Empresa responsável por Estação de Tratamento de Efluentes – ETE que gera odor para vizinhos que residem no entorno é condenada em indenização de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou cabível indenização para vizinhos que sofrem com mau odor decorrente de ETE. Além da questão ambiental do cheiro e perturbação de vizinhança, os moradores são tidos como consumidores equiparados, nos termos do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor.
Segundo a decisão, o forte odor gera aflições e transtornos que fogem do conceito de mero dissabor, próprio do dia a dia, caracterizando flagrante dano moral, suficiente a atrair a responsabilidade indenizatória da demandada, pois evidente o nexo de causalidade com a conduta desta. Frise-se que foi reconhecida a responsabilidade objetiva da empresa ré.
Segundo a decisão, “ainda que o ápice do forte odor tenha se limitado a dois ou três meses, cujo tempo, por si só, é suficiente para causar os infortúnios relatados na exordial e abalo ao equilíbrio emocional dos autores e demais moradores da região, as testemunhas são uníssonas ao afirmarem que o mau cheiro se alastrou por quase um ano, reduzindo gradualmente sua intensidade.”
Citado pelo acórdão, a sentença da lavra do MM.º Juiz de Primeiro Grau, João Marcelo Barbiero de Vargas, expõe que “essa situação causou-lhes um dano moral indenizável, pois, além do sentimento de angústia e irritação ao sentirem o odor de produtos químicos em sua residência diariamente, ficaram em permanente estado de perturbação, tendo sido privados do necessário sossego diário, encontrando dificuldades inclusive para alimentar-se e dormir, como relatado na inicial e confirmam as testemunhas. Evidente que a atividade industrial da ré colocou os demandantes em situação de desconforto, risco e incômodos desnecessários, os quais desbordaram daquilo que se considera meros dissabores da vida diária.”
Leia a íntegra do acórdão:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS DE VIZINHANÇA. AÇÃO DECLARATÓRIA. DANOS ADVINDOS DE POLUIÇÃO AMBIENTAL, DECORRENTES DE ODOR ORIUNDO DO SISTEMA DE TRATAMENTO DE EFLUENTES EM LAGOAS DA EMPRESA RÉ.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. ART. 7º. CONSUMIDORES POR EQUIPARAÇÃO OU “BYSTANDER”. VÍTIMAS INOCENTES DE CONSUMO.
DANOS MORAIS. DEFERIMENTO. TRANSTORNOS QUE EXTRAPOLARAM A NORMALIDADE OU A RAZOABILIDADE, DANDO AZO A UMA COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA RAZOÁVEL.
QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. VALOR ARBITRADO PROPORCIONAL AO DANO CAUSADO.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INDEFERIMENTO. PERSONALIDADE JURÍDICA DA RÉ QUE NÃO SE APRESENTA COMO OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS CAUSADOS À QUALIDADE DO MEIO AMBIENTE. AUSÊNCIA, AINDA, DE INDÍCIOS DE INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA.
NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME.
Apelação Cível
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Décima Oitava Câmara Cível |
Nº 70078816204 (Nº CNJ: 0246832-73.2018.8.21.7000)
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Comarca de Passo Fundo |
INACIO SPITZA E OUTROS
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APELANTE/APELADO |
SEMEATO S.A. INDUSTRIA E COMERCIO
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APELANTE/APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento a ambos os recursos de apelação cível.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. João Moreno Pomar e Des. Heleno Tregnago Saraiva.
Porto Alegre, 18 de julho de 2019.
DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ,
Presidente e Relator.
RELATÓRIO
Des. Pedro Celso Dal Prá (PRESIDENTE E RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto por INÁCIO SPITZA E OUTROS contra a sentença (fls. 343-49) que julgou procedente em parte a ação declaratória ajuizada em desfavor de SEMEATO S.A. INDUSTRIA E COMERCIO, condenando a demandada ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 4.000,00, a cada demandante. Diante da sucumbência recíproca, condenou as partes a arcarem com as custas do processo, na proporção de 30% para os autores e 70% para a ré, bem como em honorários devidos ao patrono da parte adversa, fixados estes em 15% do valor atualizado da condenação, observada a proporção das custas, restando suspensa sua exigibilidade em relação aos autores, em face da Assistência Judiciária Gratuita.
Os apelantes alegam, em suas razões (fls. 351-66), ser necessária a majoração do valor fixado a título de indenização por danos morais, para que esta seja adequada aos prejuízos morais sofridos pelos demandantes. Pedem, ainda, a fixação de multa diária para o caso de os problemas persistiram, além da desconsideração da personalidade jurídica. Requerem o provimento do recurso, com o consequente julgamento de procedência total dos pedidos formulados na ação.
Contrarrazões nas fls. 387-95.
SEMEATO S.A. INDUSTRIA E COMERCIO igualmente interpõe recurso (fls. 368-83), em que pede, inicialmente, o afastamento da incidência das normas protetivas no Código do consumidor ao caso em tela. Refere não haver relação de consumo entre as partes. Diz que os danos morais devem ser afastados ou, alternativamente, reduzido o quantum indenizatório arbitrado. Requer o provimento do recurso.
Contrarrazões nas fls. 398-408.
Remetidos a este Tribunal de Justiça, foram os autos distribuídos por sorteio automático em 17/08/2018, vindo-me, após solução de conflito de competência, novamente conclusos para julgamento em 24/05/2019.
É o relatório.
VOTOS
Des. Pedro Celso Dal Prá (PRESIDENTE E RELATOR)
Eminentes Colegas: passo a analisar ambos os recursos em conjunto.
Registro, de início, que, embora tenha, o Órgão Especial, no julgamento do conflito de competência suscitado nos autos, reconhecido que a matéria dos presentes recursos se enquadra na subclasse “direitos de vizinhança”, passo a analisar as apelações cíveis à luz estritamente dos limites objetivos contidos na inicial, mais precisamente sob a ótica dos alegados danos (ambientais) havidos aos consumidores por equiparação, deixando, assim, de adentrar na análise do mau uso da propriedade vizinha, sob pena de adotar caráter extra petita e, consequência disso, incidir em nulidade.
Feitas tais considerações iniciais, entendo que os recursos de apelação cível não merecem prosperar.
Efetivamente, a sentença, da lavra do MM.º Juiz de Primeiro Grau, João Marcelo Barbiero de Vargas (fls. 343-49), bem analisou os fatos e com esmero aplicou o direito ao caso concreto, razão pela qual vale reproduzir os argumentos sentenciais, que respondem também às razões recursais:
“Ausentes prefaciais a serem analisadas, tendo em vista que a ilegitimidade ativa suscitada pela ré, relacionada ao pedido de indenização por dano social, já foi acolhida na decisão interlocutória da fl. 237, a cujos argumentos me reporto, passo diretamente ao exame do mérito, onde merece prosperar em parte a pretensão dos autores.
De início, cumpre positivar que a relação entabulada entre as partes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pois, não obstante o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor defina o consumidor como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, o diploma consumerista prevê, ainda, os chamados consumidores por equiparação, para os quais, segundo Roberto Senise Lisboa, “estendeu a proteção concedida ao destinatário final dos produtos e serviços, em favor de qualquer sujeito de direito, inclusive aquele que, ordinariamente, não seja consumidor na relação de consumo a partir da qual ocorreu o prejuízo”
Os autores, pois, são tidos como consumidores equiparados, nos termos do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, que rege as obrigações por ato ilícito decorrentes do fato do produto e do serviço, inclusive relativo aos riscos à saúde e segurança dos consumidores.
Evidenciada a relação de consumo, com aplicação ao caso concreto do Código de Defesa do Consumidor, os fornecedores de serviços respondem objetivamente pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor).
Assim, prescinde-se de qualquer análise acerca da culpa, dado o dever de qualidade-adequação imposto objetivamente pela norma legal ao fornecedor de produtos ou serviços, com o fim de proteger o consumidor, assegurando o ressarcimento de eventuais prejuízos e trazendo segurança às relações jurídicas de consumo.
Fundando-se o pleito indenizatório na prática de poluição ambiental pela ré, a responsabilidade objetiva resulta também do disposto no art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, in verbis:
“Art 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (…) § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”. (grifei)
No caso dos autos, buscam os demandantes uma indenização pelos danos morais decorrentes do forte odor advindo das lagoas de tratamento da empresa ré, cujas irregularidades no sistema de tratamento de efluentes líquidos industriais vêm comprometendo a saúde e a qualidade de vida dos autores, que residem nas proximidades, além de pleitearem a adoção de medidas pela ré com vistas a eliminar o mau cheiro.
A demandada, por sua vez, confirma a ocorrência de odores gerados pelas lagoas de tratamento de efluentes das unidades da empresa, mas assevera que o odor, que perdurou por apenas três meses, não é tóxico, inexistindo ilícito na sua conduta, pois o fato decorreu da alta proliferação de micro-organismos e que adotou medidas imediatas para solucionar o problema, a fim de acelerar o processo de estabilização.
Entretanto, não calham as justificativas apresentadas.
Os documentos encartados nas fls. 29/96, 101/102, 216/218 e 222/233, aliados à prova testemunhal colhida, demonstram de maneira segura a ocorrência do dano ambiental na estação de tratamento de efluentes líquidos industriais da ré, com a consequente geração de odores fortes e desagradáveis, que superaram em muito o limite do tolerável.
Em vistoria realizada pela FEPAM nas datas de 11 de novembro e 10 de dezembro de 2014, foram constatadas diversas irregularidades que confirmaram as reclamações indicadas na denúncia apresentada pelos moradores da Vila Ricci e Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas ao órgão do Ministério Público (fls. 43/44), como consta na descrição da infração encartada na fl. 94, consistentes na “armazenagem inadequada de resíduos sólidos industriais Classe I (tonéis e embalagens de produtos químicos), em locais a céu aberto e sem impermeabilização, descumprindo o item 5.1 da Licença de Operação LO nº 5694/2010-DL, má operação da atual Estação de Tratamento de Efluentes Líquidos Industriais – ETE do empreendimento, com consequente geração de odores desagradáveis, causando incômodos à população vizinha e com potencial risco a saúde, descumprindo o item 4.2 da Licença de Operação LO nº 2467/2010-DL, armazenagem inadequada de produtos químicos, utilizados no tratamento dos efluentes líquidos industriais, infiltração visível de efluente líquido (percolado) dos leitos de secagem no solo, com potencial risco de contaminação.”
No documento das fls. 222/230, emitido pela FEPAM, foi relatado que os efluentes líquidos recebidos e tratados no empreendimento da parte ré possuem característica majoritária de processos galvânicos, onde são utilizados diversos insumos e produtos químicos, com graus de toxicidade ao meio ambiente e à saúde humana diversos. Após o prévio tratamento físico-químico, esses efluentes eram encaminhados às lagoas de tratamento, que não possuíam qualquer tipo de sistema de impermeabilização. Em razão disso, o analista do órgão ambiental asseverou que o efluente que estava presente nas lagoas apresenta grau de toxicidade mesmo que crônica, afirmando, contudo, não ser possível mensurar seu valor em razão de não ter sido realizada análise laboratorial.
Portanto, embora não tenha sido mensurado o grau de toxicidade, a poluição ambiental ocorrida na estação de tratamento de efluentes líquidos da ré é inconteste, motivando inclusive denúncia oferecida pelo Ministério Público com base nessas constatações (fls. 231/233).
Urge ressaltar que o fato de a ré ter adotado medidas para acelerar o processo de estabilização, visando eliminar o mau cheiro, como afirma na contestação, não é suficiente para afastar sua responsabilidade civil, por ser esta objetiva, calcada no dano provocado ao meio ambiente, e resultante da teoria do risco integral da atividade exercida, remanescendo o dever indenizatório inclusive nas hipóteses de caso fortuito e ou força maior.
Nessas condições, não encontra amparo a justificativa de que inexiste falha ou culpa em sua conduta pela formação do forte odor, que teria advindo da alta proliferação de micro-organismos, conforme consta na contestação e se depreende do depoimento do funcionário Mateus Costa Capellaro, colhida nos autos do processo nº 021/1.15.0003525-6 (fls. 261/274), justamente porque a sua responsabilidade é objetiva e fundada na teoria do risco do empreendimento.
As reportagens trazidas aos autos e o relato das testemunhas inquiridas neste e em outros processos relacionados à mesma matéria confirmam as constatações feitas pela FEPAM e a narração contida na inicial, no sentido de que as irregularidades na prática da atividade empresarial da ré causaram poluição ambiental e enormes desconfortos aos autores, provenientes do mau cheiro, característico de produtos químicos/tóxicos.
A prova testemunhal produzida neste feito (fls. 294/295) e nos processos de nº 021/1.15.0003525-6, 021/1.15.0007124-4 e 021/1.15.0003510-8 (fls. 249/279 e 297/300), cuja prova emprestada foi deferida, confirma que os moradores da região, dentre os quais os demandantes, sentiram por meses um odor insuportável, advindo das lagoas de tratamento de efluentes líquidos da demandada. O pior período foi de setembro a outubro de 2014. As testemunhas relatam ter sofrido problemas de saúde em virtude desse mau cheiro, que se prolongou até meados do ano de 2015, perdurando por cerca de um ano. Antes desse fato, não tinha acontecido nenhum episódio parecido. Os sintomas mais comuns foram náuseas, vômito, ardência na garganta e nariz, dificuldade para respirar, comer e até mesmo dormir. O cheiro era muito forte e parecia ser de produto químico, pois não era característico de esgoto. O forte cheiro alcançou inclusive uma escola, que ficava a uma distância de quatro ou cinco quadras do local onde eram depositados os materiais da indústria.
Depreende-se, portanto, que, ao contrário do que tenta fazer crer a ré, o mau cheiro não perdurou por apenas três meses, mas se alastrou por, pelo menos, um ano, atingindo de maneira significativa a vida dos moradores das proximidades, que se viram limitados e até mesmo impedidos de praticar atos comuns do cotidiano, sobretudo porque lhes fora retirada a liberdade de respirarem ar puro, situação que trouxe, para grande parte da comunidade, agravamento de problemas de saúde.
Ademais, ainda que o ápice do forte odor tenha se limitado a dois ou três meses, cujo tempo, por si só, é suficiente para causar os infortúnios relatados na exordial e abalo ao equilíbrio emocional dos autores e demais moradores da região, as testemunhas são uníssonas ao afirmarem que o mau cheiro se alastrou por quase um ano, reduzindo gradualmente sua intensidade.
A prova colhida, portanto, não deixa dúvida acerca do sofrimento, incômodo e até mesmo do risco à saúde dos demandantes, em virtude da poluição ambiental e cheiro forte dela decorrente, que invadia o imóvel de propriedade dos autores, causando-lhes transtornos que transcendem os aborrecimentos naturais do cotidiano, estes plenamente suportáveis.
Essa situação causou-lhes um dano moral indenizável, pois, além do sentimento de angústia e irritação ao sentirem o odor de produtos químicos em sua residência diariamente, ficaram em permanente estado de perturbação, tendo sido privados do necessário sossego diário, encontrando dificuldades inclusive para alimentar-se e dormir, como relatado na inicial e confirmam as testemunhas.
Evidente que a atividade industrial da ré colocou os demandantes em situação de desconforto, risco e incômodos desnecessários, os quais desbordaram daquilo que se considera meros dissabores da vida diária.
As aflições e transtornos enfrentados pelos autores fogem do conceito de mero dissabor, próprio do dia a dia, caracterizando flagrante dano moral, suficiente a atrair a responsabilidade indenizatória da demandada, pois evidente o nexo de causalidade com a conduta desta”.
Muito embora os fundamentos da sentença esgotem os questionamentos veiculados nos autos, dando a correta solução à lide, cumpre acrescer, apenas, que, de fato, à luz da regra contida no art. 17 do Código de Processo Civil, são considerados consumidores por equiparação ou “bystander” todas as vítimas inocentes de consumo (no caso, da propalada poluição ambiental, como consectário direto da cadeia produtiva da fornecedora ré), ainda que não tenham participado diretamente da relação consumerista.
Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência pacífica do Augusto Superior Tribunal de Justiça:
AgRg no REsp 1365277 / RS
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
2011/0211109-8
Relator(a) Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO (1144)
Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento 20/02/2014
Ementa
AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. DANO AMBIENTAL. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. INCIDÊNCIA DO CDC.
1. Contaminação do solo e do lençol freático, ocasionado por produtos químicos utilizados no tratamento de madeira destinada à fabricação de postes de luz, na região metropolitana, nas proximidades da cidade de Triunfo, no Estado do Rio Grande do Sul.
2. Por não haver como se presumir da notificação pública ocorrida (2005) os efeitos nocivos à saúde da população local em decorrência do acidente ambiental, o termo inicial conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo (REsp n. 346489/RS,
Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 26/08/2013).
3. Entendimento pessoal no sentido da incidência do regime jurídico do CDC com aplicação do prazo prescricional de 5 anos, previsto no artigo 27 do CDC, por se tratar de acidente de consumo que se enquadra, simultaneamente, nos artigos 12 (fato do produto) e 14 (fato do serviço) do CDC
4. A regra do art. 17 do CDC, ampliando o conceito básico de consumidor do art. 2º, determina a aplicação do microssistema normativo do consumidor a todas as vítimas do evento danoso, protegendo os chamados “bystandars”, que são as vítimas inocentes de acidentes de consumo.
5. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS.
Desse modo, forçoso reconhecer a incidência das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, inseridas neste contexto as regras de responsabilidade civil objetiva.
No que tange, de outro lado, ao pedido de afastamento da indenização por danos morais, sem razão a parte recorrente.
Isso porque passível de reconhecimento os danos morais alegados, uma vez que decorrentes dos inegáveis transtornos, incômodos expressivos e sofrimento continuado que efetivamente suportaram os autores, em decorrência dos odores oriundos das lagoas de tratamento da ré, que perdurou por período razoável (cerca de um ano).
A propósito, reporto-me, uma vez mais, à análise da prova testemunhal constante na sentença, que bem esclarece os fatos:
“A prova testemunhal produzida neste feito (fls. 294/295) e nos processos de nº 021/1.15.0003525-6, 021/1.15.0007124-4 e 021/1.15.0003510-8 (fls. 249/279 e 297/300), cuja prova emprestada foi deferida, confirma que os moradores da região, dentre os quais os demandantes, sentiram por meses um odor insuportável, advindo das lagoas de tratamento de efluentes líquidos da demandada. O pior período foi de setembro a outubro de 2014. As testemunhas relatam ter sofrido problemas de saúde em virtude desse mau cheiro, que se prolongou até meados do ano de 2015, perdurando por cerca de um ano. Antes desse fato, não tinha acontecido nenhum episódio parecido. Os sintomas mais comuns foram náuseas, vômito, ardência na garganta e nariz, dificuldade para respirar, comer e até mesmo dormir. O cheiro era muito forte e parecia ser de produto químico, pois não era característico de esgoto. O forte cheiro alcançou inclusive uma escola, que ficava a uma distância de quatro ou cinco quadras do local onde eram depositados os materiais da indústria”.
A prova testemunhal, portanto, mostra-se, por si, suficiente a demonstrar os graves transtornos a que se submeterem os demandantes.
Somam-se a isso, ainda, os documentos juntados nas folhas 29 a 96, consubstanciados estes em notícias em periódicos locais e documentos extraídos de ação civil pública, onde apurada a conduta ilícita da ré.
De sua vez, o documento da folha 223, mais precisamente a Informação nº 211/2016, proveniente da FEPAN, esclareceu o seguinte em relação à pratica da ré:
“Este empreendimento realizava o recebimento e tratamento dos efluentes líquidos gerados por outros empreendimentos da SEMEATO S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO, sendo majoritariamente de característica de processos galvânicos, onde são utilizados diversos insumos e produtos químicos, sendo estes com graus de toxidade ao meio ambiente e à saúde humana diversos, e que após prévio tratamento físico químico eram encaminhados às lagoas de tratamento, que não possuíam qualquer tipo de sistema de impermeabilização. Em razão disso, podemos afirmar com certeza que o efluente que estava presente nas lagoas apresenta grau de toxidade, mesmo que crônica, porém não é possível mensurar seu valor em razão de não ter sido realizada análise laboratorial”.
A prova, portanto, é suficiente para a formação de um convencimento seguro no que respeita do fato de que a falha ou insuficiência do sistema de tratamento de efluentes da demandada gerou incômodos que transbordam os limites daquilo que se tem como tolerável, sobremaneira porque terminou por comprometer a própria qualidade de vida dos autores.
Possível, portanto, reconhecer a responsabilidade civil da ré e o direito dos autores à uma compensação pecuniária.
Sob outro viés, pertinente ao valor da indenização, igualmente isenta de reparo a sentença (e aqui, registro, vai negado o provimento a ambos os recursos, pois que, de um lado, pugna a ré pela redução do quantum, ao passo que a parte autora, de outro, pede a sua majoração), pois o valor arbitrado, a título de danos morais, de R$ 4.000,00, para cada autor, apresenta-se razoável e consonante com os precedentes desta Corte.
Efetivamente, o valor a ser fixado a título de indenização por danos morais deve atender ao binômio “reparação/punição”, à situação econômica dos litigantes, e ao elemento subjetivo do ilícito, arbitrando-se um valor que seja ao mesmo tempo reparatório e punitivo, não sendo irrisório e nem se traduzindo em enriquecimento indevido.
Maria Amália de Figueiredo Pereira Alvarenga, tecendo comentários acerca do quantum da indenização do dano moral, assim argumenta:
“Na reparação do dano moral, o juiz determina, por eqüidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível tal equivalência. A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e satisfação compensatória. Não se pode negar sua função: penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor; e compensatória, sendo uma satisfação que atenue a ofensa causada, proporcionando uma vantagem ao ofendido, que poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender às satisfações materiais ou ideais que repute convenientes, diminuindo assim, em parte, seu sofrimento. (O Quantum da Indenização do Dano Moral, Revista Jurídica da Universidade de França,1999, p.123-126)”
Maria Helena Diniz, ao lecionar sobre o dano moral, refere que:
“Na avaliação do dano moral, o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação eqüitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável.
Na reparação do dano moral, o magistrado determina, por eqüidade levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente por ser impossível tal equivalência. (Indenização por Dano Moral. A problemática jurídica da fixação do quantum, Revista Consulex, março, 1997, p.29-32)
No caso, tenho que é possível extrair da prova dos autos que os odores oriundos das lagoas, onde realizados tratamentos de efluentes líquidos da ré, efetivamente geraram transtornos que extrapolaram a normalidade ou a razoabilidade, dando azo a uma compensação pecuniária minimamente razoável, que corresponde à exata proporção do quantum indenizatório arbitrado.
De outro lado, não há falar em majoração da verba indenizatória, como postulado pelos autores, em suas razões de apelo, notadamente porque não há nos autos provas que demonstram ter havido perturbações em proporções tais que autorizem compensação pecuniária superior àquela arbitrada.
Não há, pois, notícias de que tenha, algum dos autores, tido alguma patologia e que esta tenha ligação direta com os odores. Houve, no mais, perturbações (ainda que além do limite do tolerável) com o mau cheiro.
Não se pode perder de vista, ainda, estar claro nos autos que a empresa demandada buscou adotar medidas destinadas a acelerar o processo de estabilização, para, com isso, eliminar o mau cheiro.
Não houve, pois, absoluto descaso ou desídia com a situação retratada, fato que, segundo entendo, se não tem o condão de afastar sua responsabilidade, que é objetiva, tem ao menos efeito limitador do teto do quantum reparatório.
Vai mantido, assim, o valor arbitrado na sentença.
Sob outro viés, não vejo razões suficientes para o acolhimento do pedido de aplicação de multa, pois que não há, na sentença, ordem de cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, a justificar a imposição de astreinte. Ademais, não se antevê indícios de que a ré vá manter sua prática, de emissão de poluentes, não se justificando, por este mesmo motivo, a imposição de multa.
Por fim, não vislumbro ser o caso de desconsideração da personalidade jurídica, pois que medida não justificável no caso dos autos.
A desconsideração da personalidade jurídica, em se tratando de dano ambiental (cujos requisitos diferem em parte daqueles previstos para a regra geral), poderá ocorrer sempre que sua personalidade se ostentar como obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade ambiental. Não se antevê, entretanto, que a personalidade jurídica da ré se apresente como obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados à qualidade do meio ambiente ou, ainda, não observo indícios de insuficiência patrimonial da sociedade empresária.
Não observo, assim, razões para a reforma da sentença.
ISSO POSTO, voto no sentido de negar provimento a ambos os recursos de apelação cível. Por fim, tendo por norte o permissivo contido no §11º do art. 85 do Novo Código de Processo Civil, aplicável à espécie, vão majorados os honorários advocatícios arbitrados na sentença, considerando o trabalho desenvolvido pelo procurador da parte adversa, na oferta de contrarrazões, para 17% sobre o valor dado à causa, a ser dividida na proporção arbitrada pela sentença, e mantida a suspensão de sua executividade em relação aos autores, frente à gratuidade da justiça.
É o voto.
Des. João Moreno Pomar – De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Heleno Tregnago Saraiva – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ – Presidente – Apelação Cível nº 70078816204, Comarca de Passo Fundo: “NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME.”
Julgador(a) de 1º Grau: JOAO MARCELO BARBIERO DE VARGAS
(Observação: O processo tramita sem segredo de justiça e os dados ora reproduzidos são publicizados pela justiça brasileira)