Confira a íntegra do julgado:
APELAÇÃO CÍVEL N. 0050046-54.2012.4.01.3800/MG
RELATORA | : | DESEMBARGADORA FEDERAL NEUZA MARIA ALVES DA SILVA |
RELATOR CONVOCADO | : | JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA |
APELANTE | : | LUIZ XAVIER DE OLIVEIRA |
DEFENSOR COM OAB | : | ZZ00000001 – DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO – DPU |
APELADO | : | INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS – IBAMA |
PROCURADOR | : | DF00025372 – ADRIANA MAIA VENTURINI |
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença, na qual o magistrado julgou improcedente o pedido, por meio do qual o autor pretendia obter o reconhecimento da nulidade de auto de infração e da multa administrativa imposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e, em ordem de sucessão a redução, a substituição por advertência ou a conversão da multa em prestação de serviços.
O Juízo negou o pedido por entender que o ato administrativo não detém vícios, pois “não ficou demonstrado o alegado desacerto do IBAMA quanto à constituição/formalização do crédito”; que as infrações administrativas ambientais “são puníveis com as sanções previstas em lei em sentido formal e material, conforme disposto no art. 72 da Lei 9.605/98”; que os elementos postos nos autos não evidenciam irregularidades “no procedimento administrativo que resultou na aplicação da multa”; que o autor mantinha, em cativeiro, dezesseis pássaros silvestres, sendo “fato manifestamente capaz de produzir efetivo prejuízo à fauna brasileira”; que a quantidade de animais apreendidos “constitui elemento importante para se fixar o valor da multa, conforme se extrai do disposto no artigo 74 da Lei 9.605/98”; que o pedido de conversão da multa em prestação de serviços “também não comporta acolhimento no caso em exame”; que a pretensão de converter a sanção “deve ser dirigida diretamente à autoridade administrativa competente, acompanhada de pré-projeto de recuperação de danos a ser submetido ao órgão respectivo, firmando-se, ao final, o Termo de Compromisso”; que o autor “deixou escoar o prazo previsto na legislação de regência sem que tivesse submetido à Administração Pública o requerimento de conversão”; que o princípio da separação dos poderes só permite a análise do Judiciário nos atos administrativos em caso de ilegalidade (fls. 148/159).
Em suas razões recursais, o autor alega, em síntese, que “o bom estado dos pássaros apreendido e a ausência de intuito de comercialização do apelante são fatos incontroversos, não há que se falar em tráfico de animais”; que “o quadro fático narrado deixa claro que a multa aplicada pelo IBAMA fere de morte o princípio da proporcionalidade, eis que penaliza cidadão idoso, aposentado com 01 salário mínimo”; que o meio ambiente não sofreu lesão; que “a falta de amparo legal do decreto em que fundamentou o auto de infração é motivo bastante para que se anule a multa imposta ao apelante, reformando-se a sentença de 1º grau”; que “a sanção mais adequada é a de advertência (art. 72, I, Lei 9.605/98, na medida em que atinge a finalidade da lei, reprimindo a conduta, ao mesmo tempo em que preserva a dignidade da pessoa humana, não comprometendo a subsistência do apelante”; que “a aplicação de multa no valor de R$ 16.159,12, em janeiro de 2012 (ou seja, atualmente, deve ser ainda maior), embora de pagamento possivelmente parcelado, configura desmedida ameaça a um princípio constitucionalmente garantido ao apelante, seja ele: a dignidade da pessoa humana”; que “a conduta do apelante foi enquadrada na hipótese dos arts. 2º, II e IV, e 11, §1º e III, do Decreto 3.179/99, que prevê multa de R$ 500,00 (quinhentos reais), por espécie não constante de listas oficiais de fauna brasileira ameaçada de extinção”; que as condições do fato requerem “os parâmetros estabelecidos no art. 4º do Decreto 3.179/99, no art. 6º do Decreto 6.514/08 e nos arts. 6º e 14 da Lei n. 9.605/98, inegável a necessidade de redução do valor da multa”; que a redução “deve-se não só ao limite objetivo do art. 75 da Lei n. 9.605/98, como também pelo princípio da individualização da sanção, aplicada na medida da culpabilidade do infrator (art. 2º da Lei n. 9.605/98)”; que “a individualização serve ao autor-apelante e à Administração Pública, cujo interesse está em preservar a higidez ambiental (art. 225 da CRFB), não em converter multa em instrumento de arrecadação” e a reforma da sentença enseja “a condenação do IBAMA ao pagamento de honorários à DPU, sob pena de violação do art. 4º, XXI, da LC 80/94” (fl. 164/172).
Nesse contexto, o autor pede o provimento da apelação para que seja reformada a sentença, com o fim de anular a multa imposta pelo IBAMA, postulando, em caso de confirmação do ilícito ambiental, de conversão da multa em advertência ou prestação de serviços.
O IBAMA apresentou contrarrazões, reafirmando os argumentos acerca – do crime ambiental cometido pelo autor, da discricionariedade referente ao pedido de conversão em serviços de preservação ambiental, da natureza bilateral da transação, da impossibilidade de ser imposta à Administração Pública, tendo em vista as condições de ajuste e a liberdade das partes nessa intenção – e solicitando a manutenção da sentença (179/201).
Os autos subiram para este Tribunal.
É o relatório.
V O T O
Os autos revelam que a Polícia Militar de Minas Gerais autuou o autor, em 4 de setembro de 2006, por manter em cativeiro dezesseis pássaros da fauna silvestre brasileiro, sem portar o devido registro emitido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA.
A autoridade responsável pela lavratura do auto de infração fixou multa na quantia de R$ 8.000.00 (oito mil reais), enquadrando a conduta do autor nos termos do artigo 29, § 1.º e inciso III, e do artigo 70 da Lei 9.605, 12 de fevereiro de 1998 – que regula as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente – bem como nas formas do artigo 2, incisos II e IV, e do artigo 11, § 1.º, inciso III, do Decreto 3.179, de dezembro de 1999, o qual prevê, sobretudo, a importância a ser aplicada aos infratores, conforme se vê na sequência:
Lei 9.605/1998
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia.
§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de corresponsabilidade.
§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.
Decreto 3.179/1999
Art. 11. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais), por unidade com acréscimo por exemplar excedente de:
I – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por unidade de espécie constante da lista oficial de fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo I da Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção-CITES; e
II – R$ 3.000,00 (três mil reais), por unidade de espécie constante da lista oficial de fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo II da CITES.
§ 1oIncorre nas mesmas multas:
I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; ou
III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
Observo, porém, que o Decreto 6.514, de 22 de julho de 2008, revogou o supracitado Decreto 3.179/99, vigente na época dos fatos, e que o diploma reformador considera infração administrativa de menor lesividade ao meio ambiente aquela em que a multa imputada não exceda ao montante calculado em R$ 1.000,00 (mil reais). Além disso, o aludido Decreto faculta a conversão da multa pecuniária em advertência, respeitado os limites impostos pelo legislador, de acordo com a redação do seu artigo 5.º, caput e § 1.º:
Da Advertência
Art. 5o A sanção de advertência poderá ser aplicada, mediante a lavratura de auto de infração, para as infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente, garantidos a ampla defesa e o contraditório.
§ 1oConsideram-se infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente aquelas em que a multa máxima cominada não ultrapasse o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), ou que, no caso de multa por unidade de medida, a multa aplicável não exceda o valor referido.
§ 2oSem prejuízo do disposto no caput, caso o agente autuante constate a existência de irregularidades a serem sanadas, lavrará o auto de infração com a indicação da respectiva sanção de advertência, ocasião em que estabelecerá prazo para que o infrator sane tais irregularidades.
§ 3oSanadas as irregularidades no prazo concedido, o agente autuante certificará o ocorrido nos autos e dará seguimento ao processo estabelecido no Capítulo II.
§ 4oCaso o autuado, por negligência ou dolo, deixe de sanar as irregularidades, o agente autuante certificará o ocorrido e aplicará a sanção de multa relativa à infração praticada, independentemente da advertência.
Art. 6o A sanção de advertência não excluirá a aplicação de outras sanções. (sem grifos no original)
Art. 7o Fica vedada a aplicação de nova sanção de advertência no período de três anos contados do julgamento da defesa da última advertência ou de outra penalidade aplicada.
O Juízo a quo julgou improcedente o pedido inicial, por entender que o agente administrativo agiu legalmente e que auto de infração não apresentou nenhuma irregularidade na sua conformação, consoante se extrai do seguinte trecho (fls. 148/159):
2.1 – DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
No caso dos autos, trata-se de infração imposta cm fundamento na Lei 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e no Decreto 6.514/2008, o qual dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações e dá outras providências, cujos normativos especificam os requisitos a serem observados quanto às formalidades do auto de infração.
E se verifica que o auto de infração foi lavrado pela autoridade competente, observados os demais requisitos previstos na legislação de regência, tratando-se de ato administrativo expedido em conformidade com o normativo próprio.
O mero fato de a Administração púbica ter ultrapassado o prazo de 30 dias previsto no artigo 71, II, da Lei 9.605/98, para o julgamento do auto de infração, não acarreta a nulidade do auto.
[…]
Ressalto que na hipótese não restou comprovado pelo autor que a inobservância a fórmula legal por parte da Administração Pública tenha resultado em prejuízo ao sujeito passivo.
Nessas condições, a mera inobservância do prazo legal, sem a efetiva comprovação de prejuízo experimentado pelo administrado, não tem o condão de gerar a nulidade de todo o procedimento administrativo realizado.
Nesse contexto, legítima, pois, a constituição/formalização do crédito exeqüendo, uma vez que a exigência da multa em questão tem lastro em previ autuação da parte autora, estando presentes os elementos necessários e suficientes para a identificação da exigência legal, bem como para o oferecimento de defesa por parte do sujeito passivo, não se identificando qualquer vício que pudesse comprometer o ato administrativo impugnado.
Saliento que não compete à ré comprovar a legalidade da sanção imposta ao administrado, tendo em vista o princípio da presunção de legitimidade do ato administrativo […]
Nesses termos, subsiste a presunção de inocência do ato administrativo vergastado.
Isso porque a Certidão de Dívida Ativa, ostentando a natureza jurídica de ato administrativo, goza de presunção de legitimidade, característica inerente aos atos administrativos em geral. Regulamente inscrita, goza da presunção de certeza e liquidez, e tem o efeito de prova pré-constituida, o que implica na inversão o ônus da prova por parte de quem a nega ou contesta […]
[…]
2.2 – DA MULTA POR INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO AMBIENTAL
[…]
É sabido que durante um longo período as pessoas mantiveram hábito de criar pássaros canoros silvestres como animais de estimação.
Este hábito feito sem controle causou enorme prejuízo à fauna brasileira, já que não se tinha a consciência de que a diversidade de nossa fauna não era inesgotável, e, por eu turno, a legislação brasileira de proteção à fauna desenvolveu-se muito lentamente.
[…]
Por meio do Decreto 289/67 foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), entidade autárquica, integrante da administração descentralizada do Ministério da Agricultura, a quem competia formular a política florestal bem como a orientação, coordenação e execução ou das medidas necessárias à utilização racional, à proteção e à conservação dos recursos naturais renováveis e ao desenvolvimento florestal do País, de conformidade com a legislação em vigor.
No exercício de suas atribuições, e, consoante dispunha a legislação de regência, o referido Instituto cuidou de disciplinar a criação de aves e pássaros canoros, ficando estabelecido que os criadores amadoristas de passeriformes da fauna silvestre brasileira deveriam manter o seu plantel registrado no órgão ou entidade competente, e as aves anilhadas.
Além do registro do criador amadorista e do plantel na entidade competente, bem como da utilização de anilhas, a legislação de regência prosseguiu ampliando as limitações e exigências para a criação doméstica de pássaros, definindo também as espécies que poderiam ser criadas com fins amadoristas, exigindo-se licença prévia para criação amadorista, a ser expedida após a realização do cadastro e pagamento da taxa respectiva.
Nesse contexto, as atividades de criação e comercialização de espécimes a fauna silvestres passaram a estar sujeitas à permissão, licença ou autorização da autoridade competente, sendo que, por meio da Lei 7.735/89 foi atribuído ao IBAMA o poder de exercer a polícia ambiental, executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente, bem como executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.
No caso dos autos, não há prova alguma de que a manutenção das aves silvestres em cativeiro estaria amparada em autorização do órgão competente.
E não comporta acolhimento a alegação de que a multa imposta seria ilegal porque baseada em ato normativo infralegal.
[…]
Destarte, a medida sancionaria está suficientemente delineada na lei de regência, não havendo que se cogitar de violação ao princípio da legalidade, não se vislumbrando, na espécie, ter o IBAMA exorbitado as balizas legais.
[…]
A quantidade de animais apreendidas constitui elemento importante para se fixar o valor da multa, conforme se extrai do disposto no artigo 74 da Lei 9.605/98, não podendo ser considerada para, eventualmente, afastar a tipicidade da conduta administrativa ilícita.
[…]
Ficou evidenciado, portanto, que a conduta adotada pelo autor resultou em dado ao bem jurídico tutelado pelo Estado, sendo típica, ilícita e culpável.
Outrossim, a pena Fo aplicada mediante procedimento próprio e imposta pela autoridade competente.
E não comporta acolhimento o pedido de substituição da pena de multa por advertência, tendo em vista a gravidade do fato. Ressalto que inexiste mandamento legal impondo que a pena de advertência deva preceder a aplicação da multa, não se podendo, a partir da simples ordem topológica contida na redação do artigo 72 da Lei 9.605/98, extrair qualquer ilação no sentido de que o referido dispositivo tenha pretendido estabelecer uma gradação das penalidades conforma a reiteração das condutas lesivas ao meio ambiente, ou à manifesta renitência do infrator em se submeter voluntariamente às imposições normativas de conduta.
[…]
As circunstâncias do caso em apreço também não autorizam a aplicação da dirimente prevista no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98 e no art.11, § 2º, do Decreto 3.179/99, vigente à época do fato infracional, tendo em vista a grande quantidade de pássaros que eram mantidos irregularmente em cativeiro pelo autor. Além disso, dentre os passeriformes apreendidos havia espécimes silvestres consideradas ameaçadas de extinção.
[…]
Não é possível, por fim, o acolhimento do pedido de redução da multa.
Isso porque não se verifica irregularidade em relação aos critérios utilizados pela Administração Pública na aplicação da sanção.
[…]
A multa aplicada encontra-se dentro da margem discricionária em que a Administração poderia fixá-la, e entre o valor mínimo e máximo para infrações leves previsto no artigo 75 da Lei n. 9.605/98.
Nesse sentido, o autor, em suas razões de apelação, postula pela anulação da multa e, em ordem de sucessão, pela sua redução ou pela conversão da multa em sanção de advertência, sustentando que, no momento da lavratura do auto de infração, o IBAMA agiu com rigor, pois reconheceu, mas deixou de observar, principalmente, a boa saúde dos pássaros, a inexistência de atividade comercial e a condição financeira dele ao fixar importância significativa à multa, em desobediência ao princípio da razoabilidade.
De fato, analisando os autos, verifiquei que o autor manteve em cativeiro dezesseis pássaros da fauna silvestre brasileira, sem a devida autorização do órgão competente, sendo autuado e multado em R$ 8.000,00 (oito mil reais), segundo o teor dos documentos juntados aos autos (fls. 21/25).
A multa pela prática da infração ambiental em tela equivale à R$ 500,00 por unidade de espécime apreendida. Sendo assim, o total concernente à R$ 8.000,00 (oito mil reais) corresponde ao resultado estipulado pela fórmula multiplicadora inserta no artigo 11 do Decreto 3.179/1999, norma vigente na data da autuação, referente aos dezesseis pássaros mantidos em cativeiro, com se vê do artigo 11:
Art. 11. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais), por unidade com acréscimo por exemplar excedente de:
[…]
Acerca da solicitação da conversão da multa pecuniária em sanção de advertência, destaco que a significativa quantidade de pássaros mantidos pelo autor não se adéqua ao limites impostos pelo Decreto 6.514, de 22 de julho de 2008, transcrito acima – circunstância também evidenciada na sentença.
Todavia, o IBAMA não apontou nos autos nenhum indício a respeito de prática de atividade comercial, tampouco maus tratos com as espécimes pelo autor, não obstante estar comprovado o ilícito cometido por ele.
Cabe ressaltar, na oportunidade, que as normas sobre a matéria permitem a conversão da multa em prestação de serviços – o que reputo proveitoso e mais adequado ao panorama fático-probatório trazido aos autos, em conformidade com a redação da Lei 9.605/98, artigo 72 , § 4.º:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6.º
[…]
§ 4° A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
Da mesma forma, o Decreto 6.514/2008, artigo 139 dispõe sobre a conversão da multa em prestação de serviços ambientais; prescrição que se amolda à demanda:
Art. 139. A autoridade ambiental poderá, nos termos do que dispõe o § 4o do art. 72 da Lei no 9.605, de 1998, converter a multa simples em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
Com efeito, a medida representa o interesse social em transformar e educar a sociedade, uma vez que o serviço em prol da melhoria do meio ambiente propicia ganhos para as partes envolvidas, mas não busca concretizar o interesse do particular e sim garantir o direito da coletividade de desfrutar de um ecossistema sadio. É certo que proporcionar ao infrator o desafio de cuidar dos animais diante das atuais dificuldades referentes à recuperação e à preservação da natureza também contribui para seu engajamento na causa. Essa experiência permite a reeducação de quem em algum momento tratou com desrespeito a natureza porque, em razão do trabalho – observando os maus tratos com os animais e as atividades criminosas com fins puramente financeiros – o infrator pode contribuir para a difusão dessa ideia, repercutindo-a para seus descendentes e para a comunidade.
O autor é hipossuficiente e não possui condições de quitar a dívida relativa ao valor atribuído à multa – o que merece, sem dúvidas, a reflexão sobre a melhor forma de fazê-lo entender a extensão de seu ato. A realização do serviço voltado para evitar a degradação da natureza, os maus tratos com os pássaros, hipótese dos autos, gera maior grau de conscientização para com os problemas ambientais, produzindo os efeitos acadêmicos condizentes com a intenção do legislador ambiental.
Nessa perspectiva, averiguando, na espécie, a guarda doméstica de animais, as condições do infrator e as circunstâncias do evento que não apontam para a intenção de obter vantagens financeiras, acato a conversão da multa em prestação de serviço, em sintonia com o precedente deste Tribunal:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. IBAMA. MANTER EM CATIVEIRO ESPÉCIES DA FAUNA SILVESTRE SEM DEVIDA AUTORIZAÇÃO. CONVERSÃO DA MULTA EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
1. A Lei n.º 9.605/1998 diz que, para imposição e gradação da penalidade ambiental, a autoridade competente deverá observar: I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente, II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; e III – a situação econômica do infrator, no caso de multa (art. 6º).
2. O art. 29, § 2º, da Lei n.º 9.605/1998, dispõe que “no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena”. Tal regra veio a ser incluída no Decreto n.º 6.514/2008, que revogou o Decreto n.º 3.179/1999 (art. 24. § 4º).
3. Por sua vez, o art. 72, da mesma Lei n.º 9.605/1998, possibilita a conversão da multa em pena de prestação de serviço.
4. No caso, não se verifica a presença de elementos que indiquem ter sido a infração cometida para obtenção de vantagem pecuniária, ser o autor reincidente, ou a existência de qualquer outra agravante da conduta praticada. Tais circunstâncias, aliadas à condição de hipossuficiência do Autor, levam à conclusão de que a multa aplicada é excessiva e desproporcional, em especial porque pode comprometer a subsistência do infrator.
5. Correta a conversão da multa em prestação de serviço de melhoria e recuperação do meio ambiente.
6. Recurso de apelação conhecido e não provido. (AC 0042500-11.2013.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 de 5/9/2016)
AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IBAMA. CRIAÇÃO DE PÁSSAROS EM CATIVEIRO. CADASTRAMENTO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. LEI N. 9.605/98. APLICAÇÃO DE MULTA. CONVERSÃO EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA.
1. Discute-se a legalidade da aplicação de multa administrativa pelo IBAMA em virtude de se ter flagrado o autor na posse de espécimes (15) da fauna silvestre nacional em cativeiro sem a devida autorização. Tendo se buscado, alternativamente, a redução ou substituição da pena pecuniária pela prestação de serviços ambientais, a sentença acolheu este último pedido.
2. Não se conhece da remessa oficial se o valor controvertido não ultrapassa 60 salários mínimos – CPC, art. 475, § 2º.
3. A legislação ambiental não exclui a responsabilidade do infrator por sua conduta não ter representado efetiva lesão ao meio ambiente, por desconhecimento da ilicitude ou insignificância. Se tanto, tais circunstâncias interferem na graduação da penalidade aplicável.
4. A Lei n. 9.605/98 traz não só normas e infrações de natureza penal, mas também de natureza administrativa. A conjunção de ambas confere base legal à imposição da pena administrativa, sem prejuízo das sanções penais, conforme já decidiu o STJ, sob a relatoria da Ministra Denise Arruda, no julgamento do REsp 1.091.486/RO: “(…) a norma em comento (art. 46 da Lei n. 9.605/98), combinada com o disposto no art. 70 da Lei 9.605?98, anteriormente mencionado, confere toda a sustentação legal necessária à imposição da pena administrativa, não se podendo falar em violação do princípio da legalidade estrita (…)”.
5. É possível a conversão da multa aplicada por violação a disposição da Lei n. 9.605/98 em prestação de serviço, consoante se afere do § 4º do art. 71 da Lei n. 9.605/98, do Decreto n. 3.179/99 (art. 2º, § 4º) e no Decreto n. 6.510/08 (Seção VII – Do Procedimento de Conversão de Multa Simples em Serviços de Preservação, Melhoria e Recuperação da Qualidade do Meio Ambiente).
6. A possibilidade de conversão da multa em prestação de serviços ambientais (seria um poder-dever?) não exime o administrador do dever de fundamentar sua negativa. Se deixar de fazê-lo, é possível ao Judiciário, no exercício de suas funções típicas, sanar a ilegalidade, analisando o cabimento ou não da conversão e a deferindo se presentes seus pressupostos.
7. Se hipossuficiente o autuado, não reincidente na infração ambiental, diminuto o número de pássaros apreendidos, inexistente prova de que tenham sido capturados na natureza, sofressem maus tratos, fossem destinados ao comércio ou à prática de contravenção penal, é possível a conversão da multa em prestação de serviço, o que, só por si, não retira o caráter educativo da medida infracional, ao contrário, reforça-o. 8. Remessa oficial não conhecida.
8. Apelação desprovida. Sentença mantida. (AC 0021112-28.2008.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, filho, Quinta Turma, e-DJF1 de 12/11/2015) (sem grifos no original)
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, para converter a pena de multa em prestação de serviço ambiental.
É como voto.
Juiz Federal ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA
Relator Convocado
E M E N T A
AMBIENTAL. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. MANTER EM CATIVEIRO PÁSSAROS DA FAUNA SILVESTRE. MULTA. CONVERSÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO AMBIENTAL. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e as administrativas derivadas de condutas e de atividades lesivas ao meio ambiente, disciplina, em seu artigo 72, as respectivas sanções.
2. O Decreto 3.179/99, vigente na época dos fatos, considera infração contra a fauna brasileira a manutenção em cativeiro de pássaros silvestres, sem a devida autorização administrativa, e indica como multa o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) por unidade, graduando a sanção no sentido das circunstâncias agravantes delineadas na norma.
3. O Decreto 6.514, de 22 de julho de 2008, revogou o Decreto 3.179/99, definindo a infração administrativa de menor lesividade ao meio ambiente como aquela em que a multa imputada não exceda ao montante calculado em R$ 1.000,00 (mil reais) e facultando a conversão da multa pecuniária em advertência – respeitados os limites impostos pelo legislador, de acordo com a redação do seu artigo 5.º, caput e § 1.º. Precedentes deste Tribunal.
4. No caso, o autor, aposentado, autuado em 4 de setembro de 2006, por manter em cativeiro dezesseis pássaros da fauna silvestre, sem autorização do órgão competente, recebeu a multa no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), calculada no valor de R$ 500,00 por unidade de espécime.
5. O artigo 72, § 4.º, da mesma Lei 9.605/1998 e o citado Decreto 6.514/2008, artigo 139, possibilitam a conversão da multa em pena de prestação de serviço, mediante a averiguação do julgador.
6. As normas sobre a matéria permitem a conversão da multa em prestação de serviços, sendo medida mais adequada ao panorama fático-probatório trazido aos autos, tendo em vista a guarda doméstica de animais, as condições do infrator e as circunstâncias do evento que não apontam para a intenção de obter vantagens financeiras. (AC 0042500-11.2013.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 de 5/9/2016); (AC 0021112-28.2008.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, filho, Quinta Turma, e-DJF1 de 12/11/2015).
7. Apelação a que se dá parcial provimento, para converter a pena de multa em prestação de serviço ambiental.
A C Ó R D Ã O
Decide a Quinta Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação.
Quinta Turma do TRF da 1ª Região – Brasília, 28 de junho de 2017.
Juiz Federal ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA
Relator Convocado