A Advocacia ambiental se debruça há muito sobre a possibilidade de o judiciário analisar o mérito do ato administrativo, mais especificamente o valor da multa aplicada. Atualmente é uma tendência ainda em consolidação, por isso a decisão ora em comento merece destaque. Diversas decisões passaram a considerar o princípio da razoabilidade para alterar o valor da multa, alguns casos até mesmo abaixo do mínimo legal. Outra decisão que reduziu multa aplicada pela administração é a n. 5009531-62.2013.404.7100/RS, do TRF4.
Um morador de Florianópolis vai ter que pagar multa no valor de R$ 1 mil por criar em casa seis espécies de pássaros silvestres, entre elas duas ameaçadas de extinção: uma arara-tricolor e um papagaio-de-peito-roxo. Na última semana, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou um auto de infração lavrado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contra o homem em 2006.
A fiscalização encontrou os animais dentro da residência do criador presos em gaiolas, anilhados – com argolas de identificação – e em um corredor escuro. O Ibama aplicou penalidade no valor de R$ 3 mil. O réu chegou a ser processado criminalmente, mas fez um acordo com a Justiça e teve a ação suspensa.
Ele ajuizou vários recursos administrativos pedindo a anulação da multa, mas todos foram negados. Em 2012, o catarinense ingressou com o processo na 6ª Vara da capital alegando que o valor era exorbitante comparado a seus rendimentos.
O Ibama afirmou que agiu conforme a Lei e que o homem poderia parcelar o débito em até 60 vezes.
No primeiro grau, a multa foi mantida, entretanto, o valor foi reduzido. O autor apelou ao tribunal pedindo a reforma da sentença.
O relator do caso no TRF4, juiz federal convocado Loraci Flores de Lima, manteve a decisão na íntegra. Em seu voto, o magistrado disse: “a mera apreensão dos animais não teria o caráter pedagógico visado pelas normas de proteção, por isso a multa foi também aplicada, consoante previsão legal.” “A redução da multa considerou a baixa renda do autor, assim também como o fato do mesmo já ter sido punido criminalmente pela conduta, o que atende ao princípio da razoabilidade”, concluiu.
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por LUIZ CARLOS DA SILVA contra o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA objetivando a declaração de nulidade de multa imposta.
Alega, que em 9/10/2006 foi autuado com multa de R$ 3.000,00, por manter em cativeiro quatro pássaros de sua propriedade, e que em 3/4/2007 fez acordo para a suspensão condicional do processo perante o Juízo da Vara Única do Juizado Especial Criminal do Fórum do Norte da Ilha, que foi integralmente cumprido. Aduz que interpôs recurso administrativo, que foi negado provimento. Defende que o valor da multa é exorbitante. Defende a ocorrência de prescrição, ao argumento que como a infração também é tratada como crime, deve ser aplicado o prazo prescricional do Código Penal, que é de três anos.
O IBAMA, em contestação, defendeu a legalidade do ato impugnado.
Processado o feito, o magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido, para reduzir o valor da multa imposta. A sentença foi proferida nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO, extinguindo o processo com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, tão somente para reduzir o valor da multa imposta ao autor no Auto de Infração n. 558571-D para R$ 1.000,00.
Condeno o autor ao pagamento das custas inicias e honorários advocatícios em favor do réu, fixados em 10% sobre a quantia reconhecida como devida, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, que permanecerão suspensos em virtude de o autor ser beneficiário de assistência judiciária gratuita, enquanto perdurar a situação que lhe deu causa (art. 12 da Lei n. 1.060/50). O IBAMA também pagará honorários em favor do autor, no montante de 10% sobre o valor da causa. Sendo cada parte vencedor em vencido, serão compensados os honorários (art. 21, caput, do CPC).
Apela o autor. Repisa os argumentos da inicial.
Também recorre o IBAMA. Insurge-se contra a redução da multa aplicada.
Com contrarrazões, vieram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pela manutenção da sentença (evento 4 – PARECER1).
É o relatório.
VOTO
A sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau não merece reparos, devendo ser mantida na íntegra, por seus próprios fundamentos:
( )
O autor foi autuado, em 9-10-2006, por ‘ter em cativeiro pássaros da fauna silvestre (nativos) sem autorização da autoridade competente’. Na mesma ocasião, os animais (no total de seis), foram apreendidos pela autoridade ambiental.
Segundo se infere dos autos (Evento 1 – PROCADM12), o procedimento de fiscalização teve início após a constatação da posse dos animais pelo autor em sua residência, expedindo-se o Auto de Infração nº. 558571-D e Termo de Apreensão e Depósito nº. 472099 e, em seguida foi elaborado Relatório Técnico de Fiscalização .
O autor apresentou defesa perante o órgão administrativo, a qual foi julgada improcedente em 26-2-2009. Contra esta decisão ele apresentou recurso, tendo sido assistido pela Defensoria Pública da União. Novamente o recurso foi julgado improcedente e mantido o auto de infração. Diante disso, não há falar em ofensa ao devido processo legal, pois o autor foi devidamente cientificado de todas as decisões tomadas no processo administrativo.
Também não procede a alegação de prescrição, posto que o prazo referido no § 2º do art. 1º da Lei n. 9.783/99 diz respeito ao direito à imposição da própria penalidade e ela foi imposta ao autor no dia do fato pelo IBAMA, oportunidade em que foi lavrado o auto de infração. De outro lado, pelas cópias juntadas, também não se operou a chamada prescrição intercorrente, pois o processo administrativo não ficou paralisado mais do que três anos.
Quanto à sanção imposta, observo que ela foi aplicada com base no seguinte dispositivo do Decreto n. 3.179/99, que vigia à época dos fatos:
Art. 11. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais), por unidade, com acréscimo por exemplar excedente de:
I – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por unidade de espécie constante da lista oficial de fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo I da Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção-CITES; e
II – R$ 3.000,00 (três mil reais), por unidade de espécie constante da lista oficial de fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo II da CITES.
§ 1o Incorre nas mesmas multas:
I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; ou
III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
É bem verdade que, tratando-se de guarda doméstica de animais silvestres, o parágrafo 2º do artigo supramencionado dispunha que, considerando as circunstâncias, a autoridade poderia deixar de aplicar a multa, ‘nos termos do § 2o do art. 29 da Lei no 9.605, de 1998.’ E, se houvesse entrega espontânea, a autoridade deveria deixar de aplicá-la (§ 3º).
No caso, não se pode falar em entrega espontânea, posto que os animais passaram à posse do IBAMA em face da fiscalização e apreensão efetuadas. De outro lado, a norma antes referida refere que a autoridade ‘poderia’ deixar de aplicar multa, estabelecendo certa discricionariedade ao agente autuante, em benefício do infrator. Assim, a depender das circunstâncias, depois da avaliação acerca da suficiência de outras sanções administrativas também previstas, a multa poderia não ser aplicada.
Ao aplicar uma penalidade, a autoridade leva em conta o duplo objetivo da sanção administrativa ambiental, quais sejam: a correção do infrator, no que representa um verdadeiro castigo para que melhore a sua conduta de respeito às normas legais ambiental; e a finalidade de prevenção, no sentido de servir como alerta a todos os outros, e ao próprio infrator, das consequências da infração ambiental.
No caso, a mera apreensão dos animais não teria o caráter pedagógico visado pelas normas de proteção, por isso a multa foi também aplicada, consoante previsão legal.
Apreciando a questão idêntica à tratada nestes autos, o Tribunal, no julgamento do agravo de instrumento n. 5021113-53.2012.404.0000, interposto pelo IBAMA contra a decisão que deferiu a antecipação de tutela naqueles autos, fundamentado em parecer do Ministério Público Federal, assim decidiu:
Como se verifica, muito embora exista a possibilidade de o IBAMA, consideradas as circunstâncias, deixar de aplicar a sanção quando se estiver diante de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção, tem-se aí causa excepcional de impunidade, que haverá de considerar as vicissitudes do caso concreto. Ou seja, sem se adentrar, por enquanto, no debate acerca de ser viável, ou não, o Poder Judiciário substituir, em casos tais, o IBAMA, parece que esse perdão administrativo, em linha de princípio, é dissonante à conduta de manter em cativeiro os sete pássaros arrecadados pelo IBAMA, pois isso, a meu ver, longe está de ser comportamento insignificante. Caso se estivesse, por exemplo, diante de um único exemplar, ou, no limite, dois ou três, até se poderia cogitar de aplicar ao infrator o benefício em questão; tratando-se de sete, todavia, parece um tanto extrapolado a quantidade possivelmente enxergada como razoável.
Por isso, há, sim, lesividade ambiental nesse comportamento, especialmente a se considerar, como alertado pelo agravante, os efeitos deletérios cumulativos de reiteradas e sucessivas liberações de pagamento de infrações à fauna e à flora.
Tampouco o §3º do art. 11 do Decreto n. 3.179/99, ademais, auxilia a pretensão do agravado, na medida em que pressupõe a entrega espontânea dos animais ao IBAMA, e não a sua apreensão.
Por outro lado, afigura-se-me pelo menos questionável, nesse ponto da evolução cultural e nesse panorama da sociedade da informação em que se vive, propugnar pela ausência de conhecimento acerca da ilicitude de uma prática que, a despeito de arraigada culturalmente, já de um bom tempo tem sido combatida pelos órgãos e entes de salvaguarda ambiental. Daí que, à míngua de prova bastante dessa ausência de ciência pelo autor, tampouco de algum eventual ambiente cultural pouco propício à obtenção desse conhecimento, a fim de colocar por terra a presunção de legitimidade do ato administrativo impugnado, descabe o afastamento liminar do auto de infração.
Por fim, não convence o argumento no sentido da inaptidão econômica do demandante a fazer frente ao pagamento da sanção. Se por um lado é certo que ela representa montante elevado frente a seus rendimentos mensais declarados – cerca do triplo -, menos correto não é, por outro, que, sendo punição, deve representar algum dissabor ao indivíduo. De mais a mais, conforme salientou o agravante, é viável a divisão do valor em prestações, de maneira a facilitar o correspondente adimplemento.
Na apelação cível interposta contra a sentença no processo do qual se originou o referido agravo de instrumento, o Tribunal confirmou seu entendimento em julgado que foi assim ementado:
AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO NA QUAL IMPUGNADA MULTA IMPOSTA PELO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). GUARDA DE SETE PÁSSAROS SILVESTRES SEM AUTORIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO DA SANÇÃO E AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO. INOCORRÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO AUTORIZAM DEIXAR O INSTITUTO DE APLICAR A SANÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE QUE NÃO SE VERIFICA. 1. Tendo sido a autuação do autor realizada no mesmo dia em que constatada a prática da infração ambiental – guarda, em cativeiro, de pássaros da fauna silvestre sem autorização do órgão competente -, não há falar em prescrição da atividade de fiscalização da Administração Pública. Além do mais, ‘prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental’ (enunciado n. 467 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça). 2. A a alegada ausência de motivação do auto de infração não se sustenta, na medida em que (i) ele claramente descreve a infração; e (ii) a multa imposta – R$ 3.500,00 – observou o parâmetro de R$ 500,00 por unidade de espécime da fauna apanhado sem permissão previsto no preceito secundário do art. 11 do Decreto n. 3.179/99 – atualmente reproduzido no art. 24 do Decreto n. 6.514/2008 -, disposição regulamentar em que enquadrada, com base no art. 70 da Lei n. 9.605/98, a conduta do recorrente. 3. Muito embora exista a possibilidade de o IBAMA, consideradas as circunstâncias, deixar de aplicar multa quando se estiver diante de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção, tem-se aí causa excepcional de impunidade, que haverá de considerar as vicissitudes do caso concreto. Hipótese em que esse perdão administrativo, em linha de princípio, é dissonante à conduta de manter em cativeiro os sete pássaros arrecadados pelo IBAMA, pois isso longe está de ser comportamento insignificante. Lesividade ambiental evidenciada, não havendo falar em desproporcionalidade da atuação administrativa. 4. Parcial provimento da apelação. (TRF4, AC 5020973-50.2012.404.7200, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 10/10/2013).
O provimento parcial ao recurso, concedido pelo TRF-4ª R. naquele caso, restringiu-se à redução da multa (que havia sido fixada em R$ 3.500,00) para R$ 1.000,00, em face da hipossuficiência do infrator.
A hipótese dos autos é idêntica, restando claramente demonstrada a carência de recursos por parte do autor, que inclusive é representado pela Defensoria da Pública.
Diante disso, tendo em vista que no presente caso a multa foi fixada em valor próximo àquele discutido na AC n. 5020973-50.2012.404.7200 (R$ 3.000,00), reduzo-a também para R$ 1.000,00, quantia mais consentânea com a situação econômica do autor e que encontra fundamento no art. 6º do Decreto n. 3.179/99, vigente à época.
( )
Quanto à redução da multa, destaco que considerada a baixa renda do autor, assim também como o fato do mesmo já ter sido punido criminalmente pela conduta, entendo que a sua redução tem amparo no princípio da razoabilidade. Penso que a sanção deve representar um dissabor significativo, mas não ao ponto de implicar no comprometimento da sobrevivência do autuado. Agiu com acerto o juízo a quo.
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e às apelações.
Juiz Federal LORACI FLORES DE LIMA
Relator
ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO. PÁSSAROS EM CATIVEIRO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. MULTA FIXADA CONFORME ÀS CONDIÇÕES FINANCEIRAS DO AUTOR.
1. Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental.
2. A redução da multa considerou a baixa renda do autor, assim também como o fato do mesmo já ter sido punido criminalmente pela conduta, o que atende ao princípio da razoabilidade.
3. Manutenção da sentença na íntegra.
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de agosto de 2016.