O tigre da espécie asiática, denominado “Rajar” veio a óbito nas dependências do Zoológico Municipal de Curitiba, aos 09 de maio de 2021, após 101 dias habitando o local. O laudo de causa mortis ainda não foi divulgado pela Universidade Federal do Paraná.
Entenda o caso
O animal vivia na chácara Rei Leão, em Piraquara – PR desde 2012. No ano de 2014, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA realizou fiscalização no local e apurou a falta de licença ambiental para guarda do animal. No entanto, na mesma oportunidade, por entender que o animal não sofria maus tratos e gozava de boa saúde e cuidados, confiou ao proprietário do imóvel a sua guarda, como depositário fiel.
Passados 07 (sete) anos, em 28 de janeiro de 2021 o animal, de aproximadamente 09 (nove) anos de idade, fora retirado da chácara em que vivia desde filhote, por determinação da 11ª Vara da Justiça Federal nos autos 5003010-32.2021.4.04.7000 e entregue ao IBAMA.[1]
A transferência do animal foi realizada para o Zoológico de Curitiba. O tigre “Rajar” passou a ocupar espaço que antes era habitado por outro tigre da mesma espécie, o “Tom”, que morreu no Zoológico de Curitiba aos 19 de janeiro de 2021.
O proprietário da chácara e cuidador do animal, ajuizou demanda para reaver sua guarda (provisoriamente até a determinação de decisão administrativa sobre a regulação para licenciamento do local), sob o argumento de melhor interesse e bem estar do tigre, que, em sua visão, poderia ser atingido com a mudança de habitat, gerando malefícios de saúde física e psicológica.
As advogadas do caso, do escritório Araúz Advogados, Rafaela Aiex Parra e Danielle Wardowski Cintra Martins, explicam que o pedido liminar para retorno do animal ao seu local habitual foi indeferido, aos 12 de abril de 2021, pela 11ª Vara da Justiça Federal nos autos 5007987-67.2021.4.04.7000 e o indeferimento confirmado pelo TRF4 – Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no Agravo de Instrumento 5019863-67.2021.4.04.0000, em 31 de maio de 2021.
“A discussão nos autos cingia-se ao melhor interesse do felino, por isso, entendíamos que havia urgência na apuração das condições em que o tigre vivia e que passou a viver. Os pedidos liminares foram feitos para resguardar o interesse do animal, pois temíamos que numa tramitação regular do processo de conhecimento, o mesmo adoecesse em virtude do estresse da mudança repentina de habitat e rotina. Infelizmente o Poder Judiciário não coadunou com a argumentação trazida aos autos, de manutenção do animal ao ambiente que já estava acostumado. Além disso, o juízo inverteu o ônus da prova de modo que tornou a produção excessivamente difícil ao particular, que se viu obrigado a provar que o Zoológico de Curitiba detinha piores condições ao animal, contrariando as normas do Código de Processo Civil.” – explica a advogada Rafaela Aiex Parra.
“Houve, também, desconsideração ao disposto no art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42), com redação pela Lei Federal 13.655/18, pois presumiu a decisão, sem fundamento concreto, que a transferência do tigre ao zoológico de Curitiba seria melhor do que sua manutenção na chácara em que sempre viveu.” – argumenta a advogada Danielle Wardowski Cintra Martins.
Após o indeferimento das liminares e o prosseguimento do feito para instrução processual, em 29 de junho de 2021, sobreveio a informação nos autos de que o animal havia falecido, através de ofício da Prefeitura Municipal de Curitiba dirigido ao IBAMA, datado de 27 de maio de 2021.
O processo judicial ainda segue em tramitação.
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Nota:
[1] https://www.jfpr.jus.br/noticias/justica-determina-retirada-de-tigre-em-chacara-que-fica-em-piraquara/
Veja também:
– Ibama terá que indenizar idosa por insistir em apreender papagaio
Confira a íntegra da decisão do TRF4:
(*processo público, decisão extraída do site do TRF4)
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5019863-67.2021.4.04.0000/PR
AGRAVANTE: EMERSON ROBERT TAVARES
AGRAVADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu pedido de antecipação de tutela que objetivava assegurar em favor da parte autora a posse e a guarda do tigre asiático denominado “Rajar”.
Em suas razões, assevera o agravante que foi surpreendido pelo Ofício 19/2021/DITEC-PR/SUPES-PR, comunicando que o tigre “Rajar” seria retirado da Chácara Rei Leão, local onde vivia, sob a guarda do depositário desde o ano de 2012, conforme determinado pelo órgão ambiental. Alega que o animal era mantido em condições adequadas às suas necessidades e estava perfeitamente adaptado ao seu habitat, porém, mesmo assim, foi entregue aos agentes do IBAMA no dia 28/01/2021, em cumprimento à decisão proferida no processo nº 5003010- 32.2021.4.04.7000, ajuizado pela referida autarquia em face do ora recorrente. Afirma que o animal foi apreendido e encaminhado ao zoológico de Curitiba/PR, estando, ao que tudo indica, em condições visivelmente piores do que as oferecidas pelo agravante. Ademais, discorre acerca (a) da existência de prova inequívoca do bem-estar do tigre “Rajar” na posse do autor, que foi nomeado depositário do animal pelo IBAMA de 2014 a 2021; (b) da ausência de fato novo que justifique a transferência do animal, mesmo após a suposta exposição do tigre em uma festa, ressaltando que o agravante sequer foi autuado em razão do referido evento; (c) da aplicação da teoria do fato consumado, considerando o longo período em que o tigre “Rajar” permaneceu na posse do seu cuidador na Chácara Rei Leão, sendo por ele criado desde os seis meses de vida, representando dano ao próprio animal a retirada do convívio com o autor; (d) da inexistência de prova relativa a maus tratos, sendo certo que, se o agravante não proporcionasse o devido cuidado ao tigre, não teria sido nomeado seu depositário. Sustenta, também, que o animal foi transferido ao zoológico de Curitiba/PR curiosamente após o falecimento de outro animal da mesma espécie que servia de atração naquele estabelecimento, restando caracterizado o desvio de finalidade na atuação administrativa. Por fim, requer a antecipação da tutela recursal, para que o tigre “Rajar” seja reintegrado a posse e guarda do agravante, até o trânsito em julgado da ação originária.
É o relatório. Decido.
O Juiz Federal Substituto FLÁVIO ANTÔNIO DA CRUZ, da 11ª Vara Federal de Curitiba/PR, proferiu a decisão ora agravada com o seguinte teor, no que importa ao julgamento do presente recurso (evento 18):
(…)
7. No processo autos de nº 5003010-32.2021.4.04.7000 prolatei decisão com a seguinte conclusão:
“11. TUDO EQUACIONADO, diviso densidade nos argumentos articulados na peça inicial. Os animais em questão foram mantidos sob a posse do requerido de modo absolutamente precário, dado o termo de apreensão documentado no movimento-1, procadm-2, p. 3. Trata-se de animais silvestres, que não podem ser confundidos com aqueles domesticáveis, pelo que explicitei acima.
D’outro tanto, desde os idos de dezembro de 2014, o requerido tem conhecimento de que teria que restituir aludidos animais aos cuidados do IBAMA.
Por conta do exposto, DEFIRO o pedido de antecipação de tutela, DETERMINANDO que o requerido promova a entrega dos animais aludidos na peça inicial, em favor do IBAMA, no prazo de 24h, a contar da intimação desta decisão, sob pena de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada dia de entrega. DETERMINO, ademais, que o requerido se abstenha de recusar a entrega ao IBAMA, tão logo os servidores do povo estejam na chácara, para buscá-los, sob pena de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada óbice imposto a tanto, e sem prejuízo de eventual majoração da multa, conforme art. 537, CPC.
12. DEFIRO, por outro lado, a busca e apreensão. EXPEÇA-SE mandados de busca e apreensão, a serem cumpridos no endereço declinado na peça inicial, e abrangendo sobremodo os pátios da chácara e locais em que se encontrem os animais mencionados na peça inicial. Aludido mandado deverá ser cumprido durante o dia, na forma do art. 5, XI, CF.
Aludido mandado deverá ser cumprido COM COMEDIMENTO e TEMPERANÇA, com respeito irrestrito aos direitos fundamentais do requerido, com destaque para a privacidade
8. No presente feito, o autor disse que o tigre Rajar teria sido encaminhado ao zoológico de Curitiba, onde encontrar-se-ia em condições sensivelmente piores do que aquelas oferecidas em seu habiitat natural, trazendo ao bojo elementos relativos ao bem-estar do animal, cabendo, nesta demanda, ponderar qual é o melhor habitat sob o ponto de vista do tigre.
9. Ora, com cognição não exaustiva, anoto que fauna é tutelada pelo art. 225, da Lei Maior, cumprindo-se ter em conta, ademais, que – conforme dispõ o art. 23, VII, CF – todos os entes federativos estão incumbidos da sua tutela. Em seus arts. 2º e 3º, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 15 de outubro de 1978 (UNESCO), assegurou a todos os animais o direito a ser respeitado, evitando-se maus-tratos ou atos crueis.
Esses vetores valorativos são projeção de uma nova consciência ética, cobrando a responsabilidade da geração presente, a fim de que se preserve, em favor do futuro, as condições que tornam a vida possível. Confira-se, por exemplo, com a instigante obra de SINGER, Peter. Libertação animal. Tradução de Marly Winckler e Marcelo Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
10. Sem dúvida que remanesce certa perplexidade, quando se tem em conta a diferença entre o tratamento jurídico dispensado aos animais domesticáveis, de um lado, e os silvestres, de outro. Em princípio, segundo a legislação, alguém pode capturar um cão – tratado indeviamente como sendo res nullius -, tornando-se então o seu proprietário (art. 1263, CC), e mantê-lo em cativeiro, desde que não lhe inflija maus-tratos (art. 32, lei 9605).
Por sinal, tramita na Câmara dos Deputados o oportuno PL 53/2019 buscando assegurar aos animais a condição de semoventes, ao invés de objetos, impedindo-se que sejam alvo de penhora.
Segundo Trennepohl, “A fauna silvestre compreende as espécies que ocorrem naturalmente, sem interferência do homem, em todo o território brasileiro, ou que utilizam o mesmo em alguma fase do seu desenvolvimento (…) A fauna exótica compreende todas as espécies que não ocorrem naturalmente no território nacional, nem o utilizam em rota migratória, independentemente de possuírem ou não populações livres na naturza, no local de origem. Qualquer espécie de fauna, tanto a nativa do local quanto aquela que se encontra em migração natural – podendo ser, portanto, silvestre em outros países -, está protegida pela norma como fauna silvestre. A fauna exótica somente é protegida pela regra que trata dos abusos ou maus-tratos, além de sujeita ao controle de introdução no país, previsto no art. 25 deste decreto.” (TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o meio ambiente: multas, sações e processo administrativo. 2. ed SP: Fórum, 2013, p. 151).
11. Com cognição não exaustiva, registro que, por força do art. 70 da lei n. 9.605/1998, o decreto n. 6.514, de 22 de julho de 2008, comina um conjunto de sanções para condutas agressivas à fauna brasileira.
Nos termos do art. 24 do mencionado decreto, configura infração administrativa a conduta de “Matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.”, incorrendo em multas de R$ 500,00 para cada indivíduo de espécie não constante de listas oficiais de risco ou ameaça de extinção; e pena de R$ 5.000,00 por indivíduo constante de listas oficiais da fauna brasileira ameaçada de extinção. Essas sanções também são aplicáveis a quem “vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade ambiental competente ou em desacordo com a obtida.”
Anote-se, com Curt Trennepohl, que “A supressão de determinada espécie pode causar enorme impacto sobre outros componentes de um ecossistema, pois é certo que inúmeros seres vivos funcionam como dispersadores de sementes, controladores naturais de pragas, além de desempenharem seu papel dentro da cadeia alimentar da fauna.” (TRENNEPOHL, Obra citada. p. 149).
12. Por sinal, a República Federativa do Brasil subscreveu a CITES – Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção –, em Washington, em 03 de março de 1973, com aprovação subsequente mediante o decreto-legislativo n. 54, de 24 de junho de 1975 e promulgação pelo decreto 92.446, de 07 de março de 1986. Ademais, a lei n. 5.197. de 03 de janeiro de 1967, estabelece, no seu art. 1º, que “Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.”
O art. 25 do referido decreto 6.514/2008 também sanciona a conduta de introduzir espécie animal silvestre, nativo ou exótico, no solo nacional ou fora da sua área de distribuião natural, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida pela autoridade ambiental com atribuições para tanto, quando exigível (multa de R$ 2.000,00, com acréscimos por exemplar excedente). Como explicita Churt Trennepohl, “O controle da importação de animais domésticos está mais afeoto às áreas de vigilância sanitária e de controle de pragas e zoonoses, sendo certo que mais atenção lhe é dispensada pelos órgãos do Ministério da Agricultura. O controle rigoroso na importação, no entanto, não tem somente esta finalidade, servindo também para impedir a disseminação de animais que podem apresentar características indesejáveis se soltos na natureza, seja por se tornarem predadores de espécies nativas ou concorrent4es por ocupação de espaços e disputa por alimentos.” (TRENNEPOHL, Curt. Obra ciada. p. 162).
Por seu turno, o art. 29 do decreto sanciona a prática de maus-tratos contra animais, cominando multa entre R$ 500,00 e R$ 3.000,00/indivíduo. O art. 3º do decreto 24.645, de 10 de julho de 1934, veicula um definição não exaustiva do que se consideram maus-tratos.
Merece destaque, ademais, a regra do art. 32 do decreto 6.514/2008, ao rotular como infração a conduta de “Deixar, o comerciante, de apresentar declaração de estoque e valores oriundos de comércio de animais silvestres.” A norma é complementada pela Portaria n. 118-N/97, do IBAMA, estabelecendo a obrigatoriedade de apresentação periódica de relatórios de estoque.
13. Já o art. 72, IV, lei n. 9.605/1998 estipula, como sanção administrativa, “a apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração.” Para tanto, contudo, deve-se atentar também para as balizas do art. 6º da mesma lei, por força do art. 72, caput.
Logo, “Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará: I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente; II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.” Deve-se aferir, por conseguinte, o contexto em que a infração ambiental teria sido cometida.
Semelhante é o conteúdo do art. 3º, IV, do decreto 6.514/2008 com a redação veiculada pelo decreto 6.686/2008, merecendo também destaque o seu art. 14: “A sanção de apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos e embarcações de qualquer natureza utilizados na infração reger-se-á pelo disposto nas Seções II, IV e VI do Capítulo II deste Decreto.” Segundo CurtTrennepohl, contudo, aludido dispositivo seria até dispensável, diante do contéudo do art. 25 , §2º da lei n. 9.605/1998, tendo sido introduzido apenas “para manter a sequência das sanções estabelecidas no art. 3.” (TRENNEPOHL. Curt. Obra citada. p. 120).
14. Atente-se ainda para o art. 134, IV, do decreto 6.514, com a redação veiculada pelo decreto 6.686/2008: “Após decisão que confirme o auto de infração, os bens e animais apreendidos que ainda não tenham sido objeto da destinação prevista no art. 107, não mais retornarão ao infrator, devendo ser destinados da seguinte forma: (…) II – as madeiras poderão ser doadas a órgãos ou entidades públicas, vendidas ou utilizadas pela administração quando houver necessidade, conforme decisão motivada da autoridade competente.”
Segundo o art. 47, §§3º do referido decreto 6.514, com a redação veiculada pelo decreto 6.686/08: “Nas infrações de transporte, caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado pela autoridade ambiental competente, o agente autuante promoverá a autuação considerando a totalidade do objeto da fiscalização.”
Segundo Trennepohl, “O §3º estabelece que no caso da carga não conferir em sua totalidade com o volume ou espécie autorizado, a sanção pecuniária será calculada sobre o total, isto é, fica afastada a hipótese de considerar parte dos produtos legal e somente aplicar a multa sobre o excedente. Destarte, caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado, a autuação considerará a totalidade do objeto da fiscalização. Esta disposição apenas torna claro o entendimento que já vínhamos manifestando anteriormente, quando a norma não era explícita nesse sentido. A autorização ambiental deve ser válida, isto é, todos os seus elementos (principalmente volume e espécie) devem estar em perfeita consonância com os produtos a que se refere. O Poder Judiciário tem acatado o entendimento de que a diferença entre o volume constante do documento autorizativo e a carga efetivamente transportada é razão suficiente para a autuação do transportador e a apreensão do produto.” (TRENNEPOHL. Curt. Obra citada. p. 231-232).
15. Por seu turno, o IBAMA reportou-se ao relatório de fiscalização do processo administrativo nº 02017.001549/2018-03:
“Em 15.03.2018 foi protocolada representação ao MPE/PR(1905764) sobre a exposição de um tigre (Panthera tigris) e uma jiboia (Boa constrictor) numa festa denominada Jungle Party ocorrida em 10.03.2018 no estabelecimento denominado HOT BAR, localizado na rua Ébano Pereira, 334, Centro Curitiba/PR. Foram postados vídeos (vide vídeos 1 e 2 constantes nos documentos 2005505 e 2005523) e comentários sobre a presença de animais na festa na rede social do estabelecimento (fls. 04 e 05 do documento 1905764). Pela observação dos vídeos é possível verificar que o tigre estava em uma jaula próxima a uma das portas de entrada do estabelecimento.” (…)
A Rede de Monitoramento e Proteção Animal, divisão do Departamento de Pesquisa e Conservação da Fauna da Secretaria Municipal de Meio Ambiente recebeu denúncia no dia 12/03/2018 de que de uma festa realizada no dia l0/03/2018. sábado. em casa noturna localizada à Rua Ébano Pereira, n’ 334. teria trazido como atração um tigre (Panthera tigris). animal exótico ao nosso ecossistema e uma serpente não peçonhenta da famíliaBoidae conhecida como jibóia, animal nativo do Brasil. Ambos, segundo a legislação brasileira, tutelados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA.
A equipe de fiscalização da Rede de Monitoramento e Proteção Animal constatou através de notícias nas redes sociais dos frequentadores da referida festa, intitulada “Jungle Party”, que efetivamente foram trazidos para este ambiente os dois animais citados.
O Município de Curitiba possui legislação específica que impede a utilização de animais em espetáculos. Lei no 12.467/2007 que “PROÍBE A MANUTENÇÃO. UTILIZAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE ANIMAIS EM CIRCOS OU ESPETÁCULOS ASSEMELHADOS NO MUNICÍPIO DE CURITIBA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. Em seu artigo primeiro especifica as categorias de animais, quais sejam animais selvagens, domésticos, nativos e exóticos.
Não bastasse a infração à Lel n’ 12.457/2007, os promotores da festa quando expuseram os animais ao ambiente da casa noturna também infringiram a Lei nº 1 3.908/201 que trata de maus tratos a animais.
A equipe de fiscais, tão logo apurada a veracidade da denúncia, esteve no local no dia 13/03, e retornou no dia 14/03 com uma notificação aos proprietários do estabelecimento para que, no prazo máximo de 48 horas, prestassem esclarecimentos sobre o ocorrido.
No dia 16/03, no período da tarde, quando expirava o prazo concedido, o advogado do estabelecimento Sr. Hugo Soares, se apresentou na Rede de Proteção A nimal ,juntamente com o fiel depositário do tigre exposto na festa, o Sr. Emerson Robert Tavares. Em suas alegações, o Sr. Emerson informou que não tinha conhecimento de que o animal teria sido levado à casa noturna como atração da festa realizada. Informou que seu filho, gerente do estabelecimento expôs o animal sem seu conhecimento. Informou também que desconhecia a legislação municipal.
Em relação à Boa constritor alegaram que pertencia a um frequentador da casa noturna e entregou cópia xerox de nota fiscal de compra da cobra, em estabelecimento localizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O proprietário da referida cobra não compareceu para explicações sobre o ocorrido.
De acordo com as manifestações das redes sociais. por parte dos frequentadores da festa, paira evidenciada à sujeição dos animais ao stress pela barulho expressivo, luzes intensas, tochas de fogo demonstradas pelas fotografias tiradas por estes participantes do evento. Ainda, de acordo com informação veiculada por participante da festa. o tigre se encontrava sedado com tranquilizantes e quando a efeito da sedação passou. este começou a rugir amiudamente e por isto teria sida retirado do local .
Assim, a Rede de Monitoramento e Proteção Animal, através de seus fiscais e técnicos. tanto médicos veterinários, quanto biólogos definiram pela autuação do estabelecimento de nome fantasia “Hot Bar Curitiba” por infração à Lei no 12.467/2007 e pela prática de maus tratos à animais. segundo a Lei Municipal nº 13.908/2011. Em razão da gravidade da infração, pelo descaso com as Leis Municipais o estabelecimento foi multado em R$ 200.000,00 sopesando a legislação, mormente o contido no artigo quinto da Lei nº 13.908/201 que trata da gravidade dos fatos, bem como da capacidade econômica do agente infrator.”
16. A autarquia também aludiu a opiniões dos presentess: “Indignada, Hot Bar achou engraçado trazer um tigre para exibir em uma balada. O bicho no meio da luz e som absurdo, sofrendo stress desnecessário para um bando de idiotas fotografando e se exibindo. Em me nego a fazer parte disso. (…) Tadinho do tigre deveria estar stressado, preso lamentável virar atração.”
Chama a atenção a alegação de que o animal teria sido sedado e exposto como atração em festa, com barulho e luzes, em local diferente do habitat de origem, colocando em risco a sua saúde e de outros presentes. Examino tais alegações com circunspeção, dado que não filtradas sob bilateralidade de audiência – art. 5, LIV e LV, CF, parte final do art. 7, CPC e art. 2º lei nº 9.784/1999.
17. Tenho em conta, por certo, o que foi alegado pelo requerente, quando argumentou que Rajar estaria em um ambiente pior que o da chácara Rei Leão:
“Primeiramente há que se reforçar que diferentemente da situação do Senhor EMERSON ROBERT TAVARES, o Zoológico de Curitiba funciona com a devida autorização ambiental, em atendimento às legislações e normativas que se impõem à criação de animais em cativeiro. Os recintos encontram-se dentro do que preconiza a legislação como adequados e em tamanho superior ao mínimo estipulado pelas normas e ao recinto em que era mantido na propriedade do senhor Emerson. Em segundo ponto, o Zoológico de Curitiba dispõe de equipe técnica profissional (tratadores, biólogos e veterinários) também legalmente habilitados no manejo dos animais. Desde o trato diário, alimentação, bem estar e segurança, todos os quesitos são monitorados diariamente por profissionais credenciados junto aos respectivos conselhos profissionais. Ao contrário, o Senhor EMERSON ROBERT TAVARES não conseguiu demonstrar que o tigre é acompanhado por profissional responsável, com a periodicidade que o animal necessitaria. Em sua defesa, foi apresentado um único documento emitido pela Clínica “Equivet – Assistência Veterinária”, com data de 10 de agosto de 2015. Nada mais foi apresentado pela defesa demonstrando que o animal possui/possuiu acompanhamento periódico em todos esses anos.
Em seu pleito de reintegração de guarda, o Senhor EMERSON ROBERT TAVARES utiliza o falso argumento de que o tigre estaria sendo mantido enclausurado em uma construção de alvenaria, estando diariamente preso nessa condição. Na verdade o que ocorre é que a imagem utilizada pela defesa foi tirada no exato momento em que o animal chegara ao Zoológico de Curitiba, e fora transferido para a área de cambiamento, área esta prevista nas normativas legais. A área de Cambiamento (Imagem 01) é um local adjacente ao recinto do animal onde o mesmo fica confinado para facilitar os diferentes tipos de manejo, como a administração de medicamentos e coleta de material biológico para exames, por exemplo. A área também é necessária para o isolamento e retirada do animal do recinto, quando neste é necessária alguma intervenção ou mesmo a manutenção periódica da área. Portanto é falsa a alegação de que o tigre esteja sendo mantido enclausurado em ambiente fechado. Vale destacar que o recinto destinado no Zoológico de Curitiba para o animal é uma área devidamente cercada com 900m2 , com grama e vegetação, plataformas elevadas em madeira e piscina com água limpa disponível (Imagens 02 e 03).
18. A conjugação desses vetores não é uma tarefa singela, notadamente ao início da demanda. Afinal de contas, exige-se a realização de uma ampla dilação probatória, sob contraditório, de modo a viabilizar o efetivo conhecimento dos fatos havidos, atentando-se para as regras aplicáveis, no âmbito do processo civil, às diligências demonstrativas (art. 373, CPC, por exemplo).
19. Por ora, diante do exposto, deve-se privilegiar a manutenção do tigre Rajar sob os cuidados do IBAMA, diante dos elementos de convicção apresentados pela autarquia, ao postular a autorização judicial para busca e apreensão na Chácara Rei Leão. Registro que a manutenção de animais selvagens sob a guarda privada é medida de risco, dependendo de prévia autorização estatal, aparentemente ausente na espécie.
Não desconsidero o relevo dos argumentos do autor, notadamente quando sustenta que o IBAMA lhe teria confiado a guarda de Rajar quanto ao período compreendido entre dezembro de 2014 até janeiro deste ano. A tanto parece convergir a decisão do STJ, publicada no informativo 550; e também conforme lógica art. 29, § 2º, da Lei 9.605/1998. Aparentemente, a chácara do autor apresenta estrutura adequada; por época da diligência havida em 2014, não teriam sido constatados indícios de maus tratos.
DIREITO AMBIENTAL. POSSE IRREGULAR DE ANIMAIS SILVESTRES POR LONGO PERÍODO DE TEMPO. O particular que, por mais de vinte anos, manteve adequadamente, sem indício de maus-tratos, duas aves silvestres em ambiente doméstico pode permanecer na posse dos animais. Nesse caso específico, aplicar o art. 1º da Lei 5.197/1967 (“Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”) e o art. 25 da Lei 9.605/1998 (“Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos”) equivaleria à negação da sua finalidade, que não é decorrência do princípio da legalidade, mas uma inerência dele. A legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais. Assim, seria desarrazoado determinar a apreensão dos animais para duvidosa reintegração ao seu habitat e seria difícil identificar qualquer vantagem em transferir a posse para um órgão da Administração Pública. Ademais, no âmbito criminal, o art. 29, § 2º, da Lei 9.605/1998 expressamente prevê que “no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena”. Precedente citado: REsp 1.084.347-RS, Segunda Turma, DJe 30/9/2010. REsp 1.425.943-RN, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 2/9/2014.
20. Contudo, a ausência de apresentação de documentos que vaticinem que o tigre seja mantido na Chácara em questão, diante do art. 1º da Lei 5.197/1967: “Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.”
Ademais, repiso, é salutar que haja dilação probatória, caso venha a ser requerido pelos contendores. Até lá, salvo demonstração em contrário, o tigre deve permanecer sob os cuidados do IBAMA, sem prejuízo da modulação desta deliberação, caso o requerente demonstre, nos autos, que Rajar encontra-se, de fato, em situação mais gravosa do que se encontrava na chácara Rei Leão. Pesa nesse análie também a alegação de que o autor teria utilizado o animal em festas, caracterizando um indevido uso comercial, questão a ser apurada, como já pontuado, sob contraditório.
21. Em conclusão, INDEFIRO, por ora, o pedido de antecipação de tutela requerida pelo autor. INTIMEM-SE as partes a respeito da presente deliberação.
(…)
A decisão noticiada desafia impugnação por meio do instrumental, porquanto trata de tutela antecipada, consoante previsão do art. 1.015 do CPC.
Na hipótese em apreço, considerando que a entrega do animal ao IBAMA decorreu do cumprimento de decisão judicial nos autos nº 5003010-32.2021.4.04.7000, e que não há, até o momento, demonstração inequívoca de que o tigre “Rajar” esteja sofrendo maus-tratos ou vivendo em condições inadequadas no Zoológico Municipal de Curitiba/PR, tenho que a solução da controvérsia pode ocorrer por ocasião do julgamento pelo órgão colegiado, juízo natural da causa nesta instância, sem acarretar qualquer prejuízo às partes.
Sendo assim, em homenagem ao princípio do contraditório, intime-se a parte agravada para resposta a teor do disposto no art. 1.019, II, do CPC.
Intimem-se. Após, voltem conclusos.
Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002582305v4 e do código CRC 5fd76704.
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Data e Hora: 31/5/2021, às 9:33:19