sexta-feira , 22 novembro 2024
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Novo Código Ambiental do Rio Grande do Sul: como fica a fiscalização ambiental?

por Maurício Fernandes.

 

Fiscalização ambiental

 

A fiscalização ambiental possui relevante importância no âmbito da efetividade necessária ao Direito Ambiental. Trata-se, pois, de um dos instrumentos postos à disposição dos órgãos que integram o SISNAMA. Contudo, imperioso que os preceitos constitucionais referentes ao devido processo legal, ampla defesa e estrita legalidade do âmbito do Poder de Polícia administrativa ambiental se façam presentes.

Multas não devem ser utilizadas como subterfúgio para aumento da arrecadação, em desvio de finalidade, mas sim como forma de punir o infrator, coibir novas infrações e buscar indiretamente a reparação do ambiente degradado.

Não é crível que se transija com bens indisponíveis como se pudesse haver negociação ou substituição do orçamento público pelo financiamento dos órgãos ambientais via aplicação de multas pecuniárias.

Algumas alterações sobre o tema foram detalhadas abaixo. Boa leitura.

Multa, de R$50 milhões para R$100 milhões

 

Os valores a título de multas ambientais foram indexados e tiveram o “teto” dobrado. Atualmente, o máximo é de R$ 50 milhões, passando para R$ 100 milhões (aproximados, pois o PL fala em 5milhões de UPFs). A indexação possibilita, ainda, que enquanto tramita o processo administrativo de defesa, os valores serão corrigidos.

Registre-se que o valor máximo de 50 milhões restou absolutamente baixo em casos como de Brumadinho, Mariana e da contaminação da Bacia de Campos, históricos acidentes ambientais. Além disso, esse valor máximo de R$50 milhões foi fixado em 1998 na Lei n. 9.605/98 e, se atualizarmos pelos índices oficiais de inflação (IPCA), chegaríamos a R$250 milhões de reais.

 

Agravantes e atenuantes

 

Chama atenção o número de agravantes, que passou de 10 para 22, mantendo as atenuantes em número de 4 (arts. 96 e 97).

Além disso, ao revogar a Lei nº 11.877, de 26 de dezembro de 2002, afasta-se questões que limitavam o poder do estado frente ao particular. Essa norma define que a vulnerabilidade econômica de um agricultor ou pequeno empresário, por exemplo, deveria ser considerada por ocasião da fiscalização.

Diz a lei cuja revogação se propôs:

Art. 3° – É considerado vulnerável economicamente o infrator que apresente duas ou mais das seguintes condições:
I – possuir ou ocupar empreendimento ou estabelecimento rural afetado pela infração com área total inferior a 4 (quatro) módulos rurais definidos pela legislação em vigor;
II – possuir renda familiar monetária bruta anual inferior a 12 (doze) vezes o Piso Salarial definido pela Lei nº 11.647, de 15 de julho de 2001, excluídos os benefícios recebidos do Sistema Público de Seguridade Social;
III – obtiver sua renda familiar predominantemente da atividade econômica relacionada à infração;
IV – destinar sua produção vinculada à infração predominantemente para a subsistência do núcleo familiar;
V – utilizar, na atividade vinculada à infração, exclusivamente o trabalho do próprio núcleo familiar empreendedor, sem emprego de trabalhadores assalariados, mesmo que eventuais ou informais;
VI – compuser núcleo familiar formado majoritariamente por menores de 16 (dezesseis) anos, mulheres maiores de 55 (cinqüenta e cinco) anos e homens maiores de 60 (sessenta) anos;
VII – compuser núcleo familiar formado por pessoas portadoras de necessidades especiais;
VIII – possuir bens móveis e imóveis no valor total inferior a 10 (dez) vezes o valor da multa;
IX – não utilizar, individualmente ou em grupo, recursos ao amparo do crédito rural oficial; e
X – não ter acesso regular, individualmente ou em grupo, aos serviços públicos de saúde, educação, saneamento, eletrificação, assistência técnica e extensão rural.
Parágrafo único – Não será enquadrado no caput do art. 3º o infrator cuja infração não tenha vínculo com a produção predominantemente destinada para a subsistência do núcleo familiar.

Não se olvide que o art. 98 do PL acolheu grande parte da Lei cuja revogação se busca:

Art. 98. Para a imposição e gradação da penalidade ambiental de multa a autoridade competente observará a situação econômica do infrator, reduzindo seus valores nos casos em que for verificada situação de vulnerabilidade econômica.

§ 1º Para caracterização da situação econômica do infrator serão considerados os seguintes aspectos:

I – tamanho do empreendimento ou do estabelecimento rural próprio afetado pela infração;

II – renda familiar monetária bruta anual do infrator, excluídos os benefícios recebidos do Sistema Público de Seguridade Social;

III – composição do núcleo familiar do infrator;

IV – valor dos bens móveis e imóveis possuídos pelo infrator; e

V – acesso do infrator ao crédito oficial e aos bens e serviços públicos.

§ 2º As informações relativas à situação econômica do infrator poderão ser apresentadas quando da apresentação de defesa do autuado.

§ 3° É considerado vulnerável economicamente o infrator que apresente duas ou mais das seguintes condições:

I – possuir ou ocupar empreendimento ou estabelecimento rural afetado pela infração com área total inferior a 4 (quatro) módulos rurais definidos pela legislação em vigor;

II – possuir renda familiar monetária bruta anual inferior a 12 (doze) vezes o Piso Salarial definido pela legislação estadual, excluídos os benefícios recebidos do Sistema Público de Seguridade Social;

III – obtiver sua renda familiar predominantemente da atividade econômica relacionada à infração;

IV – destinar sua produção vinculada à infração predominantemente para a subsistência do núcleo familiar;

V – utilizar, na atividade vinculada à infração, exclusivamente o trabalho do próprio núcleo familiar empreendedor, sem emprego de trabalhadores assalariados, mesmo que eventuais ou informais;

VI – compuser núcleo familiar formado majoritariamente por menores de 16 (dezesseis) anos, mulheres maiores de 55 (cinquenta e cinco) anos e homens maiores de 60 (sessenta) anos;

VII – compuser núcleo familiar formado por pessoas portadoras de necessidades especiais;

VIII – possuir bens móveis e imóveis no valor total inferior a 10 (dez) vezes o valor da multa;

IX – não utilizar, individualmente ou em grupo, recursos ao amparo do crédito rural oficial; e

X – não ter acesso regular, individualmente ou em grupo, aos serviços públicos de saúde, educação, saneamento, eletrificação, assistência técnica e extensão rural.

§ 4° Ao infrator em situação de vulnerabilidade econômica será aplicada preferencialmente a conversão ou a substituição da penalidade de multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente nos termos deste Código.

 

Responsabilidade administrativa – dano ambiental X infração administrativa

 

O código vigente (art. 100), redigido nos anos 1990, previa a possibilidade de responsabilidade administrativa ao causador do dano ao meio ambiente.

Contudo, dano ambiental é, em verdade, aplicável na esfera cível ambiental (responsabilidade civil ambiental). Na esfera administrativa ambiental aplica-se a responsabilidade ao causador da infração administrativa (não ao dano ao meio ambiente, pois “dano” é civil e na esfera administrativa é adequado falar em “infração”). O PL mantém, com complementos, a redação (art. 90).

Perde-se oportunidade de atualizar a legislação neste ponto[1].

Perdimento

 

Uma inovação do direito administrativo ambiental sancionador gaúcho. Em nível federal tal dispositivo já existe. Seguindo a lógica do art. 134 do Decreto Federal, n. 6514/08, que trata das infrações administrativas em ações fiscais realizadas pelo IBAMA, o PL traz o no art. 92, inciso VIII, que veículos e as embarcações utilizados na prática da infração apreendidos, não mais voltarão à posse e ao patrimônio do infrator.

Assim, o pescador autuado durante sua infração perderá seus petrechos de pesca, inclusive seu barco. Um trator identificado em desmatamento irregular terá o mesmo destino.

O CEMA vigente prevê a devolução de veículos e as embarcações utilizados na prática da infração (art. 103).

 

CADIN

 

O PL também respalda juridicamente a inscrição do devedor ambiental no SPC/SERASA e no Cadastro Informativo dos Créditos Não Quitados de Órgãos e Entidades.

Segundo o art. 93 §1º, o não recolhimento do valor da multa, na forma e nos prazos especificados, implicará inscrição do respectivo débito na dívida ativa e a sua posterior cobrança judicial, sem prejuízo da correspondente inclusão no Cadastro Informativo dos Créditos Não Quitados de Órgãos e Entidades

 

Responsabilidade do servidor público

 

Enquanto o CEMA vigente prevê a responsabilidade do servidor quando há culpa ou dolo, o PL (art. 102) a atribui em casos de dolo ou “erro grosseiro”.

Nosso entendimento é que o servidor deveria ser considerado responsável pela prática de infração, ou que facilite o seu cometimento, apenas por dolo.

A livre vontade de cometer o ilícito é que deve ser punida. O ilícito cometido por erro involuntário confere ao servidor “medo” permanente, exigindo cautelas algumas vezes intransponíveis no risco inerente que envolve qualquer decisão. O servidor que não decide não corre riscos, motivo pelo qual a punição deveria ser em casos dolosos, não em erros involuntários, inclusive grosseiros.

 

Comando Ambiental da Brigada Militar (antiga PATRAM)

 

A legislação vigente não outorga competência à Brigada Militar para proceder, administrativamente, apreensão, embargo de obra ou de atividade, suspensão parcial ou total de atividades, destruição ou inutilização dos produtos, dos subprodutos e dos instrumentos da infração, bem como demolição[2].

Outros estados da federação já enfrentaram o tema, concedendo a competência para polícia ambiental agir na esfera administrativa ambiental também. Até o STJ já julgou válida a ação da polícia ambiental no REsp 1109333/SC, bem como o TRF3 (AC 00025010320074036000).

Não há dúvidas da importante atuação da Brigada Militar na área ambiental, entretanto toda relação de Poder exige Responsabilidade e a qualificação permanente dos seus quadros se mostra absolutamente imprescindível, na medida em que a formação ordinária do soldado não abrange conhecimento técnico aprofundado em áreas ambientais ou jurídicas.

 

Requisitos do Auto de Infração

 

O art. 116 do CEMA vigente traz as exigências mínimas que deverá conter o auto de infração. Tratando-se de ato administrativo decorrente de poder de polícia, a forma é requisito de validade inafastável. Ao revogar o dispositivo, resta prejudicada a defesa e o direito do autuado de saber sobre o que está sendo acusado.

A redação revogada é a que segue:

Art. 116 – O auto de infração será lavrado pela autoridade ambiental que a houver constatado, na sede da repartição competente ou no local em que foi verificada a infração, devendo conter:

I – nome do infrator, seu domicílio e/ou residência, bem como os demais elementos necessários a sua qualificação e identificação civil;

II – local, data e hora da infração;

III – descrição da infração e menção do dispositivo legal transgredido;

IV – penalidade a que está sujeito o infrator e o respectivo preceito legal que autoriza sua imposição;

V – notificação do autuado;

VI – prazo para o recolhimento da multa;

VII – prazo para o oferecimento de defesa e a interposição de recurso.

 

Conversão de multas em serviços, bens e demais investimentos na área ambiental

 

A legislação federal é pródiga em regrar o Procedimento de Conversão de Multa Simples em Serviços de Preservação, Melhoria e Recuperação da Qualidade do Meio Ambiente. Recentemente o Decreto Federal n. 9760/19 ainda alterou os dispositivos legais vigente, inclusive criando uma câmara de conciliação, viabilizando ao infrator arrependido um ambiente favorável ao acordo e recuperação voluntária do ambiente lesado.

 O PL silenciou sobre essa inovação.

Mas, sem regras específicas, fez constar previsão da possibilidade dos acordos ambientais, remetendo a um futuro regulamento.

A cautela que certamente o Estado, por ocasião do regulamento, tomará será a de definir regras claras e precisas, pois pela redação contida em 4 dispositivos no PL (art. 89, §4º, 107, 108 e 109), não é possível afirmar como serão feitos os acordos ambientais.

Cumpre acrescentar que, tratando-se de bens indisponíveis, a reparação ambiental deverá ser o objetivo principal, reduzindo a multa aplicada para incentivar o infrator arrependido.

A regulamentação abrangente deverá afastar-se de qualquer desvio de finalidade, como a simples conversão de multas ambientais em bens para o próprio órgão ambiental, previsão que não está afastada na redação do art. 89, §4º do PL:

 

§ 4º As sanções por infração à legislação ambiental poderão, na forma de regulamento, ser pagas com o custeio de serviços, bens ou obras ambientais, conforme decidir a autoridade pública competente.

 

Acordos são importantes instrumentos para recuperar e corrigir condutas, mas as regras devem ser claras e não deve a multa ser objeto de fonte de receita do órgão ambiental.

 

Desconto para quem não se defender

 

Soa ofensivo ao direito de ampla defesa previsto constitucionalmente. O art. 113, I do PL prevê que o infrator que não se defender, renunciando a seu direito, será premiado com desconto de 50% do valor da multa.

Trata-se de risco alto, pois o pagamento imediato sujeitará o infrator à condição de reincidente e retirará do mesmo quaisquer possibilidades de firmar acordo onde a reparação e a redução da multa poderão se fazer presente.

Além disso, a indústria da multa e o desvio de finalidade são preocupação da sociedade e do poder público, que deverá observar cautelarmente qualquer medida.

Soma-se ainda o fato de que o deságio, como um desconto, sem condicionar à obrigação de reparação (através de acordo/compromisso) incentiva a sensação de impunidade.

 

Notas:

[1] Vide também: https://direitoambiental.com/tag/responsabilidade-administrativa-ambiental/

[2] Confira: https://direitoambiental.com/e-nula-a-interdicao-de-empreendimento-efetuada-pelo-comando-ambiental-da-brigada-militar-do-rs/

 

 

Maurício Fernandes – Advogado, Professor e autor de código ambientais municipais. Ex-Secretário de Meio Ambiente de Porto Alegre/RS e editor dos sites www.direitoambiental.com e www.direitoagrario.com . www.mauriciofernandes.adv.br, instagram @mfernandes.dam.

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