“A 5ª Turma do TRF da 1ª Região (TRF1) deu provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para reformar a sentença, da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará, que condenou uma empresa e três pessoas ao pagamento de indenização por danos materiais a ser revertido ao fundo destinado à reconstituição dos bens lesados e ao reflorestamento da área desmatada.
Consta dos autos que os envolvidos praticaram ilícito penal consistente na fraude do sistema de controle ambiental implantado pelo Ibama para emissão do Documento de Origem Florestal (DOF), que corresponde a uma licença obrigatória para o controle de transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa.
A inserção de dados falsos no sistema DOF permitiu que grande número de empresas passasse a ter créditos fictícios, ‘legitimando, desse modo, operações de comercialização de madeiras extraídas de forma ilegal’. Além de a inserção dos créditos, o ilícito se materializava também na impressão dos DOFs para acobertar o produto durante o seu transporte.
Ao analisar o processo, o relator, desembargador federal Souza Prudente, sustenta que a Constituição impõe aos poderes públicos o ‘dever de assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, afastando-se, assim, numa interpretação sistêmica, a novação privatista do princípio da dominialidade estatal que ainda literalmente restou escrito no texto constitucional’.
Destaca o magistrado que a CF/88 determina o dever impositivo ao poder público de assegurar a ‘efetividade do direito fundamental ao meio ambiente sadio como direito de todos e também a responsabilidade social de todos em garantir esse direito fundamental’.
O desembargador observa ainda que a lei da ‘política nacional do meio ambiente, que é anterior ao texto constitucional e lhe que serviu de inspiração, já estabelecia e ainda estabelece, ao instituir a política nacional do meio ambiente, neste País, iluminada pelas conclusões da Conferência Mundial de Estocolmo, em 1972, no sentido de que compete ao Ibama executar a política nacional do meio ambiente e atuar, ainda que supletivamente, no licenciamento de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras’.
Assevera o relator que a ‘incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se estiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções do meio ambiente natural, cultural, artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral’.
O magistrado afirma que o princípio do desenvolvimento sustentável, ‘além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras geraçõe’s.
Segundo o Colegiado, acompanhando o voto do relator, ‘ficou demonstrada na espécie, a ocorrência do dano ambiental, caracterizada pela comercialização ilegal de 9.991,385 m³de madeira, bem como do dano moral coletivo, resultante da agressão difusa derivada dessa conduta ilícita, impõe-se o dever de indenizar’”.
Fonte: TRF1, 20/02/2017.
Confira a íntegra da decisão:
APELAÇÃO CÍVEL 2008.39.00.011767-9/PA
Processo na Origem: 117343920084013900
RELATOR(A) | : | DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE |
APELANTE | : | DOMINGOS SANTOS LIMA E OUTROS(AS) |
CURADOR | : | DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO – DPU |
APELANTE | : | MINISTERIO PUBLICO FEDERAL E OUTROS(AS) |
PROCURADOR | : | PATRICK MENEZES COLARES |
APELANTE | : | INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS – IBAMA E OUTROS(AS) |
PROCURADOR | : | ADRIANA MAIA VENTURINI |
APELANTE | : | D M E INDUSTRIA E COMERCIO DE CARVAO LTDA – EPP E OUTROS(AS) |
ADVOGADO | : | PA00013160 – ESTELA NEVES DE SOUZA |
APELANTE | : | ESAU GOMES FERREIRA |
ADVOGADO | : | PA00013974 – JOSE SOUZA PINTO FILHO |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE (RELATOR):
Cuida-se de recursos de apelação interpostos contra sentença proferida pelo Juízo da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Pará, nos autos da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra D.M.E. INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CARVÃO LTDA – EPP, DOMINGOS SANTOS LIMA, ESAÚ COMES FERREIRA, FRANCISCO BEZERRA DA SILVA e MARIA DO CARMO RODRIGUES DOS SANTOS. e Outros, figurando, como litisconsorte ativo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em que se busca a concessão de provimento judicial, no sentido de que os promovidos sejam condenados no pagamento de indenização, a título de dano material e dano moral coletivo, em virtude de ilícito ambiental, bem assim, na obrigação de fazer, consistente na recomposição de área degradada.
A controvérsia instaurada nestes autos restou resumida, na sentença monocrática, nestes termos:
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra D M E INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CARVÃO LTDA – EPP, DOMINGOS SANTOS LIMA, ESAÚ COMES FERREIRA, FRANCISCO BEZERRA DA SILVA, MARIA DO CARMO RODRIGUES DOS SANTOS e IBAMA, objetivando, no mérito, a recomposição do dano ambiental em decorrência de fraude supostamente praticada pelos demandados que teria resultado na degradação do meio ambiente em prejuízo de toda a coletividade, cumulada com indenização por danos materiais no montante de R$9.285.662,06 (nove milhões duzentos e oitenta e cinco mil seiscentos e sessenta e dois reais e seis centavos) e danos morais, no valor de R$3.142.248,51 (três milhões cento e quarenta e dois mil duzentos e quarenta e oito reais e cinquenta e um centavos).
Narrou a inicial que os ilícitos imputáveis aos requeridos vieram à tona na operação policial denominada Ouro Verde II, na qual foi constatada a existência de fraude no sistema de controle ambiental implantado pelo IBAMA para fins de emissão do Documento de Origem Florestal (DOF) que veio a substituir as chamadas Autorizações de Transporte de Produtos Florestais — ATPF’s, tendo por escopo a adoção de um procedimento informatizado para o controle do transporte de produtos florestais.
O modus operandi consistia na inserção de dados falsos no sistema DOE, permitindo que um grande número de empresas passassem a ter créditos fictícios, legitimando, desse modo, operações de comercialização de madeiras extraídas de forma ilegal. Além da inserção dos créditos, o ilícito se materializava também na impressão dos DOFs para acobertar o produto durante o seu transporte.
No que tange a individualização da conduta, a inicial esclarece que os requeridos teriam integrado o grupo de empresas que tiveram créditos indevidamente inseridos no Sistema DOF/IBAMA, beneficiando-se, portanto, da fraude, mediante a utilização de créditos fictícios.
Inicial instruída com os documentos de fls. 129/453.
Liminar indeferida às fls. 455/461.
Em decisão lavrada às fls. 469/471 o Magistrado então presidente do feito houve por bem excluir o IBAMA do pólo passivo e incluí-lo no pólo ativo do feito.
Os requeridos foram todos citados por edital, consoante publicações de fls. 558/559 e 641/642.
ESAÚ COMES FERREIRA apresentou contestação às fls. 562/581, suscitando como matéria preliminar carência de ação por ilegitimidade passiva, ao argumento de que à época de ocorrência do evento danoso já não mais fazia parte do quadro societário da empresa, bem como a inépcia da inicial, uma vez que não restou demonstrada a correlação entre a conduta dos autores e o pedido formulado, jamais tendo o requerido dado causa a qualquer dano ambiental. No mérito, sustentou a inexistência de comprovação dos danos mencionados na exordial, razão pela qual deverá ser afastada a responsabilidade civil que lhe foi imputada. Ao final, sustentou a impossibilidade de inversão do ônus da prova e pugnou pela improcedência dos pedidos formulados.
Juntou as peças de fls. 582/587.
Por seu turno, D M E Indústria e Comércio de Carvão Ltda., Maria do Carmo Rodrigues dos Santos e Francisco Bezerra da Silva contestaram a ação às fls.588/618, arguindo em preliminar a incompetência da justiça Federal, sob a tese de que o local do dano seria o Município de Paragominas, neste Estado, sendo esta a Comarca com competência para julgamento e processamento da ação, nos moldes do art. 2ª da lei n. 7.347/85. No mesmo passo, alegaram a inépcia da inicial pela impossibilidade de utilização em processo cível de prova obtida por meio de interceptação telefônica em processo penal, bem como pela ausência de especificação das condutas dos requeridos, o que lhes impossibilita o direito de defesa. No mérito, sustentaram a não comprovação dos danos ambientais, a impossibilidade da inversão do ônus d aprova, impugnaram os critérios utilizados pelo MPF para chegar aos valores requeridos a título de indenização e demandaram a improcedência dos pedidos.
Juntaram as procurações de fls. 619/620.
Réplica do MPF às fls. 624/634.
DOMINGOS SANTOS LIMA contestou a ação às fls. 644/663 com fundamentos idênticos aos já declinados por Esaú Gomes Ferreira.
Réplica do MPF às fls. 669/679 e do IBAMA às fls. 684/687.
No expediente de fls. 691 foi declarada a revelia do requerido Domingos Santos Lima, por ausência de procuração ao advogado subscritor de sua defesa, nomeando-se a DPU como curadora especial. Na oportunidade, foi aberto prazo para regularização da representação processual de Esaú Gomes Ferreira e Francisco Bezerra da Silva, os quais apresentaram os instrumentos de fls. 695 e 697.
Em contestação às fls. 700/707, a DPU suscitou preliminarmente a nulidade da citação editalícia, a inépcia da iniciar pela ausência de especificação das condutas atribuídas ao réu, impossibilitando seu direito de defesa e, por fim, a impossibilidade jurídica do pedido de condenação em danos morais difusos. No mérito, destacou a ausência de prova do dano ambiental e de seu valor, bem como a ausência de nexo de causalidade entre as atividades do réu e os danos ambientais. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos.
Réplica do MPF às fls. 711/719 e do IBAMA às fls. 725/728.
Após regular instrução dos autos e rejeitar as preliminares suscitadas pelos promovidos, o juízo monocrático julgou parcialmente procedente, “para condenar D.M.E. INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CARVÃO LTDA – EPP, DOMINGOS SANTOS LIMA, ESAÚ COMES FERREIRA, FRANCISCO BEZERRA DA SILVA e MARIA DO CARMO RODRIGUES DOS SANTOS ao pagamento da indenização a título de danos materiais no valor de R$599.510.10 (quinhentos e noventa e nove mil quinhentos e dez reais e dez centavos), a ser revertido ao fundo de que cuida o art. 13 da Lei da ACP; e ao reflorestamento da área de 166,5305 hectares, nos termos acima fundamentados.. Rejeitou, contudo, o pedido alusivo aos danos morais coletivos.
Houve a interposição de apelação pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, pugnando pela reformam parcial da sentença recorrida, a fim de que o valor da indenização, a título de danos ambientais, seja apurado mediante a aplicação do preço médio de mercado de madeira na região, conforme Boletim Informativo de Preços publicado pela Secretaria de Fazenda do Estado do Pará, e não pelo valor dos resíduos de madeira, conforme assim ordenado pelo juízo monocrático. Insistem, ainda, na condenação dos promovidos no pagamento de danos morais coletivos, repisando os fundamentos elencados na peça de ingresso.
Os promovidos também interpuseram recurso de apelação, reiterando os argumentos veiculados em suas respectivas peças de defesa, pugnando, assim, pelo reforma da sentença recorrida, com a consequente improcedência dos pedidos formulados na inicial.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este egrégio Tribunal, manifestando-se a douta Procuradoria Regional da República pelo provimento dos recursos interpostos pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, desprovendo-se os apelos dos promovidos.
Este é o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE (RELATOR):
Não prosperam as preliminares suscitadas pelos promovidos, na medida em que os fundamentos lançados na peça recursal não conseguem infirmar as razões em que se amparou a sentença recorrida, nestes termos:
“(…)
Inicialmente afasto a alegação de incompetência desta justiça Federal.
Ao que se observa da inicial, há interesse direto do Ibama, na condição de autarquia federal, no deslinde do feito, já que é o órgão responsável pelo controle e gerência dci sistema DOF, o qual foi objeto da fraude que deu ensejo ao ajuizamento da ação. Acresce, ainda, que a competência para a proteção do meio ambiente abrange todos os entes federativos, tratando-se de competência concorrente, ex vi do art. 23, VI, da Carta da República.
Nesse sentido, destaco:
(…) INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMAS ESTADUAL E FEDERAL DE CONTROLE DE MOVIMENTAÇÃO DE PRODUTO FLORESTAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ORDEM DENEGADA. 1. Hipótese na qual a conduta dos denunciados consistia em alimentar os sistemas SISFLORA/PA (mantido pelo Estado do Pará) e DOF (mantido pelo IBAMA), com informações não idôneas, visando conferir aparência de licitude à madeira extraída de forma criminosa.
2. Tendo em vista que o fato denunciado consiste, pelo menos em tese, em infração penal cometida em detrimento de bens e interesse da União e, também, em prejuízo do IBAMA, que é autarquia federal, a competência é da Justiça Federal (art. 109, inciso IV, da Constituição Federal).
3.Ordem denegada. (Numeração Única: HC 0059361- 60.2012.4.01.0000/PA; HABEAS CORPUS; Relator DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ; Convocado JUIZ FEDERAL MARCUS VIN/CIUS REIS BASTOS (CONV); TRF da 1ª Região; QUARTA TURMA; Publicação 26/11/2012 e-DJF1)
A tese de incompetência dos demandados, portanto, não se sustenta.
No tocante à ilegitimidade passiva suscitada pelos requeridos Esaú Gomes Ferreira e Domingos Santos Lima, não vislumbro possibilidade de acolhida, já que pela documentação juntada às fls. 447/452 pelo MPF, observa-se que ambos foram sócios fundadores da empresa D M E INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CARVÃO LTDA., permanecendo em seus quadros societários no período de 28/04/2006 a 11/12/2006, Destarte, não há nos autos qualquer comprovação de que não mais fossem sócios da empresa quando as fraudes ocorreram, razão pela qual devem permanecer no pólo passivo da lide.
Quanto à preliminar de impossibilidade de uso de prova produzida em sede de interceptação telefônica para instrução de ação civil pública, convém registrar que tal entendimento já foi rechaçado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, bem como no TRF da 1ª Região, a teor dos seguintes precedentes:
‘Ademais, uma vez quebrado o sigilo telefônico do impetrante, para fins de instrução criminal conduzida pelo Superior Tribunal de justiça, nos limites permitidos pela Constituição Federal e pela legislação de regência (CF, art. s-°, mc. XII; Lei n° 9.296, de 24.07.96, arts. 12 e ss.), não é disparatado sustentar-se que nada impedia nem impede, noutro procedimento de interesse substancial do mesmo Estado, agora na vertente da administração pública, o uso da prova assim produzida em processo criminal, também sigiloso, movido contra a mesma pessoa. Essa prova emprestada é, como objeto de tese ampla, admitida, não sem boas razões, de prestigiosa doutrina:
‘Mas é possível que, em processo civil, se pretende aproveitar prova emprestada, derivada de interceptação telefônica lícita, colhida em processo penal desenvolvido entre as mesmas partes.
[…]
Poderá, em casos como esse, ter eficácia a prova emprestada, embora inadmissível sua obtenção no processo não-penal?As opiniões dividem-se, mas, de nossa parte, pensamos ser possível transporte de prova, O valor constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações telefônicas é a intimidade. Rompida esta, licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais resta a preservar Seria uma demasia negar-se a recepção da prova assim obtida, sob a alegação de que estaria obliquamente vulnerado o comando constitucional. Ainda aqui, mais uma vez, deve prevalecer a lógica do razoável. […]
Nessa linha de interpretação, cuidados especiais devem ser tomados para evitar que o processo penal sirva exclusivamente como meio oblíquo para legitimar a prova no processo civil. Se o juiz perceber que esse foi o único objetivo da ação penal, não deverá admitir a prova na causa cível. (ADA PELLEGRINI GRINO VER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, ‘As Nulidades no Processo Penal’, SP, RT, 9ª ed., 2006, p. 119-120)
‘(…) entendemos ser admissível a produção da prova obtida licitamente (porque autorizada pela CF) para a investigação criminal ou instrução processual penal, como prova emprestada no processo civil. A natureza da causa civil é irrelevante para a admissão da prova. Desde que a escuta tenha sido determinada para servir de prova direta na esfera criminal, pode essa prova ser emprestada ao processo civil’. (NELSON NERY JÚNIOR, ‘Princípios do Processo Civil na Constituição Federal’. SP, RT, 8ª ed., 2004, p. 203) ‘No campo doutrinário tem-se admitido a possibilidade de semelhante utilização. A favor dela pode argumentar-se que, uma vez rompido o sigilo, e por conseguinte sacrificado o direito da parte à preservação da intimidade, não faria sentido que continuássemos a preocupar-nos com o risco de arrombar-se um cofre já aberto. ‘(JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, ‘A Constituição e As Provas Ilicitamente Adquiridas’. In: Revista de Direito Administrativo, v. 205, p. 20)
Ante o exposto, indefiro a liminar Encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral da República (arts. 103, § 1°, da CF e 52, inc. IX, do RISTF). Publique-se. lnt. . Brasília, 8 de março de 2007. Ministro CEZAR PELUSO Relator 1 (MS 26249 MC, Relator(a): Min CEZAR PELUSO, julgado em 08/03/2007, publicado em DJ 14/03/2007 PP-00032)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO QUE REJEITOU A PETIÇÃO INICIAL QUANTO À AGRAVADA. PRESENÇA DE INDÍCIOS. VALIDADE DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PROVA EMPRESTADA. CONVERSAS QUE MARCAVAM ENCONTRO E PASSAVAM INFORMAÇÕES ANTECIPADAS DE JULGAMENTOS. PRINCIPIO DA INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA.
1. Em ações de improbidade, somente deverá ser rejeitada a petição inicial quando o julgador se convencer de plano, da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita – art. 17, § 8-°, da Lei n-° 8.429/92 -, o que não se verifica ser a hipótese dos autos.
2. Por ora, não há como afastar-se a prova dos autos originários. A jurisprudência e a doutrina admitem a utilização de interceptação telefônica como a prova emprestada em ação de improbidade e as conversas mantidas pela agravada com um dos corréus que passava informações antecipadas sobre julgamentos e marcava encontros. Há necessidade de averiguações mais detalhadas.
3. Agravo provido”
(TRE – 1ª Região, AG 0067539-03.2009.4.01.0000/DF, Relator Desembargador Federal Hilton Queiroz, 4ª Turma, julgado por unanimidade em 13/04/2010, publicado no e-DjF1 de 30/04/2010, p. 105).
Deve-se também levar em consideração que a inicial não se baseou apenas em escutas telefônicas, mas, sobretudo, em provas obtidas no procedimento administrativo instaurado junto ao Ministério Público Federal.
No tocante à alegação de inépcia da inicial, registro que a petição vestibular narrou de forma clara e objetiva a conduta individualizada dos requeridos, de modo a propiciar o regular contraditório e ampla defesa constitucionalmente assegurados aos litigantes em processo judicial, razão pela qual não há que ser acolhida.
Por fim, quanto à impossibilidade jurídica do pedido de indenização por dano moral difuso, registro que a matéria se confunde com o próprio mérito do pedido, razão pela qual será com esse apreciado”.
Com efeito, no que pertine à alegada incompetência da Justiça Federal, para processar e julgar a presente demanda, não vinga a pretensão recursal em referência, tendo em vista que, à luz do que dispõe o art. 129, inciso III, da Constituição Federal da República Federativa do Brasil “são funções institucionais do Ministério Público: (…) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”, do que resulta a legitimação ativa do suplicante, mormente por se encontrar inserida a área degradada dentro dos limites ecológicos da Floresta Amazônica, constitucionalmente classificada como patrimônio nacional (CF, art. 225, § 4º), porquanto os danos noticiados, na espécie, geram interferência direta no mínimo existencial-ecológico da Amazônia Legal, com reflexos diretos em todos os ecossistemas ali existentes.
Em assim sendo e ajuizada a demanda pelo douto Ministério Público Federal, a orientação jurisprudencial deste egrégio Tribunal firmou-se no sentido de que “configura-se manifesta a competência da Justiça Federal, para processar e julgar o feito, mormente em se tratando de ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, no exercício regular de suas funções institucionais, cuja presença, no pólo ativo da demanda, por si só, estabelece a competência da justiça federal para processar e julgar a demanda.” (AG 0004249-48.2008.4.01.0000 / PA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.119 de 10/11/2008).
Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça alberga inúmeros precedentes, no sentido de que a presença do Ministério Público Federal no feito justifica, por si só, a competência da justiça federal. Confira-se, a propósito, o acórdão proferido nos autos do Conflito de Competência nº 25.448/RN, no qual a 1ª Seção da referida Corte decidiu que, embora o Tribunal Regional Federal tenha afastado a União do pólo passivo da lide, em decorrência do acolhimento da preliminar de ilegitimidade, as peculiaridades do caso aconselhavam a definição da competência federal, tendo em vista que, além de ser o Ministério Público Federal a parte autora, o bem jurídico sub examine seria da União (CC 25448/RN, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/05/2001, DJ 18/06/2001, p. 108).
Acrescente-se, ainda, que, segundo posicionamento externado pelo Min. Teori Albino Zavascki em processos de sua relatoria, assim como em inúmeros votos-vista, “A ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição, segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar ‘as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho’. Assim, figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é órgão da União, a competência para a causa é da Justiça Federal.” (REsp 440.002/SE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2004, DJ 06/12/2004, p. 195) (grifo nosso).
Em julgados mais recentes, inclusive, o colendo Superior Tribunal de Justiça confirmou esse entendimento:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ART. 333, I, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Na ação civil pública ambiental em que o Ministério Público Federal seja o autor, a competência é da Justiça Federal (art. 109, I, e § 3º, da CF).
2. “Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta não foi lesiva.” (REsp 1.049.822/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 23.4.2009, DJe 18.5.2009.) Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1192569/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 27/10/2010)
No que tange à alegada inépcia da petição inicial, os fatos e os fundamentos jurídicos em que se sustenta a pretensão deduzida nos autos encontram-se devidamente delineados na peça de ingresso, não se vislumbrando, na espécie, o vício em referência. Eventual discussão acerca da inexistência de fatos insere-se no raio do exame do mérito da demanda, a desautorizar o acolhimento da referida preliminar.
De ver-se, ainda, que, relativamente à suposta ilegitimidade passiva ad causam dos promovidos, sob o fundamento de que, por ocasião dos fatos narrados nos autos, não mais integrariam o quadro societário da empresa D.M.E. Indústria e Comércio de Carvão Ltda. – EPP, conforme bem acentuou o juízo monocrático, os documentos de fls. 447/452, não impugnados pelos recorrentes, demonstram justamente o contrário, afastando-se, assim, a premissa fática em que se sustenta a referida pretensão recursal, quanto a essa matéria.
Por fim, no que tange à utilização de prova produzida no bojo de ação penal, a sentença monocrática encontra-se em perfeita sintonia com a orientação jurisprudencial de nossos tribunais sobre a matéria, conforme se vê dos arestos ali arrolados, desde que assegurado o contraditório, como na espécie.
Nesse sentido, confiram-se, ainda, os seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. PRESCRIÇÃO. INTERPRETAÇÃO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL ANTERIORMENTE AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ. ART. 7º DA LEI 8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA. PERICULUM IN MORA. EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO. PRESCINDIBILIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DE DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO ATACADO. SÚMULA 283/STF. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PROVA EMPRESTADA. LICITUDE. TEMA DE FUNDO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REVISÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO.
(…)
7. O STJ já se manifestou no sentido de ser admitido o uso emprestado, em ação de improbidade administrativa, do resultado de interceptação telefônica em ação penal. Confira-se: REsp 1297021/PR, 2ª Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 20/11/2013; REsp 1190244/RJ, 2ª Turma, Rel. Ministro Castro Meira, DJe 12/05/2011.
(…)
10. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AgRg no REsp 1482811/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 03/09/2015)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PEQUENOS PRODUTORES RURAIS PREJUDICADOS PELO FORNECIMENTO PRECÁRIO DE ÁGUA NO PERÍMETRO IRRIGADO ICÓ-LIMA CAMPOS. NÃO OCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535, DO CPC. UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. RESPEITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA.
(…)
2. No caso, a prova emprestada consistiu em depoimentos de agricultores atingidos pela escassez de água no perímetro irrigado Icó-Lima Campos e de testemunhas arroladas pelas partes, cujo conteúdo diz respeito a preciso evento que ensejou o ajuizamento de demandas semelhantes submetidas à apreciação do mesmo Juízo sentenciante. 3. Segundo precedentes desta Corte, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa, não se veda o aproveitamento de provas colhidas em outros processos. Precedentes.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 301.952/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 20/08/2014.)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRAZO EM DOBRO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. INAPLICABILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA AD CAUSAM. FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. PRESCRIÇÃO. APLICABILIDADE DO DECRETO Nº 20.910/32. INTELIGÊNCIA DO RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.993/PR SUBMETIDO AO RITO DOS REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SÚMULA 83/STJ. CARACTERIZAÇÃO DA DANOS MATERIAIS E CABIMENTO DE PROVA EMPRESTADA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
(…)
9. Por fim, quanto à violação dos artigos 330 e 332, ambos do CPC, o entendimento desta Corte Superior é no sentido de que não há cerceamento de defesa pela utilização de prova emprestada se esta tiver sido produzida com a observância do contraditório e do devido processo legal. Com efeito, verifica-se que foi com base nos fatos e provas constantes dos autos, que Tribunal a quo decidiu por negar a dilação probatória, ao reconhecer a validade da prova emprestada. Frisa-se que analisar se deve ser reaberta a fase de instrução probatória no presente feito, atrai a incidência do óbice da Súmula 7/STJ, eis que implica no reexame do conjunto fático e probatório dos autos.
10 Agravo regimental interposto pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos não conhecido e não provido o agravo regimental interposto pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).
(AgRg no AREsp 299.583/CE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 22/5/2013.)
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. PROVA EMPRESTADA PRODUZIDA SOB O DEVIDO PROCESSO LEGAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(…)
2. No caso em exame, o Tribunal a quo se valeu de prova emprestada sobre a não prestação do serviço de esgoto. Assim, não cabe, em recurso especial, o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos para se examinar se houve ou não a efetiva prestação do serviço.
3. Não há falar em cerceamento de defesa pela utilização de prova emprestada, se produzida com observância do contraditório e do devido processo legal. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.066.838/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, DJe de 4/2/11. 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.
(EDcl no AREsp 179.824/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, DJe 4/2/2013.)
Rejeito, assim, as preliminares em referência.
***
Quanto ao mais, como visto, a pretensão deduzida nestes autos é no sentido de impor-se aos promovidos o pagamento de indenização, a título de danos morais coletivos e danos materiais, decorrentes da prática de ilícito ambiental, consistente na realização de supostas fraudes no sistema de emissão de Documento de Origem Florestal – DOF, que corresponde a uma licença obrigatória para o controle do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, implantado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Postulou-se, ainda, a imposição de obrigação de fazer a recomposição da área degradada.
O juízo monocrático, julgou parcialmente procedente a demanda, para acolher, tão-somente, o pedido de indenização, a título de danos materiais, e o pleito de reparação da área degradada, nestes termos:
É cediço que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, elevado à categoria de direito fundamental pela Constituição Federal em seu art. 225, tem, como um de seus instrumentos de garantia de efetividade, a disposição inserta em seu §3º, no sentido de que “As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Significa dizer, portanto, que a par das consequências de cunho sancionatório decorrentes de conduta lesiva, deverá o infrator arcar ainda com os ônus de reparar os agravos causados ao meio ambiente, como forma de mitigar ou compensar os reflexos negativos de seu ato junto à coletividade, titular maior do direito consagrado no artigo 225 da CF/88.
Trata-se, aqui, do instituto da responsabilidade civil ambiental, o qual, em decorrência da relevância do bem tutelado, recebeu por parte do legislador infraconstitucional tratamento bem mais rigoroso do que o dispensado às responsabilidades civil e administrativa, positivando-se na modalidade objetiva, a qual sequer admite a discussão acerca da existência de culpa ou excludentes de responsabilidade.
Destarte, dispõe o §1º do art. 4º da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), que:
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (Grifei).
A doutrina pátria, por seu turno, em análise acurada do citado dispositivo, houve por bem identificar cinco consequências da adoção da responsabilidade objetiva no campo ambiental, destacando-se:
[…] a) a irrelevância da intenção danosa (basta um simples prejuízo); b) irrelevância da mensuração do subjetivismo (o importante é que, mo nexo de causalidade, alguém tenha participado, e, tendo participado, de alguma sorte, deve ser apanhado nas tramas de responsabilidade objetiva); c) inversão do ônus da prova; d) irrelevância da licitude da atividade; e) atenuação do relevo do nexo causal (…).
(Sérgio Ferraz citado por José Afonso da Silva, na obra Direito Ambiental Constitucional, 6ª ed., Malheiros, 2007, p. 315). (grifado no original).
Observa-se, portanto, que a configuração da responsabilidade civil ambiental terá como pressupostos a existência de uma conduta, lícita ou ilícita, o nexo causal e, por fim, o dano, sendo despicienda qualquer discussão da existência de culpa do agente.
Ademais, na seara da responsabilidade civil ambiental, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 647493, já teve oportunidade de fixar que “Segundo o que dispõe o art. 3-°, IV, c/c o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, os sócios/administradores respondem pelo cumprimento da obrigação de reparação ambiental na qualidade de responsáveis em nome próprio. A responsabilidade será solidária com os entes administrados, na modalidade subsidiária.”
Por seu turno, o Tribunal Regional da 1ª Região tem orientação em igual sentido, consoante o seguinte aresto:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO AGRAVO POR ESTAR EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA. DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CPC. ART 557. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. SÓCIOS DA EMPRESA IMPUTADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INÉPCIA DA INICIAL E ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM NÃO CARACTERIZADAS. RECURSO SEM ELEMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA.
(…)
2. Há solidariedade entre os co-responsáveis pelo dano ambiental, o que inclui desde o agente que extraiu a madeira ilicitamente até o vendedor e comprador do carvão vegetal. Além da responsabilidade de todos que participaram do ciclo de exploração predatória, cabe ainda a responsabilidade daqueles que compõem a pessoa jurídica, sócios e administradores. Precedentes.
3. A petição inicial da ação civil pública não é inepta. Estão presentes os pressupostos elencados no artigo 282 do CPC, mormente a causa de pedir próxima (fundamentos de fato – consumo de grande quantidade de carvão sem origem legal comprovada); e a causa de pedir remota (fundamentos jurídicos – as diversas leis ambientais que amparam o procedimento do IBAMA). Restaram bem narrados tanto os fatos reputados ilícitos quanto suas consequências jurídicas.
4. Presentes o interesse de agir e a legitimidade passiva, pois caracterizados tanto a necessídade-utilidade da demanda como a pertinente identificação dos sujeitos que promoveram, de forma direta ou indireta, os ilícitos ambientais.
(…)
7. Agravo regimental improvido. (AGA 001 7645-19.2013.4.01.0000 /MA; Relator DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA;Órgão QUINTA TURMA; Publicação 17/09/2 013 e-DJFI) (Grifei.)
Não vinga, portanto, a pretensão de que a conduta dos requeridos não guarda relação com os danos que lhe são imputados.
Por outro lado, em que pese a Constituição consagrar o princípio da livre iniciativa, reconhece que o desempenho das atividades econômicas deve observar uma série de princípios. Dentre estes, está o princípio da propriedade privada, condicionado à sua função social, bem como à defesa do meio ambiente.
Nessa ordem de idéias, sobreleva notar, pois, que sendo uma só a matéria prima da Ecologia e da Economia, na medida em que as árvores que compõem a floresta são, a um só tempo, bens utilizados na atividade econômica e bens de uso comum do povo, em face da sua função ecológica, deve-se reconhecer que a nova formatação do direito de propriedade impõe o atendimento de sua função sócio-ambiental.
Tais ponderações partem sempre da premissa de que as atividades empresariais em tela tenham se pautado numa atuação lícita, situação bem distinta da retratada na peça inicial. Isso significa que mesmo o desempenho regular de uma sociedade empresária encontra no interesse difuso uma limitação ao seu exercício, na medida em que a busca do rendimento econômico encontra-se associada à preservação dos recursos naturais e à manutenção e estabilidade do meio ambiente.
Com efeito, os documentos trazidos à colação indicam que a empresa requerida beneficiou-se da volumetria de 19.983,670 MDC de carvão vegetal na forma de créditos ilicitamente inseridos no sistema DOF/IBAMA.
Nesse sentido, mister a transcrição de trecho do IPL 133/2007- SR/DPF/PA (fls. 224/300):
Inicialmente, denúncias anônimas e declarações de Luiz Carlos Araújo (fls. 49 a 51), deram conta da inserção ilícita, na “pasta” de várias empresas, no SISTEMA de emissão de DOEs — do IBAMA, de enorme quantidade de créditos para acobertar madeira sem origem (desmatamentos ilegais), o que permitiria que fossem emitidos documentos que legalizassem uma possível extração ilegal de madeiras e, posteriormente, seu transporte e destinação.
[…]
As fraudes consistem em inserir, no Sistema de Dados do IBAMA, um “crédito”, de origem ilícita, pois burla a Administração Ambiental. Este “crédito” significa que a empresa madeireira tem em sua posse uma quantidade de madeira (tora, serrada, resíduo, etc) retirada ilegalmente.
[…]
Até agora, mais de uma centena de Termos de Declarações foram assinados, de onde se colheu importantes informações, inclusive apontando para outros envolvidos, provocando o aumento na lista de empresas envolvidas, além das já citadas: (Terceira lista de empresas, descobertas quando decorridos 05 meses de investigações; tais empresas participaram da fraude recebendo créditos na modalidade “ajuste” e comprando DOEs).
Tabela 03:
EMPRESA | CPF | VOLUMETRIA | |
[…] | […] | […] | […] |
17 | D.M.E. COMÉRCIO DE CARVÃO | 079902550001-98 | 19.983,670 MDC |
[…] | […] | […] | […] |
Note-se que os créditos somente poderiam ingressar na conta da empresa constante no referido sistema após a emissão, por seu representante e mediante a utilização de senha própria, do “aceite”, procedimento necessário ao seu recebimento. Verificada sua emissão, resta demonstrado o vínculo da empresa à fraude descrita na peça inicial, na condição de beneficiária de créditos irregulares, que não possuem outra utilidade senão a de “esquentar” substrato florestal extraído em desconformidade com a legislação ambiental pátria.
Tal informação é ainda corroborada pelo teor da NOTA TECNICA 01/2009 – GABIN/IBAMA/SUPES/PA (fls. 473/481), a qual expõe que:
“Os referidos ajustes são efetuados mediante solicitação expressa e formal da Empresa, via ofício, que servirá de base para a abertura de um processo o qual tramitará até a determinação da validade ou não dos créditos solicitados. (..) os ajustes ilegais foram efetivados sem o devido processo legal, isto é, foram acrescentados centenas de metros cúbicos de madeira em diversas empresas, sem que as mesmas tivessem comprovado a origem de qualquer produto.”
A documentação, portanto, corrobora o modus operandi, demonstrando a prática da fraude com o intuito de inserir na pasta da empresa requerida, créditos para acobertar carvão sem origem lícita, proveniente de desmatamento ilegal.
Assim sendo, devem os réus arcar com os danos materiais aos quais deram causa em decorrência da comercialização ilegal de carvão e do consequente desmatamento sem autorização ambiental, o qual se presume ante a negociação apontada, cujos valores passo a definir.
A empresa foi beneficiada com a fraude no sistema DOF com um volume de 19.983,670 mdc — volume de resíduo sólido (metro cúbico) carbonizado, não sendo razoável considerar o valor médio da madeira em tora (R$ 923,33) para efetuar o referido cálculo, ante a sua superioridade ao carvão, sendo certo que, em regra, o carvão é produzido com sobras de madeira.
Diante disto, considerando que não restou demonstrado nos autos qual espécie teria efetivamente sido comercializada ilegalmente, utilizarei para o cálculo da indenização por dano material o valor do metro cúbico de resíduos (R$ 15,00) constante do item XIll-23 do Boletim de Preços Mínimos de Mercado da Secretaria de Estado da Fazenda (Portaria 0090/2008-SEFA/PA), juntado às fls. 146/151, em que se enquadram as sobras de madeira, material do qual geralmente é produzido o carvão.
Por outro lado, o cálculo de conversão volumétrica apresentado pelo Ministério Público Federal afigura-se inadequado ao caso. Isso porque 19.983,670 mdc convertidos em metros cúbicos resultam em 39.967,34 m3, adotando-se o índice de conversão constante do art. 29 e Anexo II da Instrução Normativa 112/2009 do IBAMA, onde 2m³ de madeira equivalem a lmdc. Destarte, a volumetria correta a ser adotada, para cálculo dos danos materiais, é a de 39.967,34 m3.
Assim, multiplicando-se o preço do metro cúbico de resíduos (R$15,00) pela volumetria com a qual a empresa foi favorecida (39.967,34 m3.) chegamos ao quantum de R$599.510.1O (quinhentos e noventa e nove mil quinhentos e dez reais e dez centavos), devidos a título de indenização por dano material.
No que se refere ao pedido de reflorestamento — consistente na condenação dos requeridos a reparar o dano ambiental efetivado — tenho que o cálculo deve tomar por base os parâmetros previstos no art. 9 da Instrução Normativa 06/2006 do Ministério do Meio Ambiente, que disciplina a reposição florestal nos seguintes termos:
Art. 9º O detentor da autorização de supressão de vegetação natural cumprirá a reposição florestal por meio da apresentação de créditos de reposição florestal, considerando os seguintes volumes:
I – para Floresta Amazônica:
a) madeira para processamento industrial, em tora: 40m3 por hectare;
b) madeira para energia ou carvão, lenha: 60m³ por hectare:
II – para Cerrado: 40m³ por hectare;
III – para Caatinga e outros biomas: 20 m³ por hectare.
§ 1º Os volumes especificados no caput deste artigo poderão ser reduzidos, mediante apresentação de inventário florestal, que justifique essa alteração.
§ 2º O detentor da autorização de supressão de vegetação natural cumprirá a reposição florestal ou destinará a matéria-prima florestal extraída para o consumo até o prazo final da vigência da autorização de supressão de vegetação. (Grifei).
Aplico a alínea b por analogia, frente à ausência de legislação específica acerca da recomposição proveniente de resíduos de serraria, mormente porque se trata nos autos de unidade de carvão vegetal (mdc = metro de carvão vegetal).
Isso posto, considerando que o débito florestal da demanda alcança a volumetria de 39.967,34m³, conclui-se, mediante simples cálculo aritmético, que os requeridos, para realizar a reposição do dano ambiental ocasionado, deveriam proceder ao reflorestamento da área de 666.12 hectares. Todavia, considerando que o MPF formulou pedido de recomposição de 166,5305 hectares, bem como que a sentença não poderá ultrapassar tais limites, há que prevalecer a área apontada pelo autor.
Em relação, por fim, à pretensão de indenização por danos morais coletivos, entendo que não se trata de condenação intrínseca ao cometimento de ilícitos ambientais, de modo que sua configuração, tal como se dá no que tange aos danos materiais, deve ser efetivamente demonstrada, a partir, por exemplo, do abalo sofrido pela comunidade imediatamente prejudicada pelo ilícito ambiental. Em outras palavras, o dano moral, ainda que coletivo, não é presumido, precisa ser demonstrado, motivo pelo qual não considero procedente o pedido de condenação em indenização para tal espécie de dano.
Diante do exposto, julgo parcialmente procedente o pedido para condenar D M E INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CARVÃO LTDA – EPP, DOMINGOS SANTOS LIMA, ESAÚ COMES FERREIRA, FRANCISCO BEZERRA DA SILVA e MARIA DO CARMO RODRIGUES DOS SANTOS ao pagamento da indenização a título de danos materiais no valor de R$599.510.10 (quinhentos e noventa e nove mil quinhentos e dez reais e dez centavos), a ser revertido ao fundo de que cuida o art. 13 da Lei da ACP; e ao reflorestamento da área de 166,5305 hectares, nos termos acima fundamentados.
Improcedentes os demais pedidos.
Deixo de condenar os requeridos nos honorários advocatícios, porquanto, conforme entendimento do STJ, em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada má-fé do Parquet. Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública (EResp 895.530/PR, ReI. Min Eliana Calmon, Dje18.12.2009).
Em casos assim, impende consignar que a Constituição da República Federativa do Brasil impõe, em primeiro plano, ao poder público (poderes Legislativo, Executivo e Judiciário) o dever de assegurar a efetividade desse direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, afastando-se, assim, numa interpretação sistêmica, a noção privatista do princípio da dominialidade estatal que ainda literalmente restou escrito no texto constitucional como uma lembrança histórica do texto revogado, a discriminar bens da União, bens dos Estados e dos municípios, quando a rigor, em se tratando de bem ambiental, há de se afastar a idéia de patrimonialidade do Estado, deixando agora prevalecer a inteligência sistêmica e finalística de um dever constitucional de proteção e não de domínio desses bens. É nesse sentido que o art. 225, § 1º, da mesma Carta Magna determina o dever impositivo ao poder público de assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente sadio como direito de todos e também a responsabilidade social de todos em garantir esse direito fundamental. No mesmo capítulo constitucional, capitaneado pelo art. 225 da Constituição, ressalta-se a norma do § 4º do mesmo dispositivo constitucional no sentido de que “a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”. E é por isso que o § 3º, desse comando constitucional, estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Observe-se que o texto magno não faz distinção quanto à responsabilidade penal e administrativa dessas pessoas jurídicas, no sentido de excluir de tais responsabilidades as pessoas jurídicas de direito público.
Nesse contexto constitucional é que observo a importância de se destacar o que a lei da política nacional do meio ambiente, que é anterior ao texto constitucional e que lhe serviu de inspiração, já estabelecia e ainda estabelece, ao instituir a política nacional do meio ambiente neste país, iluminada pelas conclusões da Conferência Mundial de Estocolmo, em 1972, no sentido de que compete ao IBAMA executar essa política nacional do meio ambiente e atuar, ainda que supletivamente, no licenciamento de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras.
Registre-se, ainda, que, na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (…) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC nº 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeneracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que “o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável.
Na hipótese dos autos, apontou o Ministério Público Federal as ações imputadas aos promovidos, conforme apuração levada a efeito no bojo do Procedimento Investigatório Criminal e de Inquérito Civil Público, consistente na comercialização de créditos virtuais correspondentes a 9.991,385m³, lançados fraudulentamente no sistema eletrônico DOF.
A reparação in natura, haveria de corresponder ao reflorestamento suficiente para cobrir toda a madeira ilícita que foi utilizada, em decorrência das ações ilícitas dos promovidos.
Por sua vez, os danos materiais, a despeito da ausência de diploma específico para a sua fixação em casos assim, haveria de ser aferido mediante a adoção de critérios objetivos, tais como a utilização do preço médio de mercado da madeira, que, no caso, seria de R$ 929,33 (novecentos e vinte nove reais e trinta e três centavos), totalizando, assim, o montante de R$ 9.285.662,06 (nove milhões, duzentos e oitenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e dois reais e seis centavos), decorrente da multiplicação da quantidade de madeira ilegalmente comercializada (9.991,385m³) pelo valor do seu preço médio de mercado, na época.
Por sua vez, concluiu o juízo monocrático não ser “razoável considerar o valor médio da madeira em tora (R$ 929,33) para efetuar o referido cálculo, ante a sua superioridade ao carvão, sendo certo que, em regra, o carvão é produzido com sobras de madeira”, razão por que, “considerando que não restou demonstrado nos autos qual espécie teria efetivamente sido comercializada ilegalmente, utilizarei para o cálculo da indenização por dano material o valor do metro cúbico de resíduos (R$ 15,00) constante do item XIll-23 do Boletim de Preços Mínimos de Mercado da Secretaria de Estado da Fazenda (Portaria 0090/2008-SEFA/PA), juntado às fls. 146/151, em que se enquadram as sobras de madeira, material do qual geralmente é produzido o carvão”.
Examinando caso similar, envolvendo, justamente, a apuração do quantum do dano ambiental derivado dos atos ilícitos a que se reporta a denominada “Operação Ouro Verde II”, como na espécie, a colenda Quinta Turma deste egrégio Tribunal assentou o entendimento na mesma linha da pretensão recursal deduzida pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, nestes termos:
AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E DANO MORAL COLETIVO. FRAUDE AO SISTEMA DOF DO IBAMA. CONTRATAÇÃO DE HACKERS PARA INSERÇÃO DE CRÉDITOS FICTÍCIOS NA BASE DE DADOS PARA LEGALIZAR MADEIRA ORIUNDA DE DESMATAMENTO ILÍCITO NA REGIÃO AMAZÔNICA. OPERAÇÃO OURO VERDE II. DANO AMBIENTAL COMPROVADO. QUANTIFICAÇÃO DO DANO. PREÇO MÉDIO DA MADEIRA SEGUNDO TABELA DA SECRETARIA DE FAZENDA DO ESTADO DO PARÁ. DANO MORAL COLETIVO CABÍVEL NO CASO.
(…)
5. É benéfico à empresa infratora o critério de quantificação do dano proposto pelo autor ministerial com base apenas no valor da tora de madeira, sem considerar o valor da mercadoria em seu valor final de mercado e desconsidera ainda o custo da finalização e do aparato institucional para apreensão.
(AC 0012187-34.2008.4.01.3900 / PA, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.1208 de 22/08/2012)
Prospera, pois, na espécie, a pretensão recursal em referência, no tocante a esse tema, devendo o quantum indenizatório, a título danos materiais, no montante de R$ 9.285.662,06 (nove milhões, duzentos e oitenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e dois reais e seis centavos), decorrente da multiplicação da quantidade de madeira ilegalmente comercializada (9.991,385m³) pelo valor do seu preço médio de mercado, na época – R$ 929,33 (novecentos e vinte nove reais e trinta e três centavos), restando prejudicado, por conseguinte, exame das demais questões ventiladas nos recursos de apelação interpostos pelos promovidos.
***
No que se refere à pretendida indenização decorrente do dano ambiental, a orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, que têm natureza propter rem” (REsp 1164587/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 13/04/2012).
Em face da sua manifesta percuciência com a pretensão deduzida nestes autos, transcrevo os lúcidos fundamentos em que se amparou o voto condutor do julgador em referência, nestes termos:
1. Reparação in integrum e deveres de restauração e reparação dos danos ambientais
No Direito brasileiro, a reparação do dano ambiental se faz em bases objetivas, sem a exigência de prova de culpa e independentemente de eventual sanção penal e administrativa cabível na espécie. A propósito:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA – DANO AMBIENTAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – AUSÊNCIA DE NEXO – REEXAME DE PROVAS: SÚMULA 7/STJ – ARTS. 4º, VII E 14 DA LEI 6.938/81 – RECUPERAÇÃO NATURAL DA NATUREZA – AUSÊNCIA DE INDENIZAÇÃO – DISPOSITIVOS APONTADOS COMO VIOLADOS INSUFICIENTES PARA AMPARAR A PRETENSÃO DA RECORRENTE.
(…)
4. Nos termos do § 1º, art. 14 da lei 6.938 de 1991, é o poluidor obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido (REsp 1045746/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 4/8/2009).
Na linha do estatuído no texto constitucional, o art. 4º da Lei 6.938/1981 dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente visará, entre outras medidas (grifei):
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.
Por sua vez, o art. 14, § 1º, da referida lei assim estabelece a responsabilidade objetiva do poluidor:
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (grifei).
Ao contrário do que afirma o Tribunal de origem, os deveres de indenização e de recuperação ambientais não são “pena”, mas providências ressarcitórias de natureza civil de natureza propter rem que buscam, simultânea e complementarmente, a restauração do status quo ante da biota afetada e a reversão à coletividade dos benefícios econômicos auferidos com a utilização ilegal e individual de bem que, nos termos do art. 225 da Constituição, é “de uso comum do povo”.
Além disso, a interpretação sistemática das normas e princípios ambientais não agasalha a restrição imposta no acórdão recorrido. A reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área degradada não exclua o dever de indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e a plena recuperação do meio ambiente degradado (= dano interino ou intermediário). Cito precedente da Segunda Turma:
PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA CR/88, DAS LEIS N. 6.938/81 E 8.625/93 E DO CDC. EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.
1. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Precedente.
2. O art. 3º da Lei n. 7.347/85 deve ser lido de maneira abrangente e sistemática com a Constituição da República, com as Leis n. 6.938/81 e 8.625/93 e com o Código de Defesa do Consumidor – CDC, a fim de permitir a tutela integral do meio ambiente, com possibilidade de cumulação de obrigações de fazer, não fazer e pagar. Precedentes.
3. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido
(REsp 1178294/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 10/9/2010, grifei).
Com efeito, vimos acima, vigora em nosso sistema jurídico o princípio da reparação integral do dano ambiental, do qual é corolário o princípio do poluidor-pagador, a impor a responsabilização por todos os efeitos decorrentes da conduta lesiva, incluindo o prejuízo suportado pela sociedade até que haja a fundamental e absoluta recuperação in natura do bem lesado. Se a recuperação é imediata e plena, não há, como regra, falar em indenização. Contudo, hipóteses existem em que a recuperação é lenta e leva muitos anos. Nesses casos, poderá haver remanescente de prejuízo coletivo (e também individual) até o completo retorno ao status quo ante ecológico.
Álvaro Luiz Valery Mirra, magistrado em São Paulo, leciona que o princípio da reparação integral “deve conduzir o meio ambiente e a sociedade a uma situação na medida do possível equivalente à de que seriam beneficiários se o dano não tivesse sido causado” (Ação Civil Pública e a Reparação do Dano Ambiental , 2ª ed., São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2004, fl. 314). Prossegue o autor (op. cit., p. 315, grifos no original):
Nesse sentido, a reparação integral do dano ao meio ambiente deve compreender não apenas o prejuízo causado ao bem ou recurso ambiental atingido, como também, na lição de Helita Barreira Custódio, toda a extensão dos danos produzidos em conseqüência do fato danoso, o que inclui os efeitos ecológicos e ambientais da agressão inicial a um bem ambiental corpóreo que estiverem no mesmo encadeamento causal, como, por exemplo, a destruição de espécimes, habitats, e ecossistemas inter-relacionados com o meio afetado; os denominados danos interinos, vale dizer, as perdas de qualidade ambiental havidas no interregno entre a ocorrência do prejuízo e a efetiva recomposição do meio degradado; os danos futuros que se apresentarem como certos, os danos irreversíveis à qualidade ambiental e os danos morais coletivos resultantes da agressão a determinado bem ambiental.
Nesse panorama, a indenização, além de sua função subsidiária (quando a reparação in natura não for total ou parcialmente possível), é cabível de forma cumulativa, como compensação pecuniária pelos danos reflexos e pela perda da qualidade ambiental até a sua efetiva restauração, insisto. A degradação pode, sim, reclamar a sua condenação também ao pagamento de indenização, sem falar da reversão à sociedade dos benefícios econômicos que o degradador auferiu com a exploração ilegal dos recursos do meio ambiente, “bem de uso comum do povo”, nos termos do art. 225, caput, da Constituição Federal, sobretudo por queimada em Área de Preservação Permanente, destituído de qualquer licença ambiental para funcionamento ou autorização de desmatamento. Saliento que tal medida não configura bis in idem, pois a indenização não é para o dano especificamente reparado, mas para seus efeitos, especialmente a privação temporária da fruição do patrimônio comum a todos os indivíduos, até sua efetiva recomposição.
Nessa linha de raciocínio, cito doutrina de Annelise Monteiro Steigleder (Responsabilidade Civil Ambiental: as Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro , Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 236, grifei):
A partir da compreensão de que o dano ambiental tem uma dimensão material a que se encontram associados danos extrapatrimoniais, que abarcam os danos morais coletivos, a perda pública decorrente da não fruição do bem ambiental, e a lesão ao valor de existência da natureza degradada, importa definir diferentes formas de reparação para cada classe de danos.
Esclareça-se que os pedidos de condenação em obrigações de fazer e de indenização serão cumulados, inexistindo bis in idem, pois o fundamento para cada um deles é diverso. O pedido de obrigação de fazer cuida da reparação in natura do dano ecológico puro e a indenização visa a ressarcir os danos extrapatrimoniais, pelo que o reconhecimento de tais pedidos compreende as diversas facetas do dano ambiental.
A despeito de não estar em discussão a questão processual, convém acrescentar que a Ação Civil Pública comporta a cumulação de pedidos em debate.
Embora o art. 3º da Lei 7.347/1985 disponha que “a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”, é certo que a conjunção “ou” contida na citada norma (assim como no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981) não é de cunho alternativo, mas sim aditivo. Vedar a cumulação dessas sanções limitaria, de forma indesejada, a Ação Civil Pública, instrumento de persecução da responsabilidade civil de danos causados ao meio ambiente, por exemplo, inviabilizando – se possível e realizada a recuperação do meio ambiente degradado – a condenação em dano moral coletivo.
Acrescente-se, por oportuna, a observação de Délton Winter de Carvalho, entendendo em casos tais que a causa de pedir estaria fundada no dever de preventividade objetiva (Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental . Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 151):
A ação civil pública, tida como instrumento processual para imposição de responsabilização civil em casos de danos ambientais coletivos, prevê a possibilidade de imposição de obrigações de fazer ou não fazer (medidas preventivas) a um determinado agente. Assim, o dano ambiental futuro consiste em todos aqueles riscos ambientais que, por sua intolerabilidade, são considerados como ilícito, justificando a imposição de medidas preventivas. (grifos no original )
Não bastassem esses argumentos, o juiz, diante das normas de Direito Ambiental, recheadas que são de conteúdo social atrelado às presentes e futuras gerações, deve atentar para o comando do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe que, ao se aplicar a lei, deve-se atender “aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Corolário dessa regra é o fato de que, em caso de dúvida ou outra anomalia técnica, a norma ambiental deve ser interpretada ou integrada de acordo com o princípio in dubio pro natura.
A cumulatividade da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado e à adequação da Ação Civil Pública para esse fim é reconhecida pelo STJ, que referenda a cumulação ora discutida no universo da Lei 7.347/1985. Destaco o seguinte precedente (no mesmo sentido, o REsp 605.323/MG):
PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.
1. A Lei nº 7.347/85, em seu art. 5º, autoriza a propositura de ações civis públicas por associações que incluam entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
2. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral.
3. Deveras, decorrem para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso.
4. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III) e submete-se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material, a fim de ser instrumento adequado e útil.
5. A exegese do art. 3º da Lei 7.347/85 (“A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”), a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins).
6. Interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor (“Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.”) bem como o art. 25 da Lei 8.625/1993, segundo o qual incumbe ao Ministério Público “IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente (…)”.
7. A exigência para cada espécie de prestação, da propositura de uma ação civil pública autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias para demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com finalidade comum (medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos, consistentes em prestações de natureza diversa.
8. Ademais, a proibição de cumular pedidos dessa natureza não encontra sustentáculo nas regras do procedimento comum, restando ilógico negar à ação civil pública, criada especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito.
9. Recurso especial desprovido (REsp 625249/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 31/08/2006 p. 203, grifei).
In casu, a violação dos dispositivos legais sobressai, pois, evidente porque o Tribunal a quo negou a possibilidade, mesmo em tese, de cumular a reparação específica já determinada com a indenização pecuniária pretendida pelo Parquet.
Sem embargo do êxito recursal nesse ponto, o Recurso Especial somente pode ser provido em parte, tendo em vista não caber ao STJ, como regra, perquirir a existência ou não de dano no caso concreto – análise que esbarra, ressalvadas situações excepcionais, na Súmula 7/STJ. Tal juízo fático é de competência das instâncias de origem, diante da prova carreada aos autos.
Pelas razões expostas, dou parcial provimento ao Recurso Especial para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur”.
Nessa mesma linha de entendimento, confiram-se, dentre outros, o seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.
1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.
2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.
3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção “ou” opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.
4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável “risco ou custo normal do negócio”. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.
5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura – mais ainda se a perder de vista – do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.
6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.
7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).
8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.
(REsp 1145083/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 04/09/2012).
No que pertine ao dano moral coletivo, especificamente, impende consignar que, em casos assim, a sua caracterização decorre, justamente, da agressão a valores imateriais da coletividade, cristalizada pela conduta ilícita dos promovidos, no afã de enriquecimento às custas da degradação ambiental, atingindo, em cheio, a moralidade coletiva.
Examinando questão similar à debatida nestes autos, a colenda Quinta turma deste egrégio Tribunal firmou o entendimento de que “a devastação do meio ambiente causa dano para a coletividade como um todo. O desmatamento ilegal da região amazônica atinge direito de um grupo indeterminado de pessoas. E o dano moral coletivo é lesão injusta a toda uma comunidade e na hipótese de dano ambiental é contra o Direito se enriquecer à custa da degradação do meio ambiente, mediante conduta criminosa com ofensa intolerável aos interesses do país. Não se indaga, no caso dos autos, o elemento subjetivo dos autores da lesão. Uma ação perpetrada mediante ardil e corrupção de servidores públicos para causar dano imenso à geração atual e às futuras atinge a esfera da moralidade coletiva”. (AC 0012187-34.2008.4.01.3900 / PA, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.1208 de 22/08/2012)
Sobre o tema, já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça que “a logicidade hermenêutica do art. 3º da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a fim de possibilitar a concreta e cabal reparação do dano ambiental pretérito, já consumado”, e que “o dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado” e que “o dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado” (REsp 1269494/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013).
Para a sua configuração, é imprescindível ser injustificável e intolerável a ofensa, ferindo gravemente os direitos de uma coletividade, como no caso dos autos.
Nessa linha de inteligência, confiram-se, dentre outros, os seguintes julgados:
RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EMPRESA DE TELEFONIA – PLANO DE ADESÃO – LIG MIX – OMISSÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES AOS CONSUMIDORES – DANO MORAL COLETIVO – RECONHECIMENTO – ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA DESTA CORTE – OFENSA AOS DIREITOS ECONÔMICOS E MORAIS DOS CONSUMIDORES CONFIGURADA – DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DO JULGADO NO TOCANTE AOS DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAIS MEDIANTE REPOSIÇÃO DIRETA NAS CONTAS TELEFÔNICAS FUTURAS – DESNECESSÁRIOS PROCESSOS JUDICIAIS DE EXECUÇÃO INDIVIDUAL – CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DIFUSOS, IGUALMENTE CONFIGURADOS, MEDIANTE DEPÓSITO NO FUNDO ESTADUAL ADEQUADO.
1.- A indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletiva e difusa, tem seu fundamento no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.
2.-Já realmente firmado que, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.
Ocorrência, na espécie. (REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012).
3.- No presente caso, contudo restou exaustivamente comprovado nos autos que a condenação à composição dos danos morais teve relevância social, de modo que, o julgamento repara a lesão causada pela conduta abusiva da ora Recorrente, ao oferecer plano de telefonia sem, entretanto, alertar os consumidores acerca das limitações ao uso na referida adesão. O Tribunal de origem bem delineou o abalo à integridade psico-física da coletividade na medida em que foram lesados valores fundamentais compartilhados pela sociedade.
4.- Configurada ofensa à dignidade dos consumidores e aos interesses econômicos diante da inexistência de informação acerca do plano com redução de custo da assinatura básica, ao lado da condenação por danos materiais de rigor moral ou levados a condenação à indenização por danos morais coletivos e difusos.
5.- Determinação de cumprimento da sentença da ação civil pública, no tocante à lesão aos participantes do “LIG-MIX”, pelo período de duração dos acréscimos indevidos: a) por danos materiais, individuais por intermédio da devolução dos valores efetivamente cobrados em telefonemas interurbanos e a telefones celulares; b) por danos morais, individuais mediante o desconto de 5% em cada conta, já abatido o valor da devolução dos participantes de aludido plano, por período igual ao da duração da cobrança indevida em cada caso; c) por dano moral difuso mediante prestação ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina; d) realização de levantamento técnico dos consumidores e valores e à operacionalização dos descontos de ambas as naturezas; e) informação dos descontos, a título de indenização por danos materiais e morais, nas contas telefônicas.
6.- Recurso Especial improvido, com determinação (n. 5 supra).
(REsp 1291213/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/08/2012, DJe 25/09/2012).
RECURSO ESPECIAL – DANO MORAL COLETIVO – CABIMENTO – ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – REQUISITOS – RAZOÁVEL SIGNIFICÂNCIA E REPULSA SOCIAL – OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE – CONSUMIDORES COM DIFICULDADE DE LOCOMOÇÃO – EXIGÊNCIA DE SUBIR LANCES DE ESCADAS PARA ATENDIMENTO – MEDIDA DESPROPORCIONAL E DESGASTANTE – INDENIZAÇÃO – FIXAÇÃO PROPORCIONAL – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I – A dicção do artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor é clara ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente.
II – Todavia, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.
Ocorrência, na espécie.
III – Não é razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de locomoção, seja pela idade, seja por deficiência física, ou por causa transitória, à situação desgastante de subir lances de escadas, exatos 23 degraus, em agência bancária que possui plena capacidade e condições de propiciar melhor forma de atendimento a tais consumidores.
IV – Indenização moral coletiva fixada de forma proporcional e razoável ao dano, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
V – Impõe-se reconhecer que não se admite recurso especial pela alínea “c” quando ausente a demonstração, pelo recorrente, das circunstâncias que identifiquem os casos confrontados.
VI – Recurso especial improvido.
(REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012)
ADMINISTRATIVO – TRANSPORTE – PASSE LIVRE – IDOSOS – DANO MORAL COLETIVO – DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO – APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL – CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO – ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE – ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO – LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.
(…)
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010).
Caracterizada, pois, a ocorrência de dano moral coletivo, na hipótese dos autos, impõe-se o seu ressarcimento. Relativamente à sua quantificação, cumpre verificar que inexiste parâmetro legal definido para o seu arbitramento, devendo ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, submetidos ao prudente arbítrio judicial, com observância das peculiaridades inerentes aos fatos e circunstâncias que envolvem o caso concreto, bem assim em consonância com a função sancionatória e pedagógica da reparação.
Dessa forma, sopesados as variáveis elencadas pelo douto Ministério Público Federal, na peça de ingresso, decorrentes da ação agressora dos promovidos, quais sejam: perda de solo e nutrientes; deslocamento de mão-de-obra; depleção do capital natural; incremento do dióxido de carbono na atmosfera; e diminuição da disponibilidade hídrica, reputa-se razoável, na espécie, fixar o valor da indenização por danos morais, no montante indicado, correspondente a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
***
Com estas considerações, nego provimento aos recursos dos promovidos e dou provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, para reformar, em parte, a sentença recorrida, para condenar os promovidos no pagamento de danos morais coletivos, fixados no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), e elevar o montante da indenização, a título de danos materiais, para R$ 9.285.662,06 (nove milhões, duzentos e oitenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e dois reais e seis centavos), nos termos acima explicitados, mantendo-se, no mais, o referido julgado.
Este é meu voto.
EMENTA
CONSTITUCIONAL, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL EM ÁREA SITUADA NA AMAZÔNIA LEGAL. FRAUDES NO SISTEMA DOF/IBAMA. IMPACTO AMBIENTAL E SOCIAL DIRETO E INDIRETO NO BIOMA AMAZÔNICO. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL E DO POLUIDOR-PAGADOR. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. DANOS MATERIAIS. DEFINIÇÃO DO QUANTUM DEVIDO. PROVA EMPRESTADA DE AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, DE INÉPCIA DA INICIAL E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.I – “Configura-se manifesta a competência da Justiça Federal, para processar e julgar o feito, mormente em se tratando de ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, no exercício regular de suas funções institucionais, cuja presença, no pólo ativo da demanda, por si só, estabelece a competência da justiça federal para processar e julgar a demanda” (AG 0004249-48.2008.4.01.0000 / PA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.119 de 10/11/2008), mormente em se tratando de demanda envolvendo a apuração da responsabilidade de dano ambiental causado em área localizada dentro dos limites ecológicos da Floresta Amazônica, constitucionalmente classificada como patrimônio nacional (CF, art. 225, § 4º), a gerar interferência direta no mínimo existencial-ecológico da Amazônia Legal, com reflexos diretos em todos os ecossistemas ali existentes, com o no caso. Ademais, em casos assim, já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça que “a ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição, segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar ‘as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho’. Assim, figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é órgão da União, a competência para a causa é da Justiça Federal.” (REsp 440.002/SE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2004, DJ 06/12/2004, p. 195). Rejeição da preliminar de incompetência da Justiça Federal.II – Na hipótese dos autos, encontrando-se suficientemente delineados os fatos e os fundamentos jurídicos em que repousa a pretensão jurisdicional deduzida na exordial, afasta-se a preliminar de inépcia da petição inicial.III – Tratando-se de ilícito ambiental decorrente da suposta aquisição fraudulenta de créditos virtuais no sistema eletrônico DOF, como no caso, afiguram-se legitimados a integrar o polo passivo da demanda, além da empresa responsável por tal prática, os seus respectivos sócios. Rejeição da preliminar de ilegitimidade passiva.IV – A orientação jurisprudencial já sedimentada no âmbito de nossos tribunais é no sentido de que não há cerceamento de defesa pela utilização de prova emprestada se esta tiver sido produzida com a observância do contraditório e do devido processo legal e de “ser admitido o uso emprestado, em ação de improbidade administrativa, do resultado de interceptação telefônica em ação penal. Confira-se: REsp 1297021/PR, 2ª Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 20/11/2013; REsp 1190244/RJ, 2ª Turma, Rel. Ministro Castro Meira, DJe 12/05/2011”.(AgRg no AgRg no REsp 1482811/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 03/09/2015)
V – “Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (…) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC nº 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que “o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada) (CF, art. 225, § 1º, IV)” (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.172 de 12/06/2012).
VI – A orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, que têm natureza propter rem” (REsp 1164587/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 13/04/2012).
VII – Demonstrada, na espécie, a ocorrência do dano ambiental, caracterizada pela comercialização ilegal de 9.991,385m³ (nove mil, novecentos e noventa e um vírgula trezentos e oitenta e cinco metros cúbicos de madeira), bem assim, do dano moral coletivo, resultante da agressão difusa derivada dessa conduta ilícita, impõe-se o dever de indenizar.
VIII – O quantum do dano ambiental material haverá de corresponder à multiplicação da quantidade de madeira ilegalmente comercializada (9.991,385m³) pelo valor do seu preço médio de mercado, na época – R$ 929,33 (novecentos e vinte nove reais e trinta e três centavos), totalizando R$ 9.285.662,06 (nove milhões, duzentos e oitenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e dois reais e seis centavos).
IX – O dano moral, à míngua de parâmetro legal definido para o seu arbitramento, deve ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, submetidos ao prudente arbítrio judicial, com observância das peculiaridades inerentes aos fatos e circunstâncias que envolvem o caso concreto, bem assim em consonância com a função sancionatória e pedagógica da reparação. Na hipótese em exame, sopesados as variáveis elencadas pelo douto Ministério Público Federal, na peça de ingresso, decorrentes da ação agressora dos promovidos, quais sejam: perda de solo e nutrientes; deslocamento de mão-de-obra; depleção do capital natural; incremento do dióxido de carbono na atmosfera; e diminuição da disponibilidade hídrica, reputa-se razoável, na espécie, fixar o valor da indenização a esse título, no montante correspondente a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
X – Provimento das apelações do Ministério Público Federal e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos naturais Renováveis – IBAMA. Sentença reformada, em parte.
XI – Desprovimento dos recursos dos promovidos.
ACÓRDÃO
Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento às apelações dos promovidos e dar provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos naturais Renováveis – IBAMA, nos termos do voto do Relator.
Quinta Turma do Tribunal Regional Federal – 1ª Região – Em 16/11/2016.
Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE
Relator