sexta-feira , 22 novembro 2024
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Breves comentários acerca das críticas à aprovação do PL 3.729/04 (Lei Geral do Licenciamento Ambiental) pela Câmara dos Deputados

por Marcos Saes e Mateus Stallivieri da Costa.

Quando da aprovação do PL 3.729/04 na Câmara dos Deputados, muito se ouviu falar que seria o final do licenciamento ambiental. Os críticos focaram suas palavras especialmente para o que chamavam de auto licenciamento – afirmando que o Estado não teria mais controle sobre as atividades que podem prejudicar o meio ambiente – e que a norma permitiria a degradação das nossas florestas.

Além disso, também foi afirmado que diversas atividades ficariam isentas de licenciamento ambiental e isso, novamente, permitiria degradação ambiental. Por fim, talvez a crítica mais contundente seria a de que a versão que foi aprovada é muito diferente da última versão que tramitava no congresso, essa sim que teria sido fruto de grande participação popular. Em nosso entendimento, nenhuma dessas críticas merece prosperar. Senão vejamos.

Em relação ao aumento da possibilidade de supressão de vegetação, cumpre informar a todos que não houve qualquer alteração no Código Florestal, na Lei da Mata Atlântica ou em qualquer outra norma de proteção aos nossos biomas. A lei do licenciamento é procedimental e não material, ou seja, ela apenas moderniza, simplifica e uniformiza os processos de licenciamento e não altera as regras sobre APPs ou supressão de vegetação, por exemplo.

Já a respeito do “final do licenciamento ambiental”, os críticos escolheram como grande vilão a “criação” do licenciamento por adesão e compromisso (LAC). Isso não pode sequer ser admitido como uma falácia, mas sim como uma estrondosa falta com a verdade. O fato gerador dessa crítica ou advém de um desconhecimento e descolamento total da realidade, ou simplesmente de má-fé.

O licenciamento por adesão e compromisso é uma sistemática de simplificação e desburocratização do licenciamento ambiental e não uma dispensa de avaliação de impactos ambientais. E o mais incrível, é que nada menos 10 Estados brasileiros já utilizam essa sistemática, alguns inclusive há mais de uma década.

Os estados que já adotam essa sistemática são os seguintes: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso, Goiás, Bahia e Ceará.

Além disso, a constitucionalidade e a legalidade dessa modalidade já foram apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal em 2 momentos e pelos Tribunais de Justiça dos Estados de Santa Catarina e Goiás. O Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da sistemática nas Ações Diretas de Constitucionalidade n. 4.615 e 6.288. O Tribunal de Justiça de SC o fez na ADI 8000190-67.2018.8.24.0900 e o Tribunal de Justiça de GO na ADI 5533859-38.2020.8.09.0000.

Em todas as oportunidades as normas foram consideradas constitucionais e legais. Ou seja, o assunto não é novo, funciona com qualidade há tempos, além de – repetimos –  não ser uma dispensa de licenciamento, mas sim uma simplificação eficiente e está de acordo com nosso ordenamento jurídico.

Acerca da crítica das tipologias que o licenciamento ambiental foi dispensado, um importante esclarecimento que precisa ser feito é quanto a natureza das atividades listadas.

Os três primeiros incisos do art. 8º da versão aprovada não inovam em relação à versão anterior, dispondo sobre atividades de caráter militar (Inciso I) e a atividades que já não são sujeitas ao licenciamento (Incisos II e III), apenas um reforço. Os incisos IV e V tratam apenas da não sujeição em situações emergenciais e urgentes, onde os riscos à vida e ao meio ambiente são extraordinários e exigem medidas imediatas. Da mesma forma, o artigo VIII dispensa apenas atividades voltadas à infraestrutura em faixas de domínio e dragagens, objetivando principalmente medidas de prevenção a alagamentos e enchentes. Já os demais itens merecem maior atenção.

Os incisos VI e VII tratam respectivamente da oferta de energia elétrica e saneamento básico. Nota-se que são dispensas voltadas exclusivamente para a garantia de elementos básicos para a população, em especial a mais carente. No tocante especificamente ao saneamento, o Novo Marco Legal do Saneamento já previa tratamento especial para o licenciamento de obras voltadas para as atividades correlatas, isso justamente em virtude da urgência de uma universalização do atendimento. Um ponto que não tem atraído muita atenção no inciso VII é a previsão de que a instalação ou operação “deverá atender aos padrões de lançamento de efluentes estabelecidos na legislação vigente”. Ou seja, a dispensa é do procedimento, mas todos os padrões de qualidade ambiental ainda precisam ser mantidos. Além disso, uma atividade que evidentemente traz consigo ganhos ambientais, foi tratada de forma diferenciada, talvez (certamente) justamente por isso.

Por fim é preciso alertar que os demais incisos (IX, X, XI, XII e XIII) tratam de atividades de reciclagem, recebimento ou tratamento de resíduos, que por sua própria natureza ou já seriam dispensadas, ou quando potencialmente causadoras de impacto ambiental sua execução traria mais benefícios socioambientais do que eventuais prejuízos. A leitura do Projeto de Lei é que a burocracia procedimental apresenta mais danos ao meio ambiente, por impedir ou atrasar a realização dessas atividades, do que o seu próprio exercício, sendo necessário a dispensa.

A questão da chamada “dispensa de licenciamento ambiental” já foi apreciada pelo STF (ADI 6.650 ADI 6.288), mas sempre em situações em que Estados haviam adotado essa sistemática. É a primeira vez que a própria lei geral que trata do procedimento do processo de licenciamento ambiental assim está fazendo.

Quanto às críticas sobre as diferenças dos textos, há somente duas mudanças estruturais. Além da inclusão das dispensas, já debatidas aqui, foi excluída a previsão da Análise Ambiental Estratégica – AAE do projeto, tornando-o essencialmente uma norma de licenciamento ambiental. Entendemos que a decisão é acertada, pois são dois instrumentos que não se confundem, necessitando a AAE passar por debates próprios.

Para demonstrar a semelhança entre a versão anterior do Projeto de Lei, de então relatoria do Dep. Federal Kim Kataguiri (SP/DEM), e a versão aprovada, relatada pelo Dep. Federal Neri Geller (PP/MT), montamos uma tabela comparando artigo por artigo, destacando as mudanças de redação, as supressões e os acréscimos existentes: https://www.saesadvogados.com.br/2021/05/26/pl-da-lei-geral-do-licenciamento-ambiental-entenda-o-que-mudou-durante-a-tramitacao/.

Acreditamos que através dessa análise pormenorizada se esvaziem os argumentos quanto à falta de transparência na tramitação do PL.

Em todos os casos, cabe o destaque de que não há qualquer dispensa ou restrição de fiscalização ou de cumprimento das normas e padrões ambientais. O sistema atual de licenciamento ambiental possui sérios defeitos e é moroso. A vinda da nova lei auxiliará, e muito, na melhora desse quadro. Mas o Estado deve olhar as questões ambientais com seriedade. Precisamos de políticas públicas para as questões ambientais, órgãos ambientais fortalecidos, com corpo técnico qualificado e orçamento para fiscalização. Somente assim os objetivos, fundamentos e instrumentos (e o licenciamento ambiental é apenas um deles) da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81) serão conquistados e plenamente atingidos e atendidos.

Assim, fica mais que demonstrado que a politização e polarização do debate sobre questões técnicas ambientais acaba por produzir desconhecimento e confusão. Diante disso é medida que se impõe melhorar o nível do debate e auxiliar que o mesmo ocorra com a profundidade e a seriedade que o tema merece. Somente assim o Senado Federal poderá examinar a questão de forma correta, coerente, séria e com o amparo da Constituição Federal.

Marcos Saes
Marcos Saes – Advogado. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos e Especialista em  Direito Penal. Presidente da Comissão de Direito Ambiental do IBRADIM. Diretor de Meio Ambiente da AELO. Superintendente Regional do IBDiC. Membro do Grupo de Trabalho de Licenciamento Ambiental do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico (FMASE). Consultor Jurídico da CBIC. Consultor do SECOVI-SP. Email: [email protected]
Mateus Stallivieri da Costa – Advogado. Especialista em Direito e Negócios Imobiliários e Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico. Mestre em Direito Internacional e Sustentabilidade pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Email: [email protected]

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