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Análise dos vetos à lei da Política e do Programa Federal de PSA

por Márcia Silva Stanton.

No dia 14 de janeiro de 2021, foi publicada no DOU a Lei nº. 14.119/2021, instituindo a Política Nacional e o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, o que representa um grande avanço no uso de instrumentos econômicos para a proteção ambiental. Ocorre que o texto aprovado no Congresso Nacional foi objeto de veto parcial, de alguns dispositivos considerados inconstitucionais ou contrários ao interesse público, nos termos do art. 66, § 1º, da CF.  Estes vetos foram apreciados pelo Congresso Nacional, em sessão ocorrida no dia 17 de março de 2021, que deliberou pela derrubada de alguns, pela manutenção de outros, e pela apreciação em separado de um dos vetos, o que será feito na próxima sessão. Vejamos o que foi decidido:

1. Dispositivos cujos vetos foram rejeitados, mantendo-se o texto legislativo aprovado no Congresso:

Órgão colegiado (§ 8º do art. 6 e art. 15):

O artigo 15 prevê a criação de um órgão colegiado com atribuições de propor critérios e prioridades na aplicação dos recursos do Programa Federal, monitorar a conformidade dos investimentos com os objetivos e diretrizes, propor ajustes, avaliar o Programa a cada quatro anos e manifestar-se, anualmente, sobre o plano de aplicação dos recursos e critérios de valoração, validação, monitoramento, verificação e certificação dos serviços ambientais. Os parágrafos do art. 15 preveem a composição paritária deste órgão dividida entre representantes do poder público, setor produtivo e sociedade civil, sendo presidido pelo titular do órgão central do Sisnama, sendo não remunerada tal participação. O § 8º do art. 6º reitera a avaliação do Programa a cada quatro anos por este órgão colegiado criado pelo art. 15.

A propositura foi considerada inconstitucional por vício de iniciativa por “definir competências para órgão específico do Poder Executivo”, em afronta ao art. 61, § 1º, II, ‘e’, da CF. Tal veto foi, acertadamente, derrubado. Ocorre que a criação deste colegiado não significa que seja necessária a criação de um novo órgão ou estrutura governamental com aumento de gastos, o que tornaria a proposta uma prerrogativa do Poder Executivo. Esta estrutura de governança pode ser composta por órgãos do governo já existentes, como é o caso da Secretaria da Amazônia e dos Serviços Ambientais integrante do Ministério de Meio Ambiente e responsável pela gestão do programa Floresta+. A participação voluntária de membros da sociedade civil e do setor produtivo já ocorre de forma voluntária em diversos outros conselhos ou órgãos colegiados pois advocacy é parte da atribuição destas entidades.

Por outro lado, a eliminação desta estrutura de governança com composição paritária poderia comprometer a eficiência, eficácia, transparência, controle social e credibilidade do programa, com reflexos no fluxo de investimentos e indo na contramão do interesse público e dos preceitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.

Vinculação na destinação de recursos de PSA para as Unidades de Conservação prestadoras de serviços ambientais (§ 1º do art. 8º.).

A proposição legislativa direciona os pagamentos pelos serviços ambientais prestados por unidades de conservação (UCs) para as atividades de regularização fundiária, elaboração, atualização e implantação do plano de manejo, fiscalização e monitoramento, manejo sustentável da biodiversidade e outras vinculadas à própria UC. O dispositivo havia sido vetado por se entender que “contraria o interesse público ao estabelecer vinculação de receita, enrijecendo a flexibilidade orçamentária-financeira, o que dificulta a gestão fiscal e as políticas de ajuste pelo Poder Público.”

De fato, a proposição faz uma vinculação das receitas ao uso na unidade de conservação prestadora do serviço ambiental remunerado, à exemplo do que já ocorre com os recursos da compensação ambiental prevista no art. 36 da Lei nº 9.985/2000, mas são bastante conhecidos os problemas de implantação e gestão de UCs no Brasil, tanto por deficiências no planejamento, quanto por insuficiência de recursos financeiros. A expansão na criação de UCs ocorrida nos últimos 25 anos não foi acompanhada dos correspondentes recursos financeiros[1]. Auditorias realizadas por Tribunais de Contas Estaduais apontaram deficiências no processo de regularização fundiária e ausência de plano de manejo[2]. Se estima que exista um passivo de dez milhões de hectares de áreas privadas a serem desapropriadas e pagas, gerando inúmeros conflitos[3].

Desta forma, a destinação direta de recursos à UC prestadora do serviço é medida de maior eficiência e eficácia no uso do recurso e dá plena efetividade aos objetivos de um PSA de oferecer um incentivo positivo que viabilize a recuperação, manutenção ou incremento de um serviço ecossistêmico. Também é importante mencionar que já existe uma previsão legal de pagamento pelos serviços ambientais hídricos a ser custeados por empresa responsável pelo abastecimento de água ou geração de energia elétrica e pelos serviços biológicos, cênicos ou culturais prestados pelas Unidades de Conservação, exceto APA e RPPN (arts. 33, 47 e 48 da Lei nº 9.985/2000).

Neste sentido, o que contraria o interesse público é justamente a falta de recursos que assegurem sustentação financeira e orçamentária às UCs prestadoras destes valiosos serviços. A efetiva destinação de recursos para estas finalidades atende ao que preceitua o art. 225, § 1º, da CF, auxilia na consolidação do sistema brasileiro de áreas protegidas e no atendimento da Meta 11 de Aichi e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14 e 15.

Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (arts. 13 e 16)

Haviam sido vetados os artigos que criam o Cadastro Nacional de PSA (art. 16) e que preveem a obrigatoriedade de registro dos contratos de PSA neste cadastro (art. 13). O Cadastro Nacional deve conter informações sobre os contratos realizados, áreas potenciais e respectivos serviços ambientais prestados, metodologias e dados que fundamentaram a valoração dos ativos, bem como, informações sobre os planos, programas e projetos que integrem o Programa Federal de PSA. Este cadastro é integrado ao Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente (Sinima), ao Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr) e ao Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), de acesso público.

O dispositivo havia sido vetado por contrariar o interesse público e o disposto no art. 113 do ADCT, art. 16, inc. II, da LC nº 101/2000 e arts. 125 e 126 da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021. Além disso, se entendeu que a Portaria MMA no. 288/20 que institui o Programa Floresta+ já incluiria o registro e integração dos dados de projetos de serviços ambientais no âmbito daquele programa. A nosso ver, agiu bem o Congresso ao derrubar este veto pois a criação do cadastro é que atende ao interesse público na medida em que concentra dados relevantes para o monitoramento da execução e desempenho dos projetos, permitindo ajustes e melhor planejamento desta política pública, sem mencionar a transparência e controle social. Muito embora a Portaria MMA nº 288/2020 inclua entre os objetivos do Programa Floresta+ o de promover o registro, a integração e a divulgação de dados dos seus projetos, estes objetivos são menos abrangentes do que aqueles contidos no Cadastro Nacional. Analisando a medida pelo aspecto do impacto financeiro-orçamentário, nos parece que os atuais bancos de dados e sistemas de informação mantidos pelo Poder Executivo podem ser facilmente adaptados para contemplar este cadastro, sem que haja um o impacto financeiro-orçamentário.

2. Veto pendente de apreciação:

Art. 17 e § único: O art. 17 e seu § único traz a previsão de isenção do IR, da CSLL, Pis e Cofins sobre os pagamentos por serviços ambientais, desde que realizados pelo poder público ou, se realizados entre particulares, sejam registrados no Cadastro Nacional de PSA. Estes dispositivos foram vetados porque estariam violando o princípio da isonomia tributária previsto no art. 150, inc. II, da CF, e por ofensa ao art. 113 do ADCT, art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, art. 116 da LDO de 2020 e arts. 125 e 137 da LDO de 2021 pois contemplaria renúncia de receita sem prazo de reavaliação ou estimativa do impacto financeiro-orçamentário.

Análise do veto:

Não se vislumbra violação ao princípio da isonomia tributária pelo simples tratamento diferenciado às receitas provenientes de atividades de conservação. Inicialmente, não se pode afirmar categoricamente tratar-se de renda ou receita pois ainda não existe uma definição clara por parte da doutrina acerca da natureza destes pagamentos. Ademais, o tratamento diferenciado, por si só, não evidencia nenhum vício devendo-se analisar a razão e os critérios que orientam e justificam esta diferenciação[4]. No presente caso, a diferenciação se justifica pela própria natureza do instrumento pois o PSA é um instrumento econômico que tem por finalidade induzir um comportamento por meio do oferecimento de um incentivo. No caso, a isenção fiscal sobre os pagamentos efetuados também funciona como um incentivo adicional para induzir o comportamento desejado sem reduzir, pela tributação, o montante recebido pelo provedor de serviços ambientais. Com esta característica e finalidade, existem outros exemplos na legislação brasileira sendo a isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) sobre as Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL) um exemplo clássico.

Em relação à alegação de tratar-se de renúncia de receita sem a correspondente análise de impacto financeiro-orçamentário, é importante relembrar que o Programa Federal de PSA foi criado nesta mesma lei e ainda depende de regulamentação. Portanto, não se estaria renunciando a receita que sequer existe ou cuja estimativa tenha sido incluída na LDO de 2021. Ademais, também é relevante salientar que esta proposição foi analisada pelas Comissão de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, tendo-se concluído pela adequação financeira e orçamentária e pela sua constitucionalidade[5].

3. Dispositivos cujos vetos foram mantidos

Art. 18 – O art. 18 explicitava que os incentivos fiscais e creditícios previstos na Lei nº. 14.119/2021 não excluiriam outros benefícios abatimentos e deduções em vigor. Estes dispositivos foram vetados por inconstitucionalidade, porque estariam violando o princípio da isonomia tributária previsto no art. 150, inc. II, da CF, e por ofensa ao art. 113 do ADCT, art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, art. 116 da LDO de 2020 e arts. 125 e 137 da LDO de 2021 pois contemplariam renúncia de receita sem prazo de reavaliação ou estimativa do impacto financeiro-orçamentário.

Art. 19 – O art. 19 autorizava o Poder Executivo a estabelecer: i) incentivos tributários destinados a pessoas físicas e jurídicas que financiassem o Programa Federal de PSA; ii) incentivos tributários destinados a promover mudanças nos padrões de produção e gestão dos recursos naturais e incentivar a recuperação de áreas degradadas; iii) incentivos creditícios para atividades de recuperação e restauração de ecossistemas; iv) assistência técnica e incentivos creditícios para o manejo sustentável da biodiversidade e demais recursos naturais; v) programa de educação ambiental destinados a populações tradicionais, agricultores e empreendedores familiares rurais e; vi) outras medidas de incentivo à compra de produtos associados à ações de conservação e prestação de serviços ambientais.

As razões para o veto podem ser assim resumidas:

  1. Violação da regra prevista no art. 153, § 1º, da CF que atenua o princípio da legalidade estrita para a alteração de alíquotas de alguns impostos, porque não especificadas na lei as condições e limites para esta alteração.
  2. Violação ao princípio da legalidade estrita para a concessão de isenção, subsídio, redução de base de cálculo ou concessão de crédito presumido previsto no art. 150, § 6º, da CF e art. 97, inc. II, do CTN, por ausência de lei específica.
  3. Ofensa ao art. 113 do ADCT, art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, art. 116 da LDO de 2020 e arts. 125 e 137 da LDO de 2021 pois contemplaria renúncia de receita sem prazo de reavaliação ou estimativa do impacto financeiro-orçamentário.

Análise do veto:

Entendemos que a manutenção dos vetos aos arts. 18 e 19 tem mais efeito simbólico do que prático. Analisando inicialmente as razões de veto ao art. 19 que autoriza o Poder Executivo a conceder subvenções na forma de incentivos fiscais e subsídios, nos parece ser hipótese de norma de eficácia limitada e não de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da legalidade. A legalidade tributária é garantia fundamental dos contribuintes e a regra prevista nos art. 150, § 6º, da CF exige a edição de lei específica ou exclusiva quanto à matéria e destinatário. Por conseguinte, na hipótese de o Poder Executivo decidir exercer sua competência, deveria editar lei específica disciplinando tal subvenção. Enquanto não o fizer, tal isenção ou subsídio não se aplica, mas a sua previsão hipotética não configura inconstitucionalidade por ofensa aos art. 150, § 6º, e 153, § 1º, da CF.

Nada impede que este tema volte a ser tratado no âmbito da reforma tributária em discussão no Congresso Nacional, mas é de se questionar a morosidade na implementação dos diversos instrumentos econômicos disponíveis, a despeito de vários estudos demonstrando suas hipóteses de cabimento e vantagens em relação aos tradicionais instrumentos de comando e controle. Muito embora o uso de instrumentos econômicos para a proteção ambiental esteja previsto desde 2006 na Política Nacional de Meio Ambiente, a sua implementação sempre foi tímida e muito aquém do seu potencial. O Código Florestal aprovado em 2012 fez uma tentativa de inverter esta lógica criando um capítulo inteiramente dedicado ao tema. O capítulo X traz diversos dispositivos prevendo o uso de PSA, crédito e seguro subsidiados, isenções fiscais e medidas de fomento e incentivo para a recuperação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais. Infelizmente, nenhum destes dispositivos foi efetivamente implementado ou regulamentado, permanecendo apenas aqueles poucos já existentes à época. O projeto de lei de instituição da Política Nacional e do Programa Federal de PSA representou um novo esforço neste sentido, fruto de um profundo debate e resultado do processo democrático, mas carente de maior efetividade neste ponto. Quando até o Poder Judiciário começa a utilizar sanções premiais para induzir o cumprimento de suas decisões[6], a pergunta que fica é: por que não avançamos nesta agenda?

Notas:

[1] MEDEIROS, R.; YOUNG, E.F. (Org.) Quanto vale o verde: a importância das unidades de conservação brasileiras. Rio de Janeiro: Conservação Internacional, 2018.

[2] GELUDA et al. Desvendando a compensação ambiental: aspectos jurídicos, operacionais e financeiros. Rio de Janeiro: Funbio, 2015.

[3] PRATES, A.P.; SOUZA, N.O.M. Panorama Geral das áreas protegidas no Brasil. In: BENSUSAN, N.; PRATES, A.P. (Org). A diversidade cabe na unidade? Áreas protegidas no Brasil. Brasília: IEB/Mil Folhas, 2014.

[4] PAULSEN, Landro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

[5] CAMARA FEDERAL, 2020.

[6] OLIVON, Beatriz. Juízes passam a conceder prêmios para incentivar o cumprimento de decisões. Valor Econômico, 12/03/2021. Disponível em https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/03/12/juizes-passam-a-conceder-premios-para-incentivar-o-cumprimento-de-decisoes.ghtml.

stanton
Márcia Stanton – Advogada e consultora na área agroambiental, mestre em Direito Ambiental pela Pace University/EUA, MBA em Agronegócios pela USP/Esalq e especialista em Direito Empresarial pela UFRGS.

Direito Ambiental

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