Por Enio Fonseca
Introdução
Duas iniciativas em curso, uma do poder legislativo e outra do poder executivo, estão trazendo apreensão ao setor mineral brasileiro. A primeira delas pretende autorizar a superposição de atividades garimpeiras em áreas tituladas para pesquisa e lavras minerais.
A segunda estuda mudar o arcabouço legal da mineração para forçar empresas do setor a explorarem, de fato, suas concessões. O diagnóstico é que há milhares de minas paradas pelo país e que a medida em estudo poderia movimentar um volume de recursos na economia nacional comparável aos investimentos anuais da Petrobras.
Os PL nº 957/2024 e PL 2973/2023 e o garimpo em áreas minerais concedidas
Garimpo na Amazônia. Fonte Infoescola
Uma audiência pública realizada pela Frente Parlamentar da Mineração Sustentável no dia 17 de abril, na Câmara dos Deputados, em Brasília debateu o Projeto de Lei nº 957/2024, que trata da revisão do Código de Mineração, de autoria do deputado Felipe Barros (PL-PR), que tramita em regime de urgência na Câmara.
A audiência foi convocada para ouvir as entidades representantes do setor mineral frente aos Projetos de Lei em tramitação no Congresso que preveem a superposição da atividade garimpeira em áreas tituladas para pesquisa e lavra mineral, colocando em risco a realização de investimentos para descoberta e exploração de novas jazidas.
De acordo com matéria publicada pelo Canal Brasil 61, que registrou a audiência pública, e que serviu de referência para este capítulo: “as entidades do setor mineral reconhecem as dificuldades na obtenção de títulos de lavra para garimpeiros, mas entendem que o problema maior está na falta de estruturação da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Atualmente existem mais de nove mil permissões de lavra garimpeira (PLGs) requeridas e que aguardam posicionamento da ANM, que, por falta de recursos e pessoal, não consegue atender essas e outras demandas do setor mineral. Para as entidades, a proposta de criação de alternativas para lavra garimpeira agravará a situação-problema e legitimará o avanço da atividade ilegal sobre áreas oneradas.
“Qualquer tentativa de mudança no Código de Mineração pode abalar a segurança jurídica do setor mineral brasileiro, afirmou Luís Maurício Azevedo, presidente do Conselho da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM), durante a audiência pública”
O presidente da ABPM afirmou que a mineração é uma atividade de alto risco e que, de cada mil empreendimentos, apenas 10 vão chegar a ser uma jazida descoberta, e apenas um se transformaria em uma mina. “Todo esse processo leva entre 10 e 15 anos para chegarem entrarem em produção. Não dá para uma empresa que pesquisa para descobrir uma jazida mineral admitir a emissão de uma PLG “flutuante” sobre a sua área já outorgada”.
O executivo também alertou que a proposta de cinco PLGs de 50 hectares para cada garimpeiro não parece razoável, pois representaria quase 2,5 milhões de m², cerca de 250 campos de futebol. “Trata-se de uma área excessivamente grande, considerando que a Permissão de Lavra Garimpeira é um regime de extração mineral de exceção autorizado pela Constituição,” afirmou.
Azevedo, que também é vice-presidente do Comitê Temático de Mineração da Confederação Nacional da Indústria (COMIN/CNI), afirmou durante a audiência que o setor não é contra aprimorar o Código de Mineração, que teve atualizações recentes pelas Leis nº 13.575/2017, 14.066/2020 e, mais recentemente pela Lei nº 14.514/2022. Alguns pontos da proposta, no entanto, são inaceitáveis para o setor, citando a possibilidade de lavra em superfície, que permitiria a atuação de garimpos em áreas de pesquisa mineral. “Concordamos em 80% do texto, mas nossas diferenças de 20% são talvez intransponíveis”, destacou Azevedo.
O presidente da ABPM concluiu afirmando que “o principal problema está na falta de estrutura da Agência Nacional de Mineração e que a criação de alternativas para ampliar a PLG em áreas outorgadas, como a proposta de PLG Flutuante ou de lavra de superfície, sem a estruturação da ANM, somente agravará o problema”.
Rinaldo Mancin, diretor de Relações Institucionais do IBRAM, concordou com a avaliação de Azevedo. Segundo ele, o direito de prioridade é o princípio basilar do código mineral brasileiro, que garante investimento em projetos de pesquisa mineral. “Se o minerador não tiver esse direito para desenvolver um projeto, não existe credibilidade no nosso sistema”, ponderou Mancin.
O IBRAM também não concorda com a possibilidade de incluir PLG flutuante em qualquer tentativa de mudança da legislação do setor. “Não vamos concordar com cobre e manganês serem minerais garimpáveis. As tecnologias que são necessárias para o processamento e transformação são complexas, não havendo o melhor aproveitamento no caso da garimpagem. A extração mineral do cobre e do manganês é incompatível com garimpo”, afirmou o representante do IBRAM.
Entre os deputados, não há consenso sobre a proposta de PLG flutuante, inserida no Projeto de Lei 957/2024. De um lado estão parlamentares pró-garimpo, e do outro, deputados moderados, que entendem a importância de atividade mineradora responsável, comprometida com meio ambiente e as comunidades onde atua. Liderada pelas deputadas Laura Carneiro (PSD/RJ) e Greyce Elias (Avante/MG), essa ala avalia que não adianta mudar o código mineral, pois o gargalo do setor está na ANM, que precisa ser fortalecida com recursos financeiros e de pessoal. “Precisamos fortalecer a ANM e não criar mais entraves. Cada vez que criamos uma regra nova, ao invés de ajudar, só prejudicamos. Não podemos sufocar o setor. Ninguém vai investir no Brasil sem segurança jurídica. A mineração pode ser o novo agro”, disse Laura Carneiro, que apontou ainda a necessidade de mais diálogo com o setor para entender suas reais necessidades.
Por outro lado, o deputado Joaquim Passarinho (PL/PA), relator do PL 957/2024, reafirmou que a ideia de trazer a discussão para a Frente Parlamentar é justamente promover o debate e ouvir todas as partes interessadas. Para o parlamentar, qualquer alteração no Código deve ser devidamente discutida e se colocou à disposição das entidades presentes, assim como do setor mineral para continuar as discussões.
O deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), foi escalado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, para mediar o conflito. “Eu não tenho a receita de como será, mas eu tenho certeza que os dois lados terão que abrir mão um pouco para a gente ter uma Lei que seja mais equilibrada”, disse o deputado.
Zé Silva comentou que, como foi falado na reunião, o problema está na ANM, que não funciona como deveria. “Essa foi a primeira constatação que nós tivemos logo depois da tragédia de Brumadinho. E, de lá para cá, passaram-se três governos e nenhum deles cumpriu seu papel. Então, eu vou refletir um pouco mais e tomar medidas mais enérgicas em relação ao governo, porque assim não dá! Ou o governo sabe e faz que não sabe, ou ele não tem visão estratégica para entender que a única maneira de garantir uma mineração sustentável e gerar desenvolvimento é estruturando a ANM,” afirmou Zé Silva.
O PL seria levado para votação em plenário, contudo, após forte reação das entidades do setor, foi retirado da pauta de votação pelo presidente da Câmara, Artur Lira (PP-AL).
Sobre este mesmo assunto existe uma iniciativa similar no âmbito do Senado Federal.
De acordo com a matéria da Folha do Progresso, titulada como “Senado discute projeto que autoriza garimpo em áreas destinadas para pesquisa de extração de minerais” e que pode ser vista no link clicando aqui.
O projeto do senador Zequinha Marinho, PL 2973, altera uma lei de 1989. A proposta libera o garimpo, por até dez anos, em áreas já autorizadas para pesquisas minerais, quando houver viabilidade técnica e econômica, e dá 30 dias para que a empresa que detém a autorização para pesquisa se manifeste se concorda ou não com a permissão para o garimpo na mesma área. Caso ela se manifeste contra a exploração, caberá à Agência Nacional de Mineração avaliar a viabilidade.
Também prevê que secretarias estaduais possam conceder a autorização aos garimpeiros, o que hoje é proibido, e permite a autorização para o garimpo para empresas habilitadas, pessoas físicas e cooperativas de garimpeiros.
O senador Zequinha Marinho, autor do projeto, disse que as alterações vão assegurar uma exploração mais equitativa das riquezas do país e afastar obstáculos que vêm prejudicando o trabalho dos garimpeiros.
O senador Doutor Hiram Gonçalves, do Progressistas, defende o projeto e diz que o Congresso precisa discutir o assunto.
“A gente recebe um projeto desse com esperança de que nós possamos evoluir na tramitação desse projeto. Nós precisamos regulamentar isso, porque termina que as atividades garimpeiras nunca cessam. Nós precisamos, sim, fazer com que o Congresso Nacional tenha a atividade precípua que é legislar, e nós estamos abrindo mão dessa nossa prerrogativa”, disse ele no artigo.
O projeto foi pautado para votação na Comissão de Infraestrutura do Senado, mas um requerimento de parlamentares governistas levou a discussão para a Comissão de Meio Ambiente. Eles temem que a aprovação da proposta prejudique populações indígenas da região Norte do país. Se for aprovado nas duas comissões e não houver recurso, o projeto não precisaria passar pelo plenário do Senado, iria direto para a Câmara dos Deputados.
O Presidente do IBRAM, Raul Jungman, afirmou em seu linkedin sobre estas iniciativas: “ É o caos: garimpo em áreas de pesquisa e lavra das mineradoras, pontuando que “Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional podem ampliar sobremaneira a garimpagem, sem que poder público tenha capacidade para fiscalizar. E podem estimular a implantação de várias “Serras Peladas” no curto prazo. Danos e custos ao país são incalculáveis”.
A AMF vem acompanhando esta iniciativa legislativa em articulação com o IBRAM, que envolve os setores jurídicos e institucionais das entidades.
Governo planeja nova política de mineração para forçar exploração de minas
De acordo com matéria publicada no Jornal de Brasília e que pode ser vista no link clicando aqui, da qual transcrevo partes:
“O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda mudar o arcabouço legal da mineração para forçar empresas do setor a explorarem, de fato, suas unidades produtivas. O diagnóstico é que há milhares de minas paradas pelo país e que a medida em estudo poderia movimentar um volume de recursos na economia nacional comparável aos investimentos anuais da Petrobras.
O assunto é de grande interesse de Lula, que acusa o setor de não explorar as minas e de apenas se aproveitar da venda de direitos sobre as unidades.
De acordo com números levantados pelo governo e obtidos pela Folha de S.Paulo, 25% das mais de 14 mil concessões de lavra concedidas às empresas estão paralisadas, pela falta de início da exploração ou por suspensão das atividades.
A movimentação do governo pelas novas regras tem como um dos alvos principais a brasileira Vale, mas empresas como a australiana BHP Billiton e a anglo-australiana Rio Tinto também são citadas nas conversas, de acordo com relatos ouvidos pela Folha de S.Paulo.
De acordo com a matéria, citando o presidente Lula:
“O que nós queremos é que a Vale tenha mais responsabilidade. [Há uma] quantidade de minas na mão da Vale que ela não explora há mais de 30 anos e fica funcionando como se fosse dona e vendendo. A Vale, ultimamente, está vendendo mais ativo do que produzindo minério de ferro”, afirmou Lula há menos de dois meses ao jornalista Kennedy Alencar, sem dar detalhes.
O estudo sobre a situação da exploração mineral no país é feito pelo governo Lula desde o ano passado. As análises envolvem os ministérios comandados por Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) e apontam que grande parte das minas entra em cenário de paralisia antes mesmo do começo da exploração.
Segundo o levantamento do governo, as unidades com início de atividade adiado estão nessa situação pelo tempo médio de dez anos; as que estão com atividades suspensas, pelo tempo médio de 12 anos.
Para mudar a situação, o governo avalia endurecer as regras, o que pode envolver mudanças na legislação. Mas também estuda uma saída que não precise de alterações legais, já que há uma visão de que o arcabouço de hoje contém instrumentos para a devida exploração.
Entre as primeiras alternativas analisadas, estão ajustes para uma rigidez maior nos prazos para empresas prorrogarem a fase de pesquisa (que antecede a exploração) ou para suspenderem temporariamente as atividades. Caso esses limites sejam descumpridos, há a possibilidade de partir de maneira mais firme para a extinção do direito minerário da unidade.
Outro ponto estudado é elevar a chamada taxa anual por hectare (a TAH) -valor que a empresa paga durante a primeira fase do processo, a autorização de pesquisa, até a entrega de um relatório final sobre a viabilidade da unidade. O aumento dos valores, que podem inclusive ser progressivos com o tempo, desestimularia o que é visto como uma retenção proposital e especulativa das áreas.
Na avaliação do governo, a situação de paralisia pode ainda contrariar uma série de dispositivos legais que buscam preservar a livre concorrência.
A legislação prevê infração à ordem econômica quando, por exemplo, empresas agem para impedir que novas empresas acessem o mercado, criam dificuldade ao funcionamento de concorrentes e cessem total ou parcialmente atividades sem justa causa comprovada.
Além disso, há a visão de que o cenário prejudica a arrecadação para os cofres públicos. Isso porque a Constituição assegura à União, aos estados e aos municípios uma parte dos recursos obtidos com a exploração de recursos minerais (como acontece com os royalties do petróleo).
O governo estuda a revisão do arcabouço legal ao mesmo tempo em que defende a mineração como uma parte fundamental da transição energética. Há minerais essenciais demandados em grande escala atualmente para a fabricação de componentes voltados à economia de baixo carbono, como as baterias.
O tema tem como pano de fundo também a intenção de Lula de aquecer a economia brasileira, tema que passou a tomar ainda mais a atenção do mandatário em meio à queda recente de popularidade identificada nas pesquisas de opinião pública.
Para se ter uma ideia do tamanho do mercado, em 2023 o Brasil comercializou R$ 312 bilhões em minérios –apenas considerando as 11 principais substâncias metálicas produzidas no território nacional (como ferro, ouro, cobre, níquel e alumínio).
Procurada, a Vale afirma que detém menos de 1% do número total de direitos minerários do Brasil e que o portfólio dessa carteira no país foi reduzido desde 2005 em 80% após desinvestimentos, cessões de direito e desistência de áreas.
Segundo a empresa, as concessões de lavra em situação de início prorrogado ou com lavra suspensa são impactadas por fatores externos que impedem a produção.
“A Vale é a empresa que mais investe de forma contínua em pesquisa mineral no país”, afirma a companhia na matéria. “Como resultado destes investimentos, a Vale possui ativos minerais de excelente qualidade que fazem da empresa a maior produtora mineral do país, arrecadando maior volume de CFEM [contribuição paga aos cofres públicos pela exploração mineral] do que todos os outros players de mineração somados”, disse a mineradora brasileira.
Já a BHP Brasil informou que seus direitos minerários “se encontram ainda em fase de pesquisa e que vem cumprindo rigorosamente com os estudos e pesquisas previstos na legislação nacional”. A Rio Tinto foi procurada, mas não se posicionou.”
O setor é regido principalmente pelo Código de Mineração (decreto-lei 277/1967) e um decreto que o regulamentou em 2018 (9.406). O arcabouço diz que, antes de explorar uma mina, o interessado precisa entrar com o pedido para a chamada pesquisa mineral.
A Autorização de pesquisa com validade de um a três anos anos dada pela ANM (Agência Nacional de Mineração) à empresa. O prazo pode ser prorrogado por igual período. A empresa precisa começar a pesquisar em 60 dias (não podendo interromper os trabalhos sem justificativa por mais de três meses consecutivos)
Os estudos feitos na fase de pesquisa devem concluir pela viabilidade ou não da lavra e caberá à ANM avalizar o relatório da empresa. Aprovado o relatório que aponte viabilidade, o interessado tem um ano para pedir à ANM ou ao Ministério de Minas e Energia a concessão de lavra, prazo que pode ser prorrogado por um ano
Quando publicado o decreto de concessão, os trabalhos para a exploração precisam começar em no máximo seis meses -e, uma vez iniciados, não podem ser interrompidos por mais de seis meses consecutivos. A empresa precisa demonstrar à ANM, a cada seis meses, que o processo ambiental está em curso e que tem adotado medidas para obtenção da licença
É possível a empresa pedir suspensão temporária da lavra a partir de uma solicitação embasada, sendo necessária inspeção da ANM, que deve fazer um parecer a ser submetido à decisão do Ministério de Minas e Energia
A empresa pode sofrer diferentes tipos de penalidade caso descumpra obrigações, mas a lei prevê expressamente a caducidade da autorização de pesquisa ou mesmo da concessão se for caracterizado o abandono da jazida ou da mina ou se verificado o não cumprimento de prazos de pesquisa ou lavra mesmo após advertência ou multa.
Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais , Especialização em Proteção Florestal pelo NARTC e CONAF-Chile, em Engenharia Ambiental pelo IETEC-MG, , em Liderança em Gestão pela FDC, em Educação Ambiental pela UNB, MBA em Gestão de Florestas pelo IBAPE, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation, Gestor Sustentabilidade Associação Mineradores de Ferro do Brasil e articulista do Canal direitoambiental.com.
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