quarta-feira , 19 março 2025
Home / Artigos jurídicos / Substituição Processual: “Agere iudiciali iure pro alio” em processos coletivos

Substituição Processual: “Agere iudiciali iure pro alio” em processos coletivos

Escrito por: Bruno Campos Silva

Em recente decisão, no julgamento do REsp n. 1.704.185,[1] em 24 de setembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça analisou e julgou demanda relativa à possibilidade de a Federação dos Pescadores do Rio de Janeiro (Feperj) ser autora de ação coletiva na defesa de direito/interesse alheio (no caso, em nome da categoria que foi afetada por vazamento de óleo na Bacia de Campos – ocasionando danos ambientais).

Caso: ocorrência de danos ambientais e prejuízos aos direitos/interesses dos pescadores ocasionados por vazamento de óleo – direitos individuais com projeção transindividual (direitos/interesses individuais homogêneos) – legitimação extraordinária – substituição processual em ação coletiva – federação equiparada a sindicato para efeitos de legitimação ativa – necessidade de autorização individual dos membros da categoria.

No referido julgamento, o relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva admitiu que a Federação atuasse em nome dos pescadores, em típica legitimação extraordinária (substituição processual), sem a necessidade de autorização deles. Nesse caso, fixou-se a relevância social do bem jurídico tutelado como um dos fatores determinantes à legitimação ativa na ação coletiva para defesa de direitos/interesses individuais.

O caso analisado e julgado pelo STJ trata-se de mais um entre vários relacionados à substituição processual no lugar daquele (o pescador) que detém direitos/interesses individuais com projeção transindividual para litigar em juízo.

Na realidade, seguindo o raciocínio de Heitor Vitor Mendonça Sica, o que se percebe é a existência do agere iudiciali iure pro alio, ou melhor, o agir em juízo “na defesa de direito alheio”[2].

E mais, o mencionado autor afirma que “essa discussão se apresenta estéril, quase limitando-se a uma questão terminológica irrelevante, pois em todos os casos há o agere iudiciali iure pro alio. (…), considera-se que o autor da ação coletiva é substituto processual dos titulares dos direitos transindividuais”.[3]

O que existe, segundo Heitor Vitor Mendonça Sica é “uma zona de penumbra entre substituição e representação processuais”[4], o que acaba por dificultar a percepção das particularidades de cada instituto, ocasionando verdadeiro baralhamento com consequências desastrosas para a defesa de “direito alheio” em processos coletivos.

É preciso apartar as características da substituição e da representação, como o fez Heitor Sica, mas, mesmo assim, quando se tratar de legitimidade para processos individuais, necessária a autorização individual do titular do direito lesado ou ameaçado.

E assim conclui, ao tecer críticas a julgados (em repercussão geral) do STF sobre a temática da legitimidade coletiva:

“Associações e sindicatos, ainda que se sujeitem a regimes jurídicos distintos e tenham sua legitimidade para a tutela coletiva fixada em normas diferentes, são entes que têm natureza jurídica similar, desempenham papéis semelhantes, valem-se dos mesmos instrumentos processuais e enfrentam as mesmas tentativas espúrias de limitação de sua legitimidade coletiva. Ademais, o fato de o mandado de segurança coletivo ter assento em um dispositivo constitucional próprio (art. 5º, LXX, CF) não o faz um instrumento de tutela inteiramente diferente dos demais sob a perspectiva da legitimidade ativa. No mais, tanto associações quanto sindicatos precisam ser autorizados individualmente pelo membro para o processo individual, seja pela via da representação, ou pela via da substituição”.[5]

Para corroborar o seu entendimento, o festejado jurista traz escorreita interpretação do art. 5º, XXI, da CF/88: “O art. 5º, XXI, da CF trata de ‘entidades associativas’, expressão ampla que poderia se considerar abrangente dos sindicatos. Ainda que assim não fosse, a representação individual do membro da categoria pelo sindicato sem sua autorização expressa costuma ser rejeitada”.[6]

Ainda, coloca em evidência, a confusão quando se fala em “representatividade adequada” (com exigência de preenchimento de requisitos temporal ou histórico, pertinência temática ou expertise para a defesa de direitos/interesses transindividuais) e(capacidade e legitimidade) que, para a doutrina majoritária seria exigível aos entes de classe (v.g., sindicatos, associações). Para o caso de processos coletivos “a legitimidade ativa para a tutela coletiva exige exame que recaia tanto sobre elementos abstratos (que seriam típicos da capacidade) quanto sobre elementos concretos, em parte correlacionados ao objeto do processo (que seriam típicos da legitimidade). Ou seja, no processo coletivo há zonas cinzentas entre capacidade e legitimidade, e, sob a perspectiva da representatividade adequada”.[7]

Portanto, tanto faz ser substituição ou representação processuais, o que importa é o agere iudiciali iure pro alio, ou seja, a presença do agir em juízo (num processo coletivo) na defesa de interesse/direito alheio (no caso em análise, de direito/interesse individual homogêneo[8]). E, em consonância ao raciocínio exposto, nas ações coletivas há de se considerar a substituição no que denominam de legitimação extraordinária (defesa de direito/interesse alheio em nome próprio), e, para tanto, se faz necessária a autorização individual de cada membro, associado, em se tratando de associações, sindicatos, federações em juízo.

O autor: Bruno Campos Silva

Referências:

[1] Mestre em Direito pela PUC-SP. Especialista em Direito pelo CEU-SP (atual IICS). LL.M em Proteção de Dados: LGPD & GDPR pela FMP Law do RS e Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Coordenador da ESA-OAB/MG, na subseção de Uberaba. Membro da Comissão de Processo Civil da OAB/MG. Membro do IBDP, da ABDPro, do CEAPRO, da ACADEPRO. Membro e Diretor de Publicações da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA). Autor e coautor de livros e artigos nas áreas do Direito Ambiental, Urbanístico e Processual Civil. Advogado e consultor jurídico.

[2] “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. FEDERAÇÃO. PESCADORES. LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA. ACIDENTE AMBIENTAL. DERRAMAMENTO. ÓLEO CRU. ÂMBITO REGIONAL. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. INTERESSE. CATEGORIA. AÇÃO COLETIVA. SENTIDO AMPLO. EQUIPARAÇÃO. SINDICATOS. REGIME PRÓPRIO. SUBSTITUIÇÃO. LISTA. AUTORIZAÇÃO. FILIADOS. DESNECESSIDADE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. DEFESA. CERCEAMENTO. AFASTAMENTO. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA. STF. FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. DEFICIÊNCIA. SÚMULAS NºS 7 E 83/STJ E NºS
282 E 284/STF. INCIDÊNCIA.” (STJ, REsp 1.704.185/RJ, Terceira Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, data do julgamento: 24/09/2024, data da publicação: 27/09/2024). 

[3] Prefácio de José Rogério Cruz e Tucci. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Substituição e representação processual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024.

[4] SICA, Heitor Vitor Mendonça. Substituição e representação processual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024, p. 155.

[5] SICA, Heitor Vitor Mendonça. Substituição e representação processual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024, p. 162.

[6] SICA, Heitor Vitor Mendonça. Substituição e representação processual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024, p. 160-161.

[7] SICA, Heitor Vitor Mendonça. Substituição e representação processual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024, nota de rodapé da p. 161-162.

[8] Ao tratar da legitimidade sob a perspectiva da “representatividade adequada” em processos coletivos, Heitor Vitor Mendonça Sica faz referência inclusive ao posicionamento de Marcelo Abelha Rodrigues, e arremata com senso crítico: “O balanço crítico que se pode fazer dessas intermináveis controvérsias é o seguinte: (i) as várias classificações e opções terminológicas não escondem o fato de que, em todos os diversos campos da tutela coletiva, o legitimado ativo está agindo em favor de outrem; (ii) a dificuldade de traçar fronteiras entre a ‘defesa de direito próprio em nome próprio’, ‘defesa de direito alheio em nome próprio’ e ‘defesa de direto alheio em nome alheio’ atingem um ponto culminante no âmbito do processo coletivo; (iii) em razão de má interpretação dos institutos empreendida pelo STF, são tênues as fronteiras entre demandas movidas por associações em substituição processual e em representação processual de seus associados; (iv) são igualmente tênues as fronteiras entre legitimidade e capacidade para o processo coletivo sob a perspectiva da representatividade adequada (cuja denominação é, por si só, indicativo da confusão entre substituição e representação processual). (…) A proposta conceitual e funcional a ser aqui apresentada – que leva em consideração o critério comum do agere iudiciali iure pro alio – reduz consideravelmente as dúvidas de enquadramento dogmático dos institutos em exame que atende à advertência feita por ADA PELLEGRINI GRINOVER e transcrita na introdução desta obra” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Substituição e representação processual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024, p. 166-167).

[9] Em relação aos direitos/interesses individuais homogêneos, com inspiração nas lições de José Carlos Barbosa Moreira e Teori Albino Zavascki, Heitor Vitor Mendonça Silva afirma: “(…), alguns sistemas jurídicos (como o brasileiro) incorporaram a tutela de direitos ou interesses denominados individuais homogêneos, de natureza divisível e ressarcitória, que poderiam perfeitamente ser veiculados por meio de demandas individuais. Em fórmulas de excepcional clareza, fala-se aqui de tutela acidentalmente coletiva (em contraposição à tutela essencialmente coletiva) ou de tutela coletiva de direitos individuais (em contraposição à tutela de direitos coletivos). Logo, a tutela de direitos ou interesses individuais homogêneos não foi criada para superação de um obstáculo à justiça representado pela legitimidade ativa (pois cada indivíduo lesado a ostenta), pelas técnicas de tutela específica (pois o foco aqui é a tutela ressarcitória) ou pela configuração da coisa julgada (pois, sendo divisível o direito, cada sujeito que propuser demanda individual e for vencedor ou vencido terá a coisa julgada a beneficiá-lo ou prejudicá-lo individualmente). Essa forma específica de tutela coletiva foi criada para propiciar isonomia, economia processual e redução da litigiosidade individual” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Substituição e representação processual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024, p. 150-151).

Leia Mais

G20 assume diversos compromissos e viabiliza a Aliança Global de Combate à Fome

COP29 frusta países em desenvolvimento ao fechar acordo de US$ 300 bi para financiamento climático

Retomar grandes reservatórios de água: remédio para extremos climáticos?

 

Além disso, verifique

Responsabilidade solidária

Responsabilidade solidária em casos de degradação ambiental em APP

O direito ambiental brasileiro caracteriza-se pela adoção de preceitos jurídicos amplos e rígidos, destinados à …

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *