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Cenário jurídico ambiental pós decisão que afastou a possibilidade de se firmar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em Minas Gerais

por Paula Angélica Reis Carneiro, Milla Christi Pereira da Silva e Regina Gonçalves Barbosa Caixeta.

 

Em 11 de maio de 2021, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.000.20.589108-8/000, publicou acórdão declarando a inconstitucionalidade da parte final do §9º do artigo 16 da Lei Estadual nº 7.772/1980 que, por sua vez, contempla a possibilidade de evitar/interromper a suspensão da atividade quando o infrator, exercendo atividade sem licença ou autorização ambiental, celebra termo de ajustamento de conduta com o órgão ambiental, com as condições e prazos para funcionamento do empreendimento até a sua regularização.

Posteriormente, em sede de embargos de declaração, restou-se decidido pela preservação dos Termos de Ajustamento de Conduta firmados até 28 de abril de 2021 e o impedimento para a celebração de novos ajustes. Ou seja, na prática, os Termos assinados manteriam seus efeitos, restando vedada, contudo, a possibilidade de se firmar novos Termos de Ajustamento de Conduta.

Em síntese, os argumentos trazidos pelo órgão ministerial para proibir a assinatura de novos Termos de Ajustamento de Conduta podem ser assim resumidos: i) inconstitucionalidade formal por afronta a competência constitucional concorrente sobre a matéria, por pretensa inovação na ordem jurídica superando os limites impostos pela legislação federal que seria competente para definir normas gerais sobre a matéria; ii) o Termo de Ajustamento de Conduta fixado na lei não tem o condão de substituir o licenciamento ambiental para atividades efetiva ou potencialmente poluidoras do meio ambiente; iii) inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da proibição do retrocesso na medida em que a utilização de TAC a substituir o instrumento de licenciamento ambiental possibilita o exercício de atividade efetiva ou potencialmente poluidora sem os devidos controles estatais sobre a atividade[1].

Valendo-se do lecionado por Margaret M. Bilhalva e antes de adentrar na análise dos argumentos e efeitos da decisão em tela, mister abordar que, em regra, pela sua origem, a celebração de TAC pressupõe desajustamento às exigências legais, sendo que, ausente o desajustamento, não há que se falar em TAC, mas sim em Termos de Compromisso (TC) onde, na ausência de desconformidade à lei, busca-se ações concretas de melhoria.[2]

Nas palavras de Hugo Nigro Mazzilli, o compromisso de ajustamento de conduta é um termo de obrigação de fazer ou não fazer no qual o causador do dano a interesse transindividuais se obriga a adequar sua conduta às exigências da lei, sob pena de cominações pactuadas no próprio instrumento, o qual terá força de título executivo extrajudicial.[3] Ainda, conforme Margaret M. Bilhalva, o TAC e o TC possuem, em regra, força de título executivo extrajudicial e são os meios mais eficazes para resguardar direitos difusos e coletivos, vez que têm por finalidade compor, de forma prática e atual, questões ambientais que estejam pendentes.[4]

Nesse raciocínio, o TAC assinado com o órgão ambiental é instrumento administrativo que visa realizar um acordo entre aquele que causou a infração ambiental e o órgão fiscalizador, ou seja, é (ou deveria ser) a constituição de obrigações capazes de amoldar uma infração ambiental à legislação, visando a rápida, efetiva e adequada proteção ao meio ambiente. Resta claro, portanto, que o objetivo do acordo na seara administrativa é reajustar a conduta do infrator, adequá-la aos ditames da lei, e garantir a continuidade da operação da atividade ou do empreendimento desde que, observadas as condições estabelecidas no instrumento.

O TAC é instrumento bilateral e exige, assim, duas manifestações de vontades distintas, porém coincidentes, recíprocas e concordantes sobre a celebração do termo – do órgão público tomador e do infrator. A vontade do compromissário é manifesta e livre no sentido de comprometer-se a ajustar sua conduta às exigências legais. O órgão público tomador do compromisso manifesta vontade não só no momento da celebração do negócio, mas também e principalmente na fixação das condições do cumprimento das obrigações. Em outras palavras, não há obrigatoriedade na celebração de TAC ou obrigações prontas para o integrarem, ele será firmado e elaborado a depender das especificidades do empreendimento, visando a adequação ao ordenamento jurídico e o ganho ambiental.

O instrumento deve, ainda, cumprir alguns requisitos, em especial, destacamos: o prazo de vigência do compromisso que denota sua natureza transitória; a apresentação de um cronograma físico de execução ou de adequação das exigências estabelecidas pelo órgão da administração pública e; a verificação da viabilidade técnica e jurídica do empreendimento. Em Minas Gerais, a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta junto à administração pública observa rigorosamente, dentre outros, os requisitos acima pontuados. Cabe à administração pública validar os requisitos e, uma vez não preenchidas as condições, negar a assinatura do TAC, conforme já apontado aqui.

Em Minas Gerias, o entendimento/levantamento pormenorizado das especificidades do empreendimento e a sua necessidade de adequação são apurados pelo órgão ambiental, inclusive em vistoria in loco ao empreendimento, quando necessário ou por meio de diagnóstico ambiental apresentado pelo empreendedor, com a respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) do técnico responsável. Entende-se, inclusive, que os pontos trazidos no TAC, se não fossem nele tratados, seriam trazidos no próprio licenciamento ambiental, reforçando o caráter antecipatório do TAC sobre a inadequação à norma e evidenciando que o mesmo não é utilizado como um sucedâneo da licença ambiental, mas sim como instrumento anterior e complementar que possibilita a célere e efetiva proteção ambiental até que o processo de licenciamento ambiental seja finalizado.

Pois bem, ultrapassada a explicação acerca do TAC, sua forma e celebração, adentrando na análise dos argumentos trazidos na decisão observa-se que não há afronta sobre a competência constitucional da matéria. Nesse interim, o doutrinador Luiz Antônio Freitas de Almeida, de forma objetiva, remete que “o art. 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB trouxe a possibilidade de celebração do termo de compromisso para resolver irregularidade, incerteza jurídica e solucionar questão administrativamente contenciosa, a consagrar um espaço de consensualidade em conformidade com várias ondas de alteração de paradigmas no Direito Administrativo[5]”.

O artigo 79-A da Lei 9.605/98, com redação dada pela Medida Provisória 2.163/01, instituiu e detalhou o instrumento no âmbito federal, enfatizando a possibilidade de promover as correções ambientais necessárias, mediante celebração de termo de compromisso, como forma de atendimento às exigências impostas pelas autoridades ambientais competentes, suspendendo-se, em relação aos fatos que deram causa à celebração do instrumento, a aplicação de sanções administrativas contra a pessoa física ou jurídica que o houver firmado.

Desta forma, é cristalina a existência de previsão legal na esfera federal, análoga àquela estabelecida no dispositivo da lei mineira. Não há, portanto, que se falar em “inovação na ordem jurídica”, “afronta à legislação federal” ou “desrespeito à repartição de competência”. Ora, é certo que ambas as normas convergem para o mesmo e principal objetivo, qual seja, a tutela do meio ambiente. Para tanto, a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta é meio célere para cessar o dano, ou contê-lo, promovendo as adequações/ajustes necessários e/ou fixando os padrões mínimos de proteção ambiental que impeçam a continuidade da conduta danosa.

Com relação à nítida confusão trazida no bojo da ADI, merece esclarecer que o Termo de Ajustamento de Conduta não é instrumento substitutivo à Licença Ambiental. Pelo contrário, na prática, o que ocorre é que a possibilidade de assinatura de TAC com a administração pública, permite adequar e/ou ajustar os danos ambientais existentes em uma etapa que precede o licenciamento ambiental, ou seja, danos efetivos e potenciais do empreendimento são abordados e mitigados antes mesmo da finalização da análise do processo de licenciamento. Ainda, observa-se que a suspensão da atividade, nos casos de licença de instalação e/ou de operação corretiva tem o condão principal de evitar a ocorrência e/ou a continuidade de danos ambientais e, promover o ajuste necessário para que, de agora em diante, o empreendimento siga observando as normas ambientais do ponto de vista técnico e legal.

Explica-se, a depender da complexidade da atividade a ser licenciada, a análise do processo de licenciamento ambiental pode demorar anos, o que significa que, o dano ambiental existente no empreendimento, somente será ajustado, via de regra, ao término do processo de licenciamento ambiental. Por seu turno, a celebração de TAC entre o órgão ambiental e o empreendedor permite estabelecer os ajustes e/ou as ações que precisam ser realizados de forma a conter ou ajustar os danos ambientais presentes no empreendimento, em etapa anterior ou paralela ao processo de licenciamento ambiental. Sem dúvida, um instrumento célere e eficiente de proteção ambiental que complementa e, portanto, não se confunde com a licença ambiental.

 Cristalino, portanto, que o TAC não substitui e não tem a pretensão de substituir o licenciamento ambiental, mas complementá-lo, possibilitando ganho na efetiva proteção ambiental. Nesse diapasão, desarrazoado também o entendimento de que a celebração de TAC traria retrocesso ambiental.

Fundamental discorrer aqui que toda e qualquer legislação ambiental tem como alvo a proteção do meio ambiente à luz dos princípios constitucionais previstos no ordenamento jurídico. A proteção e o ganho ambiental são (ou deveriam ser) a vontade do legislador em todas essas normas. Assim, tal intento não pode ser afastado quando da interpretação das legislações. O TAC é, hodiernamente, um dos principais instrumentos de que dispõem os órgãos públicos legitimados e os infratores para alcançarem formas alternativas para a conciliação dos problemas ambientais, antecipando, como já trazido, a mitigação de danos efetivos e potenciais.

Além do importante papel que o TAC representa para a rápida e efetiva proteção ambiental, não há como deixar de lado a análise sobre a livre iniciativa e, até mesmo, a dificuldade econômica enfrentada pelo País em razão da pandemia pela COVID-19, dificuldade essa que, conforme estudo realizado por diferentes setores da economia mineira asseveraria os efeitos negativos da crise. Sem adentrar na análise da insegurança jurídica gerada ao empreendedor, o afastamento da possibilidade de celebração de TAC para a manutenção do funcionamento temporário dos empreendimentos somado às dificuldades que o órgão ambiental enfrenta para a rápida análise dos processos de licenciamento ambiental, certamente, aumentarão a quantidade de atividades impossibilitadas de funcionar, potencializando as incertezas e acirrando a crise econômica e social.

Ora, nítido, portanto, que a paralisação de atividades por ausência do referido instrumento afronta o aclamado princípio do desenvolvimento sustentável, que busca conciliar o desenvolvimento econômico e social com a adequada proteção do meio ambiente, numa relação harmônica entre os homens e a utilização dos recursos naturais.

Diante do pensamento desenvolvido, forçoso concluir que, o afastamento da possibilidade de evitar/interromper a suspensão da atividade que opera sem licença ou autorização ambiental mediante a assinatura de termo de ajustamento de conduta com o órgão ambiental traz significativa perda ambiental, social e econômica para o estado de Minas Gerais.

Notas:

[1] Extraído de Nota Técnica n° 45/SEMAD/DANOR/2020

[2] BILHALVA, Margaret Mitchels. Questões práticas para celebração de TAC e TC em matéria ambiental. In: GONÇALVES, Albenir Itaboraí Querubini; BURMANN, Alexandre; ANTUNES, Paulo de Bessa (orgs). Direito ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988. Londrina: Thoth, 2018.

[3] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 18. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, e O inquérito civil — investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 2000

[4] BILHALVA, Margaret Mitchels. Questões práticas para celebração de TAC e TC em matéria ambiental. In: GONÇALVES, Albenir Itaboraí Querubini; BURMANN, Alexandre; ANTUNES, Paulo de Bessa (orgs). Direito ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988. Londrina: Thoth, 2018.

[5]ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas. O termo de compromisso do art. 26 da lindb, o licenciamento ambiental e a proteção do direito ao meio ambiente. Revista de Direito Público, V.17, n. 95, 2020.

Paula Angélica Reis Carneiro é bióloga e advogada no escritório Reis Carneiro Sociedade de Advogados, especialista em direito ambiental e gestão da sustentabilidade, especialista em Governança Corporativa pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. Membro associada à União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA.
Milla Christi Pereira da Silva é advogada no escritório Reis Carneiro Sociedade de Advogados, especialista em Direito Ambiental e Empresarial e mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais.
Regina Gonçalves Barbosa Caixeta é advogada, especialista em Direito Público e Ambiental, pós-graduanda em Direito Minerário e membro associada à União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA e à Comissão Nacional de Direito Minerário da ABA – Associação Brasileira de Advogados.

Direito Ambiental

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