sábado , 28 setembro 2024
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O Licenciamento Ambiental para Linhas de Transmissão e o Leilão nº 02/2024

Por Daniela Garcia Giacobbo 

Do Leilão de Transmissão nº 02/2024, agendado para o próximo dia 27/09, com a oferta de três lotes, para seis estados, de acordo com o edital da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, para a construção de 784 km de linhas de transmissão e de 1.000 megavolt-ampères (MVA) em capacidade de transformação, além da continuidade de 162,9 km de linhas de transmissão e de 300 MVA em transformação, foi retirado o Lote 02, que beneficiaria o Estado do Rio Grande do Sul.

A recomendação de retirada do quarto lote do certame, para que fossem reavaliados os traçados das linhas de transmissão e das subestações que atenderiam esse estado, baseou-se na alegada necessidade de mitigação de riscos de implantação e de problemas operacionais, em casos de eventos climáticos extremos, como as enchentes ocorridas em maio, segundo o Ministério de Minas e Energia – MME.

A Empresa de Pesquisa Energética – EPE, responsável pelos estudos técnicos de planejamento de expansão do sistema de transmissão, defendeu, por meio do Relatório Técnico de Caracterização e Análise Socioambiental (R3), que apresenta as diretrizes de traçado para as linhas de transmissão (LTs) e a localização das subestações (SEs), que esse lote estaria parcialmente inserido em áreas atingidas pelas enchentes de maio. As vulnerabilidades ambientais (e as sociais associadas) são levadas em consideração no planejamento dos traçados, mas, principalmente, em sede de licenciamento ambiental, quando das análises técnicas dos órgãos ambientais. A adoção de alternativas técnicas e locacionais de traçado, inclusive com a sugestão de substituição do modelo de torres, mais seguras e menos impactantes ao meio ambiente, são destaque nessas análises de viabilidade, tornando o licenciamento ambiental um protagonista na implantação de empreendimentos e atividades.

Mas esse importante instrumento de gestão (socio)ambiental, instituído ainda na década de 80, pela Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), que previu que toda a atividade efetiva ou potencialmente poluidora ou capaz de causar degradação ambiental dependerá, para funcionar, desse procedimento prévio de análise de viabilidade ambiental, está longe de ser uma unanimidade para quem atua nos setores estruturantes do país, como o setor elétrico, tendo sido apontado, algumas vezes, como um “gargalo” à expansão do setor, principalmente pela demora na análise dos estudos. A alta discricionariedade dos técnicos e analistas ambientais, agravada pela diminuição de contingente de servidores, estudos ambientais e projetos, feitos pelos empreendedores, inconsistentes e que não trazem a melhor solução, demonstrado pelo alto número de devoluções e solicitações de revisão/complementação, e a falta de uma maior previsibilidade regulatória são desafios à melhora na eficiência desse instrumento de controle. Sem falar na falta de uma lei geral para o licenciamento ambiental, já que o Projeto de Lei nº 3.729/2004 – agora, como PLS nº 2.159/2021 – ainda tramita. No caso do Ibama, alguns procedimentos poderiam ser antecipados pelo próprio órgão, no exercício das suas funções, segundo autoriza a própria lei que criou a autarquia ambiental, Lei nº 7.735/1989, na forma de diretrizes que poderiam minimizar essas falhas estruturais e regulatórias, conferindo a pretendida maior previsibilidade.

Pensando nessa possibilidade, em 20/08/2024, na sede da FGV Rio, foi promovido o 1º Seminário de Licenciamento Ambiental para Linhas de Transmissão, que reuniu representantes do MME, Ibama, EPE, Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica – Abrate e os principais agentes econômicos do setor, quando foi debatida a antecipação de diretrizes de estudos ambientais para antes dos leilões de linhas de transmissão. Na ocasião, o Ibama apresentou uma proposta de antecipação da emissão de Termos de Referência (TR), no Licenciamento Ambiental Federal (LAF) de Sistemas de Transmissão de Energia, levando case de um projeto piloto que adotou tal procedimento, conforme sugestões contidas na Informação Técnica nº 24/2022 Codut/CGLin/Dilic. Termos de Referência são as diretrizes para o conteúdo mínimo que deve constar nos estudos ambientais, determinados por tipologia de empreendimento. Assim, a proposta consiste em uma maior explicitação, aos interessados em participar do leilão, das exigências mínimas que o órgão ambiental (assim como os órgãos intervenientes) irá considerar naquele processo de licenciamento específico, quando envolver empreendimentos de competência federal.

Também foi aventada a possibilidade de um novo rito processual no LAF para LTs, com a emissão da Licença Prévia (LP) para antes dos leilões, nos mesmos moldes hoje praticados pelo segmento de geração. A proposta desse eventual novo rito, dependeria da avaliação regulatória da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, além de envolver a EPE, com a necessária validação, mediante consulta pública, pelos agentes econômicos do segmento de transmissão.

Sucesso de público e de debate, as conclusões foram no sentido de que a proposta de antecipação do TR poderia, sim, conferir maior previsibilidade ao LAF para LTs, ao possibilitar melhores estratégias para antes dos leilões de transmissão.

E o que o debate tem a ver com a retirada do Lote 02 do Leilão nº 02/2024? Se superada a etapa de planejamento feita pela EPE e da definição das instalações de transmissão a serem outorgadas, via licitação, com a antecipação do conteúdo do TR, no que se refere às alternativas técnicas e locacionais, eventuais restrições aos traçados poderiam ser analisadas profundamente por todos os interessados, não só pelo poder concedente, com melhores sugestões de modelagens espacial e de critérios socioambientais, nos estudos a serem apresentados ao órgão ambiental federal, mesmo que em traçado diferente do apresentado no edital.

De toda forma, várias alternativas são possíveis antes de se decidir previamente pela retirada de um lote de um leilão, prejudicando regiões, no caso, o Rio Grande do Sul, e os investimentos socioeconômicos necessários. E os estudos técnicos e ambientais direcionados desde o início poderiam conferir maior previsibilidade, ainda que em regiões afetadas por eventos climáticos extremos, que são cada vez mais comuns, no Brasil como no mundo inteiro.

Daniela Garcia Giacobbo

Daniela Garcia Giacobbo – Advogada e consultora jurídica, mestre em Direito da Regulação (FGV Direito Rio), professora convidada de MBAs da FGV Energia e da UCP/Ipetec, é membro das Comissões de Energia da OAB RS e do IAB, entre outras entidades representativas, além de autora de dezenas de artigos e capítulos de livros sobre energia e meio ambiente.

 

 

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