou promover a desapropriação do imóvel a que refere este processo.

Ausência de ato que declare o bem objeto da lide de utilidade pública

É imprescindível que o ato que declare a utilidade pública de um bem para fins de desapropriação indique o sujeito passivo da desapropriação, a descrição do bem, a declaração de utilidade pública ou interesse social, a destinação específica a ser dada ao bem, o fundamento legal e os recursos orçamentários, destinados ao atendimento da despesa (cf. Rubens Limongi França).

In casu, não foi editado ato administrativo específico e individual (com efeitos concretos) que tivesse declarado o bem objeto da lide de utilidade pública para fins de desapropriação.

Nem o Decreto n. 1.713 de 1937 nem o Decreto n. 87.586 de 1982, que criou e ampliou a área, respectivamente, do Parque Nacional do Itatiaia, apresentam os requisitos exigidos para o ato de desapropriação. Seja porque não são específicos para os fins a que se destina a presente ação, seja porque não ostentam caráter individual, pois não indicam o bem nem o sujeito passivo da desapropriação.

Caducidade

A afirmação do ICMBIO no sentido de que “o Decreto de criação do Parque Nacional é a autorização para desapropriação dos imóveis privados no seu interior, sem estar sujeito à caducidade” (g.n.) também não encontra amparo legal.

O Decreto-lei n. 3.365/1941 prevê a caducidade do decreto expropriatório, dispondo que a desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data de sua expedição:

Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. (Vide Decreto-lei nº 9.282, de 1946)

Neste caso, somente decorrido um ano, poderá ser o mesmo bem objeto de nova declaração.

Parágrafo único. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.

Caso o Decreto n. 1.713, de 18-6-1937 ou o Decreto n. 87.586, de 20-9-1982, tivesse declarado o bem objeto da lide de utilidade pública – o que não ocorreu -, de há muito não mais teriam validade, em razão do decurso de prazo superior a cinco anos, contados da edição, sem qualquer ato concreto visando à desapropriação.

Vícios insanáveis

Constituem vícios insanáveis, que levam à extinção do presente feito sem resolução do mérito, a falta de legitimidade ativa do autor para promover a desapropriação e a ausência de ato declarando o bem objeto da lide de utilidade pública para fins de desapropriação. Desse modo, mostra-se inviável a emenda da inicial.

Registro, por fim, que este juízo, por semelhantes razões, indeferiu a petição inicial da ação de desapropriação ajuizada pelo ICMBIO, autuada sob o n. 0000868-91.2014.4.02.5109 (2014.51.09.0008683). Este feito se encontra na fase recursal.

Dispositivo

Por todo o exposto, INDEFIRO a petição inicial e, por via de consequência, DECLARO EXTINTO O PROCESSO, sem resolução do mérito, com espeque no inciso I e VI do artigo 485 do Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015).

As autarquias são isentas do recolhimento das custas (Lei n.9289/1996, Art. 4º, I).

Sem condenação na verba honorária, eis que a relação processual não se integralizou.

P.R.I.

Resende (RJ), 30 de agosto de 2016.

ASSINADO DIGITALMENTE

PAULO PEREIRA LEITE FILHO

Juiz Federal Titular

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