sexta-feira , 19 abril 2024
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É a economia (circular), estúpido!

  “It’s the economy, stupid.” (James Carville)

Por Enio Fonseca e Decio Michellis Jr.

 

James Carville estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton (1992) contra George H. W. Bush, presidente dos Estados Unidos, pendurou um cartaz no quartel-general da campanha de Clinton em Little Rock, no qual constavam os dizeres:

  • Change vs. more of the same (“Mudança x mais do mesmo”)
  • The economy, stupid (“A economia, estúpido”)
  • Don’t forget health care. (“Não se esqueça da assistência médica”)

Este cartaz foi criado para o público interno dos colaboradores da campanha, mas, a frase virou o slogan da campanha presidencial de Clinton derrotando Bush. 

“It’s the economy, stupid” (É a economia, estúpido) é uma pequena variação da frase “The economy, stupid” (A economia, estúpido). Esta frase passou a ser usada em vários contextos diferentes (se tornou um “snowclone”) e aproveitamos a mesma para o título deste artigo: “É a economia (circular), estúpido!”

 

Economia Circular

Em nossa economia atual, exploramos os recursos naturais do planeta, fabricamos produtos com eles e, eventualmente, os jogamos fora como lixo. Em resumo, o processo é linear. Já a economia circular, como o nome sugere, tem outra proposta. De acordo com o artigo do canal Habitabily encontrado em https://habitability.com.br/economia-circular-entenda-o-que-e-e-como-funciona/, com foco na regeneração da natureza, ela permite que os produtos e materiais circulem, aumentando a vida útil, além de eliminar a produção de resíduos. 

O artigo afirma que “A literatura científica tem mais de uma centena de definições para o que se entende como economia circular. Existem tantas definições diferentes em uso porque o conceito é aplicado por um grupo diversificado de pesquisadores e profissionais”. 

“É, portanto, um sistema resiliente, que oferece as ferramentas para enfrentar as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, ao mesmo tempo em que atende a importantes necessidades sociais. Ou seja, bom para os negócios, as pessoas e o meio ambiente”. 

Os autores afirmam que em 2019, mais de 92 bilhões de toneladas de materiais foram extraídos e processados, contribuindo para cerca de metade das emissões globais de CO². O lixo resultante – incluindo plásticos, têxteis, alimentos, eletrônicos e muito mais – prejudica o meio ambiente e a saúde humana. Mas pode ser diferente: a eliminação de resíduos e o uso seguro e contínuo dos recursos naturais oferecem uma alternativa que pode render até US$4,5 trilhões em benefícios econômicos até 2030. Alcançar essa transição, no entanto, requer uma colaboração sem precedentes, visto que hoje apenas 8,6% do mundo são circulares. Em nível global, o Fórum Econômico Mundial tem iniciativas para incentivar o processo, sendo a mais destacada delas a Pace ou Plataforma de Aceleração da Economia Circular, lançada em 2017 e que reúne líderes dos setores público e privado para assumirem compromissos e acelerarem ações coletivas em direção à economia circular. Na indústria brasileira a economia circular é uma realidade. Sete em cada dez companhias adotam iniciativas para fazer um melhor uso dos recursos naturais, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). 

O levantamento da entidade indica que, entre as principais práticas listadas estão a otimização de processos (56,5%), o uso de insumos circulares (37,1%), a recuperação de recursos (24,1%) e a extensão da vida do produto (22,9%). Essas ações das empresas reduzem resíduos, gastos de energia e geração de carbono, além de gerar benefícios econômicos. Mais importante que isso: criam a cultura da economia circular e podem influenciar outros setores”.

O artigo define que “A economia circular é uma estrutura de solução de sistemas que lida com desafios globais, como mudanças climáticas, perda de biodiversidade, resíduos, consumo de recursos finitos e poluição, defendendo a transformação de todos os elementos de nosso sistema de coleta e desperdício”. 

Ainda, a economia circular (ou circularidade) é um modelo de produção e consumo, que envolve uso conjunto de recursos ou espaços de bens inerentemente finitos, arrendamento, reutilização, reparação, renovação e reciclagem de materiais e produtos existentes durante o maior tempo possível. A implementação está baseada em três princípios básicos: eliminação de resíduos e poluição, circulação de produtos e materiais e regeneração da natureza. A Economia Circular (do berço ao berço) é definida em contraste com a economia linear tradicional (do berço ao túmulo). 

De forma simples propõe que os resíduos de uma indústria sirvam para matéria-prima reciclada de outra indústria ou para a própria. Pretende desenvolver produtos voltados para o reaproveitamento dos materiais no ciclo produtivo.

O pensamento sistêmico no ciclo de desenvolvimento positivo contínuo considera que os produtos e serviços têm origem em fatores da natureza (capital natural – estoques finitos), e no final de vida útil, retornam à natureza através de resíduos ou através de outras formas com menor impacto ambiental e fluxos renováveis.

Com isto se espera aumentar a sustentabilidade do consumo e a melhorar a eficiência dos recursos.

 

Princípios Básicos

  1. Preservar e aumentar o capital natural.

Toda a atividade humana gera impactos ambientais, inclusive impactos negativos. Isto significa promover aquelas que interferem o menos possível com o equilíbrio dos ecossistemas e aumentar o potencial de crescimento sustentável da nossa economia. 

  1. Otimizar a produção de recursos

Fazer circular produtos, componentes e materiais no mais alto nível de utilidade, tanto no ciclo técnico quanto no biológico. Na prática seria projetar para a remanufatura, a reforma e a reciclagem. Componentes e materiais estariam circulando, prolongando sua vida útil e ampliando a utilização/reutilização dos produtos e contribuindo para a economia. 

  1. Fechar os ciclos

Ao reduzirem a extração de recursos naturais se gera menos resíduos. Os ciclos (econômicos) deveriam ser, tanto quanto possível, fechados – sem desperdício: os bens são reparados e reutilizados em vez de descartados, as matérias-primas recicláveis viram prioridade etc.

  1. Fomentar a eficácia e eficiência do sistema

Eficiência é a relação entre o resultado alcançado e os recursos usados. O processo de melhorias contínuas contribui para fazer o planejado ou até mais que o programado, economizando os recursos disponíveis e reduzindo as externalidades negativas. Fazer mais com menos. 

Nem sempre os programas e planos têm metas viáveis. São necessárias soluções inovadoras tecnicamente factíveis, economicamente acessíveis e socialmente aprimoradas.

  1. Promover um novo paradigma societal

Novas relações sociais, atitudes e desejos, comportamento e de modos de pensar. Ser utilizador em vez de consumidor, partilhar em vez de acumular. O “societal” diz respeito a um envolvimento contínuo do marketing explorando, criando e entregando valor para satisfazer necessidades e/ou desejos da sociedade. 

A conscientização da sociedade para o uso eficiente dos recursos é um desafio permanente (uma utopia mesmo). Ela percebe mais facilmente em termos de riscos e oportunidades. Quanto melhor for valorado os benefícios reais, mensuráveis, reportáveis e verificáveis, maior será a aceitação das pessoas.

A retórica apocalíptica de focar nos aspectos negativos da produção e consumo em geral é recebido com certo ceticismo, frente a frustração dos últimos 50 anos de previsões eco apocalípticas fracassadas. De forma simples “medo do inferno nunca levou ninguém para o céu”. 

A Economia Circular ao Redor do Mundo

O conceito de Economia Circular não é exatamente algo novo. Na Idade Média, roupas velhas eram transformadas em papel, restos de comida alimentavam animais domésticos (galinhas e porcos) – Até mesmo novos avós faziam isto. Novas construções eram erguidas com o material de construções antigas. Os materiais (madeira, ferro tijolos etc.) eram fáceis de reciclar ou reutilizar.  

A União Europeia que lidera a regulamentação, afirma que a economia circular “promoverá o crescimento econômico sustentável”. 

Em 2006 três leis importantes foram implementadas:

  • A Diretiva-Quadro de Ecodesign
  • A Diretiva-Quadro de Resíduos
  • O Regulamento de Registro, Avaliação, Autorização e Restrição de Produtos Químicos

Desde 2015, existe um plano relativo à economia circular adotado pela Comissão Europeia. Estão em constante evolução a regulação, os planos e os programas.

“Houston, nós temos um problema”

“Houston, we have a problem” (“Houston, nós temos um problema”) é uma frase cunhada no filme “Apollo 13” de 1995, na verdade é uma alteração da frase original dita pelo astronauta da Apollo 13, Jack Swigert, que disse: “Okay, Houston, we’ve had a problem here” (“Ok, Houston, tivemos um problema aqui”) – uma luz de advertência acompanhada de um estrondo e subtensão no barramento principal B. A mudança no tempo verbal feita pelo roteirista William Broyles Jr, deixou ela mais dramática e adequada a um filme de suspense. Ficamos com ela.

A Economia Circular tem alguns problemas ainda não equacionados:

  • A economia circular privilegia o crescimento econômico contínuo com “antiprogramas” brandos.
  • Os proponentes da economia circular tendem a ver o mundo puramente como um sistema de engenharia e negligenciam a parte econômica da economia circular. 
  • O fechamento de ciclos de materiais e produtos, de fato, impede a produção primária?
  • Limites da ‘circularidade material’ frente a uma realidade com demanda crescente.
  • As atividades de produção secundária (reutilização, reparo e refazimento) realmente reduzem ou substituem a produção primária (extração de recursos naturais)? 
  • A economia circular promete crescimento econômico sem destruição ou desperdício. Porém se concentra apenas em uma pequena parte do uso total de recursos. Existem limites que são baseados, entre outras coisas, nas leis da termodinâmica. De acordo com a segunda lei da termodinâmica (a entropia de sistemas isolados deixados para evolução espontânea não pode diminuir com o tempo, pois eles sempre chegam a um estado de equilíbrio termodinâmico, onde a entropia é mais alta), todos os processos espontâneos são irreversíveis e associados a um aumento na entropia (certos processos são irreversíveis ou impossíveis). Seria necessário desviar-se da reversibilidade perfeita para gerar um aumento de entropia por meio da geração de resíduos. Na prática, partes da economia seguiriam um esquema linear, ou enormes quantidades de energia seriam necessárias (da qual uma parte significativa seria dissipada para que a entropia total aumentasse).
  • “A recuperação e reciclagem de materiais que foram dispersos pela poluição, resíduos e eliminação de produtos em fim de vida requerem energia e recursos, que aumentam de forma não linear à medida que aumenta a percentagem de material reciclado (devido à segunda lei da termodinâmica: entropia causando dispersão). A recuperação nunca pode ser de 100% (Faber et al., 1987). O nível de reciclagem apropriado pode diferir entre os materiais” (Conselho Consultivo Científico das Academias Europeias – EASAC).
  • O fato de que o processo de reciclagem de produtos modernos está longe de ser 100% eficiente. Os bens de consumo modernos são compostos por uma diversidade imensa materiais, que na maioria das vezes não são passíveis de decomposição ou facilmente recicláveis. A perda de recursos durante o processo de reciclagem sempre precisa ser compensada com mais extração de recursos naturais. A reciclagem de materiais também requer energia, tanto pelo processo de reciclagem quanto no transporte de reciclados e a serem reciclados.
  • Alguns processos de reciclagem produzem apenas materiais inferiores (“downcycling”) que entram no fluxo de lixo/resíduos logo depois. A reciclagem infinita é uma utopia para a maioria dos materiais e matérias primas.
  • Quanto tempo os bens devem durar? O máximo de tempo possível? Eletrodomésticos, celulares, automóveis, móveis entre outros não parecem durar o mesmo tanto ou possuem a mesma robustez que antigamente. A prática da “obsolescência programada” — criar e desenvolver produtos de modo que eles se desgastem rapidamente e estraguem em um determinado momento no futuro, obrigaria os consumidores a comprar um novo.  Porém, existe desperdício quando o quesito longevidade se sobrepõe ao aperfeiçoamento tecnológico e aos preços baixos. Desejamos viver em um mundo dinâmico e em constante evolução (inclusive tecnológica). Vários processos de produção se tornaram mais eficientes e mais baratos. Consequentemente, faz mais sentido substituir continuamente um produto do que criar um que dure para sempre. Você prefere um liquidificador de R$ 2.600,00 que dure 30 anos ou um liquidificador de R$ 60,00 que dure cinco anos? A obsolescência é um sinal de crescente prosperidade.
  • Mudar para um sistema com 100% de energia renovável exige construir e manter instalações de energia renovável (incluindo armazenagem de energia) e infraestruturas complementares, que demandam novos recursos (energia e materiais). A tecnologia para armazenamento da energia renovável depende de materiais difíceis de reciclar. As tecnologias para reciclagem de painéis solares, turbinas eólicas e baterias precisam evoluir, pois ainda atingiram parcialmente a viabilidade técnica e econômica. Pás de turbinadas eólicas (100%) ainda são depositadas em aterros sanitários.
  • Os metais reciclados só podem suprir 1/3 da demanda anual por novos metais, mesmo que o metal tenha capacidade de reciclagem relativamente alta. Não há matéria-prima reciclável suficiente para pôr fim à economia extrativa em contínua expansão.
  • “O crescimento torna impossível uma economia circular, mesmo se todas as matérias-primas fossem recicladas e toda reciclagem fosse 100% eficiente. A quantidade de material usado que pode ser reciclado será sempre menor que o material necessário para o crescimento. Para compensar isso, temos que extrair continuamente mais recursos.” (Kris De Decker)
  • O uso global de recursos — energia e matérias primas — continua aumentando ano a ano (em média 3 % ao ano). O dobro do crescimento populacional.
  • Não aborda questões sociais importantes sobre como as tecnologias e soluções de economia circular serão controladas e como seus benefícios e custos serão distribuídos.
  • A recuperação energética (queima de lixo para produzir energia) não é uma prática incentivada, como deveria. Alguns materiais apresentam limites de reciclagem (o papelão, por exemplo, no máximo oito ciclos de reciclagem). As emissões decorrentes da queima de resíduos (principalmente dioxinas e furanos, substâncias cancerígenas) tem atualmente ampla e eficientes técnicas de controle e filtragem, que torna o processo ambientalmente correto.
  • Distorções tributárias na reciclagem: produtos reciclados podem ter uma carga tributária maior do que aqueles fabricados com matérias-primas virgens, consequência da reincidência de impostos. A distorção tributária entre as cadeias de reciclagem e de insumos extrativistas não garantem condições diferenciadas para o setor de reciclagem em relação às demais indústrias.

Conclusões

A economia circular é um modelo econômico que pode melhorar o funcionamento dos ecossistemas e aumentar o bem-estar humano.

O conceito de economia circular deve ser investigado com ajuda da metodologia da ACV – Avaliação do Ciclo de Vida, entre outras. 

Exige um comprometimento cada vez maior com a inovação e a competitividade não só econômica, mas também socioambiental. Precisamos de mais tecnologia (muito mais mesmo, um choque tecnológico), de novos modos de geração e distribuição de conhecimento, de regulação flexível, diversidade tecnológica, e aumento da capacidade de observação e aprendizado sobre impactos socioambientais das novas tecnologias e da economia circular.

Mais do que parecer, é importante ser sustentável e socio ambientalmente responsável, tendo por objeto iniciativas cuja efetividade seja inquestionável.

Sou sustentável quando tenho a adequada percepção da responsabilidade solidária pela poluição, quando opto por soluções inovadoras técnica e economicamente viáveis, nas escolhas corretas, somadas à boa gestão, precaução e prevenção em uma sociedade cada vez mais global e interdependente, onde todos ganham: os negócios, o nosso bolso e principalmente o planeta.

Apesar de parte da indústria já ter incorporado algumas práticas de economia circular em seus processos, ainda há um longo caminho pela frente para que se consiga manter, de forma efetiva, o fluxo circular dos recursos ao longo do tempo e fora das instalações das empresas, com a participação de toda a sociedade, em especial dos consumidores de bens, conseguindo aproveitar ao máximo todas as vantagens dessa nova economia.

Economia Circular: É preciso reduzir, reutilizar, reciclar, reparar, recondicionar, remanufaturar, reaproveitar, recuperar, recusar (preventivamente), repensar, redesenhar e renovar!

 

Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais, Especialização em Engenharia Ambiental, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation.

 

 

Decio Michellis Jr. – Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance.

 

 

 

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