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MEDIDA PROVISÓRIA N° 884/19, ARTIGO 78-A DO CÓDIGO FLORESTAL E O DEVER DE CUIDADO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

por Laurine Martins.

A Lei 12.651/2012, mais conhecida como Código Florestal, mobilizou o cenário brasileiro no que diz respeito à supressão de vegetação e ao uso alternativo do solo. Sobreveio não somente com a finalidade de revogar a ultrapassada Lei 4.771/65 vigente à época e cuja publicação se deu em setembro de 1965, mas, em especial, com o objetivo de prever novas formas de recuperação florestal, tendo em vista a intensa atuação e importância da atividade agropecuária no Brasil, devendo na contrapartida, obedecer a um mínimo de limitações ao uso da terra, tudo em prol da proteção ao meio ambiente[1] – direito fundamental insculpido em nossa Constituição Federal[2].

A sua publicação trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro e à sociedade civil inúmeros reflexos, dentre eles, a criação do Cadastro Ambiental Rural – CAR, que consiste em um repositório de dados estratégicos para controle e monitoramento nacional dos imóveis rurais. A norma trouxe a obrigatoriedade de os proprietários e possuidores cadastrarem seus imóveis rurais nessa base de dados, com o objetivo de promover e apoiar a regularização de passivos ambientais por intermédio do compromisso desses agentes de recuperar áreas de preservação permanente eventualmente degradadas, suprimidas ou alteradas até 22/07/2008 e de regularizar a reserva legal de seus imóveis.

O dever de inscrição dos imóveis no CAR vem expresso no artigo 29, §3º do Código Florestal. Após inúmeras alterações em seu conteúdo, no que se refere ao adiamento do prazo para inscrição, a Medida Provisória n° 884/2019, publicada em 14 de junho deste ano, suprimiu do texto qualquer prazo para inscrição, com a intenção de favorecer cerca de 4% dos proprietários e possuidores que ainda não o haviam realizado[3].

A finalidade da MP foi oferecer nova oportunidade a esses proprietários e possuidores de usufruírem dos benefícios assegurados pelo Código Florestal aos imóveis inscritos no CAR, tais como, a inscrição no Programa de Regularização Ambiental – PRA; o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo de percentual de Reserva Legal; a emissão de CRA – Cota de Reserva Ambiental; e, ainda, a obtenção de crédito agrícola junto às instituições financeiras. No cenário anterior, a inscrição deveria ter sido realizada até 31 de dezembro de 2018, sob pena de, tendo perdido o prazo, o proprietário/possuidor não mais poder usufruir dos citados benefícios.

Nesse novo cenário, de vigência da nova MP, a inscrição no CAR passa a ser imediatamente obrigatória e, por consequência, a obrigação de adesão ao PRA e a obrigação de apresentação do CAR para quem tiver interessado em obter crédito agrícola. Segundo o artigo 78-A[4] do Código Florestal, as instituições financeiras só estão autorizadas a conceder o crédito agrícola ao proprietário ou possuidor que já tenha seu imóvel devidamente inscrito no citado cadastro ambiental.  Portanto, o interessado deverá, de imediato, comprovar a inscrição do seu bem à entidade financiadora. Essa é a interpretação da alteração trazida pela nova MP.

É dever legal da instituição financeira observar a legislação ambiental e, sob seus contornos, adotar medidas diligentes, tais como, definir o rol de requisitos necessários para a concessão de financiamentos e empréstimos, dentre eles o crédito agrícola, e verificar seu atendimento pelos tomadores de crédito – proprietários e possuidores de imóveis rurais. Do contrário, poderá ser chamada a responder em razão do descumprimento de um dever de cuidado a ela atribuído por lei. Para evitar a configuração de qualquer nexo de causalidade entre o seu ato – concessão do crédito – e a ocorrência de dano ambiental – desmatamento do imóvel, por exemplo, o financiador deve cumprir rigorosamente as obrigações legais a ele destinadas, eludindo-se de uma possível responsabilização por figurar como “poluidor indireto”.

Para além do risco legal, a instituição financeira também deve avaliar o potencial risco de crédito que a operação de financiamento pode lhe gerar, sobretudo se exigir o imóvel rural como garantia, o que geralmente ocorre nos casos de concessão do crédito agrícola. Nesse caso, a instituição financeira buscará certificar-se de que o objeto da sua garantia está regular, ou seja, se o imóvel não lhe gerará passivos ambientais, caso tenha que executá-lo. Portanto, independentemente de dispositivos legais obrigatórios, a instituição financeira adotará outras diligências para verificar a inexistência de ônus ambientais no imóvel.

Portanto, o proprietário/possuidor de imóvel rural que necessita de crédito para desenvolver seu negócio deverá, não só estar em dia com seu CAR, mas estar preparado para demonstrar a regularidade de suas áreas, comprovando, por exemplo, o georreferenciamento do bem, a preservação da sua reserva legal – assim como seu registro – e a preservação da área de preservação permanente, dentre outros.

Nota:

[1] GOLDEMBERG, José. Novo Código Florestal. Prefácio. IN: MILARÉ, Édis. MACHADO, Paulo Affonso Leme (org.). 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

[2] Art. 225, CF: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[3] BRASIL. Congresso Nacional. Avulso de Emendas da Medida Provisória n° 884/2019. p. 11 e 38. <https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documento?dm=7969520&ts=1562602867066&disposition=inline>. Acesso em: 09/07/2019.

[4] Art. 78-A. Após 31 de dezembro de 2017, as instituições financeiras só concederão crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades, para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no CAR.

 

Laurine atua nas áreas Imobiliária e Ambiental há mais de 17 anos. Advoga para incorporadoras, loteadoras e para empresas dos setores financeiro, agroindustrial e da construção civil. Foi responsável pelo Jurídico Imobiliário e Ambiental do Itaú Unibanco. Foi consultora (in house) do Risco Socioambiental do Itaú BBA. Coordenou o Grupo de Trabalho da FEBRABAN, que criou a Autorregulação Socioambiental do Setor Financeiro. É membro das Comissões de Negócios Imobiliários e de Direito Ambiental do IBRADIM e membro do Grupo de Acompanhamento do Plano Diretor de Londrina/PR.

 

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