terça-feira , 8 outubro 2024
Home / Artigos jurídicos / IBAMA regulamenta a delegação de competência para o licenciamento ambiental. A IN 08/2019 é positiva?

IBAMA regulamenta a delegação de competência para o licenciamento ambiental. A IN 08/2019 é positiva?

por Marcos Saes.

 

Na semana que passou diversos veículos da imprensa divulgaram com grande alarde que o IBAMA passaria a delegar os processos de licenciamento ambiental para os Estados e os Municípios. Os alarmistas apregoaram o esvaziamento do Instituto Federal. Os extremistas decretaram a morte do IBAMA. Por fim, os contrários ao atual presidente da república afirmaram que isso estava ocorrendo para acabar com a tal “indústria da multa”. Mas o que de fato a IN 08/2019 fez? Será que ela inovou no mundo jurídico e, portanto, é ilegal? Ou esse ato normativo será positivo para a difícil e importante atividade do licenciamento ambiental?

Inicialmente cumpre destacar que a possibilidade de delegação da condução do licenciamento ambiental (que é uma atividade administrativa) já existe na legislação há nada menos que 20 anos. A Lei Federal 9.784/99, que regula o processo administrativo já previu, expressamente, a possibilidade dessa delegação em seus arts. 11 a 17.  De forma mais específica e voltada para as questões envolvendo meio ambiente e licenciamento ambiental, a Lei Complementar 140/11 também previu essa possibilidade:

Art. 5º. O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.

Ora, sendo assim, a possibilidade de o IBAMA delegar a condução de um processo de licenciamento ambiental existe há mais de 20 anos, foi prevista especificamente para a questão ambiental há 8 anos e já ocorreu em diversos casos e envolvendo inúmeros Estados da Federação. Dessa forma, afirmar que a Instrução Normativa criou ou inovou em algum aspecto, bem como que ela visa esvaziar o Instituto Federal é, no mínimo, desconhecimento jurídico e da história do licenciamento ambiental brasileiro.

Para que ocorra a delegação é necessário o cumprimento de alguns requisitos. O primeiro deles é que o ente delegante queira delegar (por uma análise de oportunidade e conveniência) e que o órgão delegatário queira, também após uma análise de oportunidade de conveniência, receber essa incumbência (lembrando que a competência administrativa em matéria ambiental é comum, inexistindo, portanto, hierarquia entre os órgãos ambientais municipais, estaduais e o federal). Sendo assim, precisa haver (i) legalidade (previsão em lei); (ii) publicidade (ampla e irrestrita); (iii) Parcialidade (um órgão não pode delegar todas as funções que possui, mas somente parte delas); (iv) especificidade (quais as atividades que estão sendo delegadas); (v) revogabilidade (norma que permita a revogação da delegação); e (vi) motivação (justificar os motivos que o motivaram a fazer a delegação).

Assim sendo, fica muito claro que o IBAMA apenas fez uma norma interna, para regulamentar apenas e tão somente a forma como se dará a delegação de competência prevista há muitos anos na legislação. Dessa forma o Instituto dá publicidade e transparência para todos os casos em que ocorrerão essas delegações. Isso traz segurança jurídica aos órgãos ambientais e aos empreendedores que tiverem seus processos albergados por algum tipo de delegação.

Se houve alguma “inovação” na Instrução Normativa, essa se deu no art. 2º, §s 2º e 3º, em que o órgão visou resolver a situação que certamente gera o maior número de propositura de ações judiciais questionando os licenciamentos ambientais no país: a competência para conduzir esse processo. E o Instituto Federal foi muito bem nesse particular. Vejamos as normas referidas:

§ 2º Em casos de controvérsia judicial ou extrajudicial quanto à competência para o licenciamento, cujo deslinde puder causar mora administrativa, poderá o Ibama realizar a delegação cautelar do licenciamento ambiental ao OEMA ou ao OMMA, ainda que não se entenda, a priori, competente, nos termos do artigo 7º da Lei Complementar nº 140/2011.

§ 3º A delegação cautelar subsistirá até o deslinde final da controvérsia, convertendo-se em definitiva, caso definida a competência do Ibama, ou perderá seu objeto, caso entendido que a OEMA ou o OMMA detém a competência para o licenciamento.

Afirmamos que o órgão ambiental federal agiu com acerto pois não é razoável que a discussão sobre competência faça com que um processo de licenciamento ambiental fique paralisado por anos esperando a resolução de uma discussão judicial sobre qual o órgão que deve conduzir um processo administrativo. Isso porque as normas de proteção ambiental e os parâmetros a serem utilizados são os mesmos, independente do órgão que conduza o processo. Dessa forma, quando um órgão técnico aceita que possui competência e o outro órgão técnico assume que não a possui, não se mostra razoável que o órgão de controle e/ou o Poder Judiciário divirja disso. De ora em diante, se essa situação paradoxal ocorrer, o IBAMA passará a fazer a delegação cautelar do licenciamento ambiental. Assim, independente do desfecho da ação judicial, o licenciamento da atividade continuará ocorrendo com todo o rigor técnico no órgão em que já havia se iniciado. Isso não é um salvo conduto para “escolher” o órgão a se licenciar, é sim uma solução legal e inteligente para uma discussão jurídica que travou o licenciamento ambiental de grandes obras e projetos país afora ao longo das últimas décadas.

Assim, parece-nos muito fácil responder a pergunta feita no título do presente artigo: a IN 08/2019 é extremamente positiva. Ela regulamentou previsão existente há anos na legislação brasileira e foi extremamente inteligente ao criar a delegação cautelar. Precisamos de órgãos ambientais fortes, com bons quadros, com apoio do executivo e do legislativo para que possam, com afinco, inteligência, criatividade e conhecimento técnico, analisarem estudos ambientais, fiscalizarem as atividades já licenciadas e criarem normas internas que regulamentem com inteligência o que a boa legislação ambiental brasileira prevê.

saes - IN 08/2019
Marcos André Bruxel Saes – Advogado e Consultor Jurídico. Especialista em Direito Ambiental. Presidente da Comissão de Direito Ambiental do IBRADIM. Presidente da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC. Conselheiro do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Santa Catarina-CONSEMA/SC. Superintendente Regional do Instituto do Direito da Construção-IBDiC. Membro da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA.

Para mais conteúdo voltado a Direito Ambiental, acesse direitoambiental.com

Além disso, verifique

Decreto Federal aumenta sanções ambientais por fogo em áreas rurais

Análise do Decreto Federal que aumenta sanções ambientais por fogo em áreas rurais

Por Rebeca Youssef e Fernando Leitão Novo Decreto Federal aumenta sanções ambientais por fogo. Destacam-se, …

2 Comentários

  1. Texto direto, objetivo e esclarecedor!
    Parabéns!

  2. Parabéns pela colocações. Um licenciamento ambiental cautelar é compreensível em casos específicos, onde a burocracia prejudica a coletividade. Contudo, meu receio é que a corrupção em órgãos ambientais estaduais e municipais converta o licenciamento em uma “negociata”, como já ocorre aqui no norte do país.

    Walber Brito da Silva – Mestre em Direito Ambiental e Políticas públicas.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *