“O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve, na última semana, liminar que determina à prefeitura de Palhoça (SC) o enquadramento das margens do rio Aririú e manguezal adjacente, na Barra do Aririú, como área de preservação permanente, dando prazo de 90 dias para que o local seja vistoriado e identificadas as construções e ligações clandestinas de esgotos. A decisão determina ainda que o executivo municipal cadastre a população que mora no local para futuro programa habitacional e suspenda o licenciamento para novas construções.
A área faz parte do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e seu entorno. Atualmente, o zoneamento municipal permite ocupações na região, o que fez o Ministério Público Federal (MPF) ajuizar uma ação civil pública pedindo providências. Segundo o MPF, as casas e ranchos no local são ocupações irregulares e despejam o esgoto doméstico diretamente no manguezal, causando impacto ambiental e poluição visual.
A prefeitura recorreu ao tribunal tentando suspender a liminar proferida pela 6ª Vara Federal de Florianópolis. Conforme o recurso, não ficou comprovado nos autos que o local em questão faz parte da área de preservação permanente. Para a prefeitura, nos casos de ocupação ilegal, os próprios particulares devem ser penalizados.
Segundo o relator, desembargador federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, a área objeto da liminar foi delimitada pelo MPF, que comprovou tratar-se de zona ambiental protegida.
‘O Princípio da Precaução deve prevalecer, considerando que eventual continuidade de construções desordenadas e ilegais é risco evidente de lesão ao meio ambiente e aos cofres públicos, pois o poder público poderá ser responsabilizado no futuro a ter que suportar as despesas com a recuperação das áreas ocupadas ou devastadas, cabendo não apenas ao Município envolvido a adoção das medidas necessárias para fazer cessar essa lesão, mas também aos órgãos ambientais responsáveis‘, concluiu Leal Júnior ao confirmar a liminar.
Caso descumprida a liminar, a prefeitura terá que pagar multa diária de R$ 10 mil”.
Fonte: TRF4, 20/03/2017.
Confira a íntegra da decisão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5050518-32.2015.4.04.0000/SC
RELATOR
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CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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AGRAVANTE
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FUNDACAO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE PALHOCA
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MUNICÍPIO DE PALHOÇA
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AGRAVADO
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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INTERESSADO
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FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – FATMA
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RELATÓRIO
Este agravo de instrumento ataca decisão que deferiu pedido liminar (evento 11 do processo originário), proferida pelo Juiz Federal MARCELO KRÁS BORGES, que está assim fundamentada:
‘O Ministério Público Federal juntou provas inequívocas de ocupações irregulares por parte de casas e ranchos de pesca nas regiões do manguezal do Bairro Rio Grande e Barra do Aririú, na área de proteção especial do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Foi realizado levantamento e se constatou que as construções estariam sendo erigidas em área de preservação permanente, ou seja manguezal e margem de rio. Além disso, o esgoto doméstico está sendo despejado diretamente no manguezal.
Outrossim, o autor demonstrou inequivocamente que o Município nada fez para evitar o dano. Ao contrário estabeleceu zoneamento local dando ares de regularidade às construções erigidas em área de preservação permaenente, em descompasso com a realidade ambiental, conforme se vê da atual lei de zoneamento do Município de Palhoça, figuras 2 e 3 da petição inicial, em total contradição com a legislação ambiental em vigor.
Assim sendo, as ocupações ilegais vem causando impacto no meio ambiente, assim como poluição visual e vem crescendo, ocasionando o aterramento contínuo do manguezal.
Neste sentido, a única opção possível é a concessão do pedido liminar, a fim de que o Município passe a agir para corrigir os equívocos do passado e evitar novos danos e aterramentos no futuro. Com efeito, o Município não pode, com sua omissão, estimular o desenvolvimento insustentável do município, que está a prejudicar a qualidade de vida das gerações futuras. Saliente-se que a inação do Município acaba por prejudicar os próprios particulares, que poderão perder suas casas no futuro e ser obrigados a recuperar a área degradada, o que evidencia que o Município está trazendo insegurança jurídica para os cidadãos que lá habitam, ao não fiscalizar e impedir as construções ilegais em áreas de preservação permanente.
Ante exposto, defiro o pedido liminar para determinar ao Município de Palhoça: a) para fins de consulta de viabilidade e expedição de licenças, autorizações e alvarás novos, desconsiderando-se qualquer zoneamento municipal menos restritivo, o imediato enquadramento, nos termos da legislação federal, como áreas de preservação permanente – non aedificandi, o manguezal, mata ciliar, curso d’água, localizados nas margens do Rio Aririú e manguezal adjacente, na Barra do Aririú, Palhoça/SC (área do item 1 – Do objeto’), local compreendido em área de marinha caracterizada como de preservação permanente, b) realize e comprove ao Juízo providências concretas, no prazo de até 90 (noventa) dias: vistoria completa na área de marinha localizada nas margens do Rio Aririú e manguezal adjacente (área do item ‘1 – do Objeto), a fim de identificar e prevenir construções e ligações clandestinas de esgotos, adotando, imediatamente, as medidas administrativas para desfazimento e lacre das canalizações de esgoto, interdição de quaisquer atividades poluidoras, inclusive desfazimento administrativo de construções ilegais ainda em curso, c) que identifique, no prazo de 90 dias e cadastre a população de baixa renda da área de marinha especificada no item ‘1 – do objeto’, para fins de futuro programa habitacional que porventura se faça necessário, d) que efetue, no prazo de 90 dias, a devida sinalização do local especificado no item ‘1 – do objeto’, identificando-o como área de preservação permanente e advertindo sobre a proibição de construções no local. Fixo multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o caso de descumprimento.
Outrossim, determino à FATMA e à FCAM: a) a suspensão da expedição de novas licenças e autorizações para obras e construções na área de marinha especificada no ‘item 1 do’ objeto, tendo em vista que se refere à área do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e seu entorno, e que o zoneamento municipal atual permite ocupações em área de preservação permanente. Fixo multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o caso de descumprimento.
Cite-se. Intimem-se.
Designe-se audiência de conciliação.’
Essa decisão foi objeto de embargos declaratórios, os quais foram acolhidos, nos seguintes termos (evento 42):
‘Esclareço que a proibição de expedição de alvarás refere-se a construções novas, eis que são estas novas construções que poderão causar danos ambientais.
Isto posto, acolhos os embargos de declaração para prestar os esclarecimentos acima elencados.
Aguarde-se a audiência de conciliação já designada.
Intimem-se.’
Alega a parte agravante que:
(a) ainda que eventualmente se possam constatar irregularidades e possíveis danos ao meio ambiente e à ordem urbanística na localidade (o que não está tecnicamente comprovado nos autos, importante ressaltar), não há qualquer utilidade ou interesse processual que dê sustentação aos pedidos liminares pleiteados porque as medidas requeridas já são realizadas pelo Poder Público Municipal ao licenciar ou aprovar obras, edificações e demais intervenções na região, em respeito à legislação federal, estadual e municipal aplicável;
(b) no âmbito do Município de Palhoça não existe lei ou norma administrativa que autorize a expedição de alvarás e licenças para a edificação de construções inseridas em área de preservação permanente (APP), seja ela de cunho ambiental ou urbanístico. Nem mesmo lei ou norma que autorize a edificação de construções no interior ou na zona de amortecimento de Unidades de Conservação de proteção integral, como é o caso do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (PEST);
(c) não há que se falar em ‘zoneamento menos restritivo’ ou mesmo em ‘deliberada omissão’ da municipalidade em relação a toda aquela região. Se alguns particulares agem de forma abusiva, ilegal ou danosa ao meio ambiente, estes atuam por sua conta e risco, e devem ser apenados por isso. O que não se pode concordar é que tal responsabilidade se transfira integralmente aos entes públicos, que dia e noite, com todas as dificuldades enfrentadas, lutam para preservar ambientalmente o local e dar-lhe outra qualificação urbana e social;
(d) não há comprovação técnica robusta e convincente acerca dos fatos e da existência de terras de marinha caracterizadas como área de preservação permanente (APP) a que se busca proteger;
(e) não há, nos autos, qualquer delimitação ou especificação técnica dos supostos danos causados ao meio ambiente, suas fontes ou origens diretas e indiretas, algo que somente poderá ser visualizado após a realização de perícia técnica;
(f) a imposição da multa, tal como fixada, além de representar um ônus extremamente exagerado, pode trazer sérios e irreparáveis prejuízos ao erário municipal, e, em última análise, à própria população do Município de Palhoça.
Ausente pedido de atribuição de efeito suspensivo/antecipação dos efeitos da tutela recursal.
Foram apresentadas contrarrazões (evento 14).
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Embora as alegações da parte agravante, entendo deva ser mantida a decisão agravada por estes fundamentos:
(a) o juízo de origem está próximo das partes e dos fatos, devendo ser prestigiada sua apreciação dos fatos da causa, não existindo nos autos situação que justificasse alteração do que foi decidido;
(b) a decisão agravada está suficientemente fundamentada, neste momento parecendo a este relator que aquele entendimento deva ser mantido porque bem equacionou, em juízo sumário próprio das liminares, as questões controvertidas;
(c) não verifico que seja genérico e destituído de interesse processual o pedido formulado na inicial e deferido na decisão agravada, no ponto em que se insurge a agravante, pois restringe a suspensão da expedição de novas licenças e autorizações para obras e construções em área delimitada na petição inicial do processo originário, sendo que os documentos acostados aos autos apontam que efetivamente existem diversas construções irregulares nessa área de preservação permanente;
(d) tratando-se de questão ambiental, o Princípio da Precaução deve prevalecer, considerando que eventual continuidade de construções desordenadas e ilegais são riscos evidentes de lesão ao meio ambiente e aos cofres públicos, pois o poder público poderá ser responsabilizado no futuro a ter que suportar as despesas com a recuperação das áreas ocupadas ou devastadas, cabendo não apenas ao Município envolvido a adoção das medidas necessárias para fazer cessar essa lesão, mas também aos órgãos ambientais responsáveis;
(e) não vislumbro risco de perecimento de direito nem de lesão grave ou de difícil reparação à parte agravante que devesse ser contornado considerando que, no caso de cumprimento do determinado, não haverá prejuízos à agravante, bem como considerando que o cumprimento dessa determinação se mostra perfeitamente viável, na medida em que consiste apenas na abstenção de um fazer, relativo a uma área que está delimitada.
(f) no que concerne à multa cominada, entendo que R$ 10.000,00 (dez mil reais) ao dia se mostra uma quantia razoável, considerando que o cumprimento dessa determinação se mostra perfeitamente viável, na medida em que consiste apenas na abstenção de um fazer, relativo a uma área que está delimitada.
A fixação de multa para o caso de descumprimento de obrigação é medida prevista no art. 461, § 5º, do CPC/73 (vigente à época da decisão que determinou a aplicação da multa), nesse sentido:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(…)
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
A esse respeito está consagrado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, assim como deste Tribunal, o entendimento no sentido de que é cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de multa diária (astreintes), como meio coercitivo para cumprimento de obrigação de fazer, de não fazer ou para entrega de coisa. Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE DAR. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. FAZENDA PÚBLICA. RAZOABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. É cabível a cominação de multa diária contra a Fazenda Pública, como meio coercitivo para cumprimento de obrigação de fazer ou para entrega de coisa. Precedentes: 2. Cumpre à instância ordinária, mesmo após o trânsito em julgado, alterar o valor da multa fixado na fase de conhecimento, quando este se tornar insuficiente ou excessivo. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no REsp 1124949/RS, Segunda Turma, Rel. Ministro Castro Meira, DJe 18/10/2012)
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. TERRENO DE MARINHA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. RESPONSABILIDADE PELA DEFICIÊNCIA NA FISCALIZAÇÃO. INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. ASTREINTES. FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. (…) 4. A fixação de multa para o caso de descumprimento de ordem judicial tem amparo no art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5002638-77.2012.404.7201, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 05/12/2014)
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. CONSTRUÇÕES IRREGULARES. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. SUSPENSÃO DA EXPEDIÇÃO DE NOVAS LICENÇAS E AUTORIZAÇÕES.
1. Não verifico que seja genérico e destituído de interesse processual o pedido formulado na inicial e deferido na decisão agravada, no ponto em que se insurge a agravante, pois restringe a suspensão da expedição de novas licenças e autorizações para obras e construções em área delimitada na petição inicial do processo originário, sendo que os documentos acostados aos autos apontam que efetivamente existem diversas construções irregulares nessa área de preservação permanente
2. Tratando-se de questão ambiental, o Princípio da Precaução deve prevalecer, considerando que eventual continuidade de construções desordenadas e ilegais são riscos evidentes de lesão ao meio ambiente e aos cofres públicos, pois o poder público poderá ser responsabilizado no futuro a ter que suportar as despesas com a recuperação das áreas ocupadas ou devastadas, cabendo não apenas ao Município envolvido a adoção das medidas necessárias para fazer cessar essa lesão, mas também aos órgãos ambientais responsáveis.
3. No que concerne à multa cominada, entendo que R$ 10.000,00 (dez mil reais) ao dia se mostra uma quantia razoável, considerando que o cumprimento dessa determinação se mostra perfeitamente viável, na medida em que consiste apenas na abstenção de um fazer, relativo a uma área que está delimitada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de março de 2017.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator