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TJRS declara inconstitucional a lei que alterou o Plano Diretor de Porto Alegre por não observar a exigência de participação popular

“Os Desembargadores do Órgão Especial do TJRS julgaram inconstitucional a Lei Complementar nº 792/2016, do Município de Porto Alegre, que alterou o plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) sem a necessária observância da exigência constitucional de participação popular. A decisão foi unânime.

Caso

O Prefeito de Porto Alegre ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra a norma legal, de fevereiro de 2016, que ampliou o rol de áreas de revitalização e estabeleceu regimes urbanísticos.

Porém, conforme o proponente, a lei não contemplou o princípio constitucional da participação popular. Além disso, dispôs sobre ampliação e expansão de áreas urbanas sem os respectivos planejamentos e ordenações.

A lei impugnada extrapolou os limites constitucionais, na medida em que, ao implementar alteração no Plano Diretor, com consequências no orçamento municipal, acarretou impacto, também, nas finanças públicas, importando violação ao princípio da harmonia e independência entre os Poderes, afirmou o Prefeito.

Decisão

Em outubro do ano passado, o relator do processo, Desembargador Rui Portanova, concedeu liminar suspendendo a lei. No julgamento do mérito, ocorrido no dia 20/2, o relator manteve sua decisão, considerando procedente a ADIN.

Segundo o magistrado, o projeto de lei depois transformado em lei não foi precedido de estudos técnicos prévios, violando artigos da Constituição Estadual (176 e 177).

Ainda, conforme parecer elaborado pelos técnicos da Secretaria da Fazenda, a legislação causaria aumento de gastos, já que previa aumento na área de revitalização urbana, demandando aquisição do solo e alteração na infraestrutura existente (malha viária, transporte público, abastecimento de água, rede de esgoto, energia elétrica, iluminação pública, coleta de lixo, aumento de circulação de veículos e pedestres etc).

Com relação à consulta popular o relator destaca que não basta a participação indireta, marcada pela representatividade legislativa.

Mister se faz a participação efetiva da comunidade envolvida e de quaisquer interessados, seja em razão do princípio da participação popular, seja pela observância do princípio da publicidade, basilar à Administração Pública, afirmou o Desembargador Portanova”.

Fonte: TJRS.

Direito Ambiental

Confira a íntegra do acórdão:

ADIN. LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL QUE DISPÕE SOBRE ALTERAÇÕES NO PLANO DIRETOR. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR.

É inconstitucional a Lei Complementar n.º 792/2016, do Município de Porto Alegre, porque alterou o Plano Diretor, sem a necessária observância da exigência constitucional de participação popular. Violação aos artigos 5º, parágrafo único; 10; 82, incisos VII e XI; 149, incisos I, II e III, § 3º; e 152, § 3º, todos da Constituição Estadual. Lições doutrinárias. Precedentes jurisprudenciais.

JULGARAM PROCEDENTE. UNÂNIME.

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Órgão Especial
Nº 70071549513 (Nº CNJ: 0365145-61.2016.8.21.7000)

 

Comarca de Porto Alegre
PREFEITO MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE

 

PROPONENTE
CAMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE

 

REQUERIDO
PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

 

INTERESSADO

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DesEMBARGADORES Luiz Felipe Silveira Difini (Presidente), Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Marcelo Bandeira Pereira, Sylvio Baptista Neto, Luiz Felipe Brasil Santos, Maria Isabel de Azevedo Souza, Marco Aurélio Heinz, Guinther Spode, Luís Augusto Coelho Braga, Alzir Felippe Schmitz, Carlos Cini Marchionatti, Carlos Eduardo Zietlow Duro, Angela Terezinha de Oliveira Brito, Iris Helena Medeiros Nogueira, Marilene Bonzanini, Paulo Roberto Lessa Franz, Gelson Rolim Stocker, Mylene Maria Michel, Denise Oliveira Cezar, Ana Beatriz Iser, Diógenes Vicente Hassan Ribeiro, Ana Paula Dalbosco, Sérgio Miguel Achutti Blattes e Martin Schulze.

Porto Alegre, 20 de fevereiro de 2017.

 

DES. RUI PORTANOVA,

Relator.

 

 

RELATÓRIO

 

Des. Rui Portanova (RELATOR)

Inicialmente, adoto o relatório contido no parecer ministerial:

“Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Porto Alegre, objetivando a retirada do ordenamento jurídico da Lei Complementar Municipal n.º 792, de 26 de fevereiro de 2016, do Município de Porto Alegre, que inclui incisos VII e VIII no caput do artigo 83 e artigo 84-A na Lei Complementar n.º 434, de 1º de dezembro de 1999 – Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) -, e alterações posteriores, ampliando o rol de Áreas de Revitalização e estabelecendo-lhes regime urbanístico.

 O proponente teceu considerações acerca de sua legitimidade para a demanda e referiu, em suma, que o Poder Legislativo Municipal de Porto Alegre, por meio do Projeto de Lei Complementar n.º 20/2011, que culminou na edição da norma ora guerreada, inseriu comando normativo que não contemplou o princípio constitucional da participação popular, inserto no artigo 177, parágrafo 5º, da Constituição Estadual, visto que dispôs, sem prévio debate, sobre matérias típicas de planejamento e gestão do território, alterando as disposições das Leis Complementares Municipais n.º 434, de 1º de dezembro de 1999, n.º 646, de 22 de julho de 2010 e n.º 667, de 03 de janeiro de 2011, que instituíram o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre, as quais foram elaboradas e aprovadas mediante a participação da população da cidade. Ressaltou, também, que a ampliação das áreas urbanas e de expansão urbana prevista na normativa guerreada não veio acompanhada dos respectivos planejamento e ordenação, consoante preconiza o artigo 177, caput e parágrafo 2º, da Constituição Estadual. Acrescentou que o planejamento e gestão do uso e ocupação do solo urbano com ordenação do território são atividades que necessitam de autorização orçamentária para possibilitar o custeio da infraestrutura e serviços públicos necessários, o que importa em vício de inconstitucionalidade, por violação aos artigos 5º, parágrafo único, 10, 82, incisos VII e XI, 149, incisos I, II e III e parágrafo 3º, e 152, parágrafo 3º, todos da Constituição Estadual. Gizou que a Lei impugnada extrapolou os limites constitucionais, na medida em que, ao implementar alteração no Plano Diretor, com consequências no orçamento municipal, acarretou impacto, também, nas finanças públicas, importando violação ao princípio da harmonia e independência entre os Poderes. Postulou o deferimento de medida cautelar, a fim de determinar a suspensão dos efeitos da Lei Complementar n.º 792, de 26 de fevereiro de 2016, do Município de Porto Alegre, e, ao final, a procedência do pedido para fins de ver declarada sua inconstitucionalidade (fls. 04-21). Acostou documentos (fls. 22-101).

 O pedido liminar formulado foi deferido (fls. 107-117), suspendendo-se os efeitos da Lei Complementar n.º 792, de 26 de fevereiro de 2016, do Município de Porto Alegre, inexistindo notícia acerca de eventual interposição recursal.

 O Procurador-Geral do Estado, regularmente citado (fls. 126-128), atuando na curadoria especial da integridade jurídica dos atos normativos infraconstitucionais, pugnou pela manutenção da legislação questionada, forte no princípio que presume sua constitucionalidade (fls. 135-136). 

A Câmara Municipal de Porto Alegre, devidamente notificada (fls. 121 e 129-132), sustentou, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, pela presença de vício de inconstitucionalidade do parágrafo 5º do artigo 177 da Constituição Estadual, em face ao preconizado pelo artigo 25, caput, da Constituição Federal. Argumentou que os Estados-membros, na elaboração de seu processo legislativo, não podem se afastar do modelo federal, ao qual devem se sujeitar, obrigatoriamente. Asseverou que, em decorrência do modelo contido na Carta Federal, não resta espaço, na Constituição Estadual, para os Estados membros criarem procedimento diverso para a forma de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Gizou que, se aos Estados-membros não resta espaço para estabelecer processo legislativo, na matéria apontada, de modo diferente ao modelo federal, com mais razão não poderá ser estabelecido, na Carta Estadual, processo mais complexo do que o modelo insculpido na Constituição Federal, para os Municípios, sob o risco de, além de configurar violação ao princípio da simetria, previsto nos artigos 25, caput, e 29, caput, ambos da Constituição Federal, incorrer em malferimento ao princípio federativo e à autonomia municipal, nos termos dos artigos 1º, caput, e 18, ambos da Constituição Federal. Destacou que a Constituição Federal apenas determinou que o plano diretor fosse aprovado pela Câmara Municipal, exigindo, para tal, mera lei ordinária sem quórum especial. Requereu a extinção do feito sem julgamento de mérito, postulando, ainda, o reconhecimento da inconstitucionalidade do parágrafo 5º do artigo 177 da Constituição Estadual, conforme a argumentação expendida. No mérito, em suma, manifestou-se pela constitucionalidade da norma atacada, que decorreria diretamente da iniciativa concorrente, nos termos dos artigos 48 e 61 da Constituição Federal, devendo haver interpretação restritiva das hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar. Colacionou precedentes jurisprudenciais. Destacou que apenas não foi realizada audiência pública ou outra forma de participação direta, pois nenhuma entidade manifestou interesse, durante a tramitação do projeto de lei perante o Poder Legislativo Municipal. Postulou a improcedência do pedido (fls. 139-161). Juntou documentos (fls. 162-281).”

O MP opinou pela procedência da ação.

É o relatório.

 

VOTOS

 

Des. Rui Portanova (RELATOR)

Adianto, é caso para julgamento de procedência da ação, na linha do despacho deste relator que deferiu o pedido liminar, nos seguintes termos:

Vistos etc.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo PREFEITO MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE contra a CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, e tendo por objeto a Lei Complementar Municipal n.º 792/2016.

A referida lei surgiu de iniciativa do vereador Reginaldo Pujol, e tem por objeto alterações no Plano Diretor de Porto Alegre (Lei Complementar n.º 434/1999).

No que interesse à presente demanda, a alteração incluiu os incisos VII e VIII no art. 83, e incluiu o art. 84-A no Plano Diretor.

Tais alterações foram objeto de veto por parte do Prefeito Municipal, veto esse que foi depois derrubado pela Câmara de Vereadores.

Eis o texto ao final promulgado pela Câmara dos Vereadores, após a derrubada do veto:

Art.83…………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………

VII – Terceira Perimetral e áreas contíguas, compreendendo uma faixa de 120m (cento e vinte metros) em cada lado do alinhamento das vias que compõem o seu eixo de desenvolvimento, objeto de regime urbanístico especial; e

VIII – VETADO.

Art. 84-A. Os terrenos contidos total ou parcialmente nas faixas referidas nos incs. VII e (VETADO) do art. 83 desta Lei Complementar, cujos padrões de fracionamento estão estabelecidos no Anexo 8.3 desta Lei Complementar, terão seus regimes urbanísticos alterados, conforme segue:

I – densidade bruta, código 13 do Anexo 4 desta Lei Complementar;

II – grupo de atividade, código 05 do Anexo 5.1 desta Lei Complementar;

III – índice de aproveitamento, valor do índice aplicado sobre o terreno, conforme o Anexo 6 desta Lei Complementar, com a possibilidade de uso do Solo Criado e de Transferência de Potencial Construtivo até o limite de 3,0 (três vírgula zero), Índice de Aproveitamento Máximo; e

IV – regime volumétrico, código 11 do Anexo 7.1 desta Lei Complementar.

§ 1º A diferença entre o índice 3,0 (três vírgula zero) e o índice de aproveitamento do terreno, sob a forma de Solo Criado, poderá ser adquirida de forma direta, dispensada a licitação.

§ 2º Dos recursos auferidos nos termos do § 1º deste artigo, 10% (dez por cento) serão revertidos para investimentos no Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas e no Hospital de Pronto Socorro, e o restante, no Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social.

§ 3º Excetuam-se ao disposto neste artigo as faixas de terrenos que se constituem Áreas de Interesse Cultural e as Áreas de Ambiência Cultural constantes no Anexo 3 desta Lei Complementar.

Na presente demanda, o autor alega inconstitucionalidade, por ofensa aos artigos 176; e 177, “caput”, §§ 2º e 5º, da Constituição Estadual, combinado com o art. 29, XII, da Constituição Federal; bem como por ofensa aos artigos 5º, parágrafo único; 10; 82, incisos VII e XI; 149, incisos I, II e III, § 3º; e 152, § 3º, todos da Constituição Estadual.

Vale a pena transcrever os textos dos artigos citados como ofendidos pela norma aqui atacada.

Por primeiro, o texto dos artigos 176 e 177, “caput”, §§ 2º e 5º, da Constituição Estadual; e o texto do art. 29, XII, da Constituição Federal:

Art. 176. Os Municípios definirão o planejamento e a ordenação de usos, atividades e funções de interesse local, visando a:

I – melhorar a qualidade de vida nas cidades;

II – promover a definição e a realização da função social da propriedade urbana;

III – promover a ordenação territorial, integrando as diversas atividades e funções urbanas;

IV – prevenir e corrigir as distorções do crescimento urbano;

V – promover a recuperação dos bolsões de favelamento, sua integração e articulação com a

malha urbana;

VI – integrar as atividades urbanas e rurais;

VII – distribuir os benefícios e encargos do processo de desenvolvimento das cidades, inibindo a especulação imobiliária, os vazios urbanos e a excessiva concentração urbana;

VIII – impedir as agressões ao meio ambiente, estimulando ações preventivas e corretivas;

IX – promover a integração, racionalização e otimização da infra-estrutura urbana básica, priorizando os aglomerados de maior densidade populacional e as populações de menor renda;

X – preservar os sítios, as edificações e os monumentos de valor histórico, artístico e cultural;

XI – promover o desenvolvimento econômico local;

XII – preservar as zonas de proteção de aeródromos, incluindo-as no planejamento e ordenação referidos no “caput”;

XIII – promover, em conjunto com o órgão a que se refere o art. 235 desta Constituição, a inclusão social, inclusive a disponibilização de acesso gratuito e livre à Internet.

Art. 177. Os planos diretores, obrigatórios para as cidades com população de mais de vinte mil habitantes e para todos os Municípios integrantes da região metropolitana e das aglomerações urbanas, além de contemplar os aspectos de interesse local, de respeitar a vocação ecológica, o meio ambiente e o patrimônio cultural, serão compatibilizados com as diretrizes do planejamento do desenvolvimento regional.

(omissis);

§ 2.º A ampliação de áreas urbanas ou de expansão urbana deverá ser acompanhada do respectivo zoneamento de usos e regime urbanístico.

(omissis);

§ 5.º Os Municípios assegurarão a participação das entidades comunitárias legalmente constituídas na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, bem como na elaboração e implementação dos planos, programas e projetos que lhe sejam concernentes.

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(omissis)

XII – cooperação das associações representativas no planejamento municipal;

(omissis).

Agora, o texto dos artigos 5º, parágrafo único; 10; 82, incisos VII e XI; 149, incisos I, II e III, § 3º; e 152, § 3º, todos da Constituição Estadual:

Art. 5.º São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Parágrafo único. É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições, e ao cidadão investido em um deles, exercer função em outro, salvo nos casos previstos nesta Constituição.

Art. 10. São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, exercido pela Câmara Municipal, e o Executivo, exercido pelo Prefeito.

Art. 82. Compete ao Governador, privativamente:

(omissis);

VII – dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

(omissis);

XI – enviar à Assembléia Legislativa os projetos de lei do plano plurianual, de diretrizes orçamentárias e dos orçamentos anuais, previstos nesta Constituição;

(omissis).

Art. 149. A receita e a despesa públicas obedecerão às seguintes leis, de iniciativa do Poder Executivo:

I – do plano plurianual;

II – de diretrizes orçamentárias;

III – dos orçamentos anuais.

(omissis);

§ 3.º A Lei de Diretrizes Orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública estadual, contidas no Plano Plurianual, para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração dos orçamentos anuais, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política tarifária das empresas da Administração Indireta e a de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento, sendo que, no primeiro ano do mandato do Governador, as metas e as prioridades para o exercício subsequente integrarão o Projeto de Lei do Plano Plurianual, como anexo.

Art. 152. O plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, os orçamentos anuais e os créditos adicionais constarão de projetos de lei encaminhados ao Poder Legislativo.

(omissis);

§ 3.º As emendas aos projetos de leis orçamentárias anuais ou aos projetos que as modifiquem somente poderão ser aprovadas quando:

I – sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídos os que incidam sobre:

a) dotação para pessoal e seus encargos;

b) serviço da dívida;

c) transferências tributárias constitucionais do Estado para os Municípios;

d) dotações para investimentos de interesse regional, aprovadas em consulta direta à população na forma da lei;

III – sejam relacionados com:

a) a correção de erros ou omissões;

b) os dispositivos do texto do projeto de lei.

A parte autora alega que a inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 792/2016 se dá por (a) ausência de participação popular para alteração do Plano Diretor; (b) supressão de exigência constitucional que qualifica o processo legislativo em matéria urbanística, o qual exige estudos técnicos prévios às proposições; e (c) vício de iniciativa, por tratar-se de lei que impacta no orçamento municipal.

Relatei. Fundamento e decido.

Analisando a inicial e documentos, e cotejando a questão em debate com os dispositivos constitucionais apresentados como violados, vale a pena, desde logo, fazer algumas considerações, ainda que em juízo de cognição sumária.

O projeto de lei depois transformado na Lei Complementar n.º 792/2016, foi levado à votação pela Câmara de Vereadores, mas sem antes ser objeto de debate das entidades comunitárias legalmente constituídas.

Isso, em princípio, viola o comando contido no art. 177, § 5º, da Constituição Estadual, que concretiza o princípio da democracia direta ou participativa em questões de natureza urbanística.

Sobre esse tema, vale a pena lembrar as observações de Maricelma Rita Meleiro, feitas quando da abordagem do tema na obra “Princípio da Democracia Participativa e o Plano Diretor”, (In “Temas de Direito Urbanistico”, SP, Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 1999, pág. 86):

A afirmação de que o princípio democrático não pode atuar sem a presença da soberania popular se faz atualmente mais consistente com a concepção básica de que a formação da vontade estatal não se faz apenas com a atuação dos representantes do povo democraticamente eleitos. Mais, a participação direta dos cidadãos é colocada na Constituição atual como uma das formas de realização da soberania popular. A democracia passa da atuação mediata do povo, para a promoção de comportamento imediato, evoluindo para o que se convencionou denominar de “democracia participativa”.

Não por outra razão, este colegiado já decidiu por diversas vezes no sentido de que alterações no plano diretor, mas sem participação popular, são inconstitucionais.

Ilustra:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE BOM JESUS. LEI MUNICIPAL N.º 2.422/06. PLANO DIRETOR URBANO DO MUNICÍPIO. PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA (ART. 177, §5º, DA CE). INOBSERVÂNCIA. Ação direta em que se postula a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 2.422, de 23 de outubro de 2006, dispondo acerca do plano diretor urbano do Município de Bom Jesus. A norma do art. 177, § 5º, da CE, concretizando o princípio da democracia direta ou participativa, exige, como requisito de validade do processo legislativo, a efetiva participação da comunidade na definição do plano diretor do seu Município. Insuficiência da única consulta pública realizada pelo Município de Bom Jesus. Inconstitucionalidade formal, por afronta ao art. 177, §5º, da CE, da Lei n.º 2.422, de 23 de outubro de 2006, do Município de Bom Jesus. Concreção também da norma do art. 40, §4º, I, do Estatuto da Cidade. Precedentes. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70029607819, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 25/01/2010)

No mesmo sentido: 70028427466 e 70020527149, dentre outros tantos na mesma linha.

Também se verifica que o projeto de lei depois transformado em lei, não foi precedido de estudos técnicos prévios, o que em tese consubstancia violação aos artigos 176 e 177, ambos da Constituição Estadual.

Por fim, no que se refere ao alegado vício de iniciativa, convém ter em mente algumas peculiaridades do caso.

Antes de mais, convém trazer à baila a lição de Hely Lopes Meirelles (In “Direito Municipal Brasileiro”, 10. ed., SP, Malheiros, 1998, pág. 527), especificamente acerca do Plano Diretor:

A iniciativa desse projeto de lei, embora não esteja expressamente reservada ao Executivo, só poderá ser tomada pelo prefeito (…) A complexidade técnica da elaboração de um plano diretor, na abrangência dos seus múltiplos aspectos urbanísticos, principalmente de uso e ocupação do solo urbano, exige profissional habilitado para concebê-lo (engenheiro, arquiteto ou urbanista) e equipes especializadas em pesquisa e na feitura dos diversos elementos que vão compor o projeto de lei (texto, mapas, plantas etc.). Nessas condições, a Câmara de Vereadores dificilmente estará habilitada a elaborar um projeto completo de plano diretor no Município, mas poderá, com a sensibilidade política de seus membros, aprimorar, através de emendas, o projeto recebido do Executivo.

Teme-se, em função disso, ocorrência de vício de iniciativa.

De qualquer forma, ainda que não pelo motivo acima exposto, no caso concreto, mais do que simplesmente envolver complexidade técnica, a lei aqui atacada, segundo parecer elaborado pelos Técnicos da Secretaria Executiva do FUNPROMOB, ligada à Secretaria da Fazenda (fls. 44/47), causará aumento de gastos, já que aumentará a área de revitalização urbana, o que demandará aquisição de solo e alteração na infra-estrutura existente (malha viária, transporte público, abastecimento de água, rede de esgoto, energia elétrica, iluminação pública, coleta de lixo, aumento de circulação de veículos e pedestres etc).

Tudo a tornar lícita a projeção, ao menos em princípio, de que a lei em debate, por importar em aumento de gastos, viola os artigos 5º, parágrafo único; 10; 82, incisos VII e XI; 149, incisos I, II e III, § 3º; e 152, § 3º, todos da Constituição Estadual.

O MP opinou no mesmo sentido:

A matéria em liça envolve o âmbito urbanístico, sendo, portanto, da competência concorrente da União, Estados e Municípios, consoante previsto no artigo 24, inciso I, da Constituição Federal[1].

Em nível estadual, o plano diretor e as leis municipais de diretrizes gerais de ocupação do território estão expressamente previstas no parágrafo 5º do artigo 177 da Constituição Estadual, cujo conteúdo normativo é autoaplicável. In verbis:

Art. 177 – Os planos diretores, obrigatórios para as cidades com população de mais de vinte mil habitantes e para todos os Municípios integrantes da região metropolitana e das aglomerações urbanas, além de contemplar os aspectos de interesse local e respeitar a vocação ecológica, serão compatibilizados com as diretrizes do planejamento do desenvolvimento regional.

(…)

§ 2º – A ampliação de áreas urbanas ou de expansão urbana deverá ser acompanhada do respectivo zoneamento de usos e regime urbanístico.

(…)

§ 5º – Os Municípios assegurarão a participação das entidades comunitárias, legalmente constituídas, na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, bem como na elaboração e implementação dos planos, programas e projetos que lhe sejam concernentes. (Grifo acrescido).

Nesse sentido, o entendimento dessa Corte de Justiça no sentido de que o artigo 177, parágrafo 5º, da Carta Estadual é dispositivo autoaplicável:

ADIN. BENTO GONCALVES. LEI COMPLEMENTAR N. 45, DE 19 DE MARCO DE 2001, QUE ACRESCENTA PARAGRAFO UNICO AO ART-52 DA LEI COMPLEMENTAR N. 05, DE 03 DE MAIO DE 1996, QUE INSTITUI O PLANO DIRETOR URBANO DO MUNICIPIO. O ART-177, PAR-5 DA CARTA ESTADUAL EXIGE QUE NA DEFINICAO DO PLANO DIRETOR OU DIRETRIZES GERAIS DE OCUPACAO DO TERRITORIO, OS MUNICIPIOS ASSEGUREM A PARTICIPACAO DE ENTIDADES COMUNITARIAS LEGALMENTE CONSTITUIDAS. DISPOSITIVO AUTO-APLICAVEL. VICIO FORMAL NO PROCESSO LEGISLATIVO E NA PRODUCAO DA LEI. AUSENCIA DE CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE. LEIS MUNICIPAIS DO RIO GRANDE DO SUL SOBRE POLITICA URBANA DEVEM OBEDECER A CONDICIONANTE DA PUBLICIDADE PREVIA E ASSEGURACAO DA PARTICIPACAO DE ENTIDADES COMUNITARIAS, PENA DE OFENSA A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA. OFENSA AO PRINCIPIO DA SEPARACAO DOS PODERES E VIOLACAO FRONTAL AO PAR-5 DO ART-177 DA CARTA ESTADUAL. ADIN JULGADA PROCEDENTE. (14 FLS.) (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70002576239, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vasco Della Giustina, Julgado em 01/04/2002) (Grifo acrescido).

Pelo que se extrai do aludido dispositivo constitucional, os planos diretores são obrigatórios para as cidades com população de mais de vinte mil habitantes, além de contemplar os aspectos de interesse local e respeitar a vocação ecológica.

Ademais, na elaboração das referidas leis, os Municípios assegurarão a participação das entidades comunitárias, legalmente constituídas, na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, bem como na elaboração e implementação dos planos, programas e projetos que lhe sejam concernentes.

Dito dispositivo da Constituição Estadual vai ao encontro do estatuído no artigo 29, inciso XII, da Constituição Federal, que assegura a cooperação das associações representativas no planejamento municipal.

Segundo tal premissa – relativa à participação das entidades representativas da sociedade no planejamento municipal -, concretizada no artigo 40, parágrafo 4o, inciso I e artigo 43, inciso II do Estatuto da Cidade (Lei Federal n.º 10.257, de 10 de julho de 2001), é indispensável que sejam viabilizados à população os meios para interagir no processo de definição e elaboração da norma, sob pena de vulneração ao princípio constitucional da participação popular no planejamento urbano (artigos 29, inciso XII; 30, inciso VIII e 182, todos da Constituição Federal e artigo 177, parágrafo 5º da Constituição Estadual).

Sobre o assunto, já se pronunciou essa Colenda Corte:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

MUNICÍPIO DE LAJEADO. ALTERAÇÃO DO PLANO DIRETOR. INICIATIVA CONCORRENTE DO PODER EXECUTIVO E DO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAIS. EXIGÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO. ART. 177, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE DISCIPLINA CONSTITUCIONAL ACERCA DA FORMA DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS REALIZADAS ANTES DA APROVAÇÃO DOS PROJETOS DE LEI QUE PROPORCIONARAM RAZOÁVEL DISCUSSÃO DA MATÉRIA PELA POPULAÇÃO LOCAL. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. LEI MUNICIPAL QUE NÃO ASSEGUROU QUALQUER FORMA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR. INCONSTITUCIONALIDADE CONFIGURADA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE EM PARTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70041761388, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em 22/08/2011)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. ALTERAÇÃO NO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE SAPIRANGA. AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA PÚBLICA. OFENSA AO ESTATUTO DA CIDADE – LEI NO. 10.257/2001 – BEM COMO ÀS CONSTITUIÇÕES ESTADUAL E FEDERAL. São inconstitucionais as leis municipais nºs 3.302, 3.303, 3.368, 3.369, 3.404, 3.412, 3.441 e 3.442, todas de 2004, do Município de Sapiranga, editadas sem que promovida a participação comunitária para a deliberação de alteração do plano diretor do município sem a realização de audiência pública prevista em lei. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (Ação Civil Pública Nº 70015837131, Órgão Especial, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 26/02/2007)

A inconstitucionalidade arguida pelo proponente, ora examinada, portanto, diz respeito ao procedimento formal de aprovação do texto legal, que tramitou sem ser submetido à consulta popular.

É cediço que o escopo da participação popular, no mais das vezes consistente na realização de audiências públicas, é servir de suporte fático para que o Legislador Municipal possa deliberar e votar de forma mais próxima aos anseios dos cidadãos, após a apresentação do Projeto de Lei elaborado.

Assim, a audiência pública ou outra forma de garantir o devido respeito à democracia direta, ao contrário de mero convite, é instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais, cumprindo duas funções. A primeira delas, como instrumento destinado a prestar informações, esclarecimentos, fornecer dados e documentos sobre a matéria que será objeto de deliberação para a comunidade interessada e que será atingida pela decisão administrativa. A segunda função refere-se aos cidadãos manifestarem suas opiniões, apresentarem propostas, apontarem soluções e alternativas, possibilitando o conhecimento pela Administração Pública das opiniões e visões dos cidadãos sobre o assunto que será objeto de deliberação.

O resultado obtido com a realização da audiência pública ou outra forma de participação popular, sem dúvida, servirá de substrato para o desencadeamento do processo legislativo; por outro lado, os vícios existentes no procedimento legislativo que desrespeitou o princípio constitucional da participação popular acarretarão, necessariamente, a nulidade do direito posto, por não refletir a manifestação legítima da soberania do povo, e, assim, não deverá subsistir no mundo jurídico.

A propósito do tema transcreve-se, parcialmente, o voto proferido quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade autuada sob o n.º 70020914131, datado de 30 de junho de 2008, da lavra do eminente relator, Desembargador José Aquino Flôres de Camargo:

“(…) Assim, possível concluir, em primeiro lugar, que o sistema constitucional exige, no processo legislativo referente à organização do Plano Diretor e nas diretrizes gerais de ocupação do território, seja propiciada a participação popular. Em segundo lugar, não há detalhamento da forma e condições em que se daria a referida participação popular, sendo certo afirmar, não obstante isso, que referidas normas são autoaplicáveis, não sendo letra morta.(…)”.

Nesse cenário, a preservação do princípio da democracia participativa, como condicionante à constitucionalidade do Plano Diretor, já foi reconhecida por esse egrégio Tribunal Pleno, conforme ementas abaixo transcritas:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE BOM JESUS. LEI MUNICIPAL N.º 2.422/06. PLANO DIRETOR URBANO DO MUNICÍPIO. PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA (ART. 177, §5º, DA CE). INOBSERVÂNCIA. Ação direta em que se postula a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 2.422, de 23 de outubro de 2006, dispondo acerca do plano diretor urbano do Município de Bom Jesus. A norma do art. 177, § 5º, da CE, concretizando o princípio da democracia direta ou participativa, exige, como requisito de validade do processo legislativo, a efetiva participação da comunidade na definição do plano diretor do seu Município. Insuficiência da única consulta pública realizada pelo Município de Bom Jesus. Inconstitucionalidade formal, por afronta ao art. 177, §5º, da CE, da Lei n.º 2.422, de 23 de outubro de 2006, do Município de Bom Jesus. Concreção também da norma do art. 40, §4º, I, do Estatuto da Cidade. Precedentes. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70029607819, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 25/01/2010). (Grifo acrescido).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 1.468, DE 31 DE OUTUBRO DE 2001, DO MUNICÍPIO DE HORIZONTINA. ALTERAÇÃO DO PLANO DIRETOR. VÍCIO NO PROCESSO LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE. OFENSA AO ART. 177, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E AO ART. 29, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. É inconstitucional a Lei nº 1.468/2001, do Município de Horizontina, pois editada sem que promovida a participação comunitária, para deliberação de alteração do Plano Diretor do Município, conforme exige o art. 177, § 5º, da Constituição Estadual e o art. 29, XII, da Constituição Federal. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70028427466, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 20/07/2009)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 456/2006, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO NORTE, QUE INSTITUI O PLANO DIRETOR. EMENDA LEGISLATIVA Nº 005/2006, QUE ALTERA SUBSTANCIALMENTE A REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 38, QUE DISPÕE ACERCA DO ZONEAMENTO URBANO. DESRESPEITO, PELO LEGISLADOR NORTENSE, À NORMA QUE DETERMINA A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NO PLANEJAMENTO URBANO, EM TODAS AS FASES DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LEI. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO QUE AFETA UNICAMENTE O DISPOSITIVO LEGAL ALTERADO PELA EMENDA MODIFICATIVA. OFENSA AOS ARTIGOS 29, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 177, PARÁGRAFO 5º, DA CARTA POLÍTICA DO ESTADO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70022471999, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em 02/06/2008)

Como consabido, é certo que a elaboração e as alterações do Plano Diretor Municipal devem obediência ao princípio constitucional da democracia participativa, providência necessária e cogente à edição do ato normativo, nos termos estabelecidos pelos artigos 8º, caput, e artigo 177, parágrafo 5º, da Constituição Estadual[2], bem como pelos artigos 1º, caput e parágrafo único, e 29, inciso XII, da Constituição da República[3].

O parágrafo 5º do artigo 177 da Constituição Estadual conforma-se aos princípios estatuídos no caput e parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal, que explicita a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, em que o povo tem acesso ao processo de formação da vontade estatal.

Não basta a participação indireta, marcada pela representatividade legislativa. Mister se faz a participação efetiva da comunidade envolvida e de quaisquer interessados, seja em razão do princípio da participação popular, seja pela observância do princípio da publicidade, basilar à Administração Pública.

Tal exigência, aliás, tem razão de ser, consoante as observações de Guilherme Wagner Ribeiro[4]:

“(…) Sabe-se que a interpretação de uma norma não deriva apenas da leitura do seu texto, fazendo-se necessário considerar o contexto no qual se insere a realidade sobre a qual a norma irá incidir. A experiência brasileira em planejamento urbano demonstrou a ineficácia dos planos diretores produzidos em gabinetes e sujeitos apenas à influência do mercado imobiliário. À margem da cidade legal, em que se pretende ver cumpridas as regras do planejamento urbano, cresce de forma acentuada a cidade ilegal, em que não se asseguram aos seus habitantes condições dignas de vida. Esse crescimento desordenado provoca sérios impactos sobre a qualidade de vida de todos na cidade, pois com freqüência ocorre em áreas de preservação ambiental. Nesse sentido, a participação da sociedade na elaboração dos planos diretores, antes de ser uma obrigação legal estabelecida pelo Estatuto da Cidade, é uma condição para que o plano diretor atenda às necessidades da população. Sendo assim, a exigência legal de participação da sociedade civil na elaboração do Estatuto não ofende a autonomia municipal (…)

A participação popular na fase de elaboração do projeto no Poder Executivo não supre a exigência imposta ao Poder Legislativo de realizar audiências ou debates públicos, bem como divulgar as informações que subsidiam o projeto. Afinal, ainda que a elaboração do texto na fase pré-legislativa tenha culminado com uma proposta que reflita os interesses dos diversos atores sociais, cabe à Câmara Municipal fazer chegar ao conjunto da sociedade o que, com este projeto, se propõe para a cidade.” (Grifo acrescido).

Sobre o tema, as observações de Maricelma Rita Meleiro[5], feitas quando da abordagem ao tema “Princípio da Democracia e o Plano Diretor”, merecem destaque, porque elucidam o tema:

“A afirmação de que o princípio democrático não pode atuar sem a presença da soberania popular se faz atualmente mais consistente com a concepção básica de que a formação da vontade estatal não se faz apenas com a atuação dos representantes do povo democraticamente eleitos. Mais, a participação direta dos cidadãos é colocada na constituição atual como uma das formas de realização da soberania popular. A democracia passa da atuação mediata do povo, para a promoção de comportamento imediato, evoluindo para o que se convencionou denominar de “democracia participativa.” (Grifo acrescido).

Assim, a participação popular, mediante a cooperação das associações representativas no planejamento municipal e seus desdobramentos, se transforma em requisito para verificar a constitucionalidade da norma correlata.

A ordem constitucional determina que o administrador público proporcione à comunidade local a efetiva e transparente participação no processo de elaboração do Plano Diretor, através de diversos instrumentos, e não por apenas uma única e singular oportunidade, sob pena de relegar a aplicabilidade do princípio da participação popular, insculpido, no âmbito estadual, no artigo 177, parágrafo 5º, da Constituição Gaúcha.

Aliás, uma única audiência pública isolada sequer atende à literalidade da Lei Federal n.º 10.257/2001 – Estatuto das Cidades – que usa a expressão, sempre, no plural (audiências, debates e consultas públicas – artigo 40, parágrafo 4º, inciso I[6]).

A concretização do princípio democrático na elaboração da política urbanística, instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, representa importante conquista da sociedade brasileira, porquanto atinge os objetivos de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o de garantir o bem-estar de seus habitantes.

A participação popular no processo legislativo serve justamente ao propósito de disponibilizar espaço público para discussão e manifestação acerca do que é “razoável” no planejamento urbanístico e seus desdobramentos. Embora não vinculativa, repercute inequivocamente na opção dos agentes políticos de mandato eletivo. E malgrado a indiscutível legitimidade do Poder Judiciário para realizar o juízo técnico de equidade que traduz o “razoável”, tal prerrogativa diz tão só com o produto do processo legislativo, não autorizando o afastamento da precedente legitimidade conferida à cidadania pelo parágrafo 5º do artigo 177 da Constituição Estadual para que as forças sociais contribuam para um juízo do “razoável” durante o processo legislativo.

Diante do exposto, extrai-se que as alterações realizadas no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre (PDDUA) pendem de intervenção popular, conforme interpretação teleológica e sistemática do artigo 177, parágrafo 5º, da Constituição Estadual, do artigo 29, inciso XII, da Carta Federal e do parágrafo 4o do artigo 40 da Lei Federal n.º 10.257/01.

De outra banda, a norma legal ora guerreada não foi precedida de estudos técnicos que permitissem ao legislador a análise da adequada ordenação territorial em face do regime urbanístico adotado no Município, o que acarreta mais uma afronta ao texto constitucional, mais especificamente aos artigos 176 e 177, parágrafo 5º, ambos da Carta Estadual[7].

Para além disso, importa assinalar que, como se viu, o diploma legal impugnado dispõe sobre alteração no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), cuja edição adveio de proposta proveniente do Poder Legislativo Municipal (Projeto de Lei n.º 20/2011), que culminou na edição da Lei Complementar n.º 792/2016 de Porto Alegre.

Como se sabe, a competência dos Municípios, em se tratando de matéria urbanística, é ampla e advém de permissivo constitucional que lhes assegura a autonomia para legislar sobre assuntos de interesse local, para promover adequado ordenamento territorial, e, ainda, para executar a política de desenvolvimento urbano, de acordo com as diretrizes fixadas pela União, no exercício de suplementar a legislação federal e a estadual, consoante o disposto nos artigos 30, incisos I, II e VIII, e 182, ambos da Constituição Federal, in verbis:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que

couber;

(…)

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

Art. 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Na Constituição Estadual, tal competência vem grafada no artigo 176, que estabelece diretrizes à política urbana:

Art. 176 – Os Municípios definirão o planejamento e a ordenação de usos, atividades e funções de interesse local, visando a:

I – melhorar a qualidade de vida nas cidades;

II – promover a definição e a realização da função social da propriedade urbana;

III – promover a ordenação territorial, integrando as diversas atividades e funções urbanas;

IV – prevenir e corrigir as distorções do crescimento urbano;

V – promover a recuperação dos bolsões de favelamento, sua integração e articulação com a malha urbana;

VI – integrar as atividades urbanas e rurais;

VII – distribuir os benefícios e encargos do processo de desenvolvimento das cidades, inibindo a especulação imobiliária, os vazios urbanos e a excessiva concentração urbana;

VIII – impedir as agressões ao meio ambiente, estimulando ações preventivas e corretivas;

IX – promover a integração, racionalização e otimização da infra-estrutura urbana básica, priorizando os aglomerados de maior densidade populacional e as populações de menor renda;

X – preservar os sítios, as edificações e os monumentos de valor histórico, artístico e cultural;

XI – promover o desenvolvimento econômico local;

XII – preservar as zonas de proteção de aeródromos, incluindo-as no planejamento e ordenação referidos no “caput”.

Colocada dessa forma a competência que detém o Município para editar leis sob a temática do planejamento urbanístico, cumpre destacar que a iniciativa, em hipóteses como as previstas pelo diploma legal impugnado, deve ser unicamente do Poder Executivo.

Tudo porque a matéria atinente à gestão da cidade decorre, essencialmente, da administração realizada pelo Chefe do Poder Executivo, o que leva à conclusão de que, na hipótese em exame, foi violado o princípio da separação dos Poderes, contido no artigo 10 da Constituição Provinciana e no artigo 2º da Constituição Federal, que assim dispõem:

Constituição Estadual:

Art. 10 – São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, exercido pela Câmara Municipal, e o Executivo, exercido pelo Prefeito.

Constituição Federal:

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo, essa autonomia não detém caráter absoluto, já que se limita ao âmbito pré-fixado pelo ente estrutural e hierarquicamente superior, isto é, a Constituição Federal[8].

Tal autonomia deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual para a consecução de suas quatro capacidades básicas: (a) capacidade de auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de autogoverno (eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais); (c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante competência para elaboração de leis municipais); (d) capacidade de autoadministração (administração própria para manter e prestar serviços de interesse local); que refletem, respectivamente, a autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno), normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências), administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas).

A autonomia do Município, portanto, deve respeitar o princípio da separação dos Poderes, contando o artigo 10 da Constituição do Estado com a expressa previsão de que eles atuam de forma independente e harmônica, regra, aliás, que também consta do artigo 2º da Constituição Federal, igualmente aplicável no âmbito estadual por força do artigo 8º da Constituição Provinciana.

Calha destacar, pelo ensino de Hely Lopes Meirelles[9], sobre a atuação do Prefeito Municipal e da Câmara de Vereadores:

(…) O Prefeito atua sempre por meio de atos concretos e específicos, de governo (atos políticos) ou de administração (atos administrativos), ao passo que a Câmara desempenha suas atribuições típicas editando normas abstratas e gerais de conduta (leis). Nisso se distinguem fundamentalmente suas atividades. O ato executivo do Prefeito é dirigido a um objetivo imediato, concreto e especial; o ato legislativo da Câmara é mediato, abstrato e genérico(…) O prefeito provê in concreto, em razão do seu poder de administrar; a Câmara provê in abstracto em virtude de seu poder de regular. Todo ato do prefeito que infringir a prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c.c. o art.31), podendo ser invalidado pelo Judiciário.(…)”

A Lei em exame, dessa forma, no que diz com a temática atinente ao planejamento urbanístico, ofende a separação do exercício das funções estatais, porque, na sua elaboração, o Poder Legislativo ingressou na esfera de competência do Poder Executivo.

É bem verdade, a propósito, que não há previsão de iniciativa legislativa reservada na matéria. Entretanto, pela natureza e pelos requisitos que o sistema constitucional estabelece para a elaboração da legislação urbanística, é lícito afirmar que ela demanda planejamento administrativo. E o planejamento na ocupação e uso do solo urbano das cidades é algo que só o Poder Executivo é habilitado, estrutural e tecnicamente, a fazer.

Considerando que ao Poder Legislativo cabe legislar, e ao Poder Executivo cabe administrar, é lícito concluir que o ato legislativo que invade a esfera da gestão administrativa – que envolve ações de planejamento, estabelecimento de diretrizes e a realização propriamente dita do que foi estabelecido na fase do planejamento (realização de atos administrativos concretos) – é inconstitucional, por violar a regra da separação entre os Poderes.

No caso, alcança-se a conclusão de que o Poder Legislativo Municipal violou a regra que exige independência e harmonia entre os Poderes, invadindo a esfera das atribuições do Poder Executivo Municipal.

Nessa esteira:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS MUNICIPAIS. INSTITUIÇÃO DO PLANO DIRETOR. PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR. REQUISITO CONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE PUBLICIDADE PRÉVIA E ASSEGURAÇAO DA PARTICIPAÇAO DE ENTIDADES COMUNITÁRIAS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E VIOLAÇÃO FRONTAL AO § 5º DO ART. 177 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70017515719, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 26/03/2007) (Grifo acrescido)

Por derradeiro, cabe registrar que, pela simples leitura da norma guerreada, que se mostra inconstitucional pelos fundamentos já trilhados, não se evidencia, necessariamente, qualquer elemento indicativo de aumento de despesa, verificação tal a depender de análise mais detida, relacionada, inclusive, ao exame de elementos fáticos de prova, circunstância essa que não afasta sua inadequação constitucional.

Como corolário dos argumentos expendidos, impõe-se o acolhimento da pretensão veiculada na peça vestibular, julgando-se procedente o pedido nela deduzido, a fim de ver reconhecida a inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal n.º 792, de 26 de fevereiro de 2016, do Município de Porto Alegre, por afronta aos artigos 8º, caput, 10, 82, inciso VII, 176 e 177, parágrafos 2º e 5º, todos da Constituição Estadual. (grifos no original)

Convém fazer dois últimos destaques.

A um, não deixa de ser inusitada a defesa apresentada, ao alegar que a lei não seria inconstitucional em face da Constituição Estadual, porque a Constituição Estadual seria inconstitucional em face da Constituição Federal.

O inusitado de tal defesa reside no fato de que, ao atacar a baliza constitucional estadual apontada como indicadora da inconstitucionalidade da lei, a defesa implicitamente reconhece que a lei está mesmo em desconformidade com a Constituição Estadual.

A dois, o pedido de reconhecimento de inconstitucionalidade da Constituição Estadual em face da Constituição Federal sequer tem campo ou espaço para apreciação na presente demanda, julgada perante este Órgão Especial deste TJRS.

Em controle concentrado, só quem tem competência para apreciar eventual inconstitucionalidade de ato normativo (mesmo que seja de Constituição Estadual), mas em face da Constituição Federal, é o excelso STF.

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente a ação, para o fim de declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal n.º 792/2016 de Porto Alegre, nos moldes da fundamentação retro.

DES. GELSON ROLIM STOCKER – Eminentes colegas.

É sabido que tanto a elaboração como eventuais alterações no Plano Diretor Municipal devem respeitar a participação popular, nos termos do que estabelecem os dispositivos da Constituição Federal, Constituição Estadual e, especificamente, o Estatuto da Cidade.

No entanto, importa ressaltar neste momento, considerando a dimensão de pessoal que envolve, além das despesas geradas, entendo que não é toda e qualquer mudança que deva suportar a estrutura reclamada pela Administração Pública; mas, sim, aquelas que envolvam efetiva alteração no Plano Diretor e que possam afetar a vida das pessoas e população ao entorno do local envolvido.

No caso em comento, neste sentido, além de outras questões como falta de autorização orçamentária e planejamento estrutural, pelo que se vê expressamente do voto condutor, percebe-se que a alteração realizada causa efetivo impacto e modificação no território do Município e Porto Alegre, necessitando, portanto, de concreta e efetiva participação popular, de modo a ensejar a aprovação das alterações realizadas.

Sendo assim, no caso concreto, acompanho o voto do  culto Relator.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA – Senhor Presidente, estou de pleno acordo com as conclusões do voto do eminente Relator.

Porém, apenas para ressalvar posição que tenho sustentado perante este órgão, destaco que não acolho o argumento de que não seria dado levar em conta eventual inconstitucionalidade, perante a Constituição Federal, do dispositivo da Constituição Estadual que estaria sendo contrariado pela lei municipal em xeque.

Representa-me evidente que o tribunal pode e deve, reconhecendo a inconstitucionalidade do artigo da Constituição Estadual, negar êxito à pretensão de afastamento do mundo jurídica da norma que o contrarie. E isso, é claro, sob o color de definição de questão prejudicial (pressuposto para a inconstitucionalidade pretendida é a higidez jurídica na norma com a qual é cotejada), voltada, pois, não à declaração da inconstitucionalidade da Constituição Estadual, o que, de fato, em ação direta, competiria ao Pretório Excelso, mas, sim, à manutenção da lei municipal hostilizada, em face da falta de pressuposto necessário para o seu afastamento.

TODOS OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR.

DES. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI – Presidente – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70071549513, Comarca de Porto Alegre: “À UNANIMIDADE, JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.”

Notas:

[1] Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

Inciso I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.

[2] Constituição Estadual:

Art. 8º – O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por

lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na

Constituição Federal e nesta Constituição.

Art. 177 Os planos diretores, obrigatórios para as cidades com população de mais de vinte

mil habitantes e para todos os Municípios integrantes da região metropolitana e das

aglomerações urbanas, além de contemplar os aspectos de interesse local e respeitar a vocação

ecológica, serão compatibilizados com as diretrizes do planejamento do desenvolvimento

regional.

(…)

§ 5º – Os Municípios assegurarão a participação das entidades comunitárias, legalmente

constituídas, na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território,

bem como na elaboração e implementação dos planos, programas e projetos que lhe sejam

concernentes.

[3] Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos: (…)

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos

ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício

mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a

promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do

respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(…)

XII – cooperação das associações representativas no planejamento municipal.

[4] RIBEIRO, Guilherme Wagner. Processo legislativo municipal e o plano diretor. Disponível em http://www.almg.gov.br/bancoconhecimento/tematico/processo%20legislativo%20municipal%20e%20plano%20diretor2.pdf.

[5] Temas de Direito Urbanístico. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 1999, pág. 86.

[6] Art. 40 (…)

§ 4º – No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade.

[7] Dispositivos da Constituição Estadual transcritos neste parecer.

[8] SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459.

[9] Direito Municipal Brasileiro, 15ªed., São Paulo, Malheiros: 2006, p. 712.

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