por Marcos Saes.
Na semana que passou diversos veículos da imprensa divulgaram com grande alarde que o IBAMA passaria a delegar os processos de licenciamento ambiental para os Estados e os Municípios. Os alarmistas apregoaram o esvaziamento do Instituto Federal. Os extremistas decretaram a morte do IBAMA. Por fim, os contrários ao atual presidente da república afirmaram que isso estava ocorrendo para acabar com a tal “indústria da multa”. Mas o que de fato a IN 08/2019 fez? Será que ela inovou no mundo jurídico e, portanto, é ilegal? Ou esse ato normativo será positivo para a difícil e importante atividade do licenciamento ambiental?
Inicialmente cumpre destacar que a possibilidade de delegação da condução do licenciamento ambiental (que é uma atividade administrativa) já existe na legislação há nada menos que 20 anos. A Lei Federal 9.784/99, que regula o processo administrativo já previu, expressamente, a possibilidade dessa delegação em seus arts. 11 a 17. De forma mais específica e voltada para as questões envolvendo meio ambiente e licenciamento ambiental, a Lei Complementar 140/11 também previu essa possibilidade:
Art. 5º. O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.
Ora, sendo assim, a possibilidade de o IBAMA delegar a condução de um processo de licenciamento ambiental existe há mais de 20 anos, foi prevista especificamente para a questão ambiental há 8 anos e já ocorreu em diversos casos e envolvendo inúmeros Estados da Federação. Dessa forma, afirmar que a Instrução Normativa criou ou inovou em algum aspecto, bem como que ela visa esvaziar o Instituto Federal é, no mínimo, desconhecimento jurídico e da história do licenciamento ambiental brasileiro.
Para que ocorra a delegação é necessário o cumprimento de alguns requisitos. O primeiro deles é que o ente delegante queira delegar (por uma análise de oportunidade e conveniência) e que o órgão delegatário queira, também após uma análise de oportunidade de conveniência, receber essa incumbência (lembrando que a competência administrativa em matéria ambiental é comum, inexistindo, portanto, hierarquia entre os órgãos ambientais municipais, estaduais e o federal). Sendo assim, precisa haver (i) legalidade (previsão em lei); (ii) publicidade (ampla e irrestrita); (iii) Parcialidade (um órgão não pode delegar todas as funções que possui, mas somente parte delas); (iv) especificidade (quais as atividades que estão sendo delegadas); (v) revogabilidade (norma que permita a revogação da delegação); e (vi) motivação (justificar os motivos que o motivaram a fazer a delegação).
Assim sendo, fica muito claro que o IBAMA apenas fez uma norma interna, para regulamentar apenas e tão somente a forma como se dará a delegação de competência prevista há muitos anos na legislação. Dessa forma o Instituto dá publicidade e transparência para todos os casos em que ocorrerão essas delegações. Isso traz segurança jurídica aos órgãos ambientais e aos empreendedores que tiverem seus processos albergados por algum tipo de delegação.
Se houve alguma “inovação” na Instrução Normativa, essa se deu no art. 2º, §s 2º e 3º, em que o órgão visou resolver a situação que certamente gera o maior número de propositura de ações judiciais questionando os licenciamentos ambientais no país: a competência para conduzir esse processo. E o Instituto Federal foi muito bem nesse particular. Vejamos as normas referidas:
§ 2º Em casos de controvérsia judicial ou extrajudicial quanto à competência para o licenciamento, cujo deslinde puder causar mora administrativa, poderá o Ibama realizar a delegação cautelar do licenciamento ambiental ao OEMA ou ao OMMA, ainda que não se entenda, a priori, competente, nos termos do artigo 7º da Lei Complementar nº 140/2011.
§ 3º A delegação cautelar subsistirá até o deslinde final da controvérsia, convertendo-se em definitiva, caso definida a competência do Ibama, ou perderá seu objeto, caso entendido que a OEMA ou o OMMA detém a competência para o licenciamento.
Afirmamos que o órgão ambiental federal agiu com acerto pois não é razoável que a discussão sobre competência faça com que um processo de licenciamento ambiental fique paralisado por anos esperando a resolução de uma discussão judicial sobre qual o órgão que deve conduzir um processo administrativo. Isso porque as normas de proteção ambiental e os parâmetros a serem utilizados são os mesmos, independente do órgão que conduza o processo. Dessa forma, quando um órgão técnico aceita que possui competência e o outro órgão técnico assume que não a possui, não se mostra razoável que o órgão de controle e/ou o Poder Judiciário divirja disso. De ora em diante, se essa situação paradoxal ocorrer, o IBAMA passará a fazer a delegação cautelar do licenciamento ambiental. Assim, independente do desfecho da ação judicial, o licenciamento da atividade continuará ocorrendo com todo o rigor técnico no órgão em que já havia se iniciado. Isso não é um salvo conduto para “escolher” o órgão a se licenciar, é sim uma solução legal e inteligente para uma discussão jurídica que travou o licenciamento ambiental de grandes obras e projetos país afora ao longo das últimas décadas.
Assim, parece-nos muito fácil responder a pergunta feita no título do presente artigo: a IN 08/2019 é extremamente positiva. Ela regulamentou previsão existente há anos na legislação brasileira e foi extremamente inteligente ao criar a delegação cautelar. Precisamos de órgãos ambientais fortes, com bons quadros, com apoio do executivo e do legislativo para que possam, com afinco, inteligência, criatividade e conhecimento técnico, analisarem estudos ambientais, fiscalizarem as atividades já licenciadas e criarem normas internas que regulamentem com inteligência o que a boa legislação ambiental brasileira prevê.
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Texto direto, objetivo e esclarecedor!
Parabéns!
Parabéns pela colocações. Um licenciamento ambiental cautelar é compreensível em casos específicos, onde a burocracia prejudica a coletividade. Contudo, meu receio é que a corrupção em órgãos ambientais estaduais e municipais converta o licenciamento em uma “negociata”, como já ocorre aqui no norte do país.
Walber Brito da Silva – Mestre em Direito Ambiental e Políticas públicas.