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A história de uma PCH (quase desconhecida) no rio Bagagem, Romaria, MG. Um causo verdadeiro e contado por quem lembra como tudo aconteceu

Por Enio Fonseca

Detalhe do que sobrou da antiga PCH. O maquinário foi resgatado e montado de forma artística na Fazenda Barracão da família Stein Pena em Romaria MG

Detalhe do que sobrou da antiga PCH. O maquinário foi resgatado e montado de forma artística na Fazenda Barracão da família Stein Pena em Romaria MG.

A Geração de energia hidráulica no Brasil tem hoje grande importância em nossa matriz elétrica, representando mais de 60% , e garantindo a entrega de um produto sustentável. Sua história remonta ao final do século 19. Uma boa parte da história das primeiras histórias está contada por diversos autores, porém, a hoje denominada PCH do rio Bagagem não está descrita, e é o que pretendemos fazer nesse artigo, que poderia ser intitulado ainda “ O casamento do Diamante com a PCH. E foram felizes até o final”

Foi possível resgatar a história, a partir de um depoimento da Sra Helena Stein Pena, matriarca da família de origem alemã, que, através de seu bisavô, avô e pai ajudaram a construir o que relatarei.

Sra Helena Stein Pena. Tem na memória todos os acontecimentos aqui narrados

Sra Helena Stein Pena. Tem na memória todos os acontecimentos aqui narrados.

Considerações sobre a implantação de usinas hidrelétricas no Brasil

De acordo com Geraldo Magela Pereira, [email protected], em seu artigo a História das Usinas Hidrelétricas, publicado pela Universidade Federal de Brasília, a partir do livro Projeto das Usinas Hidrelétricas, editado em 2015, encontrado no site , temos que :

“No Brasil, a primeira usina hidrelétrica entrou em operação em 1883. Ela foi construída no ribeirão do Inferno, afluente do rio Jequitinhonha, na cidade de Diamantina (MG). Foi instalada numa queda de 5 m e possuía dois dínamos Gramme de 8 HP cada, que geravam energia capaz de movimentar bombas d´água para desmonte das formações rochosas das minas de diamante.

Mais tarde, a usina passou a gerar energia para abastecimento da cidade. A linha de transmissão associada tinha 2 km de extensão.Em 1887, foi colocada em operação no rio Macacos, Nova Lima, Minas Gerais, uma usina de 500 HP, sob uma queda de 40 m, para atender a uma mineração de ouro e para iluminação.

Dois anos depois, em 1889, entrou em operação a Usina Marmelos Zero no rio Piabanha, Minas Gerais, (Figs. 2 e 3), da Companhia Mineira de Eletricidade. Foram instalados dois grupos de geradores com potência de 126 kW cada um, da empresa americana Max Nothman & Co, para fornecimento de energia para Juiz de Fora. Em 1891 foi instalado um terceiro gerador, de 125 kW, para fins industriais.

A UHE Fontes Velha construída pela Light Servicos ,foi inaugurada em 1908 com potência de 12 MW, sendo em sua época a maior da América Latina e a segunda maior do mundo. A barragem, concluída em 1906, era uma estrutura do tipo concreto gravidade em arco de 100 m de raio, 12 m de altura, com 24 m de extensão na crista.

Em 1914, foi concluída no rio Piraí a barragem de Tócos, com 25 m de altura e um túnel de 8,4 km de extensão, na época o mais longo túnel hidráulico do mundo, para desviar água (25 m3 /s) para o reservatório de Lajes, possibilitando aumentar capacidade da UHE Fontes para 54 MW.

Em 1924, foi concluída a UHE Ilha dos Pombos. A usina tem um canal de adução com 2,5 km de comprimento constituído por diques de terra compactada e trechos em concreto”..

Por sua vez, Andrea Santos da Silva, em seu artigo” As Hidrelétricas em São Paulo: Evolução das técnicas e processos” encontrado em http://eletromemoria.fflch.usp.br, acrescenta novas usinas construídas no Estado ao final de século XIX, conforme abaixo:

“A primeira usina hidrelétrica de São Paulo foi a da fábrica de tecidos Votorantim, em Sorocaba. Ali foi instalada uma usina térmica em 1889, a primeira para geração de energia elétrica do Estado e a primeira fonte de força motriz para a empresa Votorantim.

Em 1892 foi inaugurada a usina hidrelétrica de Sorocaba, com 1050 HP, para ampliar o fornecimento para a indústria.

Ainda no final do século XIX, foram inauguradas várias outras usinas para geração de energia elétrica em São Paulo:

– Em 1895, foi concluída a Usina Hidrelétrica de Corumbataí, cujo principal objetivo era melhorar a qualidade da iluminação de Rio Claro. No entanto, devido a problemas técnicos, suas atividades foram paralisadas no dia seguinte ao de sua inauguração.
O investimento realizado, virtualmente, não teve retorno e a Cia. Mecânica Rio Clarense, empresa responsável pelo empreendimento, viu-se obrigada a leiloar seus bens. A usina voltaria a funcionar somente em 1900, sob a direção de uma firma alemã.

– Salto Grande ou Velha do Pinhal, em 1897, a maior construída no século XIX, pertencente a Cia. Mogiana de Força e Luz e com uma capacidade de 1250 HP, tinha como objetivo o fornecimento para estações ferroviárias e iluminação pública;

– Buritis, 2a em importância no Estado, concluída em 1898 com capacidade de 1230 HP, pertencente a Cia. Força e Luz de Ribeirão Preto, fornecia energia para a iluminação publica de Ribeirão Preto e Igarapava;

– Luiz de Queiroz, concluída em 1893 no município de Piracicaba, na mesma fazenda onde estava sendo construída uma escola prática de agricultura, por obra do proprietário, o fazendeiro e agrônomo Luiz Vicente de Souza Queiroz. Tinha por finalidade fornecer energia para a fazenda, onde funcionava, além da escola, uma fábrica de tecidos, e para o município de Piracicaba.

Ainda no século XIX, foram construídas as usinas de Córrego Rico em Jaboticabal, Carioba em Americana e mais dez pequenas usinas termoelétricas para  geração de energia para fábricas têxteis”.

Não encontrei registros da PCH implantada no rio Bagagem.

Considerações sobre a atividade garimpeira de diamante na meso região no entorno da cidade de Romaria MG

De acordo com Diego Alves de Oliveira e António de Sousa Pedrosa, no artigo Rota do diamante: um percurso geocultural, publicado na Revista de Geografia (UFPE) V. 32, No. 2, 2015, temos que:

“Foi por meio das primeiras descobertas de diamantes no Brasil, que ocorreram em Minas Gerais, no século XVIII, e principalmente com a descoberta deste mineral nesta região oeste do estado, mais especificamente no rio Bagagem em 1722, que se começou a verificar uma intensa migração populacional e um grande crescimento econômico principalmente no atual Município de Estrela do Sul naquele período.

As primeiras formas de exploração do diamante ocorriam por garimpagem utilizando técnicas manuais, pouco mecanizadas. Apenas com a expansão dos grandes garimpos, é que foram adotados novos métodos de exploração, como por exemplo, o uso de bombas hidráulicas, máquinas e até a implantação de pequenas usinas hidrelétricas no século XX .
O diamante mais famoso da região foi encontrado num trecho do leito do rio Bagagem, próximo à Estrela do Sul, em 1853, com cerca de 261, 380 quilates e outro, em 1977, com 82 quilates.

A exploração dos diamantes no rio Bagagem, e no seu entorno deu origem as cidades como Estrela do Sul, Romaria e Grupiara, que no Século XVIII eram pequenas povoações garimpeiras ). Monte Carmelo surge a partir do declínio desta atividade, ainda no século XIX, com uma população que começa a sair dos núcleos mineradores para praticar outras atividades econômicas.

A atividade garimpeira na região sofreu um novo declínio a partir da década de 1970, quando novos processos industriais e a fiscalização ambiental passaram a desfavorecer a extração manual, sem o devido licenciamento . A partir da segunda metade do século XX, a agricultura e a pecuária tornaram-se a principal fonte de renda da região, tendo-se modernizado de forma a poder competir no mercado global.

No entanto, as fazendas mais antigas, ainda mantêm as velhas cercas construídas com rochas, feitas por escravos ainda no século XIX, formando um patrimônio histórico que se relaciona com a forma de ocupação da região.

Em Romaria, o maior atrativo é a Igreja de Nossa Senhora da Abadia, construída no século XX, tendo substituído uma igreja mais antiga. O revestimento da estrutura foi feito em arenito da Formação Botucatu, retirado da mina próximo da igreja, onde também se extraiam os diamantes.

A festa de Nossa Senhora da Abadia ocorre de 6 a 15 de agosto. Esta festa religiosa atrai dezenas de milhares de visitantes, sendo uma das principais fontes econômicas da cidade, promovendo a vinda de um grande contingente de turistas.

Durante a novena, ocorrem diversas peregrinações de pessoas que caminham das cidades próximas como Uberaba, Uberlândia, Monte Carmelo e Iraí de Minas até o santuário para exercer a sua devoção”.

No ano de 2023, cerca de 150 mil pessoas estiveram na festa.

Romaria foi fundada por um garimpeiro de nome Sebastião, que encontrou nesta região com diamantes de ótima qualidade. Serpenteada pelo Rio Bagagem, era já conhecida pelos grandes centros europeus, pela fertilidade de suas minas diamantíferas. Foi centro de convergências de capitais estrangeiros, escolhidos de preferência a outra qualquer cidade do estado de Minas Gerais, para receber exploração de suas minas diamantíferas.
Romaria está localizada na parte oeste de Minas Gerais. É uma região plana, com grandes áreas plantadas de café e de soja. A sede Municipal tem como coordenadas geográficas 1.026m, acima do nível do mar, temperatura média 21,9º graus. O solo e subsolo são ricos em diamantes. A 433 km de Belo Horizonte; as cidades que fazem divisa com Romaria são: Monte Carmelo IraÍ de Minas, Estrela do Sul e Nova Ponte.

Onde se encontram a PCH do rio Bagagem e a mineração de diamantes em Romaria

Em janeiro de 1867, um garimpeiro de nome Sebastião descobriu diamantes no gorgulho da encosta do córrego Água Suja, em pouco tempo ocorreu o adensamento populacional na área, dando origem ao povoado da Água Suja, atual Romaria.

A produção de diamantes aumentou nos anos seguintes com aquisição de toda jazida através da empresa A. Arena & Co., que iniciou o desmonte mecanizado com a utilização de jatos hidráulicos (little giant). Em 1900 a empresa Thiem & CIA adquire toda, e cria-se em Londres no ano de 1903 a empresa The Agua Suja Mining Company Limited, designada para explorar a mina.

A empresa adquiriu e utilizou equipamentos semelhantes aos utilizados por companhias Inglesas de mineração na Colônia do Cabo da Boa Esperança para a separação dos diamantes, conforme relatos, equipamentos desapropriados à natureza do depósito

Carlos Stein avô, montou a PCH em torno de 1905. Morava em Limeira, e viu anuncio em Limeira para contratação de profissionais mecânicos, para montar máquinas e equipamentos para extração de equipamentos para extração de diamantes na localidade de Água Suja, MG.

Veio de trem até Uberaba e de lá até a região, onde 2 outras famílias alemãs já se encontravam, sendo os patriarcas destas famílias também mecânicos. Os 3 foram responsáveis por montar a PCH, que inicialmente se destinava a fornecer energia para a frente de mineração de diamantes .

Inicialmente a PCH jogava água através de uma bomba, para uma caixa de água de 30 ms de altura, e de lá a água era destinada para o desmonte hidráulico. Posteriormente a caixa de água foi abandonada e desmontada.

O produto do desmonte era encaminhado por bicas de madeira, onde era lavado e feita a cata dos diamantes.

Ao 18 anos, o pai de dona Helena, que então morava em São Paulo, veio para ajudar o Sr. Stein a operar a PCH e a frente de lavra.

Os equipamentos da Usina foram importados da Alemanha. Vieram de navio até o porto de Santos, de lá foram de trem até Araguari, e de lá por carro de boi até Água Suja, atual Romaria.

A Usina possuía um duto que a alimentava a partir do rio Bagagem, sendo que sua instalação se deu nas proximidades deste rio com o rio Marrecos.

A Usina hidrelétrica forneceu energia gratuita para a população de Romaria, até o ano de 1969, quando a Cemig, Companhia Energética de Minas Gerais, encampou os serviços .

Os alemães sucederam os ingleses na operação do negócio, através do condomínio denominado Água Suja, que operou a mina entre os anos de 1921 a 1931. Em 1935 foi criada a empresa MEFAMA, Melhoramentos Fazenda Marrecos Limitada, que recebeu autorização para funcionar como empresa de mineração em 1937.

Em 1969 a empresa EXDIBRA assume a operação da exploração, tornando-se detentora dos direitos minerários.

As atividades de exploração foram suspensas em 1984, devido ao aumento das dívidas da empresa mineradora detentora dos direitos minerários,(EXDIBRA) que passaram ao BNDES, que os licitou para a empresa GAR, inexistindo atualmente a retomada da exploração de diamantes.. No local da extração não foram realizadas ações de recuperação ambiental, gerando uma paisagem degradada, com várias feições erosivas localizadas nas proximidades do santuário.

Hoje, o pátio industrial da empresa EXDIBRA está abandonado desde 1984, e podem ser vistos as estruturas que o tempo vai consumindo.

A antiga PCH, tem o seu antigo local de funcionamento ocupado pela regeneração de vigorosa mata ciliar.

Quem me levou às instalações, hoje abandonadas, foi o gerente da Fazenda Barracão, Cleonídio Duarte

Houve um tempo em que as duas atividades andaram juntas e propiciam a geração de riqueza e qualidade de vida.

O depoimento da Sra Helena, do alto de suas 87 primaveras, é rico e permitiu a elaboração deste artigo.

Clicando aqui pode ser acessado o site da minha consultoria, PACK of Wolves e ouvir o depoimento gravado da Sra Helena.

Detalhe da montagem dos equipamentos da antiga PCH, na Fazenda Barracão

Detalhe da montagem dos equipamentos da antiga PCH, na Fazenda Barracão

 

Detalhe da montagem dos equipamentos da antiga PCH, na Fazenda Barracão

Detalhe da montagem dos equipamentos da antiga PCH, na Fazenda Barracão

Por este canal a água retornava da PCH para o rio Bagagem

Por este canal a água retornava da PCH para o rio Bagagem

Antigo pátio onde ficava a PCH

Antigo pátio onde ficava a PCH

Unidade de beneficiamento da EXDIBRA abandonada desde 1984

Unidade de beneficiamento da EXDIBRA abandonada desde 1984

Pátio de descarga dos caminhões com cascalho. Abandonado desde 1984.

Pátio de descarga dos caminhões com cascalho. Abandonado desde 1984.

Peneira de processamento de cascalho, ainda com resíduos deste material

Peneira de processamento de cascalho, ainda com resíduos deste material

Ênio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais , Especialização em Proteção Florestal pelo NARTC e CONAF-Chile, em Engenharia Ambiental pelo IETEC-MG, , em Liderança em Gestão pela FDC, em Educação Ambiental pela UNB, MBA em Gestão de Florestas pelo IBAPE, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation, Gestor Sustentabilidade Associação Mineradores de Ferro do Brasil.

Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais, Especialização em Engenharia Ambiental, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation, Gestor Sustentabilidade Associação Mineradores de Ferro do Brasil-AMF
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