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CRÍTICAS ECONÔMICO-LIBERAIS AO AMBIENTALISMO: uma tendência equivocada?

por Fabiano Cotta de Mello.

 

A Organização Mundial da Saúde estima que a malária infecta pelo menos 200 milhões de pessoas, das quais mais de meio milhão morrem anualmente, a maior parte delas são crianças africanas.

Mas o que este dado estatístico tem haver com o debate ambiental?

Ocorre que a bandeira ambiental não está sendo carregada por todos. Há renomados filósofos e economistas que refutam as previsões ambientalistas catastróficas. Partem do pressuposto de que o mercado, sozinho, pode regular as relações entre o homem e a natureza.

O economista norte-americano Walter Williams, professor de economia da George Mason University, ao referir-se à Silente Spring de Rachel Carson, afirma que se tratou de uma obra de ficção e de um imenso mal, uma vez que nunca restaram comprovados os supostos perigos dos pesticidas e, por decorrência da proibição do uso do produto milhões de pessoas no Terceiro Mundo morreram em decorrência da malária. [1]

Tratando do flagrante crescimento das Organizações Não Governamentais (ONGs), o professor Guido Soares anota que, não obstante sua importância consagrada no Direito Internacional do Meio Ambiente, os juízos valorativos sobre estas variam de uma admiração incontida a uma profunda desconfiança, mormente quando representam poderosos interesses privados e são alimentadas por vultosos recursos financeiros.[2]

Também não é assente a ideia romântica da natureza como a grande mãe: Gaia.

Vejo a natureza apenas como um inimigo: um inimigo altamente respeitável, mas um inimigo, a frase é do influente liberal americano Albert J. Nock e  visa enfatizar que o homem sempre esteve em guerra com a natureza, uma guerra de incessante tentativa de conquistá-la e domá-la.[3]

E complementa o comentarista e ativista político Lew Rockwell,  defensor da Escola Austríaca de Economia: Poucos de nós poderíamos sobreviver na vasta imensidão selvagem e desconhecida de uma floresta por muito tempo. A natureza não é amigável ao homem. Nunca foi. Por isso ela deve ser domada. [4]

Como uma visão bastante crítica sobre as políticas ambientalistas, Rockwell afirma não existirem evidências de que as mudanças climáticas sejam causadas pelo homem, que a extinção de espécies animais é um processo absolutamente normal e que o único impacto ambiental que importa é aquele que ocorre sobre seres humanos.[5]

Na visão de Rockwell, a economia do ambientalismo não ajuda, efetivamente, a resolver os verdadeiros problemas ambientais que, na sua concepção, só podem ser resolvidos pelo único mecanismo realmente possível: a propriedade privada e o sistema de preços.

Exemplifica da seguinte forma. Em muitos países o governou nacionalizou as orlas e todos os cursos de água. Se, como ocorre em vários cursos de água na Inglaterra e em outros países, as pessoas tivessem direitos de propriedade sobre rios que cortam sua propriedade, elas poderiam impedir a poluição destes cursos assim como elas impedem qualquer lixo de ser despejado em suas portas. E se os pescadores e proprietários de terra tivessem direitos de propriedade sobre a região costeira e as águas adjacentes, eles poderiam impedir a poluição destas e determinar adequadamente os direitos de pesca.

A tese subjacente ao pensamento de Rockwell é de que quando algo não tem dono, ou seja, quando é de posse de todos, gerido comunalmente – como o ar e a água -, constata-se todos os efeitos maléficos do socialismo. Pois as pessoas abusam dos recursos “gratuitos” exatamente porque elas não têm de arcar diretamente com o preço desses recursos.

Portanto, em uma visão econômica radicalmente liberal, a solução dos problemas ambientais situa-se na privatização dos recursos naturais. Nas palavras de Rockwell, Se não houver propriedade sobre um bem, certamente haverá abusos e malversações. Porém, se colocado sob propriedade privada, haverá exatamente a quantia necessária: a oferta suprirá a demanda.[6]

A respeito da oferta de recursos naturais e da relação entre produção e atividade econômica e meio ambiente, esta corrente de pensamento prega a oferta de recursos naturais economicamente utilizáveis se expande à medida que o homem aumenta seu conhecimento em relação à natureza e seu poder físico sobre ela. Em outros termos, a oferta se expande à medida que o homem obtém avanços na ciência e na tecnologia e aprimora e amplia sua oferta de equipamentos (bens de capital). Em um exemplo bem básico, a oferta de ferro como recurso natural economicamente utilizável era de zero para o povo da Idade da Pedra; sua utilização era mínima quando somente podia ser extraído por meio de escavação com pás; tornou-se maior quando escavadoras mecânicas e de motor a vapor substituíram as pás manuais; e, por fim, tornou-se ainda maior quando se descobriram métodos para separar o ferro de compostos contendo enxofre.

Neste passo, George Reisman, professor emérito de economia da Universidade de Pepperdine, sustenta que a natureza – e seus recursos naturais economicamente utilizáveis –  tem o objetivo de, necessariamente, aprimorar o ambiente humano (do homem).

Para Reisman,

A ideia de que a produção e a atividade econômica são nocivas para o meio ambiente significa dizer que o homem e sua vida não são fonte de valor algum para o mundo, e que, portanto, tal fonte de valor deve ser substituída por um critério de valor não-humano – ou seja, pela crença de que a natureza tem valor intrínseco, quando, na verdade, todo o seu valor lhe é imputado pelo homem.[7]

E arremata:

Por fim, uma última dedução que pode ser obtida é que um dos principais problemas de nossa época não é a poluição ambiental, mas, sim, a corrupção filosófica. É exatamente aí que jaz a crença de que melhorias nas condições materiais externas da vida humana são, de alguma forma, danosas ao meio ambiente.[8]

 

Frente a todos estas colocações, dois questionamentos surgem: Não é por demais temerário e simplista entregar toda a sorte do meio ambiente (e, por conseguinte, a nossa própria sorte) ao mercado?  E o mercado, nas suas relações entre o homem e a natureza, comporta-se de idêntica maneira nos países desenvolvidos e nos países não desenvolvidos?

Não há produção e atendimento das necessidades humanas sem agressão ao meio ambiente. Logo, o desenvolvimento não poderá jamais pregar um preservacionismo absoluto isento de necessárias investidas contra o meio ambiente.

Mas o que significa desenvolvimento?

Há três respostas admissíveis. A primeira, que é a mais aceita, identifica a desenvolvimento com crescimento econômico – vale dizer, o país é considerado desenvolvimento quando é rico -. Todavia, tal concepção tem tido severas críticas, uma vez que há países que tiveram um imenso enriquecimento econômico e, não obstante, tiveram também aumentos nos seus índices de pobreza, continuando a impor às suas populações a falta de acesso à educação e à saúde. Basta, para tanto, lembrar o grande crescimento econômico que o Brasil teve na década de 50 e que, sem sombra de dúvida, não foi suficiente a caracteriza-lo como um país desenvolvido.

A simples leitura dos Relatórios do Desenvolvimento Humano da ONU, de 1990, não deixam dúvidas que desenvolvimento e crescimento econômico não são expressões sinônimas.

Uma segunda ideia de desenvolvimento, bastante pessimista, é de que o desenvolvimento é uma miragem – ou seja, um mito, algo inalcançável, quando parece que se está chegando a ele, mais distante ele fica -.

Economistas como Wolfgang Sachs, no seu famoso Dicionário do Desenvolvimento, e Serge Latouche sustentavam que o desenvolvimento foi uma ideologia construída pelos Estados Unidos, a partir da Doutrina Truman[9], que causou imensos prejuízos aos ditos países subdesenvolvidos. Pois, sob a ilusão do desenvolvimento, impôs-lhes um modo de vida e de produção inadequado aos seus valores sociais e características culturais, em especial os países da África.

Os efeitos da ideologia desenvolvimentista norte-americana foi o acirramento do êxodo rural, somado à falta de capacidade das cidades de absorverem uma mão de obra tecnologicamente despreparada.

Como terceira ideia de desenvolvimento, talvez como uma síntese das duas primeiras, alguns economistas afirmaram que desenvolvimento é um processo de expansão das liberdades humanas, fornecendo ao ser humano mais oportunidades e, de conseguinte, mais escolhas.

Enfatiza-se que o que as pessoas podem efetivamente realizar sofre direta influência das oportunidades econômicas que tiveram, das liberdades políticas que experimentaram, dos agenciamentos sociais de incentivo e estímulo e da boa condição de saúde e de educação que gozaram.

Neste ponto, recordo a lição de Picco Della Mirandola, no sentido de que o princípio antrópico coloca o homem nel cuore del mondo para que escolha ser aquilo que quer (ou seja, para que faça a melhor escolha). E pressuposto para a melhor escolha é a liberdade. Todavia, esta liberdade humana deve vir instrumentalizada pelas liberdades políticas, pelas disponibilidades econômicas, pelas oportunidades sociais, pelas garantias de transparência e pela proteção da segurança, na perspectiva do desenvolvimento como liberdade.[10]

É preciso não confundir a opulência econômica com a liberdade substantiva, pois, em verdade, frequentemente elas divergem. Um homem, ao avaliar sua vida, não deve interessar-se apenas no tipo de vida que consegue levar, mas também na liberdade que realmente tem para escolher entre diferentes estilos e modos de vida. E, se constatar que não tem liberdade para escolher entre diferentes estilos e modos de vida, é sinal que o desenvolvimento não se lhe aproxima.[11]

Não há confundir os meios de vida com as oportunidades reais de vida.[12]

Portanto, se desenvolvimento não é sinônimo de crescimento econômico e nem uma mera ideologia inalcançável, mas sim, um processo de expansão das liberdades humanas – o desenvolvimento vai ao encontro do interesse humano (e dos direitos humanos) e efetiva o princípio antrópico, pois pretende fornecer ao ser humano condições para o exercício de uma liberdade concreta (oportunidades reais de vida).

O desenvolvimento como processo é muito bem traduzido por Amartya Sen que enxerga nele o poder de ser usado para preservar e enriquecer o meio ambiente, e não apenas para dizimá-lo. Em outros termos, desenvolver não é só conservar, também é atuar ativamente para a melhoria ambiental. Sustenta o ilustre economista indiano que o ser humano não deve pensar no meio ambiente exclusivamente como meio para satisfação de suas próprias necessidades e das necessidades das gerações futuras, mas, também, e além, como um valor para a humanidade que, por conseguinte, coloca-nos em posição de agentes promotores não só de uma conservação, mas também de uma melhoria na condição ambiental, através, por exemplo, da utilização de tecnologias para purificação da água ou para a eliminação de epidemias.[13]

Para Amartya Sen, na construção deste conceito mais requintado de  desenvolvimento a liberdade humana é um elemento essencial, no sentido de que a nossa humanidade caracteriza-se não só pelas nossas necessidades, mas, em especial, pela nossa capacidade de estabelecermos valores – a nossa capacidade de raciocinar, avaliar, escolher, participar e agir.[14]

Como sustenta o economista brasileiro Celso Monteiro Furtado, a primeira liberdade neste processo seria o direito de viver uma vida longa (traduzido na expectativa de vida da população de um país) e a segunda liberdade o acesso à cultura (traduzido no acesso à educação). Pois um projeto de desenvolvimento não se assenta apenas no crescimento econômico, mas também na promoção do bem-estar social, da liberdade, da cidadania e da integração nacional. [15]

Segundo esta concepção, que entendo acertada, o crescimento econômico de um país – verificável pela renda per capita – constitui apenas um dos indicadores necessários para medir o desenvolvimento.[16]

Todavia, não se chega a este processo de expansão das liberdades humanas – ou seja, não se alcança o almejado desenvolvimento – sem um projeto social subjacente.

A sustentabilidade, a meu sentir, é este projeto social subjacente. Mas isso merece um outro ensaio.

 

Notas:

 

[1] WILLIAMS, Walter. Os ambientalistas e sua agenda anti-humana nos fazem de idiotas. Artigo disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1605  Acesso em 22.02.2014.

[2] SOARES, Guido Fernando Silva.  Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001, p. 66.

[3] ROCKWELL, Lew. As raízes anti-humanas do movimento ambientalista. Artigo disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=676  Acesso em 22.02.2014.

[4] ROCKWELL, op. cit.

[5] ROCKWELL, Lew. O manifesto ambiental libertário. Artigo disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=677  Acesso em 22.02.2014.

[6] ROCKWELL, O manifesto ambiental….(op. cit.).

[7] REISMAN, George. Uma cartilha sobre recursos naturais e o meio ambiente. Artigo disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=833  Acesso em 22.02.2014.

[8] IDEM

[9] A expressão Doutrina Truman designa um conjunto de práticas do governo dos Estados Unidos, em escala mundial, à época da chamada Guerra Fria, que buscava conter a expansão do comunismo junto aos chamados “elos frágeis” do sistema capitalista.

[10] V. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

[11] Sobre a distinção entre realização e a liberdade de realizar, v. SEN, A ideia de…, p.p. 259 a 286.

[12] SEN, op. cit., p.p. 267 e 268.

[13] SEN, Amatya. A ideia de justiça. Tradução Denise Bottman e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.p. 284-286.

[14] SEN, op. cit., p. 284.

[15] FURTADO (1999, SAMPAIO JÚNIOR, Plínio de Arruda. Entre a Nação e a Barbárie. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. Cap. 5: Progresso Técnico e desenvolvimento em Celso Furtado, p. 171).

[16] Oportuno recordar a criação pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento de um índice para exprimir a ideia de desenvolvimento.

O IDH – Índice de Desenvolvimento Humano –, da lavra do economista paquistanês Mahbud Ul Haq e do economista indiano Amartya Sen, partia de três indicadores, a saber: 1) renda per capita; 2) expectativa de vida; e 3) taxa bruta de matrícula nas instituições educativas.

 

Fabiano Cotta de Mello é advogado em Mato Grosso e Brasília, mestre em Direito pela Universidade de Mato Grosso (UFMT), professor universitário e ex-assessor técnico-jurídico do TJRS e do TJMT.

 

Direito Ambiental

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