domingo , 3 novembro 2024
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Poluição sonora: que fim levou o silêncio?

 

Será que o silêncio abandonou de vez as cidades e as pessoas? Por onde será que ele anda? Talvez em algum recôndito dos mais isolados do planeta. Provavelmente seja um lugar no qual a ausência de ruídos só é mais valorizado, quando o silêncio dá lugar aos sons relaxantes da natureza, como as ondas do mar, as águas correntes de um rio ou a musicalidade dos pássaros.

Nas cidades, o silêncio deve ter se sentido bastante ofendido ao ceder seu espaço para barulhos perfeitamente dispensáveis. São buzinas usadas na maioria gritante das vezes para servir como xingamento ou o simples extravasamento de um dia complicado e frustrante. Um ato que perturba a todos, inclusive os pedestres, sem qualquer resultado positivo, mesmo para o seu emissor.

A fonoaudióloga Alice Penna de Azevedo Bernardi, da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia foi categórica ao afirmar, em entrevista ao Portal UOL, que o barulho em uma cidade como São Paulo pode alterar o comportamento das pessoas e aumentar a violência urbana.

A aceleração de ônibus e motos é um bom exemplo de ruídos que ultrapassam os limites aceitáveis definidos pela Organização Mundial de Saúde em 70 decibéis. Segundo Alice Penna, os motores dos ônibus chegam a 90 decibéis e as buzinas incessantes das motocicletas vão ainda além desse patamar. Para efeito de comparação, na natureza poucos sons estão acima dos 70 decibéis, entre os poucos, trovoadas e explosões em vulcões.

Diante do agravamento do problema, a OMS já colocou a poluição sonora entre uma das três prioridades ecológicas para a próxima década. A audição é o único sentido humano permanentemente ligado e sons sejam eles agradáveis ou não, serão captados mesmo durante o sono. Portanto, o controle de ruídos passou a ser uma questão de saúde pública.

O silêncio conhece seus limites

Mesmo diante dos fatos que o favorecem, o silêncio não se importa em ser interrompido por bons motivos, mas se mostra pra lá de indignado quando uma voz do além repete inúmeras vezes: “este veículo está sendo roubado, ligue para …”. E o que se vê é um carro ou uma motocicleta estacionada sem ninguém a sua volta. E o dono provavelmente esteja em atividades mais importantes que não podem ser interrompidas, simplesmente para atender a demandas das pessoas próximas ao local e que desejariam ter seus ouvidos ocupados com algo menos dolorido e mais interessante. Aos incomodados resta-lhes apenas a indignação. E, a situação se torna mais séria quando o alarme dispara nas noites e madrugadas atrapalhando o sono de muita gente.

As cidades, principalmente as grandes são barulhentas mesmo, pois a movimentação incessante multiplica as possibilidades de ruídos os mais diversos. São tantos os sons que fica difícil até mesmo distingui-los. Mas é claro que um pouco de educação ajudaria muito a vivermos de maneira um pouco mais saudável. Existem muitas pessoas que insistem em conversar ao celular ou ao vivo em decibéis bem acima do necessário, compartilhando suas mazelas profissionais e dissabores amorosos para uma coletividade nem um pouco interessada em ouvir a tal conversa.

O transporte público é uma vítima constante da falta de bom senso. Foi preciso estabelecer uma lei para evitar que muitos desavisados parassem de ouvir música alta dentro de coletivos, ao invés de usar os óbvios fones de ouvido. Parece que esses tipos fazem questão de revelar ao mundo o seu profundo mau gosto musical e falta de educação.

São situações como essas que fizeram com que o silêncio tomasse a decisão radical de abandonar as cidades. Isso para tristeza dos que ainda o consideram algo a ser compartilhado entre as pessoas. Compartilhado? Pois, sim!

Nada melhor do que ser capaz de contemplar uma bela paisagem e dispensar palavras e interjeições ao lado das pessoas que amamos ou temos grande afinidade. A troca de sorrisos e olhares pode significar bem mais que quaisquer palavras.

O silêncio também não se sente rejeitado ao ser substituído por um grande show musical. Ali as pessoas celebram um momento no qual a música é o centro e o fim, aí sim não importando a que altura esteja o som. Para os ouvidos mais sensíveis recomenda-se manter distância das caixas de aúdio. Mas não ocorreria a qualquer desavisado pedir silêncio! Nem o próprio gostaria de estar presente numa hora dessas.

Outros momentos nos quais o silêncio faz questão de ser pouco notado são as boas discussões. Sejam elas em rodas de amigos, parlamentos, debates públicos ou escolas, ali o importante é debater, colocar ideias e ir fundo no assunto. Quando as conversas se tornam mais acaloradas e as vozes sobem de tom, o próprio silêncio constrangido admite: o volume mais alto é necessário. Mas ele bem lembra que também será vital que haja silêncio de um lado para que o outro possa ser escutado e vice-versa. Se todos falarem juntos dificilmente algo produtivo será alcançado. Até nessas ocasiões, o silêncio tem sua importância capilar.

E por falar em roda de amigos é bastante comum acompanharmos grupos que se reúnem para um happy hour. Após um dia estressante de trabalho, de pressões quase insuportáveis essas pessoas merecem ter momentos de descontração e alegria. O silêncio concorda plenamente!

Mas será mesmo preciso atingir a descontração e o relaxamento por meio de manifestações guturais dignas dos homens das cavernas e gargalhadas próximas do histerismo? Outras mesas do bar talvez queiram conversar tranquilamente e a vizinhança próxima apenas relaxar em silêncio ou, quem sabe, com outros sons que considerarem mais adequados para a ocasião.

Ainda mais se passar de determinado horário. As noites e madrugadas deveriam ser destinadas, invariavelmente, ao reinado do silêncio. Pois a maioria clama por uma boa noite de sono para dar conta de muito trabalho no dia seguinte. Isso para não falar de crianças e jovens que entram cedinho para as aulas da manhã. Nada pode justificar os descompensados que saem gritando pelas ruas ou buzinando em horários absolutamente impróprios. Soltar os famigerados fogos de artifício, então, representa a mais pura ignorância! Se durante o dia já é bem questionável, imagine tarde da noite!

Em resumo, silêncio ou volumes mais baixos são, antes de mais nada, manifestações de respeito ao próximo. O silêncio entende que muitas pessoas o temam. A ausência de sons pode significar algo muito perturbador para aqueles com dificuldades em mergulhar em seus próprios pensamentos. Mas basta vencer o medo e permanecer um pouco em silêncio para ver quão importante é estar consigo mesmo.

Importante é buscar o equilíbrio pessoal e coletivo. Falar, ouvir, permanecer calado são faces da mesma equação que nos torna seres especiais e conscientes no universo. Bem usados, na medida certa, são capazes de proporcionar alegrias e trocas de experiências enriquecedoras.

Existem também as belas exceções! Exigir silêncio das crianças é tarefa inglória e de difícil êxito. Mas ver um filho pulando e gritando de felicidade poderá doer no ouvido, mas fará o seu coração se sentir plenamente satisfeito e recompensado.

Sons de qualidade trarão o silêncio de volta

Eliminar os muitos sons das cidades é praticamente impossível e devemos considerar também que vários deles até sejam responsáveis pela vivacidade e alegria dos centros urbanos. Por outro lado, dispensar o excesso de barulhos desnecessários e estúpidos faria um grande bem, inclusive, para a saúde das pessoas.

Nada vai se resolver do dia para a noite, mas que tal baixar o volume de sua própria voz, só buzinar em caso de extrema necessidade, regular e reduzir os ruídos provocados por seu veículo e evitar o uso do celular em lugares inconvenientes?

Muitas vezes residem nos gestos simples, solidários e saudáveis os principais caminhos para alcançarmos uma vida mais sustentável. Faça um minutinho de silêncio e pense nisso.

Quem sabe as boas mudanças convençam o silêncio a deixar seu exílio forçado e mais uma vez ele traga sua sabedoria para enriquecer a existência de todos nós.

* Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental.

(Carta Capital)

Fonte: Mercado Ético

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