AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. PERÍCIA. NOMEAÇÃO DE ENGENHEIRO AGRÔNOMO. COMPLEXO HOTELEIRO DE GRANDE ENVERGADURA. EQUIPE MULTIDISCIPLINAR. NECESSIDADE. HONORÁRIOS PERICIAIS. ADIANTAMENTO PELO AUTOR. VEDAÇÃO LEGAL. ÔNUS A SER ARCADO PELO FUNDO DE DEFESA DE DIREITOS DIFUSOS. RECURSO PROVIDO.
– A Ação Civil Pública nº 0003884-68.2010.4.05.8000 foi ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em litisconsórcio ativo com a UNIÃO, em face do ESTADO DE ALAGOAS, do INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE ALAGOAS – IMA/AL e da empresa BARRA DE SÃO MIGUEL EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA. Os autores almejam proibir, suspender e desfazer empreendimento imobiliário de grande porte para fins de proteção de vegetação de restinga fixadora de dunas e bermas em região localizada entre a praia do Francês (Marechal-Deodoro) e a Barra de São Miguel.
A importância da área consiste no fato de ela constituir refúgio de aves migratórias e animais em extinção, apresentando-se como um dos últimos ecossistemas de vegetação de restinga do Estado de Alagoas. O MPF destaca: “…, a obra do complexo hoteleiro, em
sinergia à obra da duplicação da LA 101 SUL, destruirão o equilíbrio ecológico de toda a região, afetando o mar territorial da União. Tais obras estão intimamente interligadas, não só pelo elevado impacto ambiental que provocarão, mas também porque o local visado para
a instalação do Empreendimento Hoteleiro-Imobiliário réu está inserido em área que já foi destinada à criação de uma unidade de conservação de proteção integral (exigida para compensar a duplicação da AL-101-SUL), a qual engloba a restinga, a berma litorânea as dunas de toda a região – inclusive as Dunas do Cavalo Russo”, fl. 20, v. 1.
– Rejeita-se a preliminar de intempestividade recursal suscitada pela Barra de São Miguel Empreendimento Imobiliário SPE Ltda., tendo em vista que os embargos declaratórios têm efeito suspensivo sobre a contagem de prazo, ressalvada a hipótese de eles não serem
conhecidos por extemporaneidade.
– Cumpre, primeiramente, esclarecer quais os quesitos a serem respondidos por expert:
a) se há viabilidade ambiental na construção do empreendimento hoteleiro localizado entre a praia do Francês (Município de Marechal Deodoro) e o Município de Barra de São Miguel, notadamente em função dos impactos sobre a fauna da região, aí inclusas várias espécies de tartarugas marinhas, cujos pontos de desova coincidiriam com a localização da obra;
b) se houve descumprimento das Resoluções Normativas nºs 47/2008 e 91/2008 por parte do IMA/AL e do Estado de Alagoas, eis que estes teriam concedido licença prévia para a concepção do projeto do empreendimento vergastado em área que fora destinada à conservação ambiental para compensar os impactos causados pela duplicação da rodovia AL 101-SUL;
c) se o procedimento de licenciamento fora devidamente publicizado, mediante realização de audiências junto à população afetada pela obra;
d) se o Presidente e o Diretor técnico do IMA/AL eram impedidos em sua atuação no processo de licença ambiental, eis que parentes dos mesmos teriam atuado na equipe técnica que elaborou o Estudo Prévio de Impacto Ambiental do empreendimento impugnado;
e) se existe vegetação primária de restinga fixadora de dunas e bermas a ser suprimida pelo Empreendimento da Empresa-Ré;
f) se a supressão da vegetação de restinga (primária e/ou secundária existente na área de Empreendimento (seguida da instalação e operação do Empreendimento) ocasionará erosões marítima e eólica, além de impactos negativos interestaduais ao mar territorial da União, bem como às praias, aos terrenos de marinha, e seus acrescidos. [grifos do MPF]
– O decisório de primeiro grau impugnado nomeou um engenheiro agrônomo, após rechaçar os pedidos ministeriais sucessivos de indicação de três outros órgãos, a saber, a Polícia Federal, a UFAL – Universidade Federal de Alagoas e o ICMBio – Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade.
– Embora algumas atribuições do Decreto nº 23.196/33 possam insinuar que um engenheiro agrônomo poderia, em tese, avaliar o impacto ambiental do empreendimento, a envergadura das obras impõe a nomeação de uma equipe multidisciplinar. Para dar uma ideia precisa da magnitude do negócio: “A área desse estudo de impacto ambiental localiza-se no município de Barra de São Miguel, na rodovia AL-101-sul, em área de expansão urbana. O empreendimento denominado BARRA DE SÃO MIGUEL EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO possui uma área total de 2.249.419,57 m², com 1.463.575,50 m² destinados a unidades de conservação privada onde serão edificados durante o prazo estimado de 10 anos a construção de condomínios residenciais, loteamento, hotel e resort, escola, centro
comercial e campo de golfe de 18 buracos”.
– Como bem salientou o parecer do Ministério Público Federal, na qualidade de fiscal da lei, “nenhuma das atribuições conferidas ao mencionado profissional abrange o trato com a biologia da flora e fauna silvestres ou selvagens (definida na Lei nº 9.605/98, art. 29, § 3º), especialmente marinhas (um dos pontos controversos) e muito menos com a oceanografia e a geografia marinha” (outro ponto também controvertido). Ademais, “sequer há, nos autos, certidão emitida pelo Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (CONFEA) que comprove que o perito particular nomeado possui especialidade concentrada nas áreas referidas…”, fl. 1.792, v. 7.
– Não se está invadindo a seara de livre convencimento do julgador, mas se lhe apontando a necessidade de uma equipe técnica na fase probatória de uma ação civil pública, movida para a defesa do meio ambiente, mantendo intangível o seu poder-dever de nomear aqueles
de sua confiança, seja sob o prisma do conhecimento científico, seja sob o prisma da neutralidade.
– Para evitar uma possível oposição de embargos declaratórios, frisa-se não ter relevância qualquer questionamento quanto à competência ou parcialidade dos órgãos outrora apontados pelo MPF para a realização da perícia – a Polícia Federal, a UFAL e o ICMBio, considerando que o pedido efetivamente constante no agravo é o de nomeação de qualquer outra entidade, pública ou privada. Remetesse à alíneae dos pedidos, fl. 12v, v. 1.
– No tocante ao adiantamento dos honorários periciais pelo MPF, diante da dicção do art. 18 da Lei nº 7.347/85, não se pode exigi-la:
“Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais”.
Aliás, esse entendimento restou consagrado em sede de embargos de divergência no Recurso Especial nº 733.456/SP, guiando-se pelo princípio da especialidade para, expressamente, declarar inaplicáveis os arts. 27 e 33 do CPC, além do art. 10 da Lei nº 9.289/66. Precedente: EREsp 733456/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010, DJe29/04/2011.
– Registra-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal tem acolhido reclamação contra decisórios a impor essa obrigação de adiantamento pelo autor, com base no Verbete nº 10 da Súmula Vinculante do Supremo, pertinente à reserva de plenário para declaração de inconstitucionalidade de norma jurídica. Cita-se, por exemplo, liminar monocrática deferida pelo ilustre Ministro Marco Aurélio em Medida Cautelar na Reclamação nº 11.951/RS, de 3 (três) de setembro de 2011.
– O art. 13 da Lei nº 7.347/85 determinou a criação de um fundo reparatório de danos ambientais. No nível federal, veio à tona o Decreto 1.306/94, a regulamentar o Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
– O desiderato desta ação civil pública consiste justamente em proibir, suspender e desfazer empreendimento imobiliário de grande porte para fins de proteção de vegetação de restinga fixadora de dunas e bermas em região localizada entre a praia do Francês (Marechal-Deodoro) e a Barra de São Miguel. Nessa óptica, na essência, a tutela almejada pelo Parquet abarca o próprio objetivo reparatório. Assim, teleologicamente, pode-se autorizar a utilização de recursos de tal Fundo, mesmo porque o espírito a nortear a tutela do meio ambiente é o da prevenção, é o da intangibilidade da natureza, cujo longo decorrer dos tempos lhe garantiu a exuberância hoje por nós usufruída e que ansiamos garantir para as futuras gerações. De forma coerente, aliás, deve-se evitar, na medida do razoável, a concretização de uma realidade danosa cuja reversão, se e quando possível, constituiria tarefa árdua e complexa. Precedente: RMS 30.812/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/03/2010, DJe 18/03/2010.
– Revogação da nomeação de RUDSON SARMENTO MAIA, CREA 2.901-D, como perito na Ação Civil Pública nº 0003884-68.2010.4.05.8000, de modo a oportunizar a indicação, por parte do douto Magistrado de primeiro grau, de uma entidade pública comprovadamente capacitada para o mister e estranha à lide.
– Declaração no sentido de que o eventual adiantamento dos honorários periciais sejam arcados pelo Fundo de Defesa de Direitos Difusos, regido pelo Decreto 1.306/94.
– As demais alegações, de natureza meritória, não hão de ser conhecidas, por extrapolarem os limites do decisório monocrático e em reverência ao princípio do juiz natural.
– Agravo de instrumento provido
TRF da 5a Região, 1a T., v.u., AI 124.835-AL (Proc. 0005322-05.2012.4.05.0000), rl. Des. Fed. José Maria Lucena, j. em 06/12/2012, DJe 14/12/2012.