O Portal DireitoAmbiental.com destaca a recente decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça proferida nos autos do Recurso em Habeas Corpus nº 70.395/SC, julgado em 06/10/2016, que considerou inepta a denúncia de crime ambiental e seu adiatamento contra os sócios da empresa Pedrita Planejamento e Construção Ltda, pela prática prevista no art. 38 da Lei nº 9.605/1998[1], pela supressão de vegetação nativa do bioma mata atlântica em estágio inicial de regeneração, em área de preservação permanente – APP.
No presente caso, os ministros da 5ª Turma entenderam que a denúncia não apresentou os elementos mínimos necessários para o conhecimento da peça acusatória, uma vez que não expôs adequadamente o nexo causal entre o comportamento dos sócios e o fato delituoso (supressão da vegetação em área de APP), ressaltando que para haver a imputação dos sócios não basta a mera alegação de que possuem dever de fiscalização.
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[1] “Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade”.
Confira a íntegra da decisão:
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 70.395 – SC (2016/0116646-6)
RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
RECORRENTE : ADRIANA ALVES
RECORRENTE : PAULO GIL ALVES FILHO
ADVOGADOS : ACÁCIO MARCEL MARÇAL SARDA – SC012103
HÉLIO DE MELO MOSIMANN – SC016105
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por ADRIANA ALVEZ e PAULO GIL ALVES FILHO, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Consta dos autos que os recorrentes foram denunciados como incursos no art. 38 da Lei n. 9.605/1998, por meio de aditamento que considerou serem eles representantes legais da empresa Pedrita Planejamento e Construção Ltda., também denunciada.
Durante a instrução processual, foi impetrado prévio mandamus , ao qual se concedeu a ordem em parte, por maioria, para determinar o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 151):
HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. PACIENTES DENUNCIADOS PELA PRÁTICA, EM TESE, DO DELITO DE DESTRUIÇÃO DE FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (ART. 38 DA LEI N.9.605/98). PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. EXORDIAL ACUSATÓRIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DENÚNCIA E ADITAMENTO QUE QUALIFICAM OS ACUSADOS, DESCREVEM OS FATOS DELITUOSOS, EXPÕEM A CLASSIFICAÇÃO DO CRIME E, AINDA, INDICAM O ROL DE TESTEMUNHAS. EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA ASSEGURADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ALEGAÇÃO, AINDA, DE NULIDADE DO FEITO POR NÃO TER SIDO FORMULADA AOS PACIENTES PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. TESE ACOLHIDA. PENA MÍNIMA COMINADA AO DELITO QUE PERMITE, EM PRINCÍPIO, O OFERECIMENTO DO BENEFÍCIO. LIMINAR CONFIRMADA, A FIM DE QUE SEJA O MINISTÉRIO PÚBLICO OUVIDO A RESPEITO DO CABIMENTO, OU NÃO, DE REFERIDA BENESSE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. Inocorre inépcia da denúncia quando a exordial acusatória qualifica os acusados, descreve corretamente os fatos delituosos, informa a classificação do crime e, ainda, indica o rol de testemunhas cuja inquirição almeja o órgão ministerial, possibilitando, sobremaneira, a efetivação do contraditório e da ampla defesa. Caracteriza constrangimento ilegal o prosseguimento de feito criminal sem o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo aos acusados quando presentes, em tese, os requisitos objetivos e subjetivos exigidos à concessão da benesse.
Em virtude da concessão parcial da ordem, foi realizada a proposta na origem, porém foi recusada pelo recorrente Paulo. Já a recorrente Adriana não foi intimada para o ato, sendo o processo cindido com relação a ela. Informa, no mais, que foi marcada audiência de instrução e julgamento para o dia 6/5/2016.
Assevera, no entanto, ser manifesto o constrangimento ilegal, uma vez que a denúncia bem como seu aditamento são nulos. Afirma que a peça não indica a conduta dos pacientes, não sendo possível denunciá-los pela mera condição de sócios, sob pena de configurar-se responsabilidade puramente objetiva.
Pede, liminarmente, a suspensão da audiência marcada para o dia 6/5/2016, até o julgamento final do mandamus . No mérito, pugna pela nulidade do processo a partir da denúncia, inclusive.
A liminar foi indeferida às e-STJ fls. 192/194, as informações foram prestadas às e-STJ fls. 204/208, 212/252 e 256/267, e o Ministério Público Federal manifestou-se, às e-STJ fls. 268/273, pelo desprovimento do recurso, nos seguintes termos:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DAS PROVAS. APTIDÃO DA DENÚNCIA. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DAS CONDUTAS ATRIBUÍDAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. PARECER PELO CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A irresignação merece prosperar.
Com efeito, foram denunciados, em um primeiro momento, a empresa Pedrita Planejamento e Construção Ltda. e Thyago Henrique da Silva, sendo a eles imputada a conduta de suprimir vegetação nativa do bioma mata atlântica em estágio inicial de regeneração, em área de preservação permanente (e-STJ fls. 6/7).
Contudo, a denúncia foi aditada para excluir o denunciado Thyago Henrique da Silva, “por não ser ele o representante legal da empresa ré”, sendo incluídos no polo passivo, Paulo Gil Alves Filho, Adriana Alves e Giselle Alves Back, com ratificação dos demais termos da inicial acusatória (e-STJ fls. 76/77).
O Tribunal de origem, ao analisar a alegação de inépcia, considerou que os pacientes foram denunciados “por deterem o domínio do fato em relação às decisões tomadas em nome da pessoa jurídica denunciada”, razão pela qual não haveria se falar em inépcia (e-STJ fl. 157). Contudo, da leitura da inicial e do aditamento, não é possível sequer aferir qual a função desempenhada por cada um dos denunciados.
Como é cediço, não se pode confundir a denúncia genérica com a denúncia geral. De fato, não se admite no direito pátrio a denúncia genérica, sendo possível, entretanto, nos casos de crimes societários e de autoria coletiva, a denúncia geral, ou seja aquela que, apesar de não detalhar minudentemente as ações imputadas ao denunciado, demonstra, ainda que de maneira sutil, a ligação entre sua conduta e o fato delitivo.
Nesse sentido:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME SOCIETÁRIO. AUTORIA COLETIVA. LEI 8.137/90, ART. 1º, II. FRAUDE À FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (…). II – Nos delitos societários, a peça acusatória (ainda que não possa ser de toda genérica) é válida quando demonstra um liame entre a atuação dos denunciados e a conduta delituosa (mesmo que não individualize as condutas de cada um), a revelar a plausibilidade da imputação deduzida e permitindo o exercício da ampla defesa com todos os recursos a ela inerentes. (…). Recurso ordinário desprovido. (RHC 51.204/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 21/05/2015, DJe 01/06/2015).
AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO. DENÚNCIA. INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. TESE APRESENTADA APÓS A SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PRECLUSÃO CONFIGURADA. (…). 3. O acórdão amolda-se ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, nos crimes de autoria coletiva, a jurisprudência desta Corte admite que a peça acusatória, embora não possa ser totalmente genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra um liame entre o agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa. 4. A tese de inépcia da denúncia deve ser levantada antes da prolação da sentença de pronúncia, sob pena de preclusão. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 495.231/RJ, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/04/2015, DJe 23/04/2015).
No caso dos autos, verifico que a denúncia e o aditamento, apesar de descreverem a conduta delitiva consistente na supressão de vegetação em área de preservação permanente, não expõem, nem mesmo de passagem, o nexo causal entre o comportamento dos recorrentes e o fato delituoso. A acusação limitou-se a vinculá-los ao crime ambiental porque eram sócios da empresa em que realizada a fiscalização.
Reitero que, mesmo a denúncia geral deve conter elementos mínimos que preservem o direito do acusado de conhecer o conteúdo da imputação contra si. A mera atribuição de uma qualidade não é forma adequada para se conferir determinada prática delitiva a quem quer que seja. Caso contrário, abre-se margem para formulação de denúncia genérica e, por via de consequência, para reprovável responsabilidade penal objetiva.
Ao ensejo:
PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DE PESSOAS FÍSICAS. DESCRIÇÃO FÁTICA. INSUFICIÊNCIA. INÉPCIA. OCORRÊNCIA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. 1. É inepta a denúncia que não descreve um fato, sequer, que possa ligar os recorrentes (pessoas físicas) ao delito (lançamento de resíduos em APP – art. 54, §2º, V da Lei nº 9.605/1998) imputado na incoativa. 2. Não se sabe, na espécie, nem se são os recorrentes sócios da pessoa jurídica que teria lançado resíduos poluentes na natureza. A denúncia não diz e não trata de qualquer ação ou omissão por eles cometidas. 3. Recurso provido para, reconhecendo inepta a denúncia, anular o processo desde o seu recebimento, sem prejuízo de que outra peça acusatória seja oferecida, com observância do art. 41 do Código de Processo Penal. (RHC 64.635/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe 14/12/2015)
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. IMPUTAÇÃO DE CRIME AMBIENTAL A SÓCIOS OU ADMINISTRADORES DE PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE ESPECIFICAR OS DANOS AMBIENTAIS E A ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELO GESTOR INCRIMINADO. DUPLA IMPUTAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE. 1. O trancamento de ação penal em sede de habeas corpus ou do seu recurso ordinário somente é possível quando se constatar, primo ictu oculi, a atipicidade da conduta, a inexistência de indícios de autoria, a extinção da punibilidade ou quando for manifesta a inépcia da exordial acusatória. Precedente. 2. Hipótese em que o Parquet estadual, ao aditar a denúncia e trazer os recorrentes para o polo passivo da ação penal originária, nem sequer mencionou que eles seriam detentores de poderes gerenciais da empresa causadora do dano ambiental. Além disso, o simples fato de os acusados serem sócios ou administradores da pessoa jurídica acusada não pode automaticamente levar à imputação de delitos, sob pena de restar configurada a responsabilidade penal objetiva. 3. Considerando o que dispõe o art. 2º da Lei n. 9.605/1998, nas hipóteses de crimes ambientais, embora seja possível a chamada denúncia de caráter geral, o órgão acusador deve especificar os danos suportados pelo meio ambiente e cotejá-los, ainda que superficialmente, com a atividade desenvolvida pelo gestor empresarial incriminado, pois, do contrário, estaria prejudicado o exercício do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. 4. Tendo em vista que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu que a necessidade de dupla imputação nos crimes ambientes é prescindível, uma vez que viola o disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal (RE n. 548.181/PR, relatora Ministra Rosa Weber, DJe 30/10/2014 – Informativo n. 714/STF), a ação penal deve prosseguir somente para a pessoa jurídica acusada. 5. Recurso ordinário provido para reconhecer a inépcia da denúncia oferecida contra os recorrentes, excluindo-os do polo passivo da ação penal, sem prejuízo de que outra seja oferecida com a observância dos parâmetros legais. (RHC 50.470/ES, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 17/09/2015, DJe 06/10/2015)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para reconhecer a inépcia da denúncia e de seu aditamento com relação aos recorrentes, sem prejuízo de oferecimento de nova inicial acusatória, desde que observados os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator
EMENTA
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS . 1. CRIME AMBIENTAL. ATRIBUIÇÃO DA RESPONSABILIDADE AOS SÓCIOS. NEXO CAUSAL NÃO DESCRITO. DENÚNCIA INEPTA. IMPUTAÇÃO GENÉRICA. 2. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO.
1. A denúncia e o aditamento, apesar de descreverem a conduta delitiva consistente na supressão de vegetação em área de preservação permanente, não expõem, nem mesmo de passagem, o nexo causal entre o comportamento dos recorrentes e o fato delituoso. A acusação limitou-se a vinculá-los ao crime ambiental porque eram sócios da empresa em que realizada a fiscalização. Como é cediço, mesmo a denúncia geral deve conter elementos mínimos que preservem o direito do acusado de conhecer o conteúdo da imputação contra si. A mera atribuição de uma qualidade não é forma adequada para se conferir determinada prática delitiva a quem quer que seja. Caso contrário, abre-se margem para formulação de denúncia genérica e, por via de consequência, para reprovável responsabilidade penal objetiva.
2. Recurso em habeas corpus provido, para reconhecer a inépcia da denúncia e de seu aditamento com relação aos recorrentes, sem prejuízo de oferecimento de nova inicial acusatória, desde que observados os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 06 de outubro de 2016(Data do Julgamento)
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator