sexta-feira , 13 dezembro 2024
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Enchente no Rio Grande do Sul: A lei da natureza não é jurídica

Por Maurício Fernandes

A enchente no Rio Grande do Sul ocorreu no momento em que as leis mais protetivas vigoram

Da minha janela, sem luz e sem água, é possível observar um local seco, que serve de ponto de concentração das inúmeras equipes de salvamento, mesmo a 1.800 metros de distância do Rio Jacuí, em Porto Alegre. Primeiro foram os 4×4 e depois, com a elevação da água, somente barcos e motonáuticas indo e voltando, sem parar, há 8 dias. A enchente no Rio Grande do Sul é uma triste realidade.

Ainda assim, os voluntários só aumentam, dentro e fora d´água. Não falta empenho e o acolhimento é permanente. Café quente para todos, lanches, cobertas e, claro, quimioprofilaxia, na esperança de que um surto de diversas doenças não nos faça parar.

Na pior tragédia do Rio Grande do Sul, 447 municípios e mais de 2 milhões de pessoas tiveram alterada sua vida, muitos perderam parentes, casas, lavouras, maquinários, empregos e empresas. Depois de mais 600mm de chuva em 4 dias, são 616mil hectares ou 6.160 km² alagados (clique aqui para ver o mapa)

Enchente no Rio Grande do Sul –Fonte: Acesse o link

Efetivamente, a ausência de precedente histórico da situação posta e a dimensão da catástrofe exigem reflexões igualmente complexas. Certamente não há fórmulas prontas, tampouco soluções mágicas para que possamos evitar que se repitam os mesmos resultados. No mesmo sentido, também desconfie de relações simplistas de causa e efeito.

Como sempre, não faltaram especialistas para sumariamente avaliar, julgar, condenar e executar penas ao povo gaúcho. Colocar a culpa num fetiche de “flexibilização da legislação ambiental” é desonestidade intelectual.

A precipitação da avaliação do ocorrido afasta-se da prudência científica e se aproxima de conclusões atécnicas, permeando soluções e justificativas simplistas, quiçá desejos ideológicos.

Ora, de pronto saltam duas teses: (a) “mudanças climáticas” e (b) legislação insuficiente.

No guarda chuva das mudanças climáticas, cabe tudo, sem a necessidade (ou possibilidade) de provar nada, logo, vamos nos ater ao segundo ponto. Não se olvide que, ainda assim, que choveu tanto quanto na enchente de 1941.

 

A legislação ambiental nunca foi tão protetiva

 

A legislação atual é infinitamente mais protetiva do que na época da última catástrofe, que servia de referência como máxima histórica. Em 1941 a legislação que tutelava a relação entre o homem e a natureza era menos protetiva. Além disso, consabido que, atualmente, há mais florestas do que há 80 anos no Rio Grande do Sul, fruto do êxodo rural e da legislação ambiental.

Em 1941, é consenso de que não havia mudança climática e vigia o Decreto 23.793/1934, então Código Florestal, que fixava a Reserva Legal em 25% das florestas de cada imóvel (não incidia sobre campos). As famosas Áreas de Preservação Permanente (APP) eram restritas às margens, sem definição de metragens. Não havia lei de bioma, lembrando que as chuvas concentraram-se no Bioma da Mata Atlântica, na porção norte do Estado.

Desde então, já nos anos 1960 e 1970 a legislação ambiental tornou-se muito mais protetiva e um complexo sistema de obras civis criaram barreiras físicas para conter as águas na região metropolitana de Porto Alegre, com diques, bombas de drenagem e o famoso muro da Mauá. O Muro impediu a visão do Lago Guaíba por mais de cinqüenta anos, e quando foi posto à prova, não impediu a inundação.

Se por um lado é inquestionável que a legislação fez aumentar a área vegetal protegida, também muitas restrições à intervenção foram implantadas, como a que contribuiria para o aumento de vazão dos corpos hídricos que extravasaram. Sim, a política ambiental é aplicada de forma que a dragagem dos recursos hídricos que estão significativamente assoreados não é feita.

Como problemas complexos não demandam soluções simples, resta evidente que não é uma solução, porém a dragagem dos rios e, principalmente, do Lago Guaíba é urgente e não aconteceu por decisão de ambientalistas, sejam na esfera privada ou exercendo cargos públicos.

 

Áreas de Preservação Permanente de centenas de metros ainda assim seriam insuficientes

 

Além disso, atribuir eventual falta de cumprimento da legislação vigente como medida que tenha contribuído à calamidade beira à má-fé, posto que os rios extravasaram suas calhas em mais de dois quilômetros. Antes que se pense, já alerto: não será a solução criar APP´s de dois quilômetros.

Outrossim, medidas preventivas de enchentes e investimentos em mapas de área de risco são necessidades postergadas em todas as esferas públicas, mas é preciso deixar claro que nenhuma lei vigente, ou a ser criada, teria a capacidade de impedir o que aconteceu.

O desafio posto é diminuir os efeitos negativos à população nos desastres, de forma que causem menos danos possíveis. Dito de outra forma, precisamos saber conviver com os desastres.

Com efeito, é soberba jurídica achar que leis poderiam ter impedido ou, pior ainda, ter causado a catástrofe.

Não há lei humana que revogue as leis da natureza!

Imperioso que a sociedade faça suas escolhas, impedindo invasões em áreas de risco, criando sistemas de contenção de alagamentos via obras civis e tantas outras medidas necessárias à proteção de vidas.

Agora, voltarei para água, sem que não tenha feito o que todos estão a fazer: “contribuir como pode”.

 

mauricio fernandes advogados

 

Maurício Fernandes – mais um voluntário nas enchentes.

Instagram: @mfernandes.dam

 

 

 

 

 

 

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