quinta-feira , 25 abril 2024
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Viver é muito perigoso… e complicado!

“Viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do sentente, mas outro é o do sentidor.” (João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas)

 

Por Enio Fonseca e Decio Michellis Jr.

 

“Grande Sertão: Veredas” (1956) é um romance experimental modernista regionalista do autor brasileiro João Guimarães Rosa. Um clássico da literatura brasileira e talvez uma das obras mais prestigiadas no Brasil e no exterior pela crítica. A maioria dos leitores brasileiros consideram este livro de difícil leitura, erudito, com narrativa cronológica não linear e exige muito esforço para sua compreensão.

Foi produzida pela Rede Globo uma minissérie de 25 capítulos inspirada no romance homônimo de Guimarães Rosa, com participações magistrais de Bruna Lombardi como Diadorim, Tony Ramos como Riobaldo e Tarcísio Meira como Hermógenes, entre outros.

A história gira em torno do jagunço Riobaldo e tem dois pontos focais:

  1. Diadorim: um jagunço com quem Riobaldo tem uma relação especial, nos limites entre a amizade e o relacionamento afetivo de um casal e,
  2. O pacto com o demônio: se ele teria se concretizado ou não (afinal, Lúcifer não se faz presente) incomodando Riobaldo e o levando a questionamentos profundos como a existência do diabo – e, por consequência, de Deus. Porém o comportamento de Riobaldo se modifica radicalmente após este (pseudo)evento.

Vivemos atualmente um intenso bombardeio de retórica apocalíptica: aquecimento global, colapsos ambientais diversos,  emergência climática, desmatamento, antropoceno e extinção em massa de espécies, armas de destruição em massa, satanização dos combustíveis fósseis, tecnologias problemáticas (inteligência artificial, manipulação genética, armas biológicas e a nanotecnologia, por exemplo),  Greenwashing, Socialwashing e suas contrapartidas: sustentabilidade e ODSs – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,  ESG (Governança ambiental, social e corporativa – do inglês Environmental, social, and corporate Governance), Net Zero, Low carbon, regras climáticas e um infinidade de termos e conceitos assemelhados.

 

Eu produzo, você consome, nós poluímos

Mas tudo pode ser resumido em: eu produzo, você consome, nós poluímos. Pelo Relógio do Juízo Final (publicado no Bulletin of the Atomic Scientists – “Boletim dos Cientistas Atômicos”), estamos a 100 segundos para o apocalipse!

O personagem Riobaldo absorve dezenas de páginas do romance questionando sobre a existência ou não do “Diabo”, e se a sua condição de pactuário é verdadeira.

Assim como Riobaldo, vivemos um dilema permanente entre os riscos detectáveis x riscos indetectáveis; os controláveis x incontroláveis; voluntários x riscos impostos; conhecidos x vagos/indeterminados; riscos fundamentais para o dia a dia x riscos incomuns; riscos futuros x imediatos. O simples fato de existirmos e respirarmos já aponta uma pegada negativa de carbono. Se consumirmos alimentos, produtos e serviços, oh meu Deus (!!!), estamos diretamente contribuindo para o fim do mundo.  Estamos demandando recursos naturais, e boa parte deles não renováveis, bem como deixando um rastro de poluição nem sempre evidente. A este efeito se dá o nome de pegada ecológica. Será que todas estas lacrações e teses apocalípticas apontariam para um pacto maligno (meu e seu) de destruição do mundo como o conhecemos com as forças das trevas?

Somos bombardeados constantemente por prognósticos catastrofistas e anúncios de limites da capacidade de suporte da vida humana na terra. Ocorrem que todas as tentativas de fixar os limites de sustentabilidade da terra foram inexoravelmente frustradas. No máximo se consegue estimar os impactos futuros a luz das tecnologias e práticas presentes. Melhorias contínuas, rupturas e revoluções tecnológicas, culturais e socioeconômicas, tem sistematicamente elevado os limites da capacidade de suporte da vida humana no planeta.

Como consumidores precisamos considerar nas nossas escolhas (consumo consciente, a redução, o reuso e a reciclagem) a demanda indireta ou oculta de recursos naturais, com destaque sobre os não renováveis. Ou seja, considerar a energia, água, recursos minerais, transportes e processos produtivos e seus impactos no meio ambiente para orientar as nossas decisões de consumo.

Merecem destaques 3 ferramentas que permitem não só a comparação de produtos, bem como a escolha mais responsável de fornecedores e pode subsidiar a indústria na identificação de oportunidades de melhoria, na rotulagem ambiental, no ecodesign, na comunicação e na formulação de políticas públicas.

  • ACV – Avaliação do Ciclo de Vida do produto (do berço ao túmulo)
  • EROEI – Energia Retornada Sobre Energia Investida
  • 3 R – Regra dos Três R’s

 

ACV – Avaliação do Ciclo de Vida do produto (do berço ao túmulo)

É uma técnica de avaliação e quantificação de impactos ambientais possíveis associados a um produto ou processo. Segundo a ISO 14.040 ACV é a “compilação de avaliação das entradas, saídas e dos impactos ambientais potenciais de um sistema de produto ao longo do seu ciclo de vida”.

Essa avaliação é feita sobre todos os estágios de ciclo de vida do produto ou processo, desde a aquisição da matéria-prima ou sua geração a partir de recursos naturais até sua disposição final (por exemplo, desde a extração das matérias-primas no caso de um produto, até o momento em que ele deixa de ter uso e é descartado como resíduo ou é reciclado), passando por todas as etapas intermediárias (matéria prima, manufatura, transporte, uso etc.).

Por essa razão, o ACV é também chamado de “avaliação do berço ao túmulo”. O ACV permite uma análise científica sobre as questões ambientais relacionadas a um produto ou processo, evitando um olhar superficial do seu impacto, a partir de um processo que inclui:

  1. Compilação de um inventário de entradas de energia e materiais relevantes inseridas e emissões ambientais;
  2. Avaliação do impacto ambiental associado com entradas e saídas identificadas;
  • Interpretação dos resultados sobre o impacto do produto ou processo, para melhor nível de informação de tomadores de decisão.

Para uma melhor compreensão do tema, recomenda-se visitar os links: https://pt.wikipedia.org/wiki/Avalia%C3%A7%C3%A3o_do_ciclo_de_vida  e https://pt.wikipedia.org/wiki/Ciclo_de_vida_do_produto

 

EROEI – Energia Retornada Sobre Energia Investida

Na economia energética e na energia ecológica, a energia retornada sobre a energia investida (EROEI ou ERoEI); ou retorno de energia sobre o investimento (EROI), é a proporção da quantidade de energia utilizável (o exergy) entregue de um determinado recurso de energia para a quantidade de exergy usada para obter esse recurso de energia. É uma medida distinta da eficiência energética, pois não mede as entradas de energia primária ao sistema, apenas energia utilizável.

Quando o EROEI de um recurso é menor ou igual a um, essa fonte de energia se torna um “coletor de energia” líquido e não pode mais ser usada como fonte de energia, mas, dependendo do sistema, pode ser útil para armazenamento de energia (para exemplo, uma bateria). Uma medida relacionada Energy Store On Energy Invested (ESOEI) é usado para analisar sistemas de armazenamento.

Para ser considerado viável como uma fonte de energia ou energia proeminente, um combustível ou energia deve ter uma relação EROEI de pelo menos 3: 1.

Para uma melhor compreensão do tema, recomenda-se visitar o link: https://en.wikipedia.org/wiki/Energy_returned_on_energy_invested

 

3 R – Regra dos Três R’s

É uma iniciativa sobre hábitos de consumo responsável. Compreende estratégias de gerenciamento de resíduos mais sustentáveis e menor impacto ambiental e priorizam a redução do volume de resíduos gerados.

Reduzir: diminuir a quantidade resíduos produzidos. Hábitos de consumo saudáveis como adquirir produtos que realmente serão utilizados (isto é realmente necessário?) e preferencialmente reutilizáveis. Para a indústria é produzir mais com menos.

Reutilizar: utilizar várias vezes o mesmo produto ou a mesma embalagem. Aproveitar sobras de materiais e ou produtos para outras (novas) funções. Recuperações e reformas de qualquer natureza se encaixam nesse princípio.

Reciclar: transformar o resíduo, em matérias-primas para a fabricação de novos produtos reduzindo o uso de matéria prima nova e de energia.

Com o passar do tempo novos “Rs” foram adicionados:

  1. Reduzir
  2. Reutilizar
  3. Reaproveitar
  4. Reciclar
  5. Repensar
  6. Recusar
  7. Recuperar
  8. Respeitar
  9. Responsabilizar-se
  10. Reinventar (novas maneiras de viver, consumir, produzir, transportar, armazenar e até prestar serviços)
  11. Um novo “R” de sua escolha e preferência…

 

Conclusões

Ao setor produtivo se espera um comprometimento cada vez maior com a inovação e a competitividade não só econômica, mas também socioambiental. Precisamos de mais tecnologia (muito mais mesmo, um choque tecnológico), de novos modos de geração e distribuição de conhecimento, de regulação flexível, diversidade tecnológica, e aumento da capacidade de observação e aprendizado sobre impactos socioambientais das novas tecnologias.

Mais do que parecer, é importante ser sustentável e socioambientalmente responsável, tendo por objeto iniciativas cuja efetividade seja inquestionável.

Diferente de Riobaldo, “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim” (José Ortega y Gasset). “Eu sou eu e minha circunstância” é concepção do homem como um “eu-circunstância”, indissociável do meio em que vive, distinto da realidade do entorno, mas inseparável deste. “se não salvo a ela, não me salvo a mim”, contém a ideia de que o homem que “quiser salvar-se deverá também salvar sua própria circunstância”, a realidade à sua volta. Implicitamente subordina a melhoria da condição do homem à sua ação.

Sou sustentável quando tenho a adequada percepção da responsabilidade solidária pela poluição, quando opto por soluções inovadoras técnica e economicamente viáveis, nas escolhas corretas, somadas à boa gestão, precaução e prevenção em uma sociedade cada vez mais global e interdependente, onde todos ganham: os negócios, o nosso bolso e principalmente o planeta.

“A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?” (G. Rosa).

 

 

 

Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais, Especialização

em Engenharia Ambiental, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation.

 

 
Decio Michellis Jr. – Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance.

 

Imagem: Senado Federal

 

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