sexta-feira , 22 novembro 2024
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TRF4 afasta o princípio da proibição do retrocesso no direito ambiental em questão envolvendo empreendimento imobiliário

“O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) liberou a construção do empreendimento Txai Resort Ponta dos Ganchos, da empresa Marsala Incorporações, em Governador Celso Ramos (SC). A 3ª Turma julgou que o hotel não está sendo construído em área de preservação permanente, entretanto, determinou a realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e a manutenção de acesso público às praias. Afastou a tese do princípio da proibição do retrocesso no direito ambiental.

Em 2010, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação contra a Marsala, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Fundação do Meio Ambiente (Fatma) e o município de Governador Celso Ramos (SC), em vista da construção de um resort na localidade de Ganchos de Fora, no município citado.

O MPF pediu a suspensão da licença ambiental de instalação (LAI), além da abstenção do empreendedor de qualquer alteração na área pretendida, alegando a ilegalidade das licenças e os riscos que poderiam advir ao meio ambiente. A 6ª Vara Federal de Florianópolis (SC) julgou procedentes os pedidos.

A Marsala apelou da decisão sustentando que obteve as licenças ambientais necessárias para instalação do empreendimento. Alegou ainda que os promontórios não são considerados Área de Preservação Permanente na legislação vigente desde 1998. Por fim, argumentou pelo princípio da vedação ao retrocesso na lei ambiental, uma vez que a sentença fundamentou sua decisão em uma lei municipal de 1996.

Segundo o desembargador federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, relator do processo, a licença, que foi regularmente deferida pela FATMA com o consentimento do ICMBIO, prevê ocupação de menor expressão, sem afetar áreas de preservação permanente, preservando o acesso público às praias.

Para o magistrado, ‘A legislação municipal que alterou o tratamento dos promontórios, a despeito das modificações operadas, manteve algum grau de proteção aos citados acidentes geográficos, que, registre-se, não estão contemplados como biomas especialmente protegidos, seja na legislação de caráter nacional; seja na Constituição Federal‘.

Ainda cabe apelação às cortes superiores.

Promontório

Promontório, cabo, ponta ou pontal é um acidente geográfico formado por uma massa de terra que se estende pelo mar que lhe está adjacente.”

Fonte:  TRF4 08/06/2017.

Direito Ambiental

Confira a íntegra da decisão:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5011059-30.2010.4.04.7200/SC
RELATOR
:
RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE
:
FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – FATMA
APELANTE
:
MARSALA INCORPORACAO SPE S.A
ADVOGADO
:
ANA KARINE BORGES FONTENELLE
:
Fabio Teixeira Ozi
APELADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO
:
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO
:
MUNICÍPIO DE GOVERNADOR CELSO RAMOS

RELATÓRIO

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de MARSALA  INCORPORAÇÃO SPE S/A, INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBio, FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE – FATMA e MUNICÍPIO DE GOVERNADOR CELSO RAMOS em razão da construção do empreendimento Txai Resort Ponta dos Ganchos, na localidade de Ganchos de Fora, Município de Governador Celso Ramos/SC. Busca o autor da ação determinação para que os entes públicos réus a providenciem a imediata suspensão dos efeitos da licença ambiental de instalação/LAI nº 802/09 – GELUR da FATMA, da anuência do ICMBio e da aprovação do Município deferidos ao empreendimento objeto da ação, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), bem como para que o empreendedor que se abstenha de qualquer alteração na área pretendida, supressão de vegetação, construção ou fechamento de acessos às praias (ou colocação de portões), haja vista a ilegalidade das licenças e os riscos que podem advir ao meio ambiente, sob pena de multa.
Foi deferida em parte a liminar, para suspender a Licença Ambiental – LAI n. 009/2010 (ou outra que tenha sido expedida em sua substituição), com a consequente paralisação das atividades, determinando-se à FATMA que exija da empreendedora a complementação da análise dos estudos ambientais mediante ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL e respectivo RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL, na forma da legislação de regência (evento 80).
Sobreveio sentença que declarou a extinção do feito sem resolução do mérito em relação ao ICMBIO, em face da ilegitimidade passiva e julgou parcialmente procedente o pedido veiculado pelo Ministério Público Federal para: a) revogar a medida liminar, autorizando a continuidade do licenciamento do empreendimento pelo Município de Governador Celso Ramos, b) condenar a ré Marsala Incorporações SPE S.A. a assegurar o livre acesso às praias que fazem parte do empreendimento, eis que constituem bem de uso comum do povo, c) condenar a ré Marsala a realizar as instalações de esgoto ou sanitárias na região do empreendimento, de modo a diminuir o impacto ambiental e não gerar ônus financeiros ao Município de Governador Celso Ramos.
Vieram os autos a esta Corte, tendo a 3ª Turma, em julgamento realizado em 15/01/2014, anulado a sentença, reconhecendo a imprescindibilidade da realização de prova pericial.
Realizada a perícia e tomadas as demais medidas processuais necessárias, foi proferida nova sentença, na qual restaram julgados parcialmente procedentes os pedidos para afastar a aplicação da Lei n. 626/98 na área ocupada pela ré e para (evento 455), nos seguintes termos:
a) declarar nulos os atos administrativos (licenças, autorizações e alvarás) expedidos pelos réus Município de Governador Celso Ramos, ICMBio e FATMA em favor do empreendimento Txai Resort Ponta dos Ganchos; e condenar os réus Município de Governador Celso Ramos, ICMBio e FATMA a impedir alterações negativas na área pretendida para o Resort que importem uso de áreas de preservação permanente, nos termos da legislação vigente, sobretudo no que tange ao promontório (objeto de discussão nestes autos);
b) extinguir sem julgamento de mérito o pedido ‘d.3’ da inicial, ‘não licenciar obras ou atividades, que possam vir a restringir o livre e franco acesso da população à praia, ao mar, ou aos costões daquele município’, reconhecendo a litispendência (acesso à praia/mar) e falta de interesse de agir, nos termos do art. 267, V e VI, do CPC.;
c) condenar a ré MARSALA INCORPORAÇÃO SPE S.A em obrigação de não-fazer, consistente na paralisação e inibição de atividades na área pretendida para a implantação do Txai Resort Ponta dos Ganchos, Rua Navegantes s/nº, Ganchos de Fora, Município de Governador Celso Ramos/SC (coordenadas geográficas 27º17’51”S e 48º32’19”W), que ocupe a área do promontório, bem como demais áreas de preservação permanente e acesso à praia, conforme fundamentação.
Sem condenação em honorários e custas.
Inconformados os réus apelaram.
MARSALA INCORPORAÇÃO SPE S/A sustenta, em síntese, que obteve as licenças ambientais necessárias para instalação do empreendimento denominado Txai Ganchos, o qual tem um baixo impacto ambiental e índice de ocupação do terreno. Aduz, ainda, que os promontórios não são considerados APPs pela legislação ambiental federal, estadual ou municipal, mas Área de Proteção Especial – APE (pela Lei Municipal nº 626/98, que alterou a Lei Municipal nº 389/96), em razão do que não há exigência legal de elaboração de EIA/RIMA e EIV para o licenciamento ambiental do empreendimento, pois a Constituição Federal de 1988 (art. 225, § 1º, III), permite a alteração ou mesmo a supressão de espaços territoriais, não sendo aplicável, ao caso, o princípio da vedação ao retrocesso em matéria ambiental, já que não há lacunas na legislação sobre o assunto, bem como que eventual declaração de inconstitucionalidade Lei Municipal nº 626/98 não teria efeitos erga omnes (só vale para o presente caso), o que retira a finalidade de aplicação do referido princípio. Por fim, alega que a sentença recorrida ao afastar a Lei n. 626/1998, para aplicar lei anterior ao caso concreto, violou os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da isonomia e da tripartição de poderes.
A FATMA, por sua vez, sustenta que os promontórios não são considerados APPs pela legislação ambiental federal, estadual ou municipal, mas Área de Proteção Especial – APE, nos termos da Lei Municipal nº 626/98 (que alterou a Lei Municipal nº 389/96), não sendo o caso de aplicação do princípio do não retrocesso em matéria ambiental, tendo em vista que, sem uma norma específica, há violação ao princípio da legalidade, causando insegurança jurídica.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator

VOTO

A sentença recorrida foi publicada anteriormente a 18/03/2016. Assim, à apelação são exigidos os requisitos de admissibilidade previstos no CPC/1973, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do STJ (Enunciados administrativos nºs 2 e 3 do STJ).
A ação civil pública originária tem por escopo a paralisação de atividades na área destinada à implantação do empreendimento TXAI Resort Ponta dos Ganchos, na rua Navegantes s/nº, Ganchos de Fora,  município de Governador Celso Ramos/SC, salvo através de um novo projeto que não impeça o livre e franco acesso às praias nem ocupe a área de promontório, bem como seja precedido dos estudos ambientais e urbanísticos adequados aos preceitos legais, à fragilidade ambiental e à importância da área.
Objetiva, ainda, o Ministério Público Federal, a recuperação dos danos ambientais porventura já perpetrados na área mediante execução de Projeto de Recuperação de Área Degradada (PRAD), bem como a compensação financeira de danos irreversíveis que venham a ser constatados em perícia e o reconhecimento da nulidade dos atos administrativos dos réus Município de Governador Celso Ramos, ICMBIO e FATMA para o empreendimento objeto deste feito.
A sentença que acolheu parcialmente a pretensão, inicialmente apreciou a situação fática, assim discorrendo, verbis:
 
Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)
A questão referente à realização do EIA/RIMA já foi devidamente esgotada no exame da tutela antecipada, decidindo-se pela sua imprescindibilidade, sob o argumento de que a região se situa em zona costeira. Transcrevo a decisão, neste ponto, cujos fundamentos adoto para a sentença:
 
‘Estudo Prévio de Impacto Ambiental
A respeito do licenciamento na Zona Costeira,dispôs a Lei n. 7.661/88:
Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.
§ 1º. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei.
§ 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei (grifei).
Também a Lei 13.553, de 16 de novembro de2005, que institui o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro, dispõe:
Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e desmembramento do solo, e para construções e instalações na Zona Costeira Estadual, deverá observar, além do disposto nesta Lei, o previsto nas demais normas federais, estaduais e municipais afins.
§ 1º. A inobservância, mesmo que parcial, das condições de licenciamento dispostas neste artigo será penalizada com interdição, embargo e demolição, sem prejuízo da cominação de outras sanções previstas em lei.
§ 2º Para o licenciamento o órgão competente solicitará ao interessado na obra ou atividade a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental- EIA, e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovados na forma da lei (grifei).
Para conceder a Licença Ambiental Prévia-LAP n. 173/08 e a Licença Ambiental de Instalação – LAI n. 009/10, a FATMA exigiu da empreendedora Estudo Ambiental Simplificado – EAS e respectivo Relatório Ambiental Simplificado – RAS, conforme previsão contida no ANEXO I da Resolução CONSEMA n. 03/2008, verbis:
71.11.02 – Atividades de hotelaria, com capacidade de 100 ou mais hóspedes, localizados em municípios da Zona Costeira, assim definidos pela legislação específica, ou em municípios onde se observe pelo menos uma das seguintes condições: a) não possua Plano Diretor; b) não exista sistema de coleta e tratamento de esgoto na área objeto da atividade.
(…)
Como se vê, o órgão ambiental estadual, não obstante tenha exigido estudo ambiental, o fez na modalidade simplificada, contrariando o estabelecido na Lei n. 7.661/88.
Argumenta a ré Marsala Incorporação SPE S.A. que não foram ilegais as licenças concedidas com base em EAS/RAS, pois o conteúdo do parágrafo segundo do artigo 6º do PNGC não teria sido recepcionado pela Constituição Federal, visto que a Constituição somente exige estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (art. 225, § 1º), o que não seria o caso, segundo a Resolução 3/2008, do CONSEMA.
Embora, de fato, a Constituição Federal faça referência à imprescindibilidade de EIA/RIMA para os casos de significativo impacto ambiental, isso não implica dizer que ela tenha deixado de recepcionar o § 2º do ar. 6º da Lei n. 7.661/88. Em verdade, tendo em conta ainda que a Zona Costeira foi erigida a ‘Patrimônio Nacional’, a interpretação mais consentânea com os princípios do Direito Ambiental é a de que a própria Lei já elegeu as atividades desenvolvidas na Zona Costeira, por si sós, como propensas a significativo impacto ambiental, mesmo que seja apenas (e justamente) pelo fato de sua localização, estando, pois, sua exigência albergada pela norma constitucional.
Apesar de o órgão ambiental, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, ter competência para definir os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento (parágrafo único do art. 3º da Resolução CONAMA n. 237/97), é-lhe vedado exigir estudo diverso daquele já previsto na norma, quando esta dispõe sobre a necessidade de EIA/RIMA.
Desse modo, a Resolução CONSEMA n. 3/2008, que dispensa o EIA/RIMA, exigindo apenas o EAS, é ilegal, porquanto não poderia afastá-lo, no caso específico de empreendimentos em Zona Costeira.
Leia-se, a respeito, o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL PARA LICENCIAMENTO DE OBRA EM ZONA COSTEIRA.
1. A autoridade administrativa não pode prescindir da elaboração de prévio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e da apresentação de seu respectivo relatório (RIMA) aprovado pelo órgão competente para o licenciamento de obra em zona costeira, louvando-se, apenas, em pareceres de seus técnicos, que não têm o alcance e a complexidade do EIA-RIMA.
2. Em se tratando de obra em zona costeira, a lei presume a existência de possibilidade de dano ao meio ambiente e exige o respectivo estudo de impacto ambiental.
3. Agravo de instrumento ao qual se dá parcial provimento (TRF-1ª R., AG n. 200201000108012, Rel. Des. Fed. Maria Isabel Gallotti Rodrigues, DJ de 19-5-2003).
Note-se que tanto o EIA/RIMA como o EAS/RAS são espécies do gênero Avaliação de Impacto Ambiental, um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei n. 6.938/81 (art. 9º, III). Não obstante o EAS/RAS contemple vários aspectos atinentes à avaliação dos riscos da atividade, ele não tem a amplitude e especificidade do EIA/RIMA, como previsto na Resolução CONAMA n. 237/97.’
  
Com efeito, por não ter a amplitude esperada, o Estudo Ambiental Simplificado – EAS não analisou vários aspectos, constatados pelo perito judicial. Como exemplo, em seu primeiro laudo (na resposta ao quesito 16- Evento 396), afirmou o perito que o empreendedor não havia apontado medidas para evitar o desenvolvimento de processos erosivos nos trechos com elevada declividade.
 
Ao complementar o primeiro laudo, o perito explicou que as áreas de declividade superior a 45º não haviam sido identificadas no estudo realizado pelo empreendedor como área de preservação permanente (Evento 419). Essas áreas eram protegidas tanto no Código Florestal anterior (no art. 2º, letra ‘e’ do Código Florestal anterior), como no atual (Lei n. 12.651/12):
Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
V – as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
 
Isto, na verdade, só reforça o argumento da necessidade da elaboração do estudo de impacto ambiental.
 
Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV
A Lei Federal n. 10.257/01 (Estatuto das Cidades) determinou a realização do Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV para dirimir questões urbanísticas, a serem especificadas por lei municipal.
‘Art. 36 – Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal. ‘
 
Todavia, no Município de Governador Celso Ramos, não há, ainda, norma municipal que preveja sua exigência. A respeito da necessidade de lei municipal regulamentando a realização de EIV, já decidiu o TRF da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. DANO AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. AUSÊNCIA DE ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA – EIV. PARALISAÇÃO DA OBRA. DESNECESSIDADE.
1. O Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, previsto na Lei n.º 10.257/2001, exige regulamentação por lei municipal para ter aplicabilidade fática.
2. Constatado que o protocolo do pedido de licenciamento para construção predial, junto à administração pública municipal, deu-se em data anterior à entrada em vigor da norma municipal regulamentadora do Estatuto da Cidade, especificamente no que tange ao EIV, não há que se falar em exigência retroativa do instituto para viabilizar o seguimento da obra em curso.
3. Não há impedimento, diante das peculiaridades do caso concreto, à realização do Estudo de Impacto de Vizinhança durante o andamento da obra cujo projeto foi autorizado pela Secretaria e pela Procuradoria Jurídica do Município, bem assim pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. 4. Agravo de instrumento provido. (TRF4, AG 2009.04.00.020665-1, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 05/11/2010)
De todo modo, as questões urbanísticas relevantes podem e devem ser levadas em consideração no próprio licenciamento ambiental (TRF4, AG 2009.04.00.025328-8, Quarta Turma, Relator Márcio Antônio Rocha, D.E. 24/07/2009)
 
Diante disso, as questões relativas aos aspectos urbanísticos devem ser discutidas no próprio estudo de impacto ambiental, dispensada a realização de estudo de impacto de vizinhança de forma autônoma, ante a inexistência de norma municipal que o exija.
 
 Acesso à Praia
O art. 225, §4º, da Constituição Federal, preceitua que ‘a Zona Costeira é patrimônio nacional e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto aos recursos naturais’.
 
A Lei 7.661, de 16 de maio de 1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, define o ecossistema praia e proíbe toda e qualquer forma de utilização do solo da Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso à praia e ao mar, nos seguintes termos:
‘Art. 10 – As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1º – Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º – A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.
§ 3º – Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tais como areais, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema’
 
O Decreto n. 5.300, de 7 de dezembro de 2004, que regulamenta a Lei n. 7.661/88, impõe ao Poder Público o dever de garantir o franco e livre acesso às praias pela população, verbis:
‘Art. 21. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse da segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1o O Poder Público Municipal, em conjunto com o órgão ambiental, assegurará no âmbito do planejamento urbano, o acesso às praias e ao mar, ressalvadas as áreas de segurança nacional ou áreas protegidas por legislação específica, considerando os seguintes critérios:
I – nas áreas a serem loteadas, o projeto do loteamento identificará os locais de acesso à praia, conforme competências dispostas nos instrumentos normativos estaduais ou municipais;
II – nas áreas já ocupadas por loteamentos à beira mar, sem acesso à praia, o Poder Público Municipal, em conjunto com o órgão ambiental, definirá as áreas de servidão de passagem, responsabilizando-se por sua implantação, no prazo máximo de dois anos, contados a partir da publicação deste Decreto; e
III – nos imóveis rurais, condomínios e quaisquer outros empreendimentos à beira mar, o proprietário será notificado pelo Poder Público Municipal, para prover os acessos à praia, com prazo determinado, segundo condições estabelecidas em conjunto com o órgão ambiental.
§ 2o A Secretaria do Patrimônio da União, o órgão ambiental e o Poder Público Municipal decidirão os casos omissos neste Decreto, com base na legislação vigente. (…)’
 
Dito isso, em relação ao empreendimento da ré particular, segundo informou o perito judicial, esse acesso teria sido assegurado no EAS (Quesito 4 da ré e Quesito 3 do juízo-Evento 396). No entanto, o empreendimento ainda não foi edificado e, diante da determinação de realização de novo estudo de impacto ambiental, há que se impor à ré particular, pois, a obrigação de não fazer, consistente em não obstruir ou dificultar de qualquer modo o acesso à praia.
 
No que diz respeito à determinação para que o Município de Governador Celso Ramos não licencie mais edificações que obstruam os acessos às praias, tal pedido já foi apreciado e concedido em outra ação civil pública anterior (2008.72.006647-8), a qual hoje está sendo executada provisoriamente (n. 50049817820144047200). Portanto, há litispendência quanto a esse pedido, em relação ao Município, devendo ser extinto sem julgamento do mérito.
De fato, o empreendimento em si, desconsiderada a questão relacionada à viabilidade de levantamento no acidente geográfico em discussão, de rigor não está a acarretar indevida degradação de áreas que, observada a normatividade atual, e bem assim a vigente quando da expedição das licencias ambientais, seriam qualificáveis como de preservação permanente.
A propósito, na primeira sentença proferida no processo (EVENTO 227 – SENT4), a qual restou anulada por decisão desta Corte que reputou necessária a realização de prova pericial, o Juiz sentenciante consignou:
‘Preliminarmente, verifico que a longa narrativa inicial de fatos veiculada pelo Ministério Público Federal na petição inicial se refere a uma licença ambiental obtida pelos antigos proprietários do terreno, que conseguiram a aprovação de projeto com grande impacto ambiental, sem autorização do ICMBIO e sem a realização de Estudo de Impacto Ambiental.
 
Posteriormente, o projeto foi totalmente modificado, resultando em um empreendimento bem menos impactante para aquela área.
 
Passo à análise das irregularidades argüidas pelo Ministério Público Federal na petição inicial.
 
O Ministério Público Federal alega que os promontórios são áreas de preservação permanente. Não existe atualmente nenhum dispositivo em vigor na legislação ambiental que considere os promontórios área de preservação permanente. Com efeito, a legislação estadual e municipal que dava proteção aos promontórios foi revogada. A legislação federal assegura aos promontórios proteção especial. Assim, tenho que eles devem ser especialmente protegidos, pois constituem acidente geográfico e geológico de grande valor estético e paisagístico.
 
Todavia, realizada inspeção judicial no local do empreendimento, tive a oportunidade de conferir a localização das construções, inclusive visualizando as plantas do projeto. O projeto prevê a construção de pequenas casas nas proximidades do promontório. Não existe previsão de casas em cima do promontório, o que poderia provocar danos ao acidente rochoso. Assim, o impacto ambiental ao promontório é mínimo. Apenas será retirada vegetação rasteira e exótica que existe nas proximidades do promontório. Toda a vegetação nativa será preservada. Destarte, o dano ambiental ocasionado pelo projeto imobiliário é mínimo, tendo sido idealizado efetivamente para preservar as belezas naturais do local, a fim de possibilitar e estimular a venda das unidades habitacionais.
 
Desta forma, tenho que o promontório não será destruído ou danificado, tendo sido atingido o fim de proteção ou preservação visualizado pelo legislador federal. Não se trata de empreendimento construído em cima do promontório ou em cima do mar, mas que justamente preserva a beleza natural do promontório como acidente rochoso ou geológico.
 
Por outro lado, deve ser salientado que o Estudo Prévio de Impacto Ambiental foi realizado, conforme determinado na decisão liminar. Assim sendo, foram adotadas medidas mitigadoras com a finalidade de diminuir o impacto ambiental do empreendimento.
 
Registro, outrossim, que visualizei na inspeção judicial realizada que as casas e cabanas serão construídas a uma distância considerável das nascentes e das áreas de declividade, protegendo-se as áreas de preservação permanente. Com o estudo de impacto ambiental, inclusive, o empreendedor concordou em retirar ou suprimir quatro casas, que estavam próximas das nascentes.
 
Assim sendo, o objeto da ação foi atingido, já que o Estudo de Impacto Ambiental contemplou várias condicionantes e exigências que serão levadas em consideração pelo empreendedor.
 
No Estudo de Impacto Ambiental realizado foram contempladas todas as hipóteses de mitigação de impacto, bem como a diminuição de prejuízos à vizinhança.
 
Assim sendo, tenho que o Estudo realizado pelo empreendedor atingiu as finalidades previstas na Constituição Federal, de preservar o meio ambiente, evitando e prevenindo impactos ao meio ambiente e à vizinhança.
 
Saliento que a área visitada na inspeção judicial é uma área verde, natural, que não possui aparentemente vizinhança ou moradores nos arredores. Assim, não se poderia falar em grande impacto em relação à vizinhança, já que praticamente não existem vizinhos a serem impactados. Os moradores que habitam os arredores não sofrerão grandes impactos, conforme a conclusão do Estudo de Impacto Ambiental realizado. O único impacto em relação aos vizinhos seria a privatização das praias existentes no local, o que não poderá ser admitido, como se verá a seguir.
 
Ressalto que o Ministério Público Federal terá total liberdade para examinar e fiscalizar o Estudo de Impacto Ambiental realizado, bem como a futura construção do empreendimento, a fim de verificar se existem falhas ou nulidades a serem corrigidas. Todavia, possíveis falhas ou irregularidades encontradas pelo Ministério Público deverão ser analisadas em futura ação civil pública, na qual poderá ser realizada perícia, não sendo objeto desta ação o exame do Estudo de Impacto Ambiental, mas sim obrigar a sua realização.
 
Por outro lado, entendo como importante que o Estudo de Impacto Ambiental contemple a instalação de esgoto ou instalações sanitárias adequadas às expensas do empreendedor, eis que o Município passa por sérias dificuldades financeiras e não possui condições de realizar obras deste porte.
 
De outra parte, possui razão o Ministério Público Federal no sentido de que o empreendedor não poderá privatizar as praias existentes no local. Com efeito, a Constituição Federal estabelece que as praias são bens de uso comum do povo. Assim, deverão ser garantidos acessos livres e desimpedidos a qualquer pessoa que desejar visitar aquele local, que é um paraíso ao ar livre e deve ser admirado por todas as pessoas, e não apenas pelos moradores do condomínio, sob pena de ser violado o artigo 225 da Carta Magna.
 
Neste sentido, realizado o Estudo de Impacto Ambiental, consultado o ICMBIO e verificado através de inspeção judicial que o impacto ambiental ocasionado pelo empreendimento é mínimo, restando preservada a beleza natural do promontório, não há como se impedir ou anular o licenciamento realizado, devendo ser permitido que o Município autorize o início das obras.
 
Saliente-se que nada impede que o Ministério Público Federal fiscalize o Estudo de Impacto Ambiental realizado. Todavia, eventuais nulidades ou irregularidades encontradas deverão ser discutidas em outra ação civil pública, já que a finalidade buscada pelo Ministério Público Federal foi atingida, com a preservação do meio ambiente através do Estudo Prévio de Impacto Ambiental.
 
Deve ser ressaltado que a finalidade da legislação ambiental não é impedir o desenvolvimento econômico e sim compatibilizá-lo com a preservação do meio ambiente. Assim, tal compatibilização foi atingida com os Estudos realizados, não havendo mais óbice para o início da construção do empreendimento’.
Na sentença que ora é objeto de apreciação por esta Corte, entrementes, vencidas as questões relacionadas ao empreendimento propriamente dito à luz da legislação ambiental vigente à data da expedição das licenças e também hodiernamente, a douta Magistrada sentenciante acolheu o pedido porque entendeu que seria vedado ao legislador municipal, por ofensa ao princípio da vedação ao retrocesso, retirar a proteção aos promontórios. Segue o trecho da sentença, que, com profundidade aprecia o tema:
Promontório
Por ocasião da análise do pedido de tutela antecipada, externei meu entendimento no sentido de que não havia proteção legal expressa acerca da preservação dos promontórios; todavia, em estudo mais aprofundado da questão, agora para decisão exauriente, revejo minha posição.
 
Que a área do empreendimento está localizada em promontório, é fato incontroverso, segundo admitiram os próprios réus desde o início e foi corroborado pelo perito.
 
Acerca da definição deste acidente geográfico, a Lei Estadual n. 14.675/09 (art. 296, I) estabelece sua definição (art. 28, XLVIII):
XLVIII – promontório ou pontão: maciço costeiro individualizado, saliente e alto, florestado ou não, de natureza cristalina ou sedimentar, que compõe a paisagem litorânea do continente ou de ilha, em geral contido em pontas com afloramentos rochosos escarpados que avançam mar adentro, cujo comprimento seja maior que a largura paralela à costa;
 
O local está bem identificado no laudo pericial, pelos mapas e fotos. Relata o perito:
Sua paisagem de praias e costões em conjunto com remanescentes de Mata Atlântica, resulta em um ambiente de relevante interesse ecológico e um conjunto paisagístico de beleza cênica exuberante.
É constituído por um maciço rochoso característico do embasamento cristalino da região, sendo o mesmo pertencente a unidade litoestratigráfica Granito Tabuleiro, que aflora em todo maciço costeiro do município. Este maciço é definido geomorfologicamente pela Serra da Armação, serra esta constituída por morros de até 600 metros de altitude e promontórios rochosos diferenciados, entre eles o da área em estudo.
 
Além de se situar em zona costeira, cuja utilização atual deverá ser feita dentro de determinadas condições (art. 225, § 4º, CF/88), é certo que a Lei n. 7.661, de 16 de maio de 1988, (Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro) já estabeleceu que seu zoneamento deve priorizar sua conservação e proteção, verbis:
Art. 3º. O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:
I – recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parceis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas;
 
Esta norma, em princípio, tem característica de norma geral, não sendo auto-aplicável, pois visa ‘lançar as bases para o estabelecimento de políticas, planos e programas estaduais de Gerenciamento Costeiro, e, de modo preponderante, objetiva planejar e gerenciar, de forma integrada, descentralizada e participativa, as atividades sócio-econômicas na Zona Costeira’ (SILVA, José Afonso, Direito ambiental constitucional, 2ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 104).
 
A Lei n. 7661/88, por meio do Plano nela instituído, previu poucas medidas concretas a serem observadas na Zona Costeira, deixando a cargo de outras normas essa disciplina. Assim, as leis federais, estaduais e municipais teriam a obrigatoriedade de observar a proteção ali determinada para essas áreas.
 
O Estado de Santa Catarina promulgou a Lei n. 13.553, de 16 de novembro de 2005, instituindo o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro – PEGC, transpondo, em síntese, para o âmbito do Estado, as normas constantes da Lei n. 7.661/88. Em seu artigo 2º, dispôs:
‘Art. 2º. Subordinando-se aos princípios normativos gerais, às diretrizes e aos objetivos específicos do PNGC, o PEGC visa a orientar a utilização racional dos recursos naturais da Zona Costeira Estadual, considerada patrimônio nacional na forma do § 4º do art. 225 da Constituição Federal, intentando propiciar a elevação da qualidade de vida de sua população e a proteção de seus patrimônios natural, histórico, étnico, cultural e paisagístico.
 
No âmbito do Estado de Santa Catarina, a Lei n. 5.793/80 (que dispunha sobre a proteção e melhoria da qualidade ambiental no estado) já previa a possibilidade de se elaborar norma (decreto), na qual os promontórios fossem definidos como área de proteção especial/zonas de reserva ambiental:
Art. 6º. O Poder Executivo poderá, mediante decreto, criar áreas de proteção especial e zonas de reserva ambiental, visando preservá-las e adequá-las aos objetivos desta Lei.
§1º As áreas de que trata este artigo poderão compreender:
a) locais adjacentes a Parques Estaduais, estações ecológicas, rodovias cênicas e os bens tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional – IPHAN.
b) Promontórios e ilhas fluviais, costeiras e oceânicas;
 
Por sua vez, a norma que regulamentou a Lei n. 5.793/80 (Decreto Regulamentador n. 14.250/81) considerou os promontórios como áreas de proteção especial, definindo-os como elevações costeiras florestadas ou não:
Art. 42 – São consideradas áreas de proteção especial:
II – os promontórios, as ilhas fluviais, e as ilhas costeiras e oceânicas, estas quando cedidas pelo Governo Federal;
Art. 43 – Para efeito deste Regulamento, considera-se:
III – promontório – a elevação costeira florestada ou não que compõe a paisagem litorânea do continente ou de ilhas;
 
Ocorre que a Lei n. 5.793/80 (e consequentemente o Decreto n. 14.250/81) foi revogada pela Lei Estadual n. 14.675/09 (art. 296, I) – Código Estadual do Meio Ambiente de Santa Catarina, que não mais tratou aqueles acidentes geográficos como áreas de preservação, limitando-se a estabelecer sua definição (art. 28, XLVIII):
XLVIII – promontório ou pontão: maciço costeiro individualizado, saliente e alto, florestado ou não, de natureza cristalina ou sedimentar, que compõe a paisagem litorânea do continente ou de ilha, em geral contido em pontas com afloramentos rochosos escarpados que avançam mar adentro, cujo comprimento seja maior que a largura paralela à costa;
 
Por sua vez, no Município de Governador Celso Ramos, a Lei n. 389/96 (Lei do Plano Diretor), em sua versão original, considerava os promontórios como áreas de preservação permanente – APPs:
Art. 66. Incluem-se nas APP as áreas com as seguintes características:
IX – pontas e promontórios;
 
No entanto, essa Lei também foi modificada pela Lei Municipal n. 626/98, que excluiu os promontórios da proteção conferida às APPs, transformando-os em Áreas de Preservação Especial – APEs, quando assim declaradas por Decreto do Chefe do Poder Executivo. Contudo, não houve menção sobre a possibilidade de ocupação e construção nessas áreas de preservação especial na nova legislação:
‘Art. 66-(…)
Parágrafo Único – São consideradas Áreas de Preservação Especial (APE), quando assim indicadas por Decreto do Chefe do Poder Executivo, as áreas destinadas a:
I – proteger os mananciais de abastecimento público;
II – proteger as paisagens notáveis;
III – proteger as ilhas fluviais e costeiras;
IV – a proteger as pontas e promontórios;(…)
 
Depreende-se, pois, que os promontórios deixaram de ser expressamente protegidos pela nova legislação ambiental municipal. Ora, tal fato evidentemente configura retrocesso ambiental e não pode ser admitido.
 
Esse tipo de retrocesso tem sido rechaçado pela doutrina e também objeto de análise em casos concretos pelo magistrado, intérprete das normas. Sobre isso, aduz Germana Parente Neiva Belchior (in Hermenêutica Jurídica Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 196), que esse é um princípio estruturante a ser utilizado pelo jurista em processo hermenêutico jurídico-ambiental.
 
Sobre sua definição e conteúdo, estabelecem Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer (in Direito Constitucional Ambiental: estudos sobre a Constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 200), que o Princípio da Proibição do Retrocesso Socioambiental é uma garantia, a qual não permite o retrocesso, em termos normativos, a um nível de proteção inferior ao verificado atualmente. Isso porque, segundo os autores, a tutela normativa ambiental – tanto sob a perspectiva constitucional quanto infraconstitucional – deve operar de modo progressivo no âmbito das relações sócio-ambientais, a fim de ampliar a qualidade de vida existente hoje e atender a padrões cada vez mais rigorosos de tutela da dignidade da pessoa humana.
 
Explicam, também, os doutrinadores retromencionados (na obra citada, p. 198) que a garantia constitucional da proibição do retrocesso contempla dois conteúdos normativos:
‘(…) se de um lado impõe-se ao Estado a obrigação de ‘não piorar’ as condições normativas hoje existentes em determinado ordenamento jurídico – e o mesmo vale para a estrutura organizacional administrativa -, por outro lado, também se faz imperativo, especialmente relevante no contexto da proteção do ambiente, uma obrigação de ‘melhorar’, ou seja, de aprimorar tais condições normativas – e também fáticas – no sentido de assegurar um contexto cada vez mais favorável ao desfrute de uma vida digna e saudável pelo indivíduo e pela coletividade como um todo.’
 
Frise-se que, no caso em análise, nem ao menos houve justificativa para a alteração da legislação mais protetiva. Segundo expõe Antônio Herman Benjamin (na revista publicada pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, resultado do Colóquio Internacional sobre o Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental, em 29-03-2012, artigo Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental), tal princípio demanda cabal motivação por parte do legislador de que a regressão operada na nova legislação é inofensiva.
 
Não é o que se percebe, contudo, em relação à Lei n. 626/98, pois não foram trazidas quaisquer justificativas técnicas por parte do Município de Governador Celso Ramos que pudessem amparar a inovação legislativa e o afastamento dos promontórios como áreas de preservação permanente. Ao contrário, a mudança legislativa revela verdadeira ameaça a esse maciço costeiro e ao seu esgotamento, o que deve ser combatido. Não se pode admitir que uma configuração geológica como a dos promontórios, antes amparada legislativamente, passe a nível inferior de proteção, que lhes sujeitem à intervenção indevida por parte dos particulares, inclusive a construção de empreendimentos. Conquanto seja afeto ao legislador municipal a definição dos espaços territoriais, não pode fazê-la em contrário aos interesses da coletividade, ao seu direito fundamental ao meio ambiente.
 
Segundo ensina Canotilho, ‘a água, os solos, a fauna, a flora, não podem ver aumentado o ‘grau de esgotamento’, surgindo os ‘limites de esgotamento’ como limite jurídico-constitucional da liberdade de conformação dos poderes públicos‘ (CANOTILHO, José Joaquim Gomes Canotilho. O direito ao ambiente como direito subjetivo, p. 184).
 
E acrescenta ainda Herman Benjamin, no mesmo artigo citado: ‘Firma-se como pressuposto da proibição de retrocesso que os mandamentos constitucionais ‘sejam concretizados através de normas infraconstitucionais’, daí resultando que a principal providência que se pode ‘exigir do Judiciário é a invalidade da revogação de normas’, sobretudo quando tal revogação ocorre desacompanhada ‘de uma política substitutiva ou equivalente’, isto é, deixa ‘um vazio em seu lugar’, a saber, ‘o legislador esvazia o comando constitucional, exatamente como se dispusesse contra ele diretamente’.
 
À evidente ocorrência de retrocesso ambiental, pode-se afastar a legislação de ser aplicada no caso concreto. Sobre a utilização desse princípio pelo Judiciário, aliás, o Doutrinador Michel Prieur (na mesma revista já mencionada, em artigo de sua autoria, Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental), cita duas ações judiciais em que ele foi utilizado como argumento. Uma delas foi a ação promovida pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face de lei estadual que reduziu os limites do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (ADIn n. 5385); outra ação visa justamente o Código Estadual do Meio Ambiente Santa Catarina, norma considerada pelos autores da ação como redutora do nível de proteção ambiental (ADins 4252 e 4253). E foi este novo Código do Meio Ambiente de Santa Catarina (Lei n. 14.675/09) que também retirou os promontórios da preservação ambiental em âmbito estadual, como mencionado anteriormente.
 
Portanto, dentro desse raciocínio, a inovação legislativa provocou injustificada retrocessão na proteção das áreas de promontórios situados no Município de Governador Celso Ramos, região de extrema beleza natural e que vem sendo reiteradamente objeto de ações ambientais. Em vez de continuar considerando-os como áreas de preservação permanente, o Plano Diretor do Município passou a denominá-la como Área de Preservação Especial, conforme já assinalado, sem, contudo, qualquer especificação preservacionista.
Cabe ao caso a conclusão posta por Michel Prieur (no artigo publicado na revista já citada): ‘O que está em jogo aqui é a vontade de suprimir uma regra (constituição, lei ou decreto) ou de reduzir seus aportes em nome de interesses, claros ou dissimulados, tidos como superiores aos interesses ligados à proteção ambiental. A mudança da regra que conduz a uma regressão constitui um atentado direto à finalidade do texto inicial. O retrocesso em matéria ambiental não é imaginável. Não se pode considerar uma lei que, brutalmente, revogue normas antipoluição ou normas sobre proteção da natureza; ou, ainda, que suprima, sem justificativa, áreas ambientalmente protegidas’.
 
O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se manifestar acerca dessa questão, firmando entendimento no sentido de que as normas de natureza protetiva ao meio ambiente (como um todo, não apenas meio natural) não podem retroceder para diminuir o nível de proteção. Cito o seguinte precedente (REsp n. 302906/SP, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 01/12/2010):
 
PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E URBANÍSTICO. LOTEAMENTO CITY LAPA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA. RESTRIÇÕES URBANÍSTICO-AMBIENTAIS CONVENCIONAIS ESTABELECIDAS PELO LOTEADOR. ESTIPULAÇÃO CONTRATUAL EM FAVOR DE TERCEIRO, DE NATUREZA PROPTER REM. DESCUMPRIMENTO. PRÉDIO DE NOVE ANDARES, EM ÁREA ONDE SÓ SE ADMITEM RESIDÊNCIAS UNI FAMILIARES. PEDIDO DE DEMOLIÇÃO. VÍCIO DE LEGALIDADE E DE LEGITIMIDADE DO ALVARÁ. IUS VARIANDI ATRIBUÍDO AO MUNICÍPIO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA NÃO-REGRESSÃO (OU DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO) URBANÍSTICO-AMBIENTAL .VIOLAÇÃO AO ART. 26, VII, DA LEI 6.766/79 (LEI LEHMANN), AO ART. 572 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ART. 1.299 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002) E À LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. ART. 334, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.VOTO-MÉRITO.
1. As restrições urbanístico-ambientais convencionais, historicamente de pouco uso ou respeito no caos das cidades brasileiras, estão em ascensão, entre nós e no Direito Comparado,como veículo de estímulo a um novo consensualismo solidarista,coletivo e intergeracional, tendo por objetivo primário garantir às gerações presentes e futuras espaços de convivência urbana marcados pela qualidade de vida, valor estético, áreas verdes e proteção contra desastres naturais.
(…)
10. O relaxamento, pela via legislativa, das restrições urbanístico-ambientais convencionais, permitido na esteira do ius variandi de que é titular o Poder Público, demanda, por ser absolutamente fora do comum, ampla e forte motivação lastreada em clamoroso interesse público, postura incompatível com a submissão do Administrador a necessidades casuísticas de momento, interesses especulativos ou vantagens comerciais dos agentes econômicos.
11. O exercício do ius variandi, para flexibilizar restrições urbanístico-ambientais contratuais, haverá de respeitar o ato jurídico perfeito e o licenciamento do empreendimento, pressuposto geral que, no Direito Urbanístico, como no Direito Ambiental, é decorrência da crescente escassez de espaços verdes e dilapidação da qualidade de vida nas cidades. Por isso mesmo, submete-se ao princípio da não-regressão (ou, por outra terminologia, princípio da proibição de retrocesso), garantia de que os avanços urbanístico-ambientais conquistados no passado não serão diluídos,destruídos ou negados pela geração atual ou pelas seguintes.
(…)
19. Recurso Especial não provido.
 
No mesmo sentido, há vários precedentes do Tribunal Regional da 1ª Região, de que é exemplo o acórdão cuja ementa abaixo transcrevo:
AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (RIO GRANDE). SUSPENSÃO DE ATIVIDADES AGRESSORAS AO MEIO AMBIENTE. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL E DO POLUIDOR-PAGADOR. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA E DEMOLIÇÃO DE EDIFICAÇÕES), DE NÃO FAZER (INIBIÇÃO DE QUALQUER AÇÃO ANTRÓPICA SEM O REGULAR LICENCIAMENTO AMBIENTAL). POSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL POR IMPERATIVO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO ECOLÓGICO EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. ORIENTAÇÃO DA CARTA ENCÍCLICA SOCIAL-ECOLÓGICA LAUDATO SI, DO SANTO PADRE FRANCISCO, NA ESPÉCIE DOS AUTOS. AGRAVO RETIDO.
I – Na espécie dos autos, não prospera a pretensão recursal deduzida no agravo retido, interposto da decisão que indeferiu a produção de prova testemunhal e rejeitou os quesitos apresentados pelos réus, uma vez que as provas requeridas não se mostraram necessárias para o deslinde da causa, não havendo que se falar, assim, em cerceamento de defesa.
II – ‘Na ótica vigilante da Suprema Corte,’ a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (…) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações ‘(ADI-MC nº 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que’ o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada) , exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV)’ (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.172 de 12/06/2012).
III – Na visão holística da Carta Encíclica Social-Ecológica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, datada de 24/05/2015, ‘Toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar que os diferentes elementos do lugar formam um todo, sentido pelos habitantes como um contexto coerente com a sua riqueza de significados. Assim, os outros deixam de ser estranhos e podemos senti-los como parte de um’ nós ‘que construímos juntos. Pela mesma razão, tanto no meio urbano como no rural, convém preservar alguns espaços onde se evitem intervenções humanas que os alterem constantemente. (…) Neste contexto, sempre se deve recordar que’ a proteção ambiental não pode ser assegurada somente com base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamente’. Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas gerações? Dentro do esquema do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza, nos seus tempos de degradação e regeneração, e na complexidade dos ecossistemas que podem ser gravemente alterados pela intervenção humana’.
IV – Na inteligência jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça, o princípio da proibição do retrocesso ecológico, em defesa do meio ambiente equilibrado autoriza o entendimento de que ‘o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da ‘incumbência’ do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I).’ (AgRg no AREsp 327.687/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 26/08/2013). V- Na hipótese dos autos, as edificações descritas nos autos foram erguidas, sem o prévio, regular e competente licenciamento ambiental e rigorosa observância dos marcos regulatórios da legislação ambiental, aplicável na espécie, no interior de Área de Preservação Permanente (APP Rio Grande), assim definida na legislação e atos normativos de regência, a caracterizar a ocorrência de dano ambiental, impondo-se, assim, além da sua demolição, a adoção de medidas restauradoras da área degradada, bem assim, a inibição da prática de ações antrópicas outras, desprovidas de regular autorização do órgão ambiental competente, apurando-se o quantum indenizatório do dano material ao meio ambiente agredido através de competente prova pericial, na fase de liquidação do julgado, por arbitramento (CPC, arts. 475-C e 475-D). VI – Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção ‘ou’ opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ. ‘A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável’ risco ou custo normal do negócio’. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério’
(REsp 1145083/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 04/09/2012). VI – Agravo retido e apelação desprovidos. Sentença confirmada (TRF-1 – AC: 00011389620084013802, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 09/09/2015, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 16/09/2015).
 
Não fosse isso, observo, ainda, que a Lei n. 626/98 é uma lei ordinária, ao passo que a Lei do Plano Diretor (n. 389/98) foi aprovada mediante o quorum qualificado destinado às leis complementares, dada a natureza da matéria nela tratada, conforme previsão contida na Lei Orgânica do município vigente à época (Lei n. 01/90, art. 62, parágrafo único), que estabelecia a exigência de aprovação por maioria absoluta para as leis que tratam do adequado ordenamento territorial no Município (Plano Diretor). Também por este motivo a Lei n. 626/98 padece de inconstitucionalidade, uma vez que veicula matéria reservada à lei complementar.
 
Justifica-se, assim, o afastamento da Lei n. 626/98 para o caso concreto dos autos, pelo malferimento ao Princípio da Vedação ao Retrocesso Ambiental e ao dispositivo 225 da Constituição Federal. Entretanto, não se pode determinar a não observância da legislação para todo o Município de Governador Celso Ramos, pois tal comando corresponderia a declarar a inconstitucionalidade de forma genérica, o que não admite a Constituição Federal, a qual prevê ação e competência própria para sua apreciação.
O afastamento da Lei n. 626/98, que não prevê os promontórios como áreas de preservação permanente, trará como consequência a anulação dos atos administrativos referentes ao licenciamento e autorizações conferidas à ré particular para realizar o empreendimento apontado nos autos. Além disso, impedirá novas edificações na área, a par de obrigar a ré a recuperar os danos ambientais eventualmente já perpetrados.
Partindo das premissas acima estabelecidas, a Juíza assim dispôs sobre o litígio:
a) declarar nulos os atos administrativos (licenças, autorizações e alvarás) expedidos pelos réus Município de Governador Celso Ramos, ICMBio e FATMA em favor do empreendimento Txai Resort Ponta dos Ganchos; e condenar os réus Município de Governador Celso Ramos, ICMBio e FATMA a impedir alterações negativas na área pretendida para o Resort que importem uso de áreas de preservação permanente, nos termos da legislação vigente, sobretudo no que tange ao promontório (objeto de discussão nestes autos);
b) extinguir sem julgamento de mérito o pedido ‘d.3’ da inicial, ‘não licenciar obras ou atividades, que possam vir a restringir o livre e franco acesso da população à praia, ao mar, ou aos costões daquele município’, reconhecendo a litispendência (acesso à praia/mar) e falta de interesse de agir, nos termos do art. 267, V e VI, do CPC.;
c) condenar a ré MARSALA INCORPORAÇÃO SPE S.A em obrigação de não-fazer, consistente na paralisação e inibição de atividades na área pretendida para a implantação do Txai Resort Ponta dos Ganchos, Rua Navegantes s/nº, Ganchos de Fora, Município de Governador Celso Ramos/SC (coordenadas geográficas 27º17’51”S e 48º32’19”W), que ocupe a área do promontório, bem como demais áreas de preservação permanente e acesso à praia, conforme fundamentação.
Tenho que a sentença, a despeito dos substanciosos fundamentos expostos, esteja a merecer reforma.
A proteção ao meio ambiente tem previsão constitucional (artigo 225, § 3º, da CF/88), contemplando normatividade que define a sujeição dos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Mais do que isso, a responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva e a obrigação de reparação dos danos tem natureza propter rem, podendo ser imediatamente exigível do proprietário atual, independentemente de qualquer indagação a respeito da boa-fé do adquirente. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE. ÁREA DE RESERVA LEGAL EM PROPRIEDADES RURAIS: DEMARCAÇÃO, AVERBAÇÃO E RESTAURAÇÃO. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. OBRIGAÇÃO EX LEGE E PROPTERREM, IMEDIATAMENTE EXIGÍVEL DO PROPRIETÁRIO ATUAL.
1. Em nosso sistema normativo (Código Florestal – Lei 4.771/65, art.16 e parágrafos; Lei 8.171/91, art. 99), a obrigação de demarcar, averbar e restaurar a área de reserva legal nas propriedades rurais constitui (a) limitação administrativa ao uso da propriedade privada destinada a tutelar o meio ambiente, que deve ser defendido e preservado ‘para as presentes e futuras gerações’ (CF,art. 225). Por ter como fonte a própria lei e por incidir sobre as propriedades em si, (b) configura dever jurídico (obrigação ex lege) que se transfere automaticamente com a transferência do domínio (obrigação propter rem), podendo, em consequência, ser imediatamente exigível do proprietário atual, independentemente de qualquer indagação a respeito de boa-fé do adquirente ou de outro nexo causal que não o que se estabelece pela titularidade do domínio.
2. O percentual de reserva legal de que trata o art. 16 da Lei 4.771/65 (Código Florestal) é calculado levando em consideração a totalidade da área rural.
3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.
(REsp 1179316/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRATURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 29/06/2010)
 
AÇÃO CIVILPÚBLICA. OCUPAÇÃO E EXPLORAÇÃO DE MADEIRA EM TERRAS PÚBLICAS DA UNIÃO. VALOR DACAUSA. REZOABILIDADE. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA NÃOCONFIGURADA. DOCUMENTOS EXPEDIDOS PELO INSTITUTO DE TERRAS DO PARÁ – ITERPA. REGULARIZAÇÃO DE POSSE. IMPOSSIBILIDADE. REPARAÇÃO DE DANOS À COBERTURAVEGETAL. EXPLORAÇÃO ILEGAL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ALEGAÇÃODE BOA-FÉ. IRRELEVÂNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA.
1. A não realização da perícia não constitui, por si só, violação ao princípio da ampla defesa ‘porque o julgador não está obrigado a deferir a realização de provas que julgue desnecessárias ou inconvenientes para o deslinde da causa’ (REsp 687341/SP, rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, publ. DJ29/08/2006 p. 150)
2. Tratando-se de danos ambientais, afigura-se complexa a aferição da exata dimensão econômica do pleito reparatório. Não sendo possível o estabelecimento de critérios exatos, deve o valor da causa atender à razoabilidade e à proporcionalidade, não podendo ser manifestamente irrisório ou exorbitante.
3. É razoável o valor da causa de R$ 200.000,00 atribuído à ação civil pública ajuizada pelo MPF, tendo em consideração o lucro líquido da empresa exploradora da atividade de extração de madeiras nos exercícios fiscais de 1999 e 2000, nos valores de R$ 600.982,14 e R$ 542.527,19, respectivamente,bem como a área de exploração, abrangente de cerca de 1800 hectares.
4. Sendo da União as terras, não poderia um órgão do governo estadual legitimar a posse- muito menos concedê-la – a quem quer que fosse. Se houve exploração de madeira em terras da União com base em documentos expedidos por estado-membro da Federação, é ilegal na atividade.
5. Trata-se de terras que nunca poderiam ter sido exploradas pelos réus, pois que federais e não destinadas, pelo seu proprietário único, a projetos de exploração madeireira. Cuida-se, doutro lado,de vício original que macula todo e qualquer ato dele derivado, como planos de manejo florestal expedição de autorizações de transporte. Assim, a atividade desempenhada jamais esteve ao abrigo da legislação e a União Federal inevitavelmente sofreu prejuízos desde a sua implantação’.
6. Irrelevante,a alegação de boa-fé por parte da empresa extratora, uma vez que a responsabilidade por danos ambientais é de natureza objetiva, dispensando perquirir, portanto, a qualidade do animus do agente causador. (EDcl no AgRg no REsp 255170/SP, rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, publ. DJ 22/04/2003 p. 197)7. Apelação do ITERPA improvida. 8. Agravo retido e apelação de MADESA e outros improvidos. 9. Remessa oficial parcialmente provida.
(AC200139020007990, DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, TRF1 – QUINTATURMA, e-DJF1 DATA:13/08/2010 PAGINA:169.)
 
CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICAAJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. DANO AMBIENTAL CARATERIZADO.
DEVER DE INDENIZAR. SUJEITO PASSIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA ESOLIDÁRIA. APELO DESPROVIDO.
1. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal visando à reparação de dano ambiental ocasionado pela obstrução do Rio Paraíba do Sul.
2. Ocorrido o dano ambiental, deve-se perquirir o responsável por sua ocorrência, que tanto poderá ser o responsável direto, quanto o indireto, havendo uma relação de responsabilidade solidária e objetiva entre tais pela reparação civil do dano ocorrido, conforme consagrado na Constituição Federal, em seu art. 225, § 3º, e no art. 3º da Lei nº
6.938/84.
3. Tendo Demerval Queiroz Fernandes colaborado pela efetivação do dano ambiental, de forma direta ou indireta, e sendo ele o proprietário do terreno quando da autuação do Batalhão da Polícia Ambiental – ocasião que, inclusive, confessou ter -melhorado- passagem de terra causadora da degradação ambiental -, pertinente a condenação de seu Espólio pelos danos ambientais ocorridos, independentemente de a transferência da propriedade ter ocorrido antes ou depois de seu óbito.
4. Alegação defensiva de ausência de responsabilidade de Demerval diante da pré-existência do aterro causador dos danos quando da aquisição do terreno, não comprovada, ônus que cabia à Defesa nos termos do art. 333, I, do Código de Processo Civil; além de estar destoante da confissão à fl. 25, na qual Demerval assume ter contribuído para a manutenção do aterro poluidor.
5. Em se tratando de responsabilidade solidária, podendo ser imediatamente exigida pelo proprietário atual ou por aquele que era da época da agressão ao meio ambiente, independentemente de alegação de boa-fé do adquirente, nenhum óbice há no ajuizamento da ação em questão em face de Demerval. 6. Recurso de Apelação desprovido.
(AC200751030021186, Desembargador Federal GUILHERME DIEFENTHAELER, TRF2 – QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data: 18/05/2012 – Página: 156/157)
Conquanto na aplicação de penalidades stricto sensu a aplicação e a execução das penas limitem-se às pessoas dos efetivos transgressores, a reparação ambiental, de cunho civil, como se viu, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como ‘a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental‘ (art. 3º, IV da Lei n° 6.938/81). A própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois).
O uso do vocábulo ‘transgressores’ no caput do art. 14 da Lei 6.938/81, comparado à utilização da palavra ‘poluidor’ no parágrafo 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo em relação a ofensas ambientais praticadas por outrem. Nesse sentido: STJ, RESP 1251697, DJE 17/04/2012, Relator Ministro Mauro Campbell Marques.
A despeito da natureza peculiar da responsabilidade em matéria ambiental, ela somente se faz presente se, analisada a legislação específica, restar demonstrado que as atividades que objeto de sindicação estão, de fato, a acarretar ofensa ao conjunto de normas, incluídas regras e princípios, que informam nosso sistema jurídico.
No caso dos autos, como já salientado, abstraída a questão relacionada ao licenciamento ambiental, que restou realizado no curso do processo – de modo que atendida a exigência, mesmo que mediante intervenção judicial, pelo empreendedor -, a análise das normas ambientais vigentes à época da expedição das licenças e também das normas atualmente vigentes, demonstra que o empreendimento não está sendo levantado em áreas de preservação permanente, o que, em certa medida, foi reconhecido pela sentença.
Impediente considerou-se na sentença ao levantamento do empreendimento o fato de que pretérita lei municipal, à época afinada ao que estabelecido em revogado decreto estadual, qualificava os promontórios no Município de Governador Celso Ramos como áreas de preservação permanente. Isso tendo por fundamento o princípio da vedação ao retrocesso.
Dúvida não há de que os direitos fundamentais merecem especial atenção, inclusos evidentemente, por sua especial expressão, aqueles relacionados ao meio ambiente, certo que a sustentabilidade deve nortear toda ação humana que interfira com recursos naturais, como imperativo ético decorrente da necessária observância do implícito pacto intergeracional que a vida em sociedade impõe e, mais do que isso, da superação da visão antropocêntrica do mundo.
Avulta, assim, a possibilidade – que não pode ser desprezada, pelo contrário – de aplicação do princípio da vedação ao retrocesso em matéria ambiental, pois, de fato, no sistema normativo brasileiro a Constituição Federal, atenta aos ditames dos novos tempos, em boa hora incorporou ao seu corpo permanente normas que preconizam a necessidade de proteção do meio ambiente, estabelecendo em seu artigo 225:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; 
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;  
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; 
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; 
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. 
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
A consideração do princípio da vedação ao retrocesso, contudo, deve ser feita à luz do sistema constitucional, e é certo que existe uma repartição de atribuições entre os poderes estatais, tocando a atividade de produção normativa, salvo exceções, ao legislativo, ao qual incumbe, nos termos do inciso III do artigo 225 da CF acima transcrito, definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
A ação regulamentadora e conformadora do legislativo, observadas as regras de competência estabelecidas na Constituição Federal – no caso do direito ambiental o artigo 24 da CF -, certamente não pode ocorrer de maneira absolutamente discricionária – conquanto o juízo político a ela inerente tenha inquestionavelmente matizes discricionárias -, pois deve obediência a todas as a normas de caráter formal e substancial que decorrem do sistema jurídico, aqui considerados obviamente também os princípios.
As peias que delimitam a ação do legislador, entrementes, não impedem sua atuação com observância do quanto definido, muito menos podem esboroar a necessária independência que deve ter – a propósito inerente ao desempenho de qualquer das funções estatais básicas – para fazer escolhas no desempenho de suas atribuições.
Nesse sentido, a utilização do princípio da vedação ao retrocesso para controlar a atuação do legislativo em matéria ambiental, conquanto possível, deve ser feita cum granum salis, pois dela não se pode extrair a simplista conclusão de que qualquer alteração que implique diminuição de restrições estabelecidas em lei para a proteção ambiental seja automaticamente inconstitucional, sob pena de estratificar totalmente o sistema e, mais do que isso, inviabilizar por completo a atuação legislativa, mesmo que eventualmente necessária para disciplinar questões advenientes.
Considerando isso, a utilização do princípio da vedação ao retrocesso em matéria ambiental deve ser reservada a situações nas quais o núcleo do direito fundamental esteja claramente sendo violado com a inovação legislativa, a caracterizar situação de manifesta proteção insuficiente de interesse que goza de especial tutela por parte do sistema jurídico. Num ambiente em que as relações e processos se apresentam multifacetados, complexos e marcados por certa volatilidade – a propósito inerente à evolução – , o congelamento de marcos deve ser feito com cautela, pois o que hoje se considera protetivo ao interesse tutelado pela norma, amanhã poderá assim não mais ser reputado, mesmo porque os conceitos se alteram e a proteção em uma visão holística pode até acarretar, se estritamente necessário, inclusive em matéria ambiental, impacto, e até sacrifício, de parcelas do todo. Assim, é de se entender que a vedação a retrocesso tem o sentido de vedar a revogação de norma protetiva de direitos fundamentais sem que norma substitutiva seja editada de forma a garantir proteção ao núcleo deste direito.
No caso em apreço, a legislação municipal que alterou o tratamento dos promontórios, a despeito das modificações operadas, manteve algum grau de proteção aos citados acidentes geográficos, pois passaram a ser considerados pelo Plano Diretor – como APL – Área de Preservação com Uso Limitado, com as restrições que lhe são inerentes.
De fato, pela Lei n. 626/1998, o Plano Diretor [Lei n. 389/1996] passou a contar com quatro tipos de Áreas de Preservação:
 
Art. 64. As Áreas de Preservação são necessárias para a preservação do equilíbrio dos recursos naturais, das paisagens notáveis e dos sítios arqueológicos, subdividindo-se em:
I – APP – Áreas de Preservação Permanente;
II – APE – Áreas de Preservação Especial.
III – APL – Áreas de Preservação com Uso Limitado;
IV – APC – Áreas de Preservação Cultural.
E a ocupação de APL está condicionada à observância de restrições:
 
Art. 73 As áreas de preservação com uso limitado admitem a ocupação, não sendo permitida a abertura de vias de tráfego, exceto acessos às unidades residenciais e equipamento de lazer e obras de interesse público executadas pelo Município.
Art. 74. Nas APL deverá ser mantida a cobertura vegetal existente, sendo permitido o corte da vegetação de porte herbáceo, arbustivo e arbóreo somente nas superfícies indispensáveis à implantação dos acessos, das edificações e dos equipamentos de lazer.
§1º. Considera-se superfície indispensável à implantação das edificações, até o dobro da área e dos equipamentos de lazer a serem construídos.
§2º. Os indivíduos de porte arbóreo cujo corte seja indispensável à implantação das edificações deverão ser indicados nas plantas do projeto de construção, devendo cada indivíduo abatido ser substituído por oura no mesmo terreno, sempre que possível, ou em outra área indicada pelo poder público municipal.
§3º. Os acessos privados das edificações em APL deverão se harmonizar com a topografia natural do terreno e preservar, sempre que possível, a vegetação de porte arbóreo.
Foi mantido um grau de proteção aos promontórios que, registre-se, não estão contemplados como biomas protegidos, seja na legislação de caráter nacional; muito menos na Constituição Federal. Trata-se o promontório de acidente geográfico, ou seja, uma distinta forma de relevo, como o são, por exemplo, uma ilha ou um istmo.
É verdade que a Lei do Gerenciamento Costeiro (Lei nº 7.661/1988) em seu artigo 3º assim estatui:
 
Art. 3º. O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:
I – recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parceis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas;
II – sítios ecológicos de relevância cultural e demais unidades naturais de preservação permanente;
III – monumentos que integrem o patrimônio natural, histórico, paleontológico, espeleológico, arqueológico, étnico, cultural e paisagístico.
(sem destaques no original)
Trata-se, entrementes, de norma geral, que incentiva a preservação de alguns biomas e acidentes geográficos; da norma não decorre que os biomas e acidentes geográficos relacionados sejam ipso jure intangíveis. Ao legislador é imposto apenas que na sua atuação tenha a necessária ponderação ao estabelecer o zoneamento de usos e atividades, priorizando a proteção e, certamente, um standard mínimo de conservação em relação aos biomas e acidentes geográficos relacionados.
A própria sentença de procedência, convém registrar, consignou:
‘Esta norma, em princípio, tem característica de norma geral, não sendo auto-aplicável, pois visa ‘lançar as bases para o estabelecimento de políticas, planos e programas estaduais de Gerenciamento Costeiro, e, de modo preponderante, objetiva planejar e gerenciar, de forma integrada, descentralizada e participativa, as atividades sócio-econômicas na Zona Costeira’ (SILVA, José Afonso, Direito ambiental constitucional, 2ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 104)’.
 
Com a legislação municipal em apreciação não houve, portanto, a simples retirada de proteção aos promontórios. Não há se falar, no caso, de ausência de proteção, a nulificar o direito fundamental que era tutelado na legislação primeva. Continua havendo proteção aos promontórios, ainda que permitida alguma intervenção. A propósito, em rigor, sob o aspecto geográfico, a sede do Município de Governador Celso Ramos, e grande parte de sua extensão, caracterizam um grande promontório, no qual presentes outros acidentes geográficos da mesma natureza, mas de menor magnitude. Assim, entendido que o promontório como acidente geográfico vedaria qualquer intervenção, a ocupação em praticamente todo o Município seria irregular.
Não vejo, assim, como se aplicar no em apreço o princípio da vedação ao retrocesso, pois ausentes evidências de que o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado restou de forma clara deficientemente protegido com a modificação legislativa, não custando lembrar que a lei anterior vigeu por pequeno período de tempo (1996 a 1998) , estando a atual vigente há muitos anos (desde 1998).
A propósito, consta que o proprietário anterior detinha Licença Ambiental Prévia para a implantação de condomínio de casas com maior impacto ambiental. A licença combatida nestes autos, que foi regularmente deferida pela FATMA com o consentimento do ICMBIO, prevê ocupação de menor expressão, sem afetar áreas de preservação permanente, como demonstrado pela perícia, preservado o acesso público às praias.
Quanto ao alegado vício formal da Lei Municipal 626/1998, verifica-se que o plano diretor (Lei 389/1996) não foi aprovado como lei complementar. Ademais, a Lei Municipal n. 626/1998, na qual baseadas as licenças da FATMA e do Município, foi aprovada por unanimidade pela Câmara de Vereadores. O quorum observado em ambos os diplomas, portanto, foi o mesmo, não se cogitado de vício formal na lei que modificou os critérios para proteção dos promontórios no Município de Governador Celso Ramos.
Impõe-se, pois, o acolhimento parcial do pedido (apenas no que toca à necessidade de realização de EIA/RIMA, o que já foi providenciado, e de manutenção do acesso público às praias)
Sem condenação em honorários advocatícios e custas. Honorários periciais pela demandada Marsala, pois, mesmo que em parte, a ação Ministerial foi considerada apropriada.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento às apelações, nos termos da fundamentação.
 
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator

EMENTA

DIREITO AMBIENTAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROMONTÓRIOS. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO. BALIZAS PARA SUA UTILIZAÇÃO EM MATÉRIA AMBIENTAL. INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE SITUAÇÃO DE MANIFESTA AUSÊNCIA DE PROTEÇÃO DO NÚCLEO DO DIREITO FUNDAMENTAL TUTELADO PELA ORDEM JURÍDICA.
– A proteção ao meio ambiente tem previsão constitucional (artigo 225, § 3º, da CF/88), contemplando normatividade que define a sujeição dos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
 –  Os direitos fundamentais merecem especial atenção, inclusos evidentemente, por sua especial expressão, aqueles relacionados ao meio ambiente, certo que a sustentabilidade deve nortear toda ação humana que interfira com recursos naturais, como imperativo ético decorrente da necessária observância do implícito pacto intergeracional que a vida em sociedade impõe e, mais do que isso, da superação da visão antropocêntrica do mundo.
– Avulta, como consequência, a possibilidade de aplicação do princípio da vedação ao retrocesso em matéria ambiental, pois no sistema normativo brasileiro a Constituição Federal, atenta aos ditames dos novos tempos, em boa hora incorporou ao seu corpo permanente normas que preconizam a necessidade de proteção do meio ambiente.
– A consideração do princípio da vedação ao retrocesso, contudo, deve ser feita à luz do sistema constitucional, e é certo que existe uma repartição de atribuições entre os poderes estatais, tocando a atividade de produção normativa, salvo exceções, ao legislativo, ao qual incumbe, nos termos do inciso III do artigo 225 da CF, definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
– A ação regulamentadora e conformadora do legislativo, observadas as regras de competência estabelecidas na Constituição Federal – artigo 24 da CF -, certamente não pode ocorrer de maneira absolutamente discricionária – conquanto o juízo político a ela inerente tenha inquestionavelmente matizes discricionárias -, pois deve obediência a todas as a normas de caráter formal e substancial que decorrem do sistema jurídico, aqui considerados obviamente também os princípios.
– As peias que delimitam a ação do legislador, entrementes, não impedem sua atuação com observância do quanto definido na Constituição, muito menos podem esboroar a necessária independência que deve ter – a propósito inerente ao desempenho de qualquer das funções estatais básicas – para fazer escolhas no desempenho de suas atribuições.
– Nesse sentido, a utilização do princípio da vedação ao retrocesso para controlar a atuação do legislativo em matéria ambiental, conquanto possível, deve ser feita cum granum salis, pois dela não se pode extrair a simplista conclusão de que qualquer alteração que implique diminuição de restrições estabelecidas em lei para a proteção ambiental seja automaticamente inconstitucional, sob pena de completa estratificação do sistema e, mais do que isso, inviabilização da atuação legislativa, mesmo que eventualmente necessária para disciplinar questões advenientes.
– A utilização do princípio da vedação ao retrocesso em matéria ambiental, assim, deve ser reservada a situações nas quais o núcleo do direito fundamental esteja claramente sendo violado com a inovação legislativa, a caracterizar situação de manifesta proteção insuficiente de interesse que goza de especial tutela por parte do sistema jurídico.
– Em um ambiente em que as relações e processos se apresentam multifacetados, complexos e marcados por certa volatilidade – a propósito inerente à evolução – , o congelamento de marcos deve ser feito com cautela, pois o que hoje se considera protetivo ao interesse tutelado pela norma, amanhã poderá assim não mais ser reputado, mesmo porque os conceitos se alteram e a proteção em uma visão holística pode até acarretar, se estritamente necessário, inclusive em matéria ambiental, impacto, e até sacrifício, de parcelas do todo.
– No caso em apreço, a legislação municipal que alterou o tratamento dos promontórios, a despeito das modificações operadas, manteve algum grau de proteção aos citados acidentes geográficos, que, registre-se, não estão contemplados como biomas especialmente protegidos, seja na legislação de caráter nacional; muito menos na Constituição Federal.
– Trata-se o artigo 3º da Lei do Gerenciamento Costeiro (Lei nº 7.661/1988) de norma geral, que incentiva a preservação de alguns biomas e acidentes geográficos; da citada norma não decorre, entrementes, que os biomas e acidentes geográficos relacionados sejam ipso jure intangíveis, impondo-se apenas ao legislador que na sua atuação tenha a necessária ponderação ao estabelecer o zoneamento de usos e atividades, priorizando a proteção e, certamente, um standard mínimo de conservação.
– Na hipótese em apreço a legislação municipal não acarretou simples retirada de proteção aos promontórios, não se podendo falar, assim, em ausência de proteção, a nulificar o direito fundamental que era tutelado na legislação antecedente.
– Deste modo, como o empreendimento, abstraída a questão relacionada ao licenciamento ambiental – que restou realizado no curso do processo, de modo que atendida a exigência, mesmo que mediante intervenção judicial -, analisadas as normas ambientais vigentes à época da expedição das licenças, e também as normas atualmente vigentes, não está sendo levantado em áreas de preservação permanente, a pretensão de total vedação às construções não pode ser acolhida.
– Acolhimento parcial do pedido, apenas no que toca à necessidade de realização de EIA/RIMA e de manutenção do acesso público às praias.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento às apelações, nos termos do relatório, voto e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de maio de 2017.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
Direito Ambiental

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– Indicação de leitura:

* O Portal DireitoAmbiental.com recomenda como leitura obrigatória sobre o tema o artigo  “Áreas de Preservação Permanente Urbanas” de autoria de Paulo de Bessa Antunes, Presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA, publicado na  Revista de informação legislativa, v. 52, n. 206, p. 83-102, abr./jun. 2015, que pode ser acessado diretamente da página do autor no Portal Academia.edu, clicando aqui.

Direito Ambiental

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