sexta-feira , 26 abril 2024
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Proteção ambiental de faixa de areia de praia: circulação de veículos nas praias e dunas de Araranguá é proibida pelo TRF4

“O município de Araranguá (SC) terá que impedir o acesso de veículos às praias e dunas localizadas no seu território. A decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) levou em conta que o livre trânsito nas áreas está prejudicando os ecossistemas locais e que é dever do poder público resguardar o meio ambiente. O julgamento ocorreu na última semana.

A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), que ressaltou que a circulação de automóveis nas localidades, além de por em risco a segurança dos banhistas e demais frequentadores, também estaria prejudicando os ecossistemas costeiros, os quais apontou serem extremamente frágeis e de alta relevância ecológica, paisagística e arqueológica.

O MPF solicitou que a administração municipal construísse obstáculos físicos nos acessos às áreas e realizasse o controle efetivo nas entradas, permitindo apenas o ingresso de viaturas, carros oficiais e veículos utilizados para a limpeza das dunas e praias.

Em julgamento realizado no final de 2014, a Justiça Federal de Criciúma negou o pedido apontando “não haver elementos que permitam definir, com a necessária segurança, quais medidas efetivamente devem ser adotadas pelo Poder Público para preservar as áreas de proteção ambiental existentes na orla do município de Araranguá”.

O Ministério Público recorreu contra a sentença alegando que é dever objetivo do município ordenar, fiscalizar o trânsito e promover a preservação do meio ambiente. Por unanimidade, a 4ª Turma do TRF4 aceitou o recurso e reformou a decisão de primeira instância.

A relatora do processo, desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, destacou que o poder público tem responsabilidade pelos danos ambientais, mesmo que não contribua diretamente com os estragos.

A magistrada acrescentou, ainda, que ‘a participação do município na degradação ambiental pode ser identificada pelo desprezo em cumprir suas obrigações de fiscalização e aplicação da legislação ambiental’”.

Fonte: TRF4, 30/08/2016.

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Confira a íntegra da decisão:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000483-58.2013.4.04.7204/SC
RELATORA
:
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
:
UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
APELADO
:
MUNICÍPIO DE ARARANGUÁ/SC
RELATÓRIO
Trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal em face do Município de Araranguá/SC, em virtude da existência de danos ambientais, que teriam sido ocasionados pelo trânsito de veículos automotores na faixa de areia das praias marítimas situadas nos limites do território municipal.

Após regular tramitação do feito, sobreveio sentença que julgou improcedente a ação, ao fundamento de que: (a) o Poder Público não é o agente causador do dano ambiental, (b) eventual responsabilização por omissão pressupunha a comprovação de negligência, imperícia ou imprudência, o que não restou demonstrado, e (c) não há prova de que as medidas pleiteadas (fechamento quase que completo do acesso de veículos à praia) são exequíveis e eficientes para a prevenção de danos ambientais, podendo acarretar na inviabilização de exercício de qualquer atividade nas cercanias das áreas protegidas.

Irresignados, o MPF e a União apelaram, sustentando que o trânsito intenso de veículos vem causando danos ao meio ambiente da foz do Rio Araranguá, sendo que a região de maior concentração de automóveis na areia ocorre na praia de Morro dos Conventos, área detentora de um ecossistema extremamente frágil e de alta relevância ecológica, paisagística e arqueológica. Alegaram que a responsabilidade do Município de Araranguá/SC por omissão no cumprimento dos deveres de ordenação e fiscalização do trânsito e de preservação do meio ambiente é objetiva. Nesse sentido, pugnaram pela reforma da sentença, para determinar ao Município a adoção de medidas de proteção ambiental das praias e dunas de Araranguá/SC, mediante a proibição, o controle e a fiscalização da entrada de veículos na orla.

O MPF ajuizou ação cautelar incidental, nesta instância recursal, a fim de garantir a manutenção dos efeitos da antecipação de tutela anteriormente concedida, a qual foi acolhida (MC 503090038201.404.40000).

Apresentadas contrarrazões, o feito foi remetido a esta Corte.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento das apelações.

É o relatório.

VOTO
Ao sentenciar o feito, o juízo a quo manifestou-se nos seguintes termos:

2. FUNDAMENTAÇÃO

A matéria em análise diz respeito à responsabilização do Município de Araranguá quando, em conseqüência de alegada omissão no exercício do dever-poder de controle e fiscalização ambiental, danos ao meio ambiente são causados por particulares que circulam com seus veículos automotores sobre a faixa de praia, dunas e restingas situadas no referido município.

O art. 23, VI da Constituição da República fixa a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. No mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

No tocante à responsabilidade pelo dano ambiental, é assente o entendimento de que, a teor do disposto no artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do poluidor. Por esta teoria, portanto, só não haverá responsabilidade caso reste comprovada a inexistência do dano ou que este não possui qualquer relação com a ação ou omissão do respectivo agente.

Não se pode esquecer, entretanto, que em se tratando de omissão de ente público a jurisprudência dominante, ao menos na esfera civil, tem adotado a teoria da responsabilidade subjetiva, exigindo a presença concomitante do dano, da negligência, imprudência ou imperícia administrativa e do nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público (RExt 382054 e REsp 1069996/RS). Com efeito, se o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado, não pode, logicamente, ser ele o efetivo autor do dano. E, se o Estado não foi o agente causador, só cabe responsabilizá-lo caso efetivamente comprovada a omissão culposa por negligência, imperícia ou imprudência.

É bem verdade, que na esfera ambiental existem julgados adotando o entendimento de que a responsabilidade do Poder Público, mesmo por omissão, continua a ser objetiva em face do que dispõe o artigo 3º, IV, da Lei nº 6.938/81 (REsp nº 1071741-8). Por esse entendimento, a diferença de tratamento entre os particulares e o Estado será sensível somente na fase da execução da sentença, pois, a partir daí, a responsabilização será subsidiária, visto que em primeiro lugar serão acionados os diretamente responsáveis pelos danos, geralmente os particulares.

Não me parece crível, porém, que uma disposição infraconstitucional anterior sobreponha-se à Constituição Federal, abrindo uma exceção à regra de responsabilidade estatal por esta última estabelecida. Assim, mesmo em matéria ambiental, deve prevalecer a responsabilidade subjetiva por condutas omissivas da Administração Pública, consoante razões expostas nos precedentes antes citados.

De qualquer sorte, ainda que acolhida a tese da responsabilidade estatal objetiva por atos comissivos, para haver responsabilidade civil por parte do Estado é indispensável a comprovação da relação de causa e efeito entre a omissão do ente público e o dano alegado.

No caso dos autos, o nexo de causalidade defendido pelo Autor está fundado essencialmente na responsabilidade do Município em controlar o acesso de veículos automotores na faixa de areia. Em outras palavras, sustenta o MPF que a falta de colocação de mourões de concreto, cancelas e outras formas de controle dos veículos é suficiente para demonstrar que o Município deve ser acionado como poluidor indireto primário e responsabilizado por atividade causadora de degradação ambiental realizada por terceiros.

Contudo, a documentação colacionada aos autos, embora em tese suficiente para demonstrar a existência de alguns danos ambientais em dunas e áreas de restinga, não traz maiores elementos que possam comprovar que a omissão do réu esteja diretamente ligada a esses danos. O próprio MPF reconhece que são vários quilômetros de praia e que o Município chegou a colocar estacas para tentar disciplinar o trânsito de veículos em alguns pontos da faixa litorânea, que não foram respeitadas pela população, bem como que a autoridade policial noticiou que não tem condições de manter policiais na extensa área para controlar o trânsito de veículos e eventuais infrações ambientais.

Na realidade, não está sequer claro que o fechamento quase que completo dos acessos de veículos à praia, nos moldes requeridos pelo Autor, é indispensável para a proteção das dunas e áreas de restinga. Não há estudo técnico que demonstre a efetiva necessidade de adoção dessas medidas, remanescendo dúvida se a implementação de outras medidas mitigadoras não seriam mais adequadas para a solução da questão.

Do mesmo modo, também não há comprovação de que as medidas requeridas pelo MPF sejam exequíveis e eficientes para a prevenção dos danos ambientais. Na prática, o resultado da execução das medidas restritivas que o Município anteriormente havia tentado implementar e aquelas implementadas por força da liminar deferida nestes autos, em especial a colocação de portões vedando o acesso de veículos, demonstram que a solução da questão passa por uma ação mais ampla.

Não se está aqui a negar a importância da preservação do meio ambiente e nem a aplicação das leis ambientais. Contudo, no caso, há que se observar os temperamentos advindos dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. A interpretação literal das regras protetivas do meio ambiente, sem um mínimo de razoabilidade, proporcionalidade e sem o cotejo do contexto fático pode inviabilizar o exercício de qualquer atividade nas cercanias das áreas protegidas e, pior, produzir na comunidade local um sentimento de rejeição às medidas de preservação de tais áreas.

O fato é que após a conclusão da instrução deste processo não há elementos de convicção que permitam a este juízo definir, com a necessária segurança, quais medidas efetivamente devem ser adotadas pelo Poder Público para, resguardando-se os direitos individuais, proteger as áreas de proteção ambiental existentes na orla do Município de Araranguá.

O caso exige uma compreensão e uma mais ampla atuação do Poder Público do que a proposta na inicial, fazendo-se necessárias ações integradas para a identificação das atividades de riscos, o planejamento de medidas de proteção, a adoção de ações preventivas, o controle e o monitoramento de sua eficácia, como, por exemplo, o Projeto Orla.

Para tanto, o Ministério do Meio Ambiente, por intermédio de sua Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR), e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no âmbito da sua Secretaria do Patrimônio da União (SPU/MP) estão promovendo o Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima (Projeto Orla) cujas ações buscam o ordenamento dos espaços litorâneos sob domínio da União, aproximando as políticas ambiental e patrimonial, com ampla articulação entre a União, os Estados, Municípios e sociedade civil. Os objetivos desse projeto estão baseados nas seguintes diretrizes: (a) Fortalecimento da capacidade de atuação e articulação de diferentes atores do setor público e privado na gestão integrada da orla, aperfeiçoando o arcabouço normativo para o ordenamento de uso e ocupação desse espaço; (b) Desenvolvimento de mecanismos de participação e controle social para sua gestão integrada; (c) Valorização de ações inovadoras de gestão voltadas ao uso sustentável dos recursos naturais e da ocupação dos espaços litorâneos.

Resta claro, portanto, que a solução da controvérsia merece uma ação integrada envolvendo os entes públicos e a comunidade local. A imposição judicial de medidas isoladas certamente não trará resultados eficientes e duradouros para a proteção das áreas de dunas e restingas.

Assim, diante da ausência de prova suficiente e idônea de que a alegada omissão do Município réu deu causa à degradação noticiada na petição inicial, o pleito deve ser julgado improcedente.

Em que pesem ponderáveis tais fundamentos, razão assiste às apelantes.

A fim de evitar tautologia, permito-me transcrever o teor do parecer ministerial, da lavra do eminente Procurador Regional da República Paulo Gilberto Cogo Leivas, adotando-o como razões de decidir:

2 – FUNDAMENTOS

2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO MUNICÍPIO POR OMISSÃO DO DEVER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO DE VEÍCULOS NA FAIXA DE AREIA DE PRAIA

O Poder Público assim como o particular pode ser responsabilizado de forma comissiva ou omissiva por danos ambientais, em conformidade com o art. 225, da Constituição Federal, e art. 14 da Lei nº 6.938/81.

A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva (sem aferição de culpa) e solidária (são responsáveis o poluidor direto e o indireto), pois todos que concorreram para o dano ambiental devem responder, seja por ação ou omissão.

Nesse sentido, o art. 3º da Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), que estabelece que se deve entender por poluidor o responsável tanto direta como indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental. O art. 14 da Lei nº 6.938/81, por sua vez, dispõe sobre a responsabilidade do poluidor independentemente da existência de culpa.

Com efeito, de acordo com o art. 225 da Constituição Federal, incumbe também ao Poder Público, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e provoquem a extinção de espécies.

De acordo com Paulo Affonso Leme Machado, qualquer dos entes públicos tem competência para aplicar a legislação ambiental, ainda que essa legislação não tenha sido de autoria do ente público que a aplica:

A Constituição Federal foi clara ao atribuir, indistintamente, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e Municípios a competência para ‘proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas’ e de ‘preservar as florestas, a fauna e a flora’ (art. 23, VI e VII). Adequado interpretar-se que, qualquer dos entes públicos mencionados tem competência para aplicar a legislação ambiental, ainda que essa legislação não tenha sido de autoria do ente público que a aplica.

A participação do Município de Araranguá na degradação ambiental no caso dos autos pode ser identificada por desprezar ou cumprir insatisfatoriamente suas obrigações de fiscalização e aplicação da legislação ambiental, conforme classificação de Herman Benjamin sobre as formas de participação estatal por danos ao meio ambiente:

Pelo menos três formas de participação estatal na destruição ambiental podem ser identificadas. De um lado, o Poder Público causa degradação direta do meio ambiente – é o Estado-empreendedor, ele próprio envolvido, sozinho ou em associação, na construção de empreendimentos degradadores, como hidrelétricas, hidrovias, rodovias, aeroportos, portos e assentamentos rurais (=degradador-agente). Mas na maioria dos casos o papel do Estado é de degradador indireto, ao, comissivamente, apoiar ou legitimar projetos privados, seja com incentivos tributários e crédito, seja com a expedição de autorizações e licenças para poluir (=degradador-conivente). Uma terceira modalidade de degradação ambiental estatal, também enviesada e dissimulada, só que por omissão, aparece quando o Estado despreza ou cumpre insatisfatoriamente suas obrigações de fiscalização e aplicação da legislação ambiental (=degradador-omisso), sejam os institutos preventivos (exigência de EPIA-RIMA, por exemplo), sejam os mecanismos sancionatórios e reparatórios. As razões para tanto são as mais variadas, da cooptação ao estrangulamento por falta de recursos financeiros, técnicos e humanos, da incompetência técnica à debilidade de vontade política.

No mesmo sentido, Édis Milaré, que afirma que não é só como agente poluidor que o ente público pode ser responsabilizado, mas também quando se omite no dever constitucional de proteger o meio ambiente por falta de fiscalização, afastando-se da imposição legal de agir, ou agindo deficientemente:

As pessoas jurídicas de direito público interno, como vimos, podem ser responsabilizadas pelas lesões que causarem ao meio ambiente. De fato, não é só como agente poluidor que o ente público se expõe ao controle do Poder Judiciário (por exemplo, em razão da construção de estradas, aterros sanitários, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários, sem a realização de estudo de impacto ambiental), mas também quando se omite no dever constitucional de proteger o meio ambiente (por exemplo, falta de fiscalização, inobservância das regras informadoras dos processos de licenciamento, inércia quanto à instalação de sistemas de disposição de lixo e tratamento de esgotos). Não se deconhece que a responsabilidade civil do Estado, na hipótese de omissão, forte no comando do art. 37 da CF/1988, é em regra, subjetiva. Mas não se ignora, também, que esse regime comum é excepcionado – em se tratando de tutela ambiental – por expressa previsão legal, em microssistema especial, que considera objetiva tal responsabilidade (art. 3º, IV c/c o art. 14, § 1º, da Lei 6. 938/1981).

O Superior Tribunal de Justiça ao enfrentar o tema da responsabilização do Poder Público por omissão na fiscalização em matéria de meio ambiente, entendeu pela exceção à regra geral da responsabilidade subjetiva do Estado por omissão, na medida em que a responsabilização objetiva do ente público decorre de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º).

Nesse sentido, transcrevo a ementa de relevante precedente do STJ, de relatoria do Min. Herman Benjamin:

AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE) CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.

(…)
4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Precedentes do STJ.
5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.
6. O dever-poder de controle e fiscalização ambiental (= dever-poder de implementação), além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente).
7. Nos termos do art. 70, § 1º, da Lei 9.605/1998, são titulares do dever- poder de implementação ‘os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização’, além de outros a que se confira tal atribuição.
8. Quando a autoridade ambiental ‘tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade’ (art. 70, § 3°, da Lei 9.605/1998, grifo acrescentado).
9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem – e no caso do Estado, devem – ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
11. O conceito de poluidor, no Direito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por expressa disposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental, isto é, toda e qualquer ‘pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental’ (art. 3º, IV, da Lei 6.938/1981, grifo adicionado).
12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico- ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem.
13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa.
14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência).
15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor- reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).
16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor- pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas – substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados.
17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial.
18. Recurso Especial provido. (REsp 1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010) (grifou-se)
No acórdão referido, o relator Min. Herman Benjamin considerou que seja a contribuição do Estado ao dano ambiental direta ou indireta, sua responsabilização sempre será objetiva, já que o regime comum de responsabilidade civil do Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, não veda a existência de regimes especiais, em que a responsabilidade é objetiva ainda quanto aos comportamentos omissivos:

Não custa enfatizar que na responsabilidade civil ambiental, regime totalmente especial, a culpa não entra pela porta da frente, tampouco pela dos fundos, ou mesmo a título de temperamento dos deveres do Estado. Eventual mitigação da responsabilidade estatal repudia o aproveitamento ou contrabando eufemístico, nem por isso menos indevido, da culpa. Tratamento diferenciado receberá o Estado, como analisaremos abaixo, somente pela via da preservação de um benefício peculiar, na execução, na qual a ele se reserva uma posição de posterius em relação a do prius , que é o agente causador primário ou direto do dano ambiental.

Numa palavra, seja a contribuição do Estado ao dano ambiental direta ou indireta, sua responsabilização sempre observará, na linha de fator de atribuição, o critério objetivo. Não se pretende trazer aqui o regime (geral ou comum) de responsabilidade civil objetiva do Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, pois o sentido jurídico desse dispositivo não veda a existência de regimes especiais, em que a objetividade cubre também os comportamentos omissivos.
Vale dizer, se é certo que a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é, ordinariamente, subjetiva ou por culpa, esse regime, tirado da leitura do texto constitucional, enfrenta pelo menos duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva para a omissão do ente público decorrer de expressa determinação legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/81, art. 3º, IV, c.c. o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um dever de ação estatal – direto e mais rígido – que aquele que jorra, segundo a interpretação doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.
No mesmo sentido, os seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. IBAMA. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. OMISSÃO CARACTERIZADA.

1. Tratando-se de proteção ao meio ambiente, não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo
2. O Poder de Polícia Ambiental pode – e deve – ser exercido por todos os entes da Federação, pois se trata de competência comum, prevista constitucionalmente. Portanto, a competência material para o trato das questões ambiental é comum a todos os entes. Diante de uma infração ambiental, os agentes de fiscalização ambiental federal, estadual ou municipal terão o dever de agir imediatamente, obstando a perpetuação da infração.
3. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, logo responderá pelos danos ambientais causados aquele que tenha contribuído apenas que indiretamente para a ocorrência da lesão. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1417023/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 25/08/2015)

APELAÇÃO CÍVEL. ACÃO CIVIL. PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. AREA ATERRADA EM MANGUEZAL. RECUPERAÇÃO. RESPONSABILIDADE DOS RÉUS E DO MUNICÍPIO, DE FORMA SOLIDÁRIA E SUBSIDIARIAMENTE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL. PRESCINDIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. A questão objeto da lide diz respeito ao uso indevido de área de preservação permanente pelos réus particulares, no Município de Palhoça e com a complacência deste. 2. A jurisprudência sobre o tema indica que a responsabilidade por dano ambiental é solidária, independentemente de ser direta ou indireta e o litisconsórcio entre entes públicos facultativo. (…) 6. No que tange ao Município de Palhoça, ele é também responsável pela degradação. Não porque a tenha cometido, mas pelo fato de, no exercício do poder de polícia, não haver aplicado a penalidade correta, qual seja, a medida administrativa de reparação do dano. Na verdade, ao criar uma rua no local, mesmo sem, aparentemente, haver loteamento regular, como exige a legislação em vigor (Lei n. 6.766/79), contribuiu para a degradação. 7. O Município de Palhoça, assim, é responsável tanto por não ter agido para evitar ou coibir o dano, omitindo-se em seu dever de fiscalizar mesmo quanto à obediência da lei municipal, como por sua conduta ativa em instalar serviços públicos (ou permitir a instalação) em área considerada de preservação permanente. 8. Também em se tratando de dano decorrente da omissão do Poder Público, a responsabilidade continua a ser objetiva, de acordo com grande parte da doutrina (Machado, Mancuso e Milaré), e o ente é considerado poluidor, em face do que dispõe o artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/81 [‘a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental’]. 9. A diferença de tratamento, entre os particulares e o Estado, para efeito de responsabilização, no caso do pedido de demolição e recuperação do dano, será sentida somente na fase da execução da sentença, pois, a partir daí, a responsabilização será subsidiária, visto que em primeiro lugar serão acionados os diretamente responsáveis pelos danos, geralmente os particulares. Essa foi a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 107.1741-8, em voto do Ministro do Herman Benjamin 10. Sentença mantida. (TRF4, AC 5006274- 20.2013.404.7200, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 22/05/2014) (grifou-se)

PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ADOÇÃO COMO RAZÕES DE DECIDIR DE PARECER EXARADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 4.771/65. DANO AO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. ARTS. 3º, IV, C/C 14, § 1º, DA LEI 6.938/81. DEVER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO.

1. A jurisprudência predominante no STJ é no sentido de que, em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado pelo seu causador direto. Trata-se, todavia, de responsabilidade subsidiária, cuja execução poderá ser promovida caso o degradador direto não cumprir a obrigação, ‘seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica, conforme preceitua o art. 50 do Código Civil’ (REsp 1.071.741/SP, 2ª T., Min.Herman Benjamin, DJe de 16/12/2010).
2. Examinar se, no caso, a omissão foi ou não ‘determinante’ (vale dizer, causa suficiente ou concorrente) para a ‘concretização ou o agravamento do dano’ é juízo que envolve exame das circunstâncias fáticas da causa, o que encontra óbice na Súmula 07/STJ.
3. Agravos regimentais desprovidos. (AgRg no REsp 1001780/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 04/10/2011)

CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. PARQUE MUNICIPAL LAGOA DO PERI. MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS. LEGITIMIDADE. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. COMPROVAÇÃO DA CULPA. PRESCINDIBILIDADE.

1. Com a criação do Parque Municipal da Lagoa do Peri, o Município de Florianópolis tornou-se responsável pela preservação da área.
2. O Município de Florianópolis possui legitimidade para figurar no pólo passivo de ações que visam à proteção ambiental da Lagoa do Peri. Precedentes deste Tribunal (AC 2003.04.01.040312-8, DJ 23.6.2004).
3. A responsabilidade por danos causados ao meio ambiente é objetiva e independe da comprovação da culpa do Município apelante. 4. Comprovada a omissão do Município de Florianópolis ao permitir a edificação e reforma em imóvel situado na Lagoa do Peri. (AC 199872000009335, Rel. Marga Inge Barth Tessler, julgado em 01/10/2018, D.E. 20/10/2008)
No caso dos autos, o Município de Araranguá deixou de cumprir com seu poder-dever de proteção do meio ambiente, previsto no art. 23, inc. VI, e art. 225 da Constituição Federal, ao deixar de fiscalizar satisfatoriamente e adotar medidas efetivas para prevenir e coibir o dano ambiental.

A responsabilidade civil ambiental do Município de Araranguá decorre, portanto, de conduta omissiva, ao deixar de adotar quaisquer medidas efetivas para repreender ou evitar o dano ambiental ocasionado pelo tráfego intenso e desordenado de veículos automotores na orla dos balneários de Araranguá, além de riscos à segurança de seus frequentadores.

2.2 NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA OMISSIVA DO ESTADO E O DANO AMBIENTAL PROVOCADO PELO TRÂNSITO DE VEÍCULOS NA FAIXA DE AREIA DE PRAIA

Para apuração do nexo causal do dano ambiental e urbanístico, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem se omite quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem (cf. REsp 650.728/SC).

Como já destacado pelo MPF, a falta de planejamento, ordenação e regulamentação do trânsito por parte do Município de Araranguá, assim como a falta absoluta de fiscalização ocasiona o agravamento da degradação das características naturais das praias e das dunas situadas na orla, em especial no Balneário Morro dos Conventos.

O dever de o Município prevenir e coibir esses danos decorre de sua atribuição de ordenar o trânsito local, ordenando ou impedindo o acesso de veículos automotores em sua orla marítima, além de sua obrigação constitucional de adotar medidas de proteção ao meio ambiente.

Este TRF4, nos autos de Cautelar Inominada nº 5030900-38.2014.404.0000, considerou que ‘o próprio juízo a quo reconhece que a documentação colacionada aos autos é suficiente para demonstrar a existência de danos ambientais em dunas e áreas de restinga, decorrentes do acesso de veículos automotores na faixa de areia em toda a extensão da orla, e a necessidade de uma solução para o problema’.

Além disso, a 4ª Turma entendeu que ‘se é fato que a circulação de veículos automotores na faixa litorânea tem o potencial de impactar negativamente o meio ambiente, qualquer medida que permita o controle de trânsito de veículos e eventuais infrações ambientais é válida, ainda que não tenha o condão de resolver em toda sua extensão o problema ambiental’.

Com efeito, o tráfego intenso e desordenado de veículos automotores na orla dos balneários de Araranguá causa contínuos danos ao meio ambiente, além de riscos à segurança de seus freqüentadores.

Nas razões de apelação, o MPF ressaltou as provas da ocupação massiva e desordenada por veículos automotores da praia e das dunas, em especial, do Morro dos Conventos:

Nesse sentido, vale ressaltar que as filmagens produzidas pela Polícia Militar e juntadas aos autos, feitas no fim de semana dos dias 12 e 13 de janeiro passado próximo, demonstram inequivocamente a ocupação massiva e desordenada da praia e das dunas do Morro dos Conventos por veículos automotores. Tal ocupação, além de representar evidente risco à segurança dos banhistas que circulam por entre os automóveis, representa notória degradação ambiental de áreas de preservação permanente, com o desmonte de dunas e a poluição das areias e do mar.

Destaca-se também o teor do ofício encaminhado pela Polícia Militar dando conta da inoperosidade do ente municipal.
E mais, Relatório de Vistoria realizada no local pela Polícia Militar e Polícia Militar Ambiental (evento 1 – fls. 05/06 do PROCADM2), Estudo intitulado Proposta dos Critérios de planejamento da gestão integrada da orla marítima dos municípios do litoral sul de Santa Catarina (evento 1 – fl. 154 – PROCADM3), documentação que comprova o indeferimento, pela FATMA, de licença ambiental à proposta de urbanização do Balneário de Morro dos Conventos através do Empreendimento Ecoturístico-Habitacional Morro dos Conventos (evento 1 – PROCADM4), extratos do Processo de licenciamento ambiental da Fixação da Foz do Rio Araranguá (Inquérito Civil nº 1.33.003.000154.2009-11) e Informação Técnica nº 005/2009 (evento 1 – PROCADM5), além da representação formulada pela Oscip Preser’Ação.
Conclui-se, portanto, pela responsabilidade civil ambiental do Município de Araranguá, por ter concorrido para a ocorrência do dano ambiental, em decorrência da omissão no cumprimento do seu dever de fiscalizar, prevenir e coibir as condutas ilícitas dos particulares que degradam o meio ambiente, contribuindo, mesmo que indiretamente, para consolidação ou agravamento do dano.

Essa orientação já havia adotado, por ocasião da apreciação do pleito cautelar incidental (n.º 5030900-38.2014.404.0000):

A decisão proferida foi exarada nos seguintes termos:

‘Trata-se de ação cautelar inominada ajuizada pelo Ministério Público Federal em face do Ministério de Araranguá/SC, objetivando o restabelecimento da antecipação de tutela recursal concedida no agravo de instrumento n.º 5003016-68.2013.404.0000 e, assim, a adoção pelo réu de medidas de proteção à sua orla, mediante a interdição de acesso de veículos automotores particulares às praias e às dunas ali situadas.

Na inicial, o autor afirmou que a concessão de liminar é medida que se impõe, com a máxima urgência, pois a superveniência de sentença de improcedência na ACP ocasionou a perda do objeto do agravo de instrumento supracitado. Alegou o periculum in mora configura-se pela proximidade de mais uma temporada de veraneio, época em que o fluxo de veículos entre as dunas e a beira da praia aumenta a cada dia. Ressaltou a existência de acessos precariamente construídos para que os veículos tenham passagem à beira da praia.

É o relatório. Decido.

De início, consigno que tenho por adequada a interposição de ação cautelar inominada, para assegurar a manutenção da antecipação de tutela concedida em sede de agravo de instrumento, uma vez que a ação originária ainda está no primeiro grau, aguardando a apresentação de contrarrazões para, após, ser encaminhada a este Tribunal.

A sentença julgou improcedente a ação, nos seguintes termos:

(…)

Em que pesem ponderáveis os fundamentos que alicerçam o juízo de improcedência da ação, tenho que, pelo menos até o julgamento da apelação, deve ser mantida a antecipação de tutela concedida no agravo de instrumento n.º 5003016-68.2013.404.0000, pelas razões já alinhavadas no voto condutor:

Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que, em ação civil pública, deferiu parcialmente o pedido de concessão de liminar, para determinar ao Município de Araranguá que, no prazo para resposta, informe as medidas já adotadas para a preservação do meio ambiente e o resguardo da segurança das pessoas que frequentam a orla do Município, bem como apresente plano de providências a serem tomadas para a consecução desse fim, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento injustificado.

Os embargos de declaração opostos pelo MPF contra a decisão foram rejeitados.

Em suas razões, o agravante reiterou o pedido de concessão de medidas liminares que impeçam a circulação intensa de veículos nas dunas e na orla do Município de Araranguá, bem como a realização de festas noturnas, acompanhadas – segundo relatos – de som em alto volume e intenso descarte de lixo. Alegou que a movimentação de veículo nesses locais causa dano ambiental irreversível à área, além de colocar em perigo os banhistas e frequentadores. Sustentou que, ao contrário do afirmado pelo juízo a quo, a temporada de veraneio ainda não terminou, prolongando-se até o final de março, o que denota a urgência da prestação jurisdicional. Nesses termos, requereu a atribuição de efeito suspensivo ativo ao recurso, com a imposição de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), no caso de descumprimento das medidas necessárias pelo Município.

Intimado, o Município de Araranguá não apresentou contrarrazões.

O Ministério Público Federal exarou parecer, opinando pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O princípio da precaução impõe que, na hipótese de ameaça de danos graves ou irreversíveis ao meio ambiente, a ausência de certeza científica não seja utilizada como óbice para a adoção de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Ou seja, sua aplicação justifica-se em momento anterior ao conhecimento e mensuração do risco, com a finalidade de evitar-se um dano previsível ou provável.

Como bem destaca José Rubens Morato Leite, ‘este princípio reforça a regra de que as agressões ao ambiente, uma vez consumadas, são, normalmente, de reparação difícil, incerta e custosa, e pressupõem uma conduta genérica in dubio pro ambiente. (…) Com efeito, a precaução objetiva prevenir já uma suspeita de perigo ou garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo. Seu trabalho é anterior à manifestação de perigo e, assim, prevê uma política ambiental adequada a este princípio’ (Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 46-47).

A esse respeito, é pacífica a jurisprudência:

DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CANA-DE-AÇÚCAR. QUEIMADAS. ART. 21, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 4771/65. DANO AO MEIO AMBIENTE. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. QUEIMA DA PALHA DE CANA. EXISTÊNCIA DE REGRA EXPRESSA PROIBITIVA. EXCEÇÃO EXISTENTE SOMENTE PARA PRESERVAR PECULIARIDADES LOCAIS OU REGIONAIS RELACIONADAS À IDENTIDADE CULTURAL. INAPLICABILIDADE ÀS ATIVIDADES AGRÍCOLAS INDUSTRIAIS.

1. O princípio da precaução, consagrado formalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio 92 (ratificada pelo Brasil), a ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental. Na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente.
2. A situação de tensão entre princípios deve ser resolvida pela ponderação, fundamentada e racional, entre os valores conflitantes. Em face dos princípios democráticos e da Separação dos Poderes, é o Poder Legislativo quem possui a primazia no processo de ponderação, de modo que o Judiciário deve intervir apenas no caso de ausência ou desproporcionalidade da opção adotada pelo legislador.
3. O legislador brasileiro, atento a essa questão, disciplinou o uso do fogo no processo produtivo agrícola, quando prescreveu no art. 27, parágrafo único da Lei n. 4.771/65 que o Poder Público poderia autoriza-lo em práticas agropastoris ou florestais desde que em razão de peculiaridades locais ou regionais.
4. Buscou-se, com isso, compatibilizar dois valores protegidos na Constituição Federal de 1988, quais sejam, o meio ambiente e a cultura ou o modo de fazer, este quando necessário à sobrevivência dos pequenos produtores que retiram seu sustento da atividade agrícola e que não dispõem de outros métodos para o exercício desta, que não o uso do fogo.
5. A interpretação do art. 27, parágrafo único do Código Florestal não pode conduzir ao entendimento de que estão por ele abrangidas as atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas, ou seja, exercidas empresarialmente, pois dispõe de condições financeiras para implantar outros métodos menos ofensivos ao meio ambiente.
Precedente: (AgRg nos EDcl no REsp 1094873/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009).
6. Ademais, ainda que se entenda que é possível à administração pública autorizar a queima da palha da cana de açúcar em atividades agrícolas industriais, a permissão deve ser específica, precedida de estudo de impacto ambiental e licenciamento, com a implementação de medidas que viabilizem amenizar os danos e a recuperar o ambiente, Tudo isso em respeito ao art. 10 da Lei n. 6.938/81. Precedente: (EREsp 418.565/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 29/09/2010, DJe 13/10/2010).
Recurso especial provido.
(STJ, 2ª Turma, REsp 1285463/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, julgado em 28/02/2012, DJe 06/03/2012 – grifei)

ACÃO CIVIL PÚBLICA. IMEDIATA CESSAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. Em se tratando de direito ambiental, deve prevalecer o princípio da precaução, tomando-se medidas de forma a impedir a ocorrência de atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente. Em que pese a agravante apresentar licença ambiental do órgão estadual, é preciso averiguar se não há excesso na execução dessa licença, como, por exemplo, a exploração de área de preservação permanente. Desse modo, ainda que concedida licença ambiental estadual, cabível a sua suspensão a fim de se evitar maiores danos ao meio ambiente, em decorrência do princípio da precaução.

(TRF4, 4ª Turma, AI n.º 5012550-07.2011.404.0000, Rel. Des. Federal VILSON DARÓS, j. 19/01/2012)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. PARALISAÇÃO DAS ATIVIDADES. MANUTENÇÃO DOS EMPREGADOS DA EMPRESA. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. APRESENTAÇÃO DE QUESITOS E ASSISTENTES. 1. Entendo que, ponderando os interesses em conflito, o interesse particular, meramente patrimonial, não pode ser privilegiado em detrimento à coletividade e das gerações futuras. Assim, existindo probabilidade de danos ao meio ambiente, considerando o princípio da precaução, impõe a necessidade de adoção de medidas acautelatórias para a sua proteção. Por esse motivo, havendo dúvidas quanto à viabilidade ambiental do empreendimento, as atividades não devem ser retomadas, tendo em vista a possibilidade de risco ao meio ambiente. 2. A empresa não pode transferir a terceiros as conseqüências trabalhistas da determinação judicial de suspensão temporária de sua atividade danosa ao meio ambiente. 3. A apresentação dos quesitos, no caso concreto, deve preceder a nomeação dos peritos que atuarão na perícia técnica, pois, somente a posteriori se poderá ter a real noção de quais questões são controvertidas para as partes e quais profissionais especialistas serão necessários ser nomeados para sanar as dúvidas existentes. (TRF4, 3ª Turma, AI n.º 0006181-48.2012.404.0000, Rel. Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, D.E. 20/11/2012).

Nessa linha, é fundada a pretensão do Ministério Público Federal à imediata adoção de medidas que contribuem para a tutela ambiental da área litigiosa. Com efeito, deve ser acolhido o pleito antecipatório, para determinar ao Município de Araranguá que, no prazo de 30 dias a contar da intimação, proceda à efetiva interdição de acesso de veículos automotores particulares às praias e às dunas situadas em sua orla, com a implementação das providências pertinentes, especialmente:

a.1) a sinalização, a colocação de obstáculos físicos (mourões de concreto, cancelas ou outros meios comprovadamente eficazes) nos acessos atualmente existentes às praias;

a.2) a implantação de controle efetivo de veículos que podem circular na faixa de praia, franqueando o acesso apenas aos carros oficiais e viaturas necessárias à limpeza, segurança e policiamento;

a.3) a vedação de estacionamento de veículos na faixa de praia e demais áreas de preservação permanente (dunas e restingas), com a respectiva fiscalização;

a.4) a vedação de circulação de quaisquer veículos automotores sobre dunas, com a respectiva fiscalização;

a.5) a cooperação com a Polícia Militar na fiscalização de infrações de trânsito verificadas na orla marítima.

Inobstante, não merece amparo o pedido de fixação de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), porque, à luz da razoabilidade, mostra-se excessivo, para ser suportado pelo ente público municipal, devendo ser mantido o quantum arbitrado pelo juízo a quo – R$ 10.000,00 (dez mil reais) – em caso de descumprimento das medidas. Ressalvo, contudo, a possibilidade de majoração desse valor, na eventual hipótese de descumprimento reiterado da ordem judicial.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao agravo de instrumento.

É o voto.

(TRF4, 4ª Turma, AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 5003016-68.2013.404.0000, Rel. Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/09/2013)

O próprio juízo a quo reconhece que a documentação colacionada aos autos é suficiente para demonstrar a existência de danos ambientais em dunas e áreas de restinga, decorrentes do acesso de veículos automotores na faixa de areia em toda a extensão da orla, e a necessidade de uma solução para o problema. Nessa perspectiva, eventuais dificuldades para a adoção de medidas que visem a impedir ou, ao menos, reduzir tal acesso ou, ainda, o fato de não terem sido respeitadas pela população as estacas fixadas em alguns pontos da faixa litorânea não justificam a completa ausência de quaisquer providências tendentes à proteção do local, com a chancela judicial.

Tampouco procede a assertiva de que não há prova de que o fechamento quase que completo dos acessos de veículos à praia, nos moldes requeridos pelo Autor, é indispensável para a proteção das dunas e áreas de restinga. Se é fato que a circulação de veículos automotores na faixa litorânea tem o potencial de impactar negativamente o meio ambiente, qualquer medida que permita o controle de trânsito de veículos e eventuais infrações ambientais é válida, ainda que não tenha o condão de resolver em toda a sua extensão o problema ambiental, que, segundo a sentença, reclama uma ação mais ampla e integrada de órgãos do Poder Público para a identificação das atividades de riscos, o planejamento de medidas de proteção, a adoção de ações preventivas, o controle e o monitoramento de sua eficácia, como, por exemplo, o Projeto Orla.

Persistindo a verossimilhança do direito alegado e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, concedo a medida liminar, para restabelecer as seguintes medidas a serem tomadas pelo Município:

a.1) a sinalização, a colocação de obstáculos físicos (mourões de concreto, cancelas ou outros meios comprovadamente eficazes) nos acessos atualmente existentes às praias;

a.2) a implantação de controle efetivo de veículos que podem circular na faixa de praia, franqueando o acesso apenas aos carros oficiais e viaturas necessárias à limpeza, segurança e policiamento;

a.3) a vedação de estacionamento de veículos na faixa de praia e demais áreas de preservação permanente (dunas e restingas), com a respectiva fiscalização;

a.4) a vedação de circulação de quaisquer veículos automotores sobre dunas, com a respectiva fiscalização;

a.5) a cooperação com a Polícia Militar na fiscalização de infrações de trânsito verificadas na orla marítima.

Intime-se, o Município para o cumprimento da decisão no prazo de 10 (dez) dias.

Intime-se o autor para emendar a inicial atribuindo valor à causa.

Emendada a inicial, cite-se.

Porto Alegre, 11 de dezembro de 2014.’

A decisão foi complementada por meio de embargos de declaração nos seguintes termos:

Trata-se de embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal contra decisão que concedeu medida liminar para determinar ao Município de Araranguá/RS a adoção de medidas que impeçam o acesso de veículos automotores às praias e às dunas situadas na sua área de jurisdição.

Em suas razões, o embargante apontou a existência de omissão e contradição no decisum, uma vez que, reconhecida a existência de danos ambientais à orla em decorrência do fluxo diário de veículos, não houve a cominação de multa para o descumprimento da liminar concedida. Alegou que, decorrido o prazo fixado na decisão (dez dias), o Município não comprovou o cumprimento da medida. Ressaltou que a determinação judicial oriunda do AI n.º 5003016-68.2013.404.0000 jamais foi efetivamente atendida, o que corrobora a necessidade de fixação de multa diária, por desobediência de ordem judicial.

É o relatório. Decido.

Os embargos de declaração constituem recurso interposto perante o magistrado ou colegiado prolator da decisão, com vistas à supressão de omissão, contradição, obscuridade ou erro material no texto que possa dificultar a exata compreensão da manifestação judicial.

In casu, o Ministério Público Federal aponta a existência de omissão e contradição na decisão ora impugnada, haja vista o não arbitramento de multa diária para o caso de descumprimento da medida liminar concedida.

Conquanto não tenha sido requerida a fixação de qualquer penalidade na inicial desta ação cautelar e a imposição de astreinte não constitua consectário automático ou obrigatório de todo e qualquer provimento judicial concessivo de liminar – o que afasta a alegada omissão e contradição do decisum -, é cabível o arbitramento de multa diária na espécie e neste momento processual, porquanto, transcorrido o prazo estabelecido na decisão embargada, o Município não comprovou a implantação das medidas ali determinadas, e tal omissão potencializa os danos ambientais em dunas e áreas de restinga, decorrentes do acesso de veículos automotores na faixa de areia em toda a extensão da orla, e a necessidade de uma solução imediata para o problema.

Quanto à existência de fundamento legal para a cominação de multa, a medida judicial encontra amparo no art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil, que assim dispõe:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(…)
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte é no sentido de prestigiar essa previsão legal, inclusive quando se tratar de imposição à Fazenda Pública:

PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE DAR. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. FAZENDA PÚBLICA. RAZOABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. É cabível a cominação de multa diária contra a Fazenda Pública, como meio coercitivo para cumprimento de obrigação de fazer ou para entrega de coisa. Precedentes:
2. Cumpre à instância ordinária, mesmo após o trânsito em julgado, alterar o valor da multa fixado na fase de conhecimento, quando este se tornar insuficiente ou excessivo. Precedentes.
3. agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no REsp 1124949/RS, Segunda Turma, Rel. Ministro Castro Meira, DJe 18/10/2012)

Além disso, corrobora a necessidade de cominação de astreinte a resistência do réu em executar tais providências de forma satisfatória, quando determinadas por esta Corte no AI n.º 5003016-68.2013.404.0000. À época, limitou-se a mencionar a colocação de placas informativas e alguns obstáculos, que, desde logo, revelaram-se insuficientes para obstar a circulação de veículos na orla marítima, sendo certa a inexistência de fiscalização efetiva por parte da Prefeitura (evento 106). Meses após o julgamento do agravo, o MPF comunicou ter recebido denúncia de pescador, dando conta do descumprimento da decisão (Evento 112, PET1). E, tão logo revogada a liminar pela sentença de improcedência, as barreiras foram retiradas, conforme notícia veiculada em jornal da região (Foto5 do evento 1 destes autos).

Acresça-se a essas considerações o fato de o verão ser uma época de grande fluxo de pessoas e veículos na região (principalmente a proximidade do feriado de carnaval), o que reclama urgência na execução das medidas, especialmente a colocação de obstáculos físicos nos acessos à praia.

Ante o exposto, acolho o pedido do embargante para renovar a intimação do Município de Araranguá/SC, por meio oficial de justiça, para que, no prazo improrrogável de 5 (cinco) dias, comprove, nestes autos, o cumprimento da decisão do evento 3, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), haja vista a sua resistência reiterada ao cumprimento de ordem judicial.

Intime-se, novamente, o MPF para que emende a inicial, atribuindo valor à causa.

Assim, não vejo motivos para modificar o posicionamento adotado.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo regimental.

Acresça-se a tais fundamentos que o mencionado Projeto Orla, além de não ser obrigatório para o Município, também não é focado na proteção ambiental das áreas de preservação permanente situadas na Zona Costeira, mas sim no gerenciamento patrimonial de bens imóveis da União, que seria delegado aos municípios conveniados.

O posicionamento ora ratificado encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. ACÃO CIVIL. PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. AREA ATERRADA EM MANGUEZAL. RECUPERAÇÃO. RESPONSABILIDADE DOS RÉUS E DO MUNICÍPIO, DE FORMA SOLIDÁRIA E SUBSIDIARUANENTE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL. PRESCINDIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. A questão objeto da lide diz respeito ao uso indevido de área de preservação permanente pelos réus particulares, no Município de Palhoça e com a complacência deste. 2. A jurisprudência sobre o tema indica que a responsabilidade por dano ambiental é solidária, independentemente de ser direta ou indireta e o litisconsórcio entre entes públicos facultativo. 3. Prescindibilidade de realização de prova pericial para a solução da lide, pois os réus não contestaram a afirmação contida na inicial de que o imóvel em questão se caracterize como mangue e, portanto, que se trata de Área de Preservação Permanente. Também não há fatos a serem provados mediante prova testemunhal. Ambas as provas, aliás, já foram tacitamente indeferidas por ocasião da audiência de conciliação, quando determinada a conclusão dos autos para sentença conforme o estado do processo, decisão já preclusa. 4. É irrelevante a antiguidade do aterro ou o fato de que, ao ser adquirido pelos réus particulares, o imóvel já não guardava suas características naturais (na verdade, esta última alegação sequer está provada). Porém, ainda que fosse o caso, a alegação não poderia ser acolhida, dada a característica propter rem das obrigações decorrentes de dano ambiental, consoante tem reiteradamente decidido o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1240122, Min. Herman Benjamin, DJe 11/09/12). 5. Também não prospera o argumento de que por ser a área urbanizada a recuperação do imóvel em questão não implicará benefícios ao meio ambiente. Apesar de esta ação dizer respeito exclusivamente ao terreno de propriedade dos réus particulares, inúmeras outras demandas idênticas têm sido propostas pelo Ministério Público Federal visando proteger as áreas de preservação permanente no Município de Palhoça, sobretudo aquelas situadas em manguezal e na mesma região onde está localizado o imóvel em questão. 6. No que tange ao Município de Palhoça, ele é também responsável pela degradação. Não porque a tenha cometido, mas pelo fato de, no exercício do poder de polícia, não haver aplicado a penalidade correta, qual seja, a medida administrativa de reparação do dano. Na verdade, ao criar uma rua no local, mesmo sem, aparentemente, haver loteamento regular, como exige a legislação em vigor (Lei n. 6.766/79), contribuiu para a degradação. 7. O Município de Palhoça, assim, é responsável tanto por não ter agido para evitar ou coibir o dano, omitindo-se em seu dever de fiscalizar mesmo quanto à obediência da lei municipal, como por sua conduta ativa em instalar serviços públicos (ou permitir a instalação) em área considerada de preservação permanente. 8. Também em se tratando de dano decorrente da omissão do Poder Público, a responsabilidade continua a ser objetiva, de acordo com grande parte da doutrina (Machado, Mancuso e Milaré), e o ente é considerado poluidor, em face do que dispõe o artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/81 [‘a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental’]. 9. A diferença de tratamento, entre os particulares e o Estado, para efeito de responsabilização, no caso do pedido de demolição e recuperação do dano, será sentida somente na fase da execução da sentença, pois, a partir daí, a responsabilização será subsidiária, visto que em primeiro lugar serão acionados os diretamente responsáveis pelos danos, geralmente os particulares. Essa foi a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 107.1741-8, em voto do Ministro do Herman Benjamin 10. Sentença mantida. (TRF4, Apelação Cível Nº 5006274-20.2013.404.7200, 3ª TURMA, Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 22/05/2014)

CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. PARQUE MUNICIPAL LAGOA DO PERI. MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS. LEGITIMIDADE. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. COMPROVAÇÃO DA CULPA. PRESCINDIBILIDADE. 1. Com a criação do Parque Municipal da Lagoa do Peri, o Município de Florianópolis tornou-se responsável pela preservação da área. 2. O Município de Florianópolis possui legitimidade para figurar no pólo passivo de ações que visam à proteção ambiental da Lagoa do Peri. Precedentes deste Tribunal (AC 2003.04.01.040312-8, DJ 23.6.2004). 3. A responsabilidade por danos causados ao meio ambiente é objetiva e independe da comprovação da culpa do Município apelante. 4. Comprovada a omissão do Município de Florianópolis ao permitir a edificação e reforma em imóvel situado na Lagoa do Peri. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 1998.72.00.000933-5, 4ª TURMA, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR MAIORIA, D.E. 20/10/2008, PUBLICAÇÃO EM 21/10/2008)

Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Ante o exposto, voto por dar provimento às apelações.

É o voto.

Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
EMENTA
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. DANO AMBIENTAL PROVOCADO PELO TRÂNSITO DE VEÍCULOS NA FAIXA DE AREIA DE PRAIA. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. OMISSÃO. FISCALIZAÇÃO.
1. O Município possui legitimidade para figurar no polo passivo de ação que visa à proteção ambiental de faixa de areia de praia existente em seu território, sendo-lhe atribuída responsabilidade por omissão.
2. Se é fato que a circulação de veículos automotores na faixa litorânea tem o potencial de impactar negativamente o meio ambiente, qualquer medida que permita o controle de trânsito de veículos e eventuais infrações ambientais é válida, ainda que não tenha o condão de resolver em toda a sua extensão o problema ambiental.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de agosto de 2016.

Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Relatora

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