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Comentários sobre o novo Decreto estadual que trata das infrações administrativas no RS

por Luisa Falkenberg e Ailson de Moraes Andrade.

 

O Estado do Rio Grande do Sul, através da promulgação do Decreto n. 53.202, de 26 de setembro de 2016, preenche uma séria lacuna na legislação estadual, tendo em vista que as infrações administrativas ocorridas em solo gaúcho eram tratadas com a aplicação do Decreto Federal n. 6.514/2008, gerando a possibilidade de discussões judiciais  sobre as penalidades atribuídas, decorrente da inaplicabilidade da norma federal no todo, quando seu limite legal seria a parte geral.

A competência constitucional atribuída aos Estados e Municípios prevê que estes entes federados gerem sua própria legislação, observados os princípios gerais da norma federal.

Feita esta consideração de âmbito geral, é interessante tecer alguns comentários sobre questões pontuais do novo decreto, em vigor desde 26 de dezembro  de 2016.

Questões de reconhecida importância, como recursos hídricos e resíduos sólidos, já dispõem de legislação tanto federal quanto estadual. Entretanto, a legislação disponível traça as políticas de âmbito estadual para os dois temas tendo ficado carentes de medidas sancionatórias pelo descumprimento. Isso tem contribuído, sobremaneira, para a não implementação daquelas normas.

O Decreto 53.202/2016 supriu a deficiência prevendo sanções necessárias e contundentes, tais como a possibilidade de embargo definitivo das atividades que utilizem recursos hídricos sem outorga do direito de uso da água e, na seara dos resíduos sólidos, penalização para o gerador de resíduos domésticos que descumprir o preceito legal.

Há previsão de multa que pode variar de 5 mil a 50 milhões de reais para o descumprimento de obrigação prevista no sistema de logística reversa.

A partir da previsão de punições, o Estado poderá, finalmente implementar aquelas duas importantes políticas: recursos hídricos e resíduos sólidos.

Ainda no campo das inovações, reconhece que a demolição de uma obra pode representar impacto ambiental mais grave do que a sua manutenção.

Esta é uma questão primordial. Na prática, tem-se observado situações em que o Órgão Ambiental ou o Ministério Público propugnam pela demolição de construções visando o retorno do ambiente ao status quo ante. O bom senso juntamente com o posicionamento técnico vem demonstrando que tal intervenção causaria impacto ambiental negativo muito maior do que a sua manutenção.

Outro ponto importante é o que trata da atuação da Polícia Ambiental.

O Decreto em comento atribuiu à Polícia Ambiental a elaboração do Auto de Constatação, reservando o Auto de Infração aos agentes do estado com poder de fiscalização, na forma prevista na Lei 9.605/1998.

Ficou mantida a previsão de multa, a exemplo do decreto federal, para quem obstruir ou dificultar a fiscalização ambiental.

A última inovação que do Decreto diz respeito ao Atendimento Ambiental que visa tornar o processo mais ágil e eficaz.

O procedimento adotado pelo órgão ambiental estadual – FEPAM, nos processos administrativos para apuração de infração ambiental tem sido a de submeter a defesa do autuado primeiramente ao fiscal que lavrou o auto de infração.

A intenção do legislador ao introduzir o Atendimento Ambiental no processo administrativo, parece ser a celeridade do processo. Isto porque, ao lavrar o auto de infração, o fiscal não dispõe de todos os elementos necessários para a identificação precisa do fato, incluindo aqui a possibilidade de existência de dano e sua extensão. Recebida a defesa com provas, laudos, fotos e todos os demais meios de defesa, o fiscal poderá acrescentar laudo técnico ou de constatação elaborado pelo órgão ambiental e polícia ambiental, por exemplo, conforme determina a legislação e, aí, sim, terá elementos para rever a autuação diante de um cenário real, podendo, a partir daí reavaliar o fato, sugerindo a manutenção, minoração ou majoração do valor da multa anteriormente atribuída.

Na prática, o que vem ocorrendo é que o fiscal, provavelmente por falta de orientação da instituição, interpreta a defesa como sendo uma crítica ao seu trabalho, o que não é o espírito da lei. Daí decorre, sempre, a confirmação do auto de infração nos termos em que foi lavrado, tornando-se uma decisão soberana uma vez que o posicionamento do fiscal é simplesmente ratificado nas demais etapas do processo. É o que nos demonstra a experiência jurídica.

Através do Atendimento Ambiental, é de se esperar que essa falha seja corrigida, permitindo, a partir  do contato direto com o fiscal, a adoção de um procedimento legal mais ágil e, principalmente, mais justo.

Isto dependerá, evidentemente, da orientação que venha a ser dada pelo órgão ambiental ao seu corpo técnico.

No momento do Atendimento Ambiental também poderá ser discutida a viabilidade de elaboração de Termo de Compromisso Ambiental (TCA).

A única crítica que se impõe a essa inovação é não se configurar como um direito do autuado e sim, ficar a critério do órgão ambiental conceder aquele atendimento nos casos em que entender pertinente, conforme dispõe o artigo 145 do Decreto.

Dentre os pontos positivos identificados, salienta-se a possibilidade de haver prazo superior aos 20 (vinte) dias previstos no Decreto 6.514/2008 para apresentação de defesa contra o auto de infração, devendo os critérios para tal, ser estabelecidos através de norma administrativa.

De outro lado, está prevista a firmatura de TCA – Termo de Compromisso Ambiental sempre que ocorrer dano ambiental. Esta iniciativa é positiva para as partes porque saneia o processo.

Não obstante isso, o que se questiona é o caráter de obrigatoriedade atribuído à firmatura do TCA, conforme o parágrafo único do artigo 157, Esse dispositivo, s.m.j., retira do instituto o caráter de autonomia da vontade.

Por outro lado, ocorrendo dano ambiental, necessariamente haverá inquérito civil instaurado pelo Ministério Público com a imprescindível composição do dano apurado.

O compromisso previamente assinado, assim como a possível composição já em andamento é visto com bons olhos pelo MP, podendo aquele TCA ser acolhido no Termo de Ajustamento de Conduta – TAC.

Como decorrência da assinatura do TCA, o decreto garante, por  previsão expressa no Código Estadual do Meio Ambiente a redução de até 90% do valor da multa.

Ainda na seara das medidas consideradas negativas, o decreto regulamentador perdeu oportunidade de corrigir e aperfeiçoar a aplicação da sanção de advertência. Esta deveria ser aplicada, sempre que o fiscal verifique um procedimento inadequado, mas que possa ser corrigido. Em não o sendo, aí sim, caberia a aplicação da multa.

Em casos práticos, é possível verificar o quanto isso seria importante para a solução de muitos problemas sem a necessidade de instaurar processos administrativos, deixando a multa para situações gravosas.

A finalidade do órgão ambiental não deve ser a arrecadação e sim, a correção da conduta do infrator, visando à proteção ambiental.

O Decreto Federal 6.514/2008 estipulou o teto de R$ 1.000,00 para aplicação da sanção de advertência. A norma estadual, por sua vez, procura corrigir esse valor, aumentando para R$ 3.500,00, sem, no entanto, conseguir atingir seu objetivo, uma vez que, dado os altos valores atribuídos às multas, a advertência seria sanção raramente aplicável.

O decreto estadual deveria, ao invés de trabalhar com fator monetário, ter definido a aplicação da advertência para aquelas infrações que possam ser solucionadas através da reparação de baixa complexidade.

Algumas situações já previstas no decreto federal foram mantidas. Como exemplo a autuação por dois órgãos de entes federados diferentes e pelo mesmo fato. Neste caso, obedecendo ao comando da Lei Complementar n. 140/2011, deverá prevalecer o auto de infração lavrado pelo órgão ambiental que detém a competência para licenciar, embora exista divergência jurisprudencial sobre tal competência.

Também, permanece a exigência de elaboração de laudo técnico para a aplicação da multa e laudo de constatação para as infrações que relaciona, o que nem sempre tem sido observado.

Extrai do decreto 6.514/2008  a possibilidade de conversão da multa em projetos de melhoria da qualidade ambiental.

A experiência nesta questão, não tem sido positiva.

É suposto que o órgão ambiental disponha de projetos para que o infrator venha a apoiar um deles, podendo assim, converter o valor da multa que lhe foi atribuída.

Na prática, verifica-se que o órgão ambiental nem sempre dispõe de projetos e não aceita projeto proposto pelo infrator, o que exclui a possibilidade de materialização da norma.

É necessária a elaboração de norma estadual que operacionalize a forma de aplicação do artigo 159.

Ainda com relação à conversão da multa, o projeto deve ser para recuperação integral. A expressão Recuperação Integral não foi feliz. É necessário examinar o caso prático determinando o que pode ser recuperado, o que pode ser compensado e assim por diante.

Outro ponto merecedor de regulamentação é o que trata da possibilidade de parcelamento da multa. Imprescindível o estabelecimento de critérios.

Irão depender de regulamentação, também, os artigos do decreto que criam cinco categorias de multas. O objetivo parece ir ao sentido de orientar o fiscal delimitando diferentes situações.

Merece registro o estabelecimento de três formas expressas de prescrição: a de 5 anos para apuração da infração, a de 3 anos e um dia por paralisação do processo e igualmente de 5 anos pela não execução das penalidades.

Por último, vale chamar a atenção para a fixação do valor de até um milhão de reais pelo descumprimento de embargo, acrescido de suspensão da atividade, da venda de produtos, do cancelamento de registros, licenças e autorizações de funcionamento.

Dessa forma, o empreendedor deverá estar atento ao novo decreto como forma de evitar sanções que venham a interferir negativamente no seu empreendimento.

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Luisa Falkenberg – Mestre em Direito pela pela University of Wisconsin – Madison, Wisconsin – USA. Especializada em Direito Ambiental Nacional e Internacional na UFRGS. Exerceu as funções de Professora Universitária, Assistente Jurídica e Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Pelotas – UFPEL e de Professora Universitária de Direito Ambiental junto a Cursos de Graduação e de Pós-Graduação na UCPEL/Pelotas, na ULBRA/Canoas, na FACENSA/ Gravataí e UNOESC/SC. Conselheira do Conselho de Desenvolvimento do Meio Ambiente – CODEMA, da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul – FIERGS, e Representante da FIERGS na Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA. Ministra cursos e treinamentos in company e palestras na área do Direito Ambiental. É Advogada, sócia de FALKENBERG & ANDRADE Advogados Associados (www.falkenberg-andrade.adv.b).

 

Direito Ambiental

Veja também:

– Licenciamento ambiental eletrônico: Rio Grande do Sul institui e torna obrigatório o Sistema Online de Licenciamento Ambiental – SOL (Portal DireitoAmbiental.com, 10/02/2017)

– Artigo analisa norma Gaúcha (Decreto n. 53.202/16) que altera o Direito Ambiental Administrativo no RS (Portal DireitoAmbiental.com, 17/01/2017)

 

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