quinta-feira , 28 março 2024
Home / Artigos jurídicos / A Difícil “Vida Fácil” de uma Concessão Pública

A Difícil “Vida Fácil” de uma Concessão Pública

Por Enio Fonseca e Decio Michellis Jr.

 

Uma concessão pública é o contrato entre a administração pública e uma empresa privada, pelo qual se transfere à iniciativa privada, a execução de um serviço público (distribuição de energia elétrica, por exemplo), para que em seu próprio nome e por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário (consumidor).

De acordo com o artigo 175 da Constituição Federal de 1988 e demais leis complementares, “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

De acordo com a Lei Nº 8.987/95 que “Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal” temos no seu Art. 6º: “Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.”

  • 1º “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.

A modicidade tarifária é um objetivo pretendido, mas nunca alcançado, algo como uma miragem considerando os tributos, subsídios e incentivos tarifários – ou seja, a surpreendente regra: pague dois e leve um (“de cada R$ 100 que o consumidor brasileiro paga em sua conta de luz, R$ 46 são usados para bancar 11 encargos do setor elétrico e oito tributos federais, estaduais e municipais” – PwC).

  • 2º “A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço”.

Porém não basta ser “barato (eficiente) e funcionar”, tem que ser atual na “modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações”.

O prazo dos contratos de concessão não pode ser inferior a 5 e nem superior a 35 anos. Em 35 anos teremos:

  • 9 presidentes (no mínimo 5 se considerarmos a possibilidade de reeleição);
  • Idem para governadores e prefeitos;
  • 9 Legislaturas (período do mandato de cada assembleia eleita) no congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas Estaduais e Câmaras Municipais.

Neste interim poderemos ter vieses liberais, estatizantes, progressistas e anti-empreendedorismo, não necessariamente nesta ordem.

A possibilidade de um contrato de concessão terminar como começou é muito baixa, ou quase nenhuma.

 

Você dorme legal e acorda ilegal

 

De acordo com o IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, desde a constituição de 1988 “foram editadas mais 6,4 milhões de normas. Em média são editadas 800 normas por dia útil. Em matéria tributária, foram editadas 419.387 normas. São mais de 2,17 normas tributárias por hora. São 46 novas regras de tributos a cada dia útil.”

Nossa legislação ambiental, estimada em 60.000 normas ambientais (entre atos normativos da União, dos Estados e Municípios brasileiros, bem como órgãos de normalização técnica) também tem um ritmo impressionante de inovações e atualizações.

Com esta dinâmica e complexidade mesmo as melhores corporações podem não conseguir um “compliance” (cumprir as normas legais e regulamentares, bem como evitar, detectar e tratar quaisquer potenciais desvios ou inconformidades que possam ocorrer) integral/completo. Você dorme legal e pode acordar ilegal pela última inovação normativa.

 

A (In)Segurança Jurídica

 

Nos principais contratos de concessões públicas (aeroportos, rodovias e no setor de energia) se verifica um “furor regulatório”:

  1. Enseja inúmeras oportunidades de discricionariedade pelo Agente Público, permitindo, em vários casos, interpretação dos parágrafos e exigências, a critério do agente fiscalizador;
  2. Pode apresentar várias cláusulas, itens em desacordo legal com legislação vigente e ou insegurança jurídica sobre privatização, cobrança de multas, procedimentos de indenização, funcionários, aplicação da Lei das S.A. etc.;
  3. No caso dos aeroportos não é feita referência à normas de nenhum Órgão Internacional para a aplicação nas Concessões, tais como: ACI – Airport Council International, IATA – International Air Transport Association, ICAO – International Civil Aviation Organization, que é agência especializada das Nações Unidas para assuntos de aeronáutica civil. As normas e especificações desses órgãos, no que se aplica quanto a construção, desempenho, concessão e operação de Aeroportos, são adotadas por (quase) todos os Países do mundo. As normas setoriais (nacionais) são recheadas de jabuticabas brancas (Ibá-tingas) e jabutis;
  4. Os contratos de concessões especificam fatores não usuais e incompletos complementados por equações imprecisas. O não atendimento destes itens, (que são aleatórios e discricionários), implica em possibilidade de multas, com critérios questionáveis e passíveis de judicialização, bem como possibilidade de interpretações variáveis do agente público fiscalizador que aplicará as sanções e respectiva discricionariedade pessoal;
  5. Judicialização crescente e permanente durante toda a vigência dos contratos de concessão pelas cláusulas abusivas, excesso de discricionariedade e subjetividade;
  6. Abuso do controle social que atenta contra a função empresarial de uma S.A. fechada (o concessionário).

A lista acima não é exaustiva, apenas exemplificativa. Pelos motivos acima relacionados, a insegurança jurídica pode inviabilizar os investimentos que serão necessários ao longo do tempo para o atendimento dos objetivos da concessão. Compromete o pleno cumprimento dentre outros, dos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Existem centenas de soluções aplicáveis aos contratos vigentes (considerando a sua diversidade e vigência). “O difícil, vocês sabem, não é fácil…” já dizia o saudoso Vicente Matheus. Assim caminha a humanidade na difícil “vida fácil” de uma concessão pública.

 

Foto 1

Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais, Especialização

em Engenharia Ambiental, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation.

Foto 2

Decio Michellis Jr. – Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance.

 

Imagem: N4TR!UMbr/ Wikimedia Commons

Gostou do conteúdo? Então siga-nos no FacebookInstagram e acompanhe o nosso blog! Inscreva-se no nosso Grupo de Whatsapp para receber tudo em primeira mão!

Além disso, verifique

"A governança ambiental, social e corporativa (ESG - do inglês Environmental, Social, and Corporate Governance) é conjunto de padrões e boas práticas para ser incorporada à estratégia de uma organização que considera as necessidades e formas de gerar valor para todas as partes interessadas da organização (como funcionários, clientes e fornecedores e financiadores)."

ESG: Minimizando o Máximo Arrependimento

Por Decio Michellis Jr. A governança ambiental, social e corporativa (ESG – do inglês Environmental, …

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *