sábado , 7 dezembro 2024
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Reserva de vagas para profissionais qualificadas: ainda é preciso?

Por Daniela Garcia Giacobbo

A Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel abriu Consulta Pública para regulamentar o Decreto 11.835/23, que altera, entre outras coisas, as atribuições e a composição do Conselho Administrativo e da Diretoria Administrativa da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, considerando as regras que estabelecem, às indicações, requisitos de qualificação ao cargo, definidos em convenção.

Pela proposta da Aneel, em nome da “igualdade de oportunidades no setor elétrico” , pelo menos duas das oito vagas seriam destinadas às mulheres no Conselho Administrativo e uma das seis da diretoria da CCEE, entidade criada para operar o mercado comercial . Para o Conselho Administrativo, com a função de planejamento estratégico e de definir o orçamento anual, não seria necessária experiência ou atuação prévia na área de energia elétrica; no caso da diretoria, sim.

À Aneel compete “regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal” . A agência reguladora não estabelece políticas de governo, as quais são fruto da legislação geral e setorial e ações afirmativas a essas devem observar.

Nessa nova governança, não se cogita de indicações que não exijam certas habilidades e que não sejam técnicas, pois a CCEE é um órgão técnico, mas o que se questiona, aqui, é a reserva de vagas a profissionais qualificadas. Atualmente, ainda é necessário?

Pesquisa da Agência Internacional de Energia (Irena) apontou que, apesar de serem metade da população mundial (no Censo 2022, as mulheres são 51,5% da população brasileira), as mulheres representam um quarto da força de trabalho total de energia e um terço do setor de energias renováveis . O aumento da participação de mulheres na força de trabalho se faz com políticas públicas de incentivo, que não se restringem à legislação sobre cotas, mas por programas de educação, treinamento, cursos e estágios, lembrando-se que a licença maternidade foi importante para a diversidade e inclusão. No mundo corporativo, iniciativas meritórias para diminuir a desigualdade de oportunidades, como a da AES Brasil e Senai RN , que qualificaram as primeiras mulheres especialistas em manutenção e operação de parques eólicos, são importantes à aptidão ao processo de seleção. Também a capacitação feita pelo Senai Bahia resultou em um parque eólico 100% operado por mulheres . Valem palestras e mentorias para capacitar, assim como movimentos para incentivar e dar maior visibilidade ao potencial profissional feminino .

Embora ainda representemos a menor parte na alta gestão dos setores de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia a qualificação feminina pode ser demonstrada pelo grande número de executivas que presidem algumas das principais entidades representativas do setor: ABRAGE, ABRAPCH, ABEEólica, ABiogás, ABIHAV, Sindienergia RS, além das que estão à frente de instituições de ensino, diretorias, comissões e de outras entidades civis. É inegável a importância dessas líderes, com trajetórias de reconhecida competência e eleitas pelos seus pares, quando se trata de influenciar o planejamento e o funcionamento do setor (inclusive ao proporem políticas públicas e setoriais sobre regras de acesso, que podem estimular a iniciativa privada em suas decisões), servindo de modelo a encorajar outras mulheres.

Mas a fixação de cotas parece ser um recurso ainda usado para minimizar a desigualdade na competição.

Subsídios também o são. No Setor Elétrico Brasileiro, incentivos e tratamentos diferenciados, com alocação de recursos em fontes novas e segmentos em formação, há muito são praticados e podem não funcionar a longo prazo. Como o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – Proinfa, criado para a expansão emergencial da oferta (que também criou a CDE, hoje vigente a Lei 14.120/21 ), as regras de isenção e de desconto nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição, então estipuladas por resoluções da Aneel, que alavancaram a fonte que hoje mais cresce (hoje vigente a Lei 14.300/22 ), e as de acesso facilitado ao mercado livre ainda agitam o setor. A realocação de subsídios para novas fontes e tecnologias tem sido proposta como forma de atração de investimentos a destravar mercados entrantes para o sucesso de uma economia de baixo carbono. Nessa realocação e nos tratamentos diferenciados, há que considerar os custos. As políticas de subsídios, isenções e tratamentos tributários diferenciados alteram os preços relativos da economia e, no caso do setor elétrico, acabam por onerar o consumidor cativo, na sua conta de luz, como no caso da CDE.

Pesquisa do Instituto Millenium e Enterprise Surveys mostrou as consequências na economia das políticas públicas de subsídios, isenções e desonerações, ou seja, de tratamentos diferenciados, concluindo que micropolíticas mudam artificialmente as regras do mercado, pois direcionam recursos para setores e empresas contemplados pelos subsídios, em detrimento dos não contemplados, “viciando” a economia a se comportar de modo pouco produtivo, além de impactar negativamente pela renúncia fiscal, que afeta a capacidade de crescimento macroeconômico a longo prazo.

Cotas, como subsídios, precisam ter prazo de validade, pena de, a pretexto de incentivarem um segmento incipiente, também criarem desigualdades ou desarranjos no setor, a longo prazo. Igualdade de oportunidades, com qualificação, mas sempre em consonância com as regras da livre competição.

Daniela Garcia GiacobboDaniela Garcia Giacobbo – Advogada e consultora jurídica, mestre em Direito da Regulação (FGV Direito Rio), professora convidada de MBAs da FGV Energia e da UCP/Ipetec, é membro das Comissões de Energia da OAB RS e do IAB, entre outras entidades representativas, além de autora de dezenas de artigos e capítulos de livros sobre energia e meio ambiente.

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