terça-feira , 23 abril 2024
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Supermercados devem informar origem e espécie do cação vendido em seus estabelecimentos

A 9ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) determinou que as empresas Carrefour, WMS (Walmart), Leardini Pescados, Calombé e Jahu informem nas embalagens de postas e filés de cação que comercializam o nome da espécie e sua procedência. A sentença, da juíza Clarides Rahmeier, foi publicada na sexta-feira (26/2).

A ação, de autoria do Instituto Justiça Ambiental (IJA), também foi ajuizada contra a Fundação Estadual de Proteção Ambiental do RS (Fepam), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a União. Segundo o autor, os produtos vendidos nos estabelecimentos réus não atenderiam às determinações do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O IJA alega que a omissão de informações relativas à espécie e à origem do peixe ofenderia a liberdade de escolha do cliente. Sem o devido esclarecimento, afirma, o comprador não teria condições de decidir sobre a aquisição ou não de uma mercadoria que poderia ser produzida de forma contrária às normas ambientais vigentes.

Contestação

O Walmart contestou alegando que o requerido extrapolaria os limites do dever de informar, sugerindo que esse tipo de explicação não seria relevante nas relações de consumo. Já o Carrefour sustentou que os dados já disponibilizados seriam suficientes e que o acréscimo de outros elementos poderia confundir a população.

Os frigoríficos Calombé e Jahu asseguraram já estarem atendendo às exigências da legislação em vigor, indicando nos rótulos a origem do peixe comercializado. Argumentaram que outras demandas serias excessivas, abusivas e sem base legal. A empresa de pescados, por sua vez, pontuou que os envólucros de itens vendidos nos países signatários do Mercosul seriam uniformes, não cabendo alteração sem regulamentação específica.

Dever de informação

Ao analisar o caso, a magistrada destacou que a situação jurídica discutida no processo envolveria uma relação de consumo permeada por uma questão de fundo ambiental. Segundo ela, as próprias rés teriam indicado que a espécie de cação comercializada seria a Prionace glauca, popularmente conhecida como tubarão ou cação azul. Muito explorado na pesca oceânica mundial, o tubarão azul teria aumentadas suas chances de sobre-explotação e futura extinção.

Ela também ressaltou que o princípio da precaução ambiental deveria ser observado não apenas pelas instâncias estatais, mas também no dia a dia do cidadão, que precisa estar ciente das consequências de suas ações para a presente e as futuras gerações. A partir dessa perspectiva, o uso do nome científico do animal nas embalagens não desempenharia função meramente acessória.

“Desse modo, o que se visualiza, em parte a curto e em parte a longo prazo, é que a sociedade civil passa a ter papel relevante no controle das políticas de proteção ao meio ambiente, o que se dá tanto pelas vias da esfera pública quanto pelas vias da esfera privada. Em suma, a atenção às possibilidades de danos graves ao meio ambiente passa a ser capilarizada para toda a sociedade, conferindo ao indivíduo, em sua esfera de atuação, papel também importante em matéria de proteção ambiental”, concluiu.

Clarides julgou parcialmente procedente a ação e determinou que as empresas rés alterem os envólucros das postas e filés de cação para informar os nomes vulgar e científico do pescado, bem como sua procedência. O cumprimento deve ser imediato, embora tenha sido concedido prazo de 20 dias para as adequações. Pela decisão, a União deve admitir as modificações determinadas.

A juíza ainda sentenciou ação cautelar que tratava da exibição de documentos referentes aos produtos comercializados pelas demandadas. Ela considerou suficientes aqueles apresentados durante a instrução processual. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Ações civis públicas nsº 5019317-04.2011.4.04.7100 e 5026579-05.2011.4.04.7100


Fonte: Notícias JFRS, 29.02.2016.

Abaixo, transcrevemos a íntegra da sentença referente à notícia:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5026579-05.2011.4.04.7100/RS

AUTOR: INSTITUTO JUSTIÇA AMBIENTAL

ADVOGADO: CRISTIANO DE SOUZA LIMA PACHECO

AUTOR: UNIÃO PROTETORA DO AMBIENTE NATURAL – UPAN

ADVOGADO: CRISTIANO DE SOUZA LIMA PACHECO

RÉU: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA

RÉU: FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUÍS ROESSLER – FEPAM

ADVOGADO: PAULO RÉGIS ROSA DA SILVA

RÉU: CARREFOUR COMERCIO E INDUSTRIA LTDA

ADVOGADO: SERGIO MIRISOLA SODA

RÉU: WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA.

ADVOGADO: RODRIGO MUSSOI MOREIRA

RÉU: UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

RÉU: FRIGORIFICO JAHU LTDA

ADVOGADO: EDUARDO AQUINO ARGIMON

ADVOGADO: EDUARDO PAIVA MICHELON

RÉU: FRIGORÍFICO CALOMBÉ INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

ADVOGADO: EDUARDO AQUINO ARGIMON

ADVOGADO: EDUARDO PAIVA MICHELON

RÉU: LEARDINI PESCADOS LTDA (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL)

ADVOGADO: MICHELE TOMAZONI

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

SENTENÇA

Sentença conjunta. Julgamento concomitante dos processos de nº 5019317-04.2011.4.04.7100 e de nº 5026579-05.2011.4.04.7100.

Relatório. Ação cautelar exibitória de documentos nº 5019317-04.2011.4.04.7100. Inicial. O Instituto Justiça Ambiental ingressou com ação cautelar exibitória de documentos contra WMS Supermercados do Brasil (Walmart Brasil) e Carrefour Comércio e Indústria Ltda., para o fim de que fossem disponibilizados documentos que comprovassem a origem dos filés de cação vendidos nos estabelecimentos comerciais das rés.

O autor informou que, por meio de um voluntário, comprou filés e postas de cação nos estabelecimentos das rés, tendo verificado que as embalagens não atenderiam às determinações legais do Código de Defesa do Consumidor, no tocante a esclarecer a seus clientes aspectos quanto à origem do produto, além de informações adicionais sobre a sua procedência.

Afirmou que, em 25jul.2011, efetuou a compra de um pacote de filés de cação da marca Frescatto no estabelecimento da rede Walmart situado na Rua Carazinho, 788, bairro Petrópolis, em Porto Alegre/RS, sendo que não haveria, na embalagem, informações quanto à espécie de cação vendido ou quanto à origem do produto. Afirmou, também, que o produto comprado no estabelecimento da rede Carrefour também não apresentou, com clareza, todos os dados necessários para identificar aspectos referentes ao beneficiamento e à industrialização dos cações.

Alegou o autor, assim, que não há informação quanto à espécie de cação vendida (se inclusa ou não no Anexo I da lista de tubarões em extinção da IN nº 05 do MMA), de maneira que haveria sério risco de propaganda enganosa por omissão, “já que o consumidor, hipossuficiente, tende a acreditar que o supermercado respeita as normas e legislação ambiental vigentes, e que o estabelecimento não venderia de forma alguma animais (cações) em extinção”. Citou o Código de Defesa do Consumidor e, em especial, o art. 6º, que apresenta como direitos do consumidor a liberdade de escolha, a informação adequada e clara sobre os produtos, a especificação correta de suas quantidades, características e qualidades etc. Mencionou, ainda, os §§ 2º e 3º do art. 37 do CDC, dispondo que é considerada abusiva a publicidade que desrespeite valores ambientais, sendo que é enganosa por omissão a publicidade que deixa de informar dado essencial sobre o produto. O consumidor, nessa linha de raciocínio, teria direito a saber a condição do produto disponibilizado no mercado, na medida em que a consciência ambiental já apontaria para o fato de que as populações de tubarões estão diminuindo significativamente.

O autor alegou que tentou, sem sucesso, buscar informações junto às rés, enviando ofícios com a finalidade de obter os dados quanto aos produtos disponibilizados nos supermercados.

Esta foi a argumentação central do autor, a embasar o respectivo pedido na ação cautelar:

Ocorre que, sem constar a origem de forma expressa nas embalagens dos cações comercializados em Porto Alegre pelo Wal Mart e Carrefour, não há como os consumidores conhecerem a origem dos filés de cação, se irregular ou ilegal, se de acordo com o Código do Consumidor, ou ainda se estes cações que estão sendo vendidos estão ou não inclusos na lista de extinção da Instrução Normativa nº 05 do Ministério do Meio Ambiente. Os consumidores também têm o direito de – ao optar pela compra ou não – conhecer a origem da cadeia produtiva dos cações, para que tenham certeza que os filés de cação vendidos nos supermercados objeto não são, por exemplo, provenientes do finning (extração ilegal das barbatanas e descarte do animal vivo ao mar, agonizante), ou de origem ilegal (desatendimento à IN 05 MMA). A cruel, imoral e ilegal modalidade do finning é amplamente praticada no Brasil e o caso já foi denunciado pelo Instituto Justiça Ambiental (IJA), ora autor, em âmbito nacional e internacional, por meio de ação judicial pioneira no país.

Sem a requerida informação ora pleiteada Exmo. Magistrado, não há como verificar a origem dos filés de cação, conforme determina o CDC.

O que pretende o demandante é que as rés apresentem todos os documentos referentes à origem, qualidade, espécies e procedência dos cações (elasmobrânquios) comercializados nos balcões das demandadas, nos endereços dos respectivos estabelecimentos citados, por entender o instituto demandante ser de grande pertinência e de pleno direito em favor dos consumidores, já que naqueles referidos estabelecimentos os filés de cação à venda não satisfazem a obrigação de informação contida no art. 6º do CDC.

O autor referiu o art. 225 da Constituição da República, o art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, a L 7.347/1985, e os arts. 355 e 844 do CPC. Frisou que os documentos em questão encontrar-se-iam unicamente em poder das rés, visto que elas coordenam e executam a atividade de compra, venda e distribuição dos filés de cação em seus estabelecimentos, de maneira que elas escolheriam seus fornecedores, conhecendo e responsabilizando-se pelas escolhas. Nessa linha de argumentação, requereu a inversão do ônus da prova, inversão que pleiteou fosse estabelecida desde a primeira decisão.

Em sede de cautelar, requereu o autor, então, a concessão de medida para que fossem exibidos os documentos pleiteados, possibilitando-se a obtenção de informações sobre origem e procedência dos filés de cações comercializados, com vistas a futuros encaminhamentos cabíveis. Pediu, em suma, a exibição dos seguintes documentos:

1.1) Cópia das notas fiscais da última compra de cada mês, no transcurso compreendido entre 30/04/09 a 30/04/11, referentes às compras de cações efetuadas por ambas as rés neste período; diante de eventual impossibilidade em anexar as notas fiscais – o que faz o autor a título de argumentação – indiquem as rés os nomes das empresas fornecedoras desta mercadoria nos dois (2) últimos anos, no período acima indicado;

1.2) A indicação e comprovação legal e do método (técnica) de verificação de regularidade adotado por ambas empresas rés quanto a garantia de que a os cações, ou filés de cações comprados pelas mesmas, não se tratam de espécies de cação em extinção arrolados no Anexo I da Instrução Normativa nº 05 do Ministério do Meio Ambiente, ou seja, que as demandadas apresentem cópia dos documentos que atestem a espécie de cação comercializada em seus estabelecimentos e a respectiva regularidade ambiental e legal desta mercadoria;

1.3) A juntada de documentos que comprovem o cumprimento da Resolução 121-N do Ibama, assim como a juntada dos relatórios respectivos, ou, alternativamente, a juntada de documentos que comprovem que os filés de cação vendidos nos estabelecimentos das rés não são provenientes da prática do finning (extração das barbatanas dos tubarões).

1.4) Pelo deferimento das liminares acima, seja determinado por V. Exa., em caso de descumprimento da ordem, a aplicação de multa diária pelo descumprimento do mandamus, na razão que entender conveniente V. Exa. e que produza efeito coercitivo;

Requereu o autor, no mérito, que a cautelar fosse julgada procedente, determinando a obrigação de fazer às rés, para exibirem todos os documentos requeridos, sob pena de multa diária pelo descumprimento.

Em anexo à inicial, o autor juntou a primeira página do estatuto da associação autora, Instituto Justiça Ambiental (doc. ESTATUTO2 do ev. 1), a relação dos componentes do conselho diretor e da diretoria executiva do instituto (doc. ATA3 do ev. 1), a íntegra da Instrução Normativa nº 5, de 21 de maio de 2004, do Ministério do Meio Ambiente (doc. INSTNORM4 do ev. 1), a cópia da nota fiscal emitida por WMS Supermercados do Brasil Ltda. que evidencia compra de filé de cação – “FILE CACAO CONG FRESCATTO” (doc. NFISCAL6 do ev. 1), a procuração (doc. PROC7 do ev. 1), os avisos de recebimento referentes aos ofícios enviados ao Presidente do Walmart Brasil e ao Diretor-Presidente no Brasil do Carrefour Comércio e Indústria Ltda. (doc. AR8 do ev. 1), a cópia da nota fiscal emitida por Carrefour Comércio e Indústria Ltda. que evidencia compra de posta de cação – “CACAO POSTA” (doc. NFISCAL9 do ev. 1), e a cópia de ofício destinado ao Presidente do Walmart do Brasil (doc. OFIC10 do ev. 1).

Petições. O autor requereu, subsequentemente à inicial, a exclusão do IBAMA como réu nesta ação (doc. PET1 do ev. 3).

Após, ainda, juntou cópias das embalagens de cação em posta mencionadas na inicial (docs. OUT2, OUT3 e OUT4 do ev. 4), nas quais se verifica “filé de peixe congelado (cação)”, “filé de peixe congelado (cação)” e “peixe congelado – ‘cação’ – em postas”.

Emenda à inicial. Em momento posterior, por meio de emenda à inicial (doc. EMENDAINIC1 do ev. 5), o autor requereu a inclusão do IBAMA no polo passivo, alegando que a autarquia teria atuação relevante no que diz respeito à proteção de “cações e tubarões em risco de extinção, sobre-explotados ou ameaçados de sobre-explotação”. Ademais, a responsabilidade doIBAMA seria consequência da própria expedição de sua Portaria nº 121-N, que trata da captura desses animais. Em suma, o autor requereu a inclusão da autarquia, “tendo em vista a obrigatoriedade legal e a participação no processo de fiscalização da captura, distribuição e autorização da comercialização de cações e tubarões dentro da cadeia de consumo até os supermercados”.

O autor requereu, ainda, a inclusão da FEPAM no polo passivo, alegando que haveria competência concorrente para atuar na fiscalização da captura, da industrialização e da comercialização de cações e tubarões.

Decisão. A decisão do ev. 5 recebeu a emenda à inicial, fazendo-se cadastrar os requeridos. Designou, ainda, audiência para tentativa de composição da lide. A decisão do ev. 19 determinou a intimação do MPF para a audiência designada.

Audiência. Na solenidade, restou acordado que as empresas demandadas fariam a juntada dos documentos requeridos no item 1.1 da inicial, bem como indicariam os fornecedores dos produtos que constituem o objeto da ação, para que, futuramente, esses também integrassem a lide. Designou-se, desde aquele momento, data de nova audiência.

O IBAMA requereu o ingresso no polo ativo, o que foi deferido pelo Juízo, restando prejudicada a sua posição no polo passivo da ação.

Determinou-se, ainda, remessa dos autos ao MPF, em momento posterior, para ciência da transcrição das manifestações em audiência, além de conclusão posterior, para análise de requerimentos e para determinar o prosseguimento do processo.

Termo de transcrição. A transcrição das manifestações em audiência foi juntada (doc. TERMOTRANSCDEP7 do ev. 28).

Petição da ré WMS Supermercados do Brasil. A ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. apresentou procuração e carta de preposto (ev. 29). Apresentou, ademais, as notas fiscais relativas à compra dos produtos em questão, em atendimento ao determinado na audiência, e indicou o nome de seu fornecedor de pescados, Frigorífico Jahú Ltda. (ev. 30 e ev. 31).

O autor, por sua vez, informou alteração do conselho diretor do Instituto de Justiça Ambiental (ev. 32).

Petição da FEPAM. A FEPAM requereu a exclusão da lide, alegando que é ilegítima para integrar o polo passivo, já que não deteria competência atinente à matéria discutida nos autos (ev. 33).

Manifestação do MPF. Com vista acerca do termo de transcrição, o MPF apontou falhas que mereceriam, segundo seu entendimento, revisão (ev. 42).

Petição da ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. A ré WMS Supermercados do Brasil Ltda., em nova petição, informou que o seu fornecedor de pescados, Frigorífico Jahú Ltda., proprietário da marca Frescatto, também forneceria produtos à Companhia Zaffari de Supermercados, “utilizando-se do mesmo padrão de embalagem e informações”, conforme a documentação que anexou (ev. 44) – “Filé de Cação Congelado Frescatto” (doc. OUT3 do ev. 44) e “Lombo de Cação Sem Pele Congelado Frescatto” (doc. OUT4 do ev. 44).

Petição da FEPAM. A FEPAM reiterou o requerimento de sua exclusão da lide (ev. 47).

Audiência. Em nova audiência, em razão do não comparecimento da empresa ré Carrefour, o Juízo determinou que esta informasse, no prazo de vinte dias, o nome de seu atual procurador. Determinou, ainda, a conclusão do processo, após as diligências de transcrição das manifestações na solenidade, e de vista ao MPF (ev. 52).

Petição do autor IJA. O autor IJA requereu fossem determinados e reconhecidos os efeitos da preclusão contra a ré Carrefour, extinguindo (sic) o direito de produzir as provas já requeridas na audiência ocorrida em 20jun.2011, já que teria tido prazo “bastante razoável para que uma empresa deste porte colha informações sobre si mesma e sua cadeia produtiva” (ev. 53). No que tange à ré Walmart, afirmou que não houve qualquer informação nova trazida ao Juízo, tendo ocorrido omissões quanto à venda de cação de outra origem que não o Frigorífico Jahú. Requereu, também, que a audiência realizada fosse “anulada e cancelada”, com designação de nova data, tendo em vista a ausência do MPF à solenidade. Juntou o autor, ainda, encarte de publicidade do Supermercado BIG, em que se verifica anúncio de “Filé de Cação Buona Pesca” (doc. FOTO1 do ev. 53).

Petição da ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. A ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. informou as marcas de cação comercializadas em suas lojas (ev. 55):

– Marca: New Fish. Fornecedor: Oro Azul S/A (Uruguay);

– Marca: Buona Pesca. Fornecedor: Frigorífico Jahu Ltda;

– Marca: Krios. Fornecedor: Galtony S/A (Uruguay).

Esclareceu que não estaria mais adquirindo o produto da marca New Fish, mas que algumas lojas ainda venderiam este produto, em razão de existirem estoques ainda não comercializados.

Termo de transcrição de depoimento. O termo de transcrição das manifestações da segunda audiência foi juntado ao ev. 56 (doc. TERMOTRANSCDEP1 do ev. 56).

Petições do autor IJA. O autor requereu, na petição do ev. 57, a apreciação dos pedidos liminares, a inclusão de Frigorífico Jahú Ltda., Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. e Leardini Pescados Ltda. – Entreposto de Pescado. Requereu, ainda, a inclusão das empresas Oro Azul S/A e Galtony S/A, ambas do Uruguai, no polo passivo da demanda, com a expedição de carta rogatória. Requereu, por fim, aplicação de multa por litigância de má-fé contra a ré Walmart, “diante da forma desleal e procrastinatória com que vem conduzindo a presente ação civil pública, causando atravancamento do feito em prejuízo do meio ambiente e da sociedade.”.

Em petição subsequente (do ev. 58), o autor impugnou trechos do termo de transcrição.

Em mais uma petição (ev. 61), requereu aplicação de multa diária contra as rés, por desatendimento da determinação de apresentação de documentos, como acordado em audiência, no prazo de vinte dias.

Petição da ré Carrefour. A ré Carrefour informou a constituição dos advogados signatários da petição do ev. 65.

Decisão. A decisão do ev. 66 indeferiu o pedido da FEPAM de exclusão da lide por ilegitimidade passiva. Ademais, concedeu prazo de cinco dias ao MPF, para apresentação de impugnação detalhada e específica dos trechos a corrigir da transcrição. Não conheceu do pedido de anulação da audiência em razão da ausência do MPF ao ato, não conheceu do pedido de preclusão para produção de provas. Sobre a impugnação do autor ao termo de transcrição da audiência, reproduziu o decidido quanto à impugnação manejada pelo MPF. Determinou a intimação da ré Walmart Brasil acerca do pedido de aplicação de litigância de má-fé postulado pelo autor. Designou, por último, audiência de tentativa de prosseguimento consensual do feito.

Petição do autor IJA. O autor requereu a reconsideração da decisão, para reconhecer os efeitos da preclusão arguidos relativamente à produção de provas (ev. 75).

Manifestação do MPF. O MPF ratificou o requerimento quanto à necessidade de revisão do áudio, com a respectiva correção da transcrição (ev. 78).

Petição da ré Walmart. A ré Walmart afirmou que não houve deferimento de liminar no processo, que não houve intimação da parte acerca de eventual fixação de pena por descumprimento de decisão judicial, que não é cabível a retroatividade da imposição de astreintes, que houve o atendimento de todas as determinações constantes do processo até o momento e que, portanto, seria inviável a imposição de multa por descumprimento de liminar (ev. 81).

Petição do autor IJA. O autor IJA juntou cópia de réplica protocolada nos autos principais, em apenso, tendo em vista que teria informações importantes acerca do demandante (ev. 87).

Petição da UPAN. A União Protetora do Ambiente Natural – UPAN requereu o ingresso na ação, na condição de coautora na ação civil pública (ev. 89). Informou ter como advogado o mesmo procurador do Instituto de Justiça Ambiental.

Petição da FEPAM. A FEPAM informou a interposição do recurso de agravo de instrumento no TRF4, no qual requereu a sua exclusão do polo passivo da demanda (ev. 90).

Audiência. Em audiência (ev. 91), acerca do pedido de reconsideração formulado pelo autor, no que diz respeito à alegada preclusão do prazo para a empresa ré Carrefour requerer provas, o Juízo reportou-se aos fundamentos esposados em decisão anterior. Quando à aplicação de multa à ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. por litigância de má-fé, o requerimento foi indeferido. Sobre a manifestação do MPF quanto à transcrição da audiência anteriormente realizada, foram acolhidas as correções apresentadas pelo MPF. Diante dos requerimentos de ingresso no polo ativo, o Juízo deferiu a inclusão do Instituto Piracema (requerimento feito na própria audiência) e da UPAN na demanda. Diante do requerimento do autor IJA para que a Uniãoingressasse no polo passivo, foi deferida a sua inclusão. Ademais, foi deferido o ingresso das empresas Frigorífico Jahu Ltda., Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda., Leardini Pescados Ltda. – Entreposto de Pescado no polo passivo da ação.

Petição do Instituto Piracema. O Instituto Piracema – Direitos Fundamentais, Ambiente e Biotecnologias requereu sua inclusão na demanda como litisconsorte ativo (ev. 93), o que já fora deferido.

Petição do autor IJA. O autor IJA interpôs agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu a aplicação de litigância de má-fé contra a ré Walmart do Brasil (ev. 95). O agravo de instrumento foi convertido em agravo retido (ev. 96).

Julgamento do agravo de instrumento interposto pela FEPAM. O TRF4 deu provimento ao agravo de instrumento interposto pela FEPAM, para excluí-la do polo passivo da demanda, por não possuir competência para fiscalizar mar territorial (ev. 98).

Termo de transcrição. O termo de transcrição das manifestações da audiência foi juntado ao ev. 99 (TERMOTRANSCDEP1 do ev. 99).

Citações. A União Federal – Advocacia Geral da União foi citada (ev. 103). Foram expedidas cartas precatórias para a citação de Leardini Pescados Ltda. – Entreposto de Pescado (ev. 105) e Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. e Frigorífico Jahú Ltda. (ev. 106). Expediu-se mandado de citação para a ré Carrefour Comércio e Indústria Ltda. (ev. 119) e para a ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. (ev. 120).

Decisão. A decisão do ev. 107 determinou a exclusão da FEPAM do polo passivo da ação, nos termos de decisão proferida pelo TRF4, no julgamento de agravo de instrumento. Determinou, ainda, a intimação das partes e do MPF, para ciência dos termos da última transcrição e para eventuais impugnações.

Citação. A ré WMS Supermercados do Brasil foi citada (ev. 126).

Citação. A ré Carrefour foi citada (ev. 129).

Contestação da ré WMS Supermercados do Brasil. A ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. contestou (ev. 132).

Quanto ao pedido 1.1 da petição inicial, informou que anexou a documentação pleiteada, bem como o nome das empresas fornecedoras de cação à loja da requerida nominada na inicial. Alegou, ainda, o seguinte:

Note-se que o requerimento formulado pela parte adversa era alternativo, deixando à demandada a oportunidade de escolher entre a juntada dos documentos ou a indicação do nome das empresas fornecedoras, o que foi feito nos eventos 31 e 55.

Tendo indicado o nome das empresas, ainda que possa argumentar que os documentos estejam ilegíveis ou incompletos, o que se admite apenas para argumentar, a pretensão estará cumprida diante de seu caráter alternativo.

Sendo assim, o pedido formulado no item “1.1” perdeu seu objeto, devendo a demanda ser extinta neste sentido.

Quanto ao pedido 1.2 da petição inicial, alegou desconhecer qualquer legislação aplicável à empresa, que imponha um método de verificação da regularidade do pescado adquirido ou mesmo que estipule a forma de verificação dessa circunstância. Afirmou que tem o costume de adquirir produtos apenas de empresas idôneas, regularmente estabelecidas e verificadas pelas autoridades competentes:

Dentre as providências que costumeiramente adota, a contestante faz a verificação do tratamento administrativo e órgãos anuentes, verifica a rotulagem do produto com o requerimento ao MAPA para anuência de LI junto ao MAPA de Porto Alegre – Mapa POA defere a LI com base na rotulagem protocolada no MAPA de Brasília (DIPOA) e vistoria da mercadoria em fronteira pelo MAPA.

Ou seja, a contestante verifica a idoneidade (fiscal, comercial e técnica) do vendedor e a origem do produto.

Entende a requerida que, estando a empresa fornecedora regularmente estabelecida, em pleno funcionamento, e sob intensa fiscalização dos órgãos federais, estaduais e municipais, conforme a competência de cada um e tendo o produto origem adequada, o comerciante que lhe entrega o produto cumpre a legislação pátria, respeitando o meio ambiente.

Por certo, não estivessem estas empresas respeitando as normatizações a elas aplicáveis, inclusive no que concerne ao meio ambiente, por certo não estariam mais em atividade no comércio.

Por fim, em anexo, apresenta documentação comprobatória da regularidade do produto adquirido em atendimento ao disposto no pedido “1.2”.

Dessa forma, entende a requerida estar atendido o pleito estampado no pedido em comento.

No que diz respeito ao pedido 1.3, referente à comprovação de que houve o cumprimento da Portaria 121-N, do IBAMA, ou, alternativamente, de que os filés de cação comercializados não são provenientes da prática de “finning”, esclareceu que não se enquadraria na referida legislação, uma vez que “não exerce atividade de pesca, de transporte de pesca, de desembarque de pesca, de venda de barbatanas, ou de qualquer outra atividade comercial” mencionada na portaria. A contestante, nesse sentido, afirmou que adquiria produtos “apenas de empresas legalmente estabelecidas e comprovadamente fiscalizadas”.

A ré apontou, também, para a impossibilidade da prova diabólica. Observou ser impossível a incidência de multa por descumprimento em ação de exibição de documentos, assim como inviável a condenação da requerida em honorários de advogado.

Contestação da União Federal. Em contestação (ev. 134), a União alegou que a ação diz respeito à observância de normas de direito do consumidor, matéria que seria afeta à Justiça Estadual. Reproduziu argumento do IBAMA, quanto ao fato de que “a colocação de entes públicos no polo passivo da presente ação é uma estratégia da associação autora para obter guarida na Justiça Federal”. Assim, a União requereu que se configurasse a sua ilegitimidade passiva, com a declinação de competência para a Justiça Estadual.

Contestação da ré Carrefour Comércio e Indústria Ltda. A empresa ré Carrefour contestou a demanda (ev. 135).

Afirmou a ilegitimidade ativa do autor IJA, já que, juntada apenas a primeira folha de seu estatuto, não haveria comprovação da constituição por prazo mínimo de um ano, resultando em ilegitimidade, nos termos da L 7.347/1985. Ademais, a finalidade do IJA não contemplaria questões atinentes à proteção do direito do consumidor, mas, apenas, à preservação do meio ambiente: “promover e difundir a proteção do meio ambiente em favor da coletividade e das futuras gerações, por meio de iniciativas que envolvam a discussão, conscientização, educação, capacitação, proposição de alteração de leis e outras normas ambientais, bem como proposição de demandas judiciais e extrajudiciais”. Dessa forma, requereu o reconhecimento da ilegitimidade ativa do IJA.

Sustentou a ré, também, que há irregularidade na representação processual do IJA, porque este deixou de juntar a “íntegra de sua constituição social”. Requereu que a entidade autora fosse intimada para regularizar a representação, sob pena de, em caso de descumprimento, ser indeferida a petição inicial.

No que diz respeito ao mérito, esclareceu que o Carrefour adquiriu esta mercadoria por meio de importação, sendo os produtos oriundos do Uruguai e da China. Informou que os produtos são adquiridos de modo regular, inclusive com o registro junto ao Ministério da Agricultura, com certificação do Serviço de Inspeção Federal. Alegou que as embalagens dos produtos cumprem todos os requisitos exigidos pelas regras de Direito do Consumidor, com informações acerca da procedência do produto, de suas condições de conservação, validade, origem e demais características.

Mencionou, também, que as mercadorias adquiridas são da espécie Prionace glauca, que não estaria incluída no rol de espécies ameaçadas de extinção, nos termos da Instrução Normativa nº 5 do Ministério do Meio Ambiente (a espécie estaria no rol de espécies ameaçadas de sobre-explotação). Desse modo, a ré estaria a cumprir os requisitos pleiteados pelo autor (“apontando a espécie comercializada, bem como sua origem, além de comprovar estes fatos, através dos certificados de importação e de origem das mercadorias adquiridas”).

A ré Carrefour também afirmou inaplicável a Portaria 121-N do IBAMA, já que não exerce qualquer atividade de pesca, de transporte de pesca, de beneficiamento e/ou de industrialização de quaisquer espécies de peixes, não estando submetida a esse regramento. Ademais, não seria possível atribuir ao Carrefour o ônus de comprovar que não exerce as atividades alegadas pelo autor na inicial, tornando-se inviável a prova negativa.

No que tange à aplicação de multa diária, sustentou que seria incabível a sua aplicação, no caso de demanda de exibição de documentos. Citou precedentes nesse sentido. Por último, quanto à condenação em honorários de advogado, afirmou que esta só pode ocorrer, no caso de ação civil pública, em situação de comprovada litigância de má-fé, o que não se configuraria no caso.

O Carrefour requereu, em suma, que fosse acolhida a ilegitimidade ativa do autor, indeferida a inicial (caso a autora não regularize sua representação processual), reconhecida a inaplicabilidade da Portaria 121-N do IBAMA ao Carrefour, com a demanda sendo julgada improcedente.

Juntou Certificado Sanitário da “Direccion Nacional de Recursos Acuaticos – Uruguay” (doc. OUT3 do ev. 135), relativo aos produtos de pesca destinados a consumo humano (postas de cação azul) a comercializarem-se com a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Chile e a República Oriental do Uruguai, com data de 7fev.2011 (com destino a Full Comex Importação e Exportação Ltda., Itajaí/SC). Juntou outro Certificado Sanitário de mesma natureza (doc. OUT4 do ev. 135). Anexou, também, certificado de origem de produto (de tubarão azul, “blue shark”) de Taiwan (doc. OUT5 do ev. 135). Juntou fatura da empresa Galtony S.A. com descrição do produto “cação azul congelado em postas sem pele” (cujo importador é Full comex Importação e Exportação Ltda.), com data de 28out.2010 (doc. OUT6 do ev. 135), além de outra fatura semelhante, datada de 18nov.2010 (doc. OUT7 do ev. 135). Juntou Certificado de Origem do MERCOSUL (doc. OUT8 do ev. 135), Certificado de Exportação de Produtos Animais (tubarão azul) de Taiwan (doc. OUT9 do ev. 135), cópia da Instrução Normativa nº 5 do Ministério do Meio Ambiente (doc. OUT10 do ev. 135).

Citações. Foram citados Frigorífico Jahú Ltda. e Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda., por meio de precatória (ev. 137).

Contestação conjunta. Frigorífico Jahú Ltda. e Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. contestaram em conjunto (ev. 138).

Sustentaram a ilegitimidade ativa do autor, na medida em que não há provas de que o instituto restava constituído há pelo menos um ano, como exige o art. 5º da L 7.347/1985. Ademais, não estaria, entre as finalidades descritas no estatuto social do instituto IJA, a proteção ao direito do consumidor.

Os réus também alegaram irregularidade da representação processual, já que há apenas uma lauda do estatuto social do IJA, restando inviável a verificação de sua regularidade processual.

Quanto ao mérito, o Frigorífico Calombé afirmou figurar erroneamente na demanda, já que “não comercializa os produtos cuja espécie e procedência estão sendo questionados nesta demanda, assim como não mantém relação comercial de espécie alguma com as redes de supermercados WMS e Carrefour. Alegou que apenas presta serviços ao Frigorífico Jahú – este é que atuaria na importação do pescado, sendo responsável pelo trâmite de nacionalização dos produtos importados (o Frigorífico Calombé apenas procederia à prestação de serviços de armazenagem, manuseio, separação e preparação dos pedidos). Dessa maneira, o Frigorífico Calombé somente seria responsável por parte do processo de industrialização dos filés de cação, os quais ficariam à disposição para o Frigorífico Jahú, para comercialização posterior. Em suma, apenas o Frigorífico Jahú é que seria o fornecedor dos filés de cação que são vendidos nas redes de supermercados WMS e Carrefour.

Por sua vez, também no que tange ao mérito, o Frigorífico Jahú Ltda. afirmou que, de fato, é fornecedor dos filés de cação para as empresas rés WMS e Carrefour. Esclareceu que os filés de cação que fornece aos supermercados referidos são importados da cidade de Kaohsiung, situada em Formosa/Taiwan, sendo que a espécie de cação importado seria o Prionace glauca(cação azul). O Frigorífico Jahú apresentou declaração de sua analista de comércio exterior (doc. DECL10 do ev. 138), a qual informou o processo de importação do cação azul:

Vimos por meio desta explanar o processo realizado para a importação de pescados pelo Frigorífico JAHU LTDA, em particular no que toca os processos de importação da espécie prionace glauca.

Findo o processo de negociação comercial, é dada entrada junto ao Ministério da Agricultura (MAPA) uma solicitação de aprovação de Licença de Importação (LI). Para que esta licença seja aprovada pelo MAPA deve-se apresentar documentação comprobatória de que a indústria produtora da mercadoria está apta a importar conforme aprovação prévia pelo DIPOA.

Recebida a aprovação, o embarque da mercadoria é realizado no exterior, e quando da sua chegada na aduana de destino (Porto de Itaguaí – RJ) é apresentado ao VIGIAGRO do Porto de Itaguaí cópia da documentação de embarque completa (Conhecimento de Embarque, Fatura Comercial, Packing List, Certificado de Origem e Certificado Sanitário), juntamente com cópia da LI aprovada anteriormente.

O VIGIAGRO realiza a verificação física da mercadoria ainda no Porto, e, satisfeita com a qualidade e integridade da mercadoria, defere o processo de importação e emite um Controle para Trânsito de Produtos Importados (CTPI), documento este que acompanhará a carga até a chegada ao SIF de reinspeção utilizado. Somente após este deferimento pode-se seguir com o processo de nacionalização da mercadoria.

É então registrada da Declaração de Importação (DI), quando são pagos os impostos devidos, e a mesma é apresentada para conferencia na Receita Federal. Após a autorização deste órgão, conclui-se o processo junto ao Terminal de Armazenagem e emite-se a nota fiscal de entrada. A mercadoria agora está livre e desembaraçada.

Ela segue até o SIF de reinspeção 1246, Frigorífico Calombé Ind. E Com. Ltda., onde será reinspecionada pelo fiscal responsável, e após a inspeção, liberada para ser manipulada e comercializada.

O Frigorífico Jahú alega, assim, que o processo de importação é regular, que a mercadoria importada é o pescado Prionace glauca (cação azul), que a origem da importação é Taiwan e que a importação é inspecionada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em duas ocasiões (a primeira inspeção é realizada antes da nacionalização dos filés de cação, e a segunda é a realizada dentro do Frigorífico Calombé (prestador de serviços contratado pelo Frigorífico Jahú). Mencionou, também, que o próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento teria chancelado a documentação relativa à importação do produto, liberando-o para a futura comercialização.

A contestação conjunta afirmou que o Frigorífico Calombé não é o fornecedor dos filés de cação para os supermercados WMS e Carrefour, mas, sim, o Frigorífico Jahú, e que a sua importação, oriunda de Taiwan, obedece aos trâmites legais exigidos.

Por fim, os Frigoríficos Calombé e Jahú afirmaram a impossibilidade de arbitramento de multa por descumprimento de ordem judicial em ação de exibição de documentos, sendo inviável a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, não cabendo tal pretensão, na medida em que não configurada conduta de litigância de má-fé.

Por fim, os contestantes pediram que fosse sanado o “vício de representação processual” em relação ao IJA, sendo este “compelido a demonstrar a sua legitimidade”; pediram, também, que fosse declarada a ilegitimidade ativa do autor, e que o Juízo se manifestasse quanto à obrigatoriedade do fornecimento das documentações e informações requeridas, concedendo prazo aos réus, para exibirem os documentos. Por fim, pediram que a ação fosse extinta, sem julgamento de mérito, ou, sucessivamente, julgada improcedente.

Foram juntados documentos a comprovar as alegações (ev. 138) – trigésima quinta alteração de contrato social do Frigorífico Jahú (doc. CONTRSOCIAL3 do ev. 138), vigésima sétima alteração de contrato social do Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. (doc. CONTRSOCIAL4 do ev. 138), contrato de prestação de serviços de armazenagem entre Frigorífico Jahú e Frigorífico Calombé (doc. CONTR5 do ev. 138), notas fiscais (doc. NFISCAL6 e doc. NFISCAL7 do ev. 138), documentos referentes à importação do produto (doc. PROCADM8, doc. PROCADM9 e doc. DECL10 do ev. 138) e documentos relativos à inspeção do produto (doc. PROCADM11 do ev. 138).

Citação. A empresa Leardini Indústria e Comércio de Pescados Ltda. foi citada (ev. 139).

Petições do IJA e da UPAN. O autor IJA requereu audiência de justificação prévia, para oitiva do especialista Dr. Fernando Fernandes Mendonça, com a finalidade de comprovar que animais ameaçados de extinção “estão chegando aos mercados sem que se perceba”, por meio de informações referentes ao DNA das espécies que se encontram ameaçadas (doc. PET2 do ev. 140). Requereu, ainda, a inversão do ônus da prova, a fim de que as rés demonstrem que não deram causa e que não participaram “do fato resultante em dano”. Juntou, também, notícia que comprovaria a afirmação de que é possível a identificação genética como forma de verificar se os animais seriam ou não provenientes de regiões em que ameaçados (doc. OUT1 do ev. 140).

O autor UPAN ratificou o requerimento do IJA (ev. 141).

Ausência de contestação. Certificou-se que a ré Leardini Pescados Ltda. não apresentou contestação nesta cautelar (ev. 144).

Decisão. A decisão do ev. 145 decretou a revelia da ré Leardini Pescados Ltda., com os efeitos processuais daí decorrentes, relegou o exame das preliminares alegadas pelas rés para o momento posterior à apresentação da réplica pelo autor e à manifestação do MPF. Deferiu, ademais, o pedido de oitiva do Dr. Fernando Fernandes Mendonça, designando data para tanto. Determinou, por fim, que a prova fosse realizada nos autos da cautelar, sendo utilizada, também, para instrução dos autos da ação principal.

Audiência. Em razão da ausência do especialista à solenidade, o autor IJA requereu a juntada de documentos que substituiriam a colheita da prova oral. O Juízo determinou vista aos documentos pelas rés e, após, intimação do MPF (ev. 165). Os documentos foram juntados (ev. 166), sendo reproduzidos a seguir alguns trechos de um dos documentos juntados (reportagem da revista Ciência Hoje):

Os números da pesca de elasmobrânquios são considerados irreais em grande parte por conta da demanda asiática pelas nadadeiras. Para sustentar essa procura, muitos pescadores, para obter maiores lucros, retiram apenas as nadadeiras e outras partes cartilaginosas dos tubarões e raias capturados, que são secas e armazenadas para oferta ao comércio, e descartam o resto do corpo dos animais, às vezes com estes ainda vivos. Essa prática, conhecida como finning (fin significa nadadeira, ou barbatana, em inglês) é a principal ameaça à sobrevivência desses peixes. (p. 3 do doc. OUT1 do ev. 166)

[…]

No caso da pesca com a intenção de retirar apenas as nadadeiras dos peixes, prática deplorável e proibida em muitos países, inclusive no Brasil, a dificuldade de identificação das espécies é ainda maior, e a fiscalização da pesca predatória (ou sobrepesca) depende dessa identificação. Uma forma de investigar quais espécies vêm sendo prejudicadas pelo finning e estimar o número de animais de cada espécie capturados nessa prática é identificar os animais por meio de nadadeiras comercializadas ilegalmente e apreendidas por órgãos de fiscalização. Com esse objetivo, o IBAMA colocou à disposição de grupos de pesquisa um lote de cerca de 3,5 toneladas de nadadeiras secas apreendidas. Calcula-se que cada tonelada de nadadeiras secas corresponde a cerca de 16 mil animais mortos. (p. 4 do doc. OUT1 do ev. 166)

[…]

No Brasil, o comércio de nadadeiras de tubarões é regulamentado, sendo o tubarão-azul (Prionace glauca) a espécie mais explorada em todo o mundo para essa finalidade. Os pescadores devem cumprir rigorosos protocolos para comercializar nadadeiras, incluindo a declaração de todas as espécies capturadas. Recentemente, uma inspeção de rotina do IBAMA apreendeu, nas cidades de Belém e Bragança, no Pará, lotes contendo cerca de 8 toneladas de nadadeiras de tubarão, que seriam comercializados na China. (p. 4 do doc. OUT1 do ev. 166)

Ademais, há ofício assinado pelo Dr. Fernando Fernandes Mendonça, pesquisador do Laboratório de Biologia e Genética de Peixes do Instituto de Biociências da UNESP/SP, do qual se extraem estes trechos:

Considerando as mais recentes avaliações globais sobre os estoques pesqueiros marinhos que têm evidenciado expressivos e alarmantes declínios populacionais de diversas espécies de tubarões e raias, colocando-as nas listas de risco eminente de extinção e sendo a atividade pesqueira considerada como a maior causa desta modificação na estruturação populacional destes organismos, buscou-se nestes trabalhos desenvolver metodologias e fornecer subsídios para o controle, certificação e policiamento da exploração pesqueira utilizando tecnologias de DNA.

Ao longo dos últimos oito anos, pesquisadores do Laboratório de Biologia e Genética de Peixes do Instituto de Biociências de Botucatu – Universidade Estadual Paulista, têm buscado o desenvolvimento de metodologias de baixo custo para a identificação das espécies de tubarões e raias exploradas comercialmente no Brasil, utilizando características genéticas. […] (pp. 1 e 2 do doc. OUT2 do ev. 166)

Com o objetivo de avaliar a composição das espécies capturadas e comercializadas nos mercados municipais e em bancas de venda informal de produtos de pesca, procedeu-se à coleta de amostras de tubarões e raias em diversos pontos da costa brasileira. Dentre as avaliações efetuadas destacam-se os resultados obtidos na identificação das espécies conhecidas como raias-viola, comercializadas em grande parte do Brasil apenas sob a denominação genérica “cação”. Em território brasileiro são conhecidas quatro espécies de raias-viola: Rhinobatos horkelli, R. percellens, R. lentijinosus e Zapterix brevirostris. A espécie R. horkelli encontra-se ameaçada de extinção em águas brasileiras e está relacionada no Anexo I da Instrução Normativa 05 de 21 de maio de 2004 do Ministério do Meio Ambiente (IN 05), sendo dada a proibição de sua captura em todos os Estados da União. As demais espécies de raias-viola da costa brasileira não possuem restrição à pesca. (p. 2 do doc. OUT2 do ev. 166)

[…]

Com a viabilização da identificação de tubarões e raias por características genéticas, a partir do ano de 2010, o IBAMA passou a solicitar ao Laboratório de Biologia e Genética de Peixes, por meio de um acordo de colaboração científica, a identificação das espécies de tubarões presentes nos lotes de nadadeiras apreendidas pela caracterização de “finning” (retirada e aproveitamento das nadadeiras e descarte do restante das carcaças ao mar) ou por inconsistências nos registros dos mapas de bordo, que devem incluir a identificação de todas as espécies capturadas.

Apreendidas na cidade de Belém – PA, cerca de 8 toneladas de nadadeiras de tubarões, declaradas pela empresa de pesca como pertencentes exclusivamente à espécie tubarão-azul Prionace glauca (espécie sobre-explotada segundo a IN 05, mas ainda sem restrição de pesca e comercialização no Brasil) seriam exportadas para a China. Deste material, um total de 526 nadadeiras representando cerca de 5% dos espécimes capturados foram analisados geneticamente e resultaram na identificação de 343 indivíduos pertencentes à espécie P glauca, 135 pertencentes à espécie Isurus oxyrinchus (tubarão mako, sem restrições de pesca no Brasil), 8 indivíduos pertencentes à espécie tubarão-martelo Sphyrna lewini (espécie sobre-explotada, segundo a IN 05, mas ainda sem restrição de pesca e comercialização no Brasil), 1 indivíduo pertencente à espécie tubarão-azeiteiro Carcharhinos porosus (espécie sobre-explotada, segundo anexo da IN 52 de 8 de novembro de 2005, mas ainda sem restrição de pesca e comercialização no Brasil) e 29 indivíduos da espécie tubarão raposa Alopias superciliosus (espécie em risco de extinção, sendo sua captura e comercialização proibida pela Instrução Normativa 04 do Ministério do Meio Ambiente – IBAMA de 15 de abrir de 2011). A divulgação destes resultados por meio de periódicos científicos está em fase de preparação.

Apreensões de nadadeiras efetuadas recentemente pelo IBAMA em operações nas cidades de Caraguatatuba – SP e Natal – RN foram amostradas para análises genéticas e seus resultados serão divulgados nos próximos meses. Em conversa informal com representantes das empresas de pesca industrial, onde os lotes de nadadeiras foram apreendidos (Natal – RN), foi informado que grande parte da carne dos tubarões capturados nas regiões Norte e Nordeste e não descartados, destina-se aos mercados das regiões Sul e Sudeste do Brasil. O nome das empresas envolvidas na comercialização não foi informado.

Estes estudos apontam para uma fragilidade nos modelos atuais de avaliação e controle da pesca e comercialização de seus produtos no Brasil. Esta fragilidade pode ser atribuída em grande parte, às práticas de gestão que ainda não promovem efetivamente a obrigatoriedade da identificação específica das capturas, resultando em uma grave ineficiência na prevenção da pesca e no comércio de espécies ameaçadas de extinção. (pp. 3 a 5 do doc. OUT2 do ev. 166)

[…]

Petição do autor. Os autores IJA e UPAN apresentaram petição e documentos (ev. 173). Juntaram estatuto da associação IJA (doc. ESTATUTO2 do ev. 173), além de outras atas e documentos relacionados (doc. ATA3 do ev. 173). Juntaram imagem da embalagem de “Lombo de Cação” da empresa Frescatto (doc. FOTO6 do ev. 173), produto cuja procedência seria doFrigorífico Calombé (doc. FOTO7 do ev. 173). Anexaram imagem de outro invólucro, da empresa BuonaPesca (doc. FOTO10 do ev. 173), com indicação da procedência de produto –Frigorífico Calombé, com referência ao país de origem, “PRODUTO DE TAIWAN” (doc. FOTO8 do ev. 173). Ademais, incluíram nos documentos a nota fiscal desses produtos, comprados no supermercado da rede WMS Supermercados do Brasil Ltda. (doc. NFISCAL5 do ev. 173).

Em petição (doc. PET1 do ev. 173), os autores IJA e UPAN alegaram que realizaram diligência em 4dez.2012, no supermercado situado na Rua Carazinho, 788, bairro Petrópolis, Porto Alegre/RS, não tendo encontrado, nas prateleiras do estabelecimento, nenhum produto fornecido pelo Frigorífico Jahú, mas apenas do Frigorífico Calombé, que venderia ao Walmart as marcas Frescatto e Buona Pesca, estando as duas disponíveis no balcão. Informaram que os produtos da marca Frescatto passaram a conter, no verso, a expressão “PRODUTO DE TAIWAN”, dado que não existia anteriormente. Disso resultaria, então, de acordo com a argumentação dos autores, que a ré Walmart estaria, de fato, vendendo postas de cação com violação do regramento do Código de Defesa do Consumidor, “já que vendia o produto sem indicação da espécie, assim como sem indicação de importação da mercadoria, ou qualquer comprovante de origem nesse sentido”.

Os autores referidos informaram, ainda, que realizaram outra diligência no supermercado Carrefour, obtendo a informação de que a empresa suspendeu a venda de postas de cação há meses no estabelecimento da Avenida Plínio Brasil Milano, 2343, bairro Passo D’Areia, Porto Alegre/RS. Ressaltaram, no entanto, o fato de que o Carrefour estava vendendo postas de cação sem indicação da espécie, pelo menos até 1ºjun.2011.

Por último, requereram que as rés Walmart e Carrefour manifestem-se acerca da petição.

Petição da ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. A ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. assim se pronunciou acerca das alegações dos autores:

A peticionária tomou ciência dos documentos acostados aos autos pela parte adversa, que em nada socorrem a tese lançada na inicial uma vez que não fazem qualquer referência ou analisam a legalidade, ou não, da forma de comercialização de cação efetuada pela requerida.

Como já referido anteriormente, a comercialização de citada espécie pela peticionária se dá dentro do regramento legal a ela aplicável, não havendo conduta a ser ajustada no presente caso.

Por fim, cabe aqui mencionar que o documento que faz referência às medidas adotadas pela União Europeia deixa claro que esta criou um regulamento de controle válido para todos (e não para somente alguns comerciantes/frigoríficos) e, somente a partir de então, iniciou a fiscalização do seu cumprimento através das autoridades de cada país.

Note-se que o paradigma trazido não abdicou da criação de uma normatização própria a ser seguida por todos que, somente em caso de descumprimento, será passível de gerar eventual penalização.

No presente caso, inexiste o regramento do procedimento pretendido pela parte adversa, não havendo como se exigir conduta diferente da adotada até o presente momento pela peticionária. (doc. PET1 do ev. 180)

Requereu, assim, o regular prosseguimento do feito.

Petição. O Frigorífico Jahú Ltda. e o Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. informaram que o Frigorífico Calombé não fornece produtos às redes de supermercados que são rés desta demanda, sendo responsável por parte do processo de industrialização dos produtos pertencentes (sic) e comercializados pelo Frigorífico Jahú. Haveria, assim, equívoco a ser sanado, cabendo a exclusão do Frigorífico Calombé do polo passivo da demanda. Reiteraram o argumento de que não há obrigatoriedade de que reste expresso, nas embalagens, algo além do nome comum/vulgar do pescado comercializado; além disso, informaram que o Frigorífico Jahú já adicionou, na etiqueta de seus produtos, o nome da espécie de cação que comercializa (cação azul).

Requereram a exclusão do Frigorífico Calombé da demanda, e afirmaram ter demonstrado que as importações desses peixes são regulares e fiscalizadas pelo órgão responsável, não sendo resultado da prática de “finning” (doc. PET1 do ev. 181). Pleitearam, por fim, fosse declarada a regularidade dos produtos que o Frigorífico Jahú Ltda. comercializa, em especial no que tange às informações requeridas pelo autor IJA, à origem dos cações que importa de Taiwan e à legalidade da comercialização do cação da espécie cação azul.

Decisão. A decisão do ev. 184 determinou a intimação do MPF para manifestação e posterior conclusão ao Juízo.

Manifestação do MPF. O MPF manifestou-se nos seguintes termos:

[…]

4. No entanto, a respeito das referidas medidas, vejamos.

As amostras de embalagens apresentadas pelos réus realçam somente o nome popular e o gênero cação, deixando de informar o nome científico da espécie. O nome vulgar composto da espécie consta somente em letras pequenas em etiqueta no verso da embalagem. Não há referências às fontes das informações repassadas ao público e não há indicação sobre a possibilidade de obtenção de maiores informações sobre a espécie. Nesse contexto, é evidente que somente a informação adequada permitiria a identificação exata do peixe que está sendo comercializado, haja vista a existência de diversos nomes populares para as espécies de cação e a variação de nomes de região para região. A inserção de nomes composto nas embalagens de produtos de pesca é prática amplamente divulgada e recomendada, de modo a evitar confusão entre os diversos tipos de peixes comercializados no país.

Por outro lado, as informações obtidas através do código de barras da embalagem, na página criada pelos réus alegadamente para o maior esclarecimento ao público consumidor, não contêm dados relevantes sobre a espécie em si e prestam informações realçando benefícios para a saúde humana e indicando receitas de preparo, de forma genérica, com relação ao “Cação”. Somente após o tópico “Característica” (generalizado para “cação”), consta a breve referência “Espécie: Cação Azul”.

De fato, ao empregar no título do texto o termo genérico e popular “Cação”, como se vê da imagem abaixo, fazendo constar como “Característica” a afirmação de que “O cação habita praticamente todos os mares e oceanos (…)”, o texto tende a confundir o consumidor, sugerindo a ideia de abundância e de ausência de riscos em relação a, indistintamente, todas as espécies de “cação” (nome popular para o gênero tubarão). Contudo, isso não corresponde à realidade, considerando-se que há diversas espécies de tubarões em risco de extinção e sobreexplotadas, conforme é de conhecimento geral e especialmente no ramo de atividade dos réus, constando inclusive nas listas oficiais de espécies ameaçadas de extinção.

[…]

Assim sendo, infere-se que as informações veiculadas poderão causar ainda maior incentivo ao consumo de peixes em situação crítica de conservação, no momento em que transmitem afirmações que não se aplicam a todas as espécies do mesmo gênero, ao invés de transmitir noções educativas e claras ao consumidor.

Cogitando-se que a medida informada nos autos pelos réus teria sido adotada com o intuito de ir ao encontro do objeto da presente ação, ou seja, destinar-se-ia a aprimorar o grau de informação ao público acerca do tipo de pescado comercializado pelos réus, tendo em vista o interesse ambiental de preservação das espécies de tubarão em risco de extinção ou sobreexplotadas, caberia aos réus prestar informações claras e fidedignas, bem como elevar o grau de informação sobre a espécie comercializada propriamente dita.

Com efeito, a relevância da causa e a possibilidade de uma importante decisão judicial no cenário nacional, remete a uma análise mais aprofundada das informações inseridas nas embalagens e na página acessada através do código de barras. Nesse contexto, verifica-se que as informações não conferem maior grau de esclarecimento sobre a espécie do pescado comercializado e, ademais, não conferem a segurança necessária para o consumidor acerca dos propagados benefícios para a saúde, sendo ainda desprovidas da indicação de fontes.

Com efeito, tratando-se de informações ao público consumidor com o objetivo de promover maior esclarecimento sobre o produto, segundo alegado pelos réus, caberia a estes prestar informações capazes de permitir efetivamente ao consumidor: identificar a espécie de pescado com exatidão e distingui-la de outras espécies cujos nomes populares sejam semelhantes; buscar informações complementares com base no nome científico e nome vulgar composto informado na embalagem; ter conhecimento sobre o grau de preservação da espécie de acordo com as fontes informadas, de preferência provenientes dos órgãos ambientais competentes, dentre outras importantes informações que poderiam ter sido inseridas nas embalagens e códigos de barras com tal finalidade.

Além da questão ambiental, a clareza e a fidedignidade das informações veiculadas estão relacionadas diretamente aos direitos dos consumidores, dada a noção de que se baseiam nas informações recebidas para fazerem opções na hora da compra.

Nesse contexto, entende-se que as medidas até então adotadas pelos réus a título de contribuição para o atingimento da solução buscada através da presente causa, como visto acima, não coincidem com a finalidade almejada no objeto desta ação civil pública, podendo inclusive provocar efeitos desfavoráveis à preservação de espécies de tubarões cuja comercialização e consumo são vedados, razão pela qual não afiguram-se capazes de ensejar eventual composição consensual da lide. (doc. PARECER1 do ev. 187)

O MPF, por fim, requereu o regular prosseguimento da ação.

Petição dos autores IJA e UPAN. Os autores IJA e UPAN informaram que a ré Walmart comercializa cação da espécie tubarão-azul, de acordo com teste de DNA, que indicaria “100% de probabilidade”. Requereram o seguinte:

O deferimento da (1) inversão do ônus da prova, para determinar – liminarmente – que a ré Walmart:

(2) indique em que data trocou as embalagens, passando a constar “Produto de Taiwan”, informação esta que não constava nas embalagens anteriormente ao ingresso da presente ação (vide cópia das embalagens que instruem a inicial);

(3) faça prova concreta e documental da origem dos cações em posta vendidos desde a data da interposição da presente ação (01.06.13) até a efetiva troca das embalagens que, posteriormente, passaram a informar na embalagem “Produto de Taiwan” (vide doc. anexo);

(4) informe documentalmente desde que data vendia cação da espécie azul, e em que quantidade mensal;

(5) que apresente a ré Walmart prova via teste de DNA sobre a origem do cação, hoje vendido como “Produto de Taiwan”, de forma a suprir a parte faltante no teste diligenciado pelo Instituto Justiça Ambiental – IJA junto ao pesquisador da UNESP.

(6) que a ré Walmart apresente os planos de recuperação obrigatórios frente ao Art. 4° da IN 05 do MMA. (p. 2 do doc. PET1 do ev. 193)

Juntaram os autores, ainda, declaração do já citado especialista Dr. Fernando Fernandes Mendonça:

Com base na caracterização nucleotídica do gene mitocondrial Citocromo oxidase I, que confere uma identificação genética para espécies animais, declaro para os devidos fins que dentre as 7 amostras de carnes de tubarões enviadas ao Laboratório de Biologia e Genética de Peixes da Universidade Estadual Paulista – UNESP pelo Ilmo Sr. Cristiano Pacheco, foi possível determinar a quais espécies biológicas pertencem apenas 3 delas, sendo uma pertencente ao tubarão-mako Isurus oxyrinchus (grau de confiabilidade de 99%) e outras duas pertencentes ao tubarão-azul Prionace glauca (grau de confiabilidade de 100%).

Declaro ainda que, devido à insuficiência de informações genéticas populacionais para ambas as espécies identificadas, não é possível determinar a origem geográfica destas amostras. (doc. LAU2 do ev. 193)

Anexaram, ainda, e-mail enviado pelo especialista:

Das duas amostras enviadas pelo Cristiano, apenas uma respondeu bem ao processamento do sequenciamento. Esta amostra foi identificada como Isurus oxyrinchus (tubarão-mako). Sendo a margem de confiabilidade de 99%.

Das 5 amostras que você trouxe (WallMart), apenas duas responderam ao processamento. São duas amostras identificadas como Prionace glauca (tubarão-azul) com 100% de confiabilidade.

Para estas duas espécies não é possível determinar o local de captura. Assim, não se pode determinar se os tubarões comercializados pelo Wallmart são mesmo de Taiwan, como declarado. (doc. EMAIL3 do ev. 193)

Decisão. A decisão do ev. 194 determinou a intimação do autor para manifestar-se, em dez dias, sobre as respostas dos réus e sobre a produção de provas. Ademais, determinou a intimação das rés, para manifestarem-se sobre a produção de provas, para apresentarem resposta ao agravo de instrumento interposto pelo autor e para a ré WMS apresentar manifestação sobre alegações e pedidos do autor.

Petição do autor. Os autores IJA e UPAN requereram o regular prosseguimento do feito, com o deferimento dos pedidos liminares e o julgamento de procedência (ev. 208).

Petição da ré Carrefour. A ré Carrefour informou pretender a produção de prova pericial técnica contábil, para comprovar a origem das mercadorias e a regularidade de sua comercialização, a produção de prova oral, arrolando testemunhas para comprovar a regular comercialização dos produtos e a produção de prova documental suplementar, para demonstrar a regularidade das mercadorias e de sua comercialização (ev. 209).

Petição da ré WMS. A ré WMS sustentou, em petição do ev. 211, que o autor requereu o julgamento do processo no estado em que se encontra, demonstrando desinteresse na produção de novas provas. Afirmou que comercializa cação azul em embalagem na qual tal informação consta do rótulo, assinalando que a origem do produto também aparece na embalagem; ademais, não haveria informações contrárias ao dado de que os produtos sejam originários de Taiwan – quanto a esse aspecto, apontou que não há, no documento firmado pelo pesquisador da UNESP, qualquer dado que permita inferir a origem dos pescados – se originários ou não de Taiwan, de modo que a veracidade da informação não é negada pelo especialista. Desse modo, não haveria indício de transgressão da lei pela ré.

No que tange à possível inversão do ônus da prova, a ré afirmou que já juntou aos autos documentação comprovando a origem dos produtos por ela comercializados, sendo que o autor não apresentou qualquer indício de que as espécies comercializadas nas lojas da ré estivessem em desacordo com a legislação. Não haveria, nessa linha, nem verossimilhança nem demonstração de hipossuficiência a justificar a inversão do ônus da prova.

Já quanto à data da troca das embalagens, referiu que apenas comercializa produtos já embalados e etiquetados, não tendo como precisar em que data houve a alteração das embalagens. Quanto à prova da origem dos cações, alegou que já foram juntados aos autos documentos relativos a esse ponto. Ademais, em relação aos testes de DNA para saber a origem dos animais, referiu que não há indícios de que as espécies sejam comercializadas com origem diversa da indicada, não há definição de como seria o teste, não foi conclusivo o teste já realizado, e inexiste previsão legal determinando a realização de exame para demonstração da origem do produto – “não havendo esta obrigação legal para os agentes do mercado, não se pode criá-la particularizadamente à peticionaria”.

Afirmou, ainda, que não se submete a regramentos do IBAMA que tenham por consequência a implementação de “planos de recuperação”, na medida em que não exerce atividades de pesca, de transporte de pesca, de desembarque de pesca, de venda de barbatanas ou de qualquer outra atividade comercial similar. Não se aplicaria ao estabelecimento, portanto, a IN 05 do MMA.

Acerca das informações que o autor exigiu estarem presentes nas embalagens, argumentou o seguinte:

Assinale-se que eventual argumentação de que o nome da espécie não é o científico, mas o popular, não merecerá ser considerada pelo juízo. O “consumidor médio”, com todo o respeito, além de não ter informações para identificar, pelo nome científico, qual seja o produto, não terá necessidade desta informação, assim como ela não terá maior utilidade.

Imagine-se em uma gôndola para vendas estarem amostras de lactuca sativa e de beta vulgaris, ou, para a ceia de natal, a informação de que está sendo vendido um exemplar de galiforme do gênero Meleagris.

Estas informações, com certeza, iriam ao encontro do pleito trazido nesta ação, seguindo enorme rigor científico. Porém, saberia o consumidor o que está comprando? Não causariam mais confusão ao consumidor?

Outra questão importante é que o WMS, quando inicia tratativas para comercialização de pescado com um novo fornecedor, solicita que este comprove a regularidade do produto oferecido, inclusive quanto à origem.

Apresentada a documentação pertinente e exigida por lei, após análise pelo departamento responsável, esta é devolvida ao futuro fornecedor sendo novamente requisitada em caso de haver indício de descumprimento da legislação.

Por fim, cabe aqui mencionar, fato incontroverso nos presentes autos, que todos os fornecedores da requerida são regularmente fiscalizados pela autoridade competente, estando atuando dentro da legislação em vigor, não havendo qualquer restrição ao desenvolvimento das atividades destas empresas seja pela parte autora, seja por qualquer órgão governamental (federal, estadual ou municipal) que possa indicar a possibilidade de irregularidade nos produtos por ela comercializados.

Com relação específica ao cação azul, informa-se que o WMS não adquire este produto com origem nacional em respeito à legislação vigente. Aliás, o WMS não tem como provar que não compra produto nacional, inclusive porque não se faz prova de “fato negativo”. Ora, se o autor entende o contrário, que faça tal prova de forma contundente!

Com relação às marcas comercializadas, informa-se que estas se modificam conforme a oferta e as condições comerciais oferecidas. Assim, o produto vendido hoje, não necessariamente estará disponível no próximo mês, podendo ser comercializada uma marca nova em seu lugar ou concomitantemente. (pp. 8 e 8 do doc. PET1 do ev. 221)

Alegou, finalmente, que entende totalmente regular a comercialização de cação que realiza.

Contrarrazões ao agravo retido. A ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. apresentou contrarrazões ao agravo retido interposto pelo autor Instituto Justiça Ambiental, sustentando inexistir litigância de má-fé em sua conduta, o que imporia a manutenção da decisão que indeferiu o pedido formulado nesse sentido (ev. 212).

Petição da União. A União informou não ter mais provas a produzir (ev. 213).

Manifestação do MPF. O MPF manifestou-se no sentido de que o réu Leardini Pescados Ltda. deve ser intimado pessoalmente, ainda que revel, para manifestar-se nos autos da cautelar, sob pena de imediata busca e apreensão dos documentos requeridos na peça inicial (ev. 216).

Decisão. A decisão do ev. 218 indeferiu a intimação do réu Leardini Pescados Ltda., indeferiu o pedido de produção de provas testemunhal e pericial pelo Carrefour, permitindo a juntada de documentos a qualquer tempo, nos termos do art. 397 do CPC. Por fim, declarou encerrada a instrução, concedendo prazo de dez dias para memoriais.

Petição da União. A União Federal juntou informações prestadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (ev. 229), dentre as quais se encontra ofício da Divisão de Inspeção de Pescado e Derivados – DIPES, da Coordenação Geral de Inspeção – CGI/DIPOA, do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA, da Secretaria de Defesa Agropecuária – DAS, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Em seu teor, encontram-se estes dados:

O processo de importação de pescado se inicia com o requerimento do país interessado em estabelecer a equivalência entre os sistemas de inspeção entre os países. Para tal o país envia as respostas ao questionário estabelecido pela Resolução DIPOA nº 01/99, que esclarecem os mecanismos utilizados pelo serviço oficial de inspeção no sentido de fornecer as garantias necessárias à inocuidade do produto e a sanidade aquícola. As respostas a este questionário são avaliadas pelos departamentos da Secretaria de Defesa Agropecuária – SDA do MAPA e do Ministério da Pesca e Aquicultura, quando é então agendada uma missão sanitária ao país para auditoria do sistema do país, que a partir deste momento passa a poder indicar ao nosso mercado os estabelecimentos que atendem às normas sanitárias brasileiras.

Após a habilitação dos estabelecimentos, as empresas encaminham os processos de registro de seus produtos para análise do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA, que avalia os processos de fabricação, mecanismos de controle e croqui do rótulo, para verificar a conformidade com as normas brasileiras. Neste momento, no caso dos cações, a empresa detalha no formulário as espécies que pretende exportar, correlacionando o nome científico com o nome comum da espécie.

Com a aprovação da rotulagem em mãos, o importador entra com o pedido de anuência prévia de Licença de Importação (LI), junto à Superintendência Federal de Agricultura no estado aonde o produto irá ingressar. Neste processo de solicitação a empresa importadora é obrigada a informar pelo SISCOMEX a espécie do pescado que irá exportar, além do número de registro previamente aprovado no DIPOA, com a cópia do croqui aprovado.

O importador indica ainda neste momento em que unidade sob Inspeção Federal o produto será reinspecionado antes de ser direcionado ao consumo. Nesta reinspeção o produto recebe conferência com o rótulo aprovado e pode ser avaliado sensorialmente ou ter amostras coletadas para envio a laboratórios oficiais.

Salientamos que o processo de importação envolve ainda um importante controle relacionado à certificação sanitária, assinada pela autoridade sanitária do país exportador onde são dadas as garantias oficiais do país exportador. No caso em questão, existem campos de preenchimento obrigatório, tais como o país de origem da matéria prima, dados da empresa fabricante e o nome científico da espécie exportada.

No caso de espécies de elasmobrânquios capturados na costa brasileira, a Instrução Normativa Interministerial MPA/MMA Nº 14, de 26 de novembro de 2012, que dispõe sobre normas e procedimentos para o desembarque, o transporte, o armanezamento e a comercialização de tubarões e raias, determinou em seu artigo 3º, dentre outros controles que:

Art. 3º Fica proibida a prática do finning no Brasil.

§ 1º. Todos os indivíduos de tubarões e raias de que trata o art. 1º devem ser desembarcados no litoral brasileiro, seja em infraestrutura portuária, terminal pesqueiro nacional, público ou particular, ou em qualquer outro local de desembarque utilizado pela frota nacional e estrangeira arrendada, com todas as suas barbatanas naturalmente aderidas ao corpo do animal.

§ 2º. Está autorizado o corte parcial das barbatanas de forma a possibilitar sua dobra contra o corpo do animal a fim de facilitar o armazenamento do pescado a bordo, bem como a evisceração e o descabeçamento dos indivíduos previamente ao desembarque.

A partir desta INI, as empresas sob Inspeção Federal já sabem que não podem ser desembarcadas cargas de cações sem que suas nadadeiras estejam aderidas, de modo que facilita a comprovação de que não houve a prática do finning, bem como a verificação de que não se trata de uma espécie em extinção.

Ainda com relação a espécies de elasmobrânquios capturados na costa brasileira, a Instrução Normativa Interministerial MPA/MMA nº 01, de 12 de março de 2013, dispõe sobre a proibição da pesca comercial em território nacional do tubarão galha-branca (Carcharhinus longimanus), de modo que não é permitida a recepção desta espécie capturada no Brasil nas indústrias sob Inspeção Federal.

Salientamos que estas determinações ficam restritas à captura em águas territoriais brasileiras, não existindo restrições para estas espécies ameaçadas de extinção aplicadas aos produtos importados, que apesar de não entendermos como justo, não cabe ao MAPA este tipo de regulamentação.

Quando se trata de espécies de cação a serem exportadas, um mecanismo estabelecido antes da expedição do Certificado Sanitário Brasileiro pelo MAPA é a exigência do documento de autorização do IBAMA, que confere as cargas antes da expedição, a exemplo do que acontece com os outros países.

Com relação ao processo de rotulagem de produtos de origem animal, a legislação nacional estabelece uma série de informações obrigatórias, dentre elas a denominação de venda do produto.

Entretanto ao longo dos anos a descrição da espécie ao consumidor sempre foi exigida pelo nome comum da espécie, sem a obrigatoriedade de informar no rótulo o nome científico de cada uma, pelo entendimento de que um consumidor teria dificuldade de discriminar a espécie do peixe por este no momento da compra. Seria como se o consumidor ao chegar ao estabelecimento comercial varejista fosse à busca de FILÉ DE Squatina argentina, ao invés de FILÉ DE CAÇÃO-ANJO, por exemplo.

Nesse sentido, as espécies de pescado são verificadas nos procedimentos de inspeção e de registro dos produtos no sentido de que seja garantido o direito do consumidor ao adquirir um determinado produto.

Para a exigência de informações obrigatórias em rotulagem de produtos de origem animal são utilizadas as determinadas no item 5 do REGULAMENTO TÉCNICO PARA ROTULAGEM DE PRODUTO DE ORIGEM ANIMAL EMBALADO, aprovado pela Instrução Normativa MAPA nº 22/205, como forma de internalização da Norma MERCOSUL GMC/26. Nela estão previstas as seguintes informações:

– denominação (nome) de venda do produto de origem animal: o nome do produto de origem animal deve ser indicado no painel principal do rótulo em caracteres destacados, uniformes em corpo e cor, sem intercalação de desenhos e outros dizeres. O tamanho da letra utilizada deve ser proporcional ao tamanho utilizado para a indicação da marca comercial ou logotipo caso existam;

– lista de ingredientes: a lista de ingredientes deve ser indicada no rótulo em ordem decrescente de quantidade, sendo os aditivos citados com função e nome e número de INS;

– conteúdos líquidos: o(s) conteúdo(s) líquido(s) devem ser indicado(s) no painel principal do rótulo de acordo com o Regulamento Técnico Específico;

– identificação da origem;

– nome ou razão social e endereço do estabelecimento;

– nome ou razão social e endereço do importador, no caso de produtos de origem animal importado;

– carimbo oficial da Inspeção Federal;

– Categoria do estabelecimento, de acordo com a classificação oficial quando do registro do mesmo no DIPOA;

– CNPJ;

– conservação do produto;

– marca comercial do produto;

– identificação do lote;

– data de fabricação;

– prazo de validade;

– composição do produto;

– indicação da expressão: Registro no Ministério da Agricultura SIF/DIPOA sob nº—–/—–; e

– instruções sobre o preparo e uso do produto de origem animal comestível ou alimento, quando necessário.

Para a indicação de origem deve ser seguido o disposto no item 6.4 da Instrução Normativa supramencionada, que determina:

“6.4. Identificação da Origem

6.4.1. Deve ser indicado:

– o nome (razão social) do fabricante ou produtor ou fracionador ou titular (proprietário) da marca;

-endereço completo;

-país de origem e município;

-número de registro ou código de identificação do estabelecimento fabricante junto ao órgão oficial competente.

6.4.2. Para identificar a origem, deve ser utilizada uma das seguintes expressões: “fabricado em ……. “, “produto ……..” ou “indústria ……..”.

Desta forma, os rótulos dos produtos da pesca devem conter todas as informações conforme acima citado.

Não foi possível verificar os registros citados nos rótulos objetos da ação, tendo em vista que a partir do ano de 2010, todos os registros passaram por um processo de revisão, após o início da utilização de ferramenta de registro eletrônico dentro do nosso Sistema de Informações Gerenciais do SIF – SIGSIF. Desta forma, os registros acostados no processo não existem mais.

Com relação à utilização obrigatória do nome científico na rotulagem, nosso entendimento é de que esta medida não acarretará nenhuma segurança adicional ao fim pretendido na ação, tendo em vista que os nomes científicos são de difícil entendimento e não são de conhecimento do consumidor em geral.

Caso o entendimento do Judiciário seja no sentido de determinar esta obrigatoriedade da discriminação do nome científico da espécie será importante salientar que em virtude de acordos internacionais entre o Brasil e os 39 países que efetivamente já exportam pescado ao nosso país, termos que fazer uma notificação oficial pelas vias diplomáticas à Organização Mundial do Comércio – OMC, conferindo ainda prazos para esta adequação.

Ainda com relação aos produtos processados pelas empresas nacionais, tendo em vista os milhares de rótulos registrados em nosso sistema, para os quais várias empresas já possuem quantitativos de embalagens já confeccionadas, igualmente deveríamos conceder prazos para a utilização dos rótulos existentes.

Sabedores de algumas limitações e dificuldades nos processos de fiscalização de pescado e com a finalidade de intensificar o controle relacionado às espécies de pescado, a DIPES/DIPOA já havia solicitado à Coordenação Geral de Apoio Laboratorial do MAPA, responsável pelo desenvolvimento das metodologias analíticas de produtos de origem animal e vegetal produzidos ou importados pelo Brasil, a implantação de metodologia de identificação genética de espécies de pescado.

Tal metodologia encontra-se em estágio avançado de implantação, tendo os equipamentos necessários sido adquiridos, com a expectativa de que para os próximos meses já tenhamos disponível mais esta ferramenta de controle.

É importante esclarecer que o Ministério da Agricultura no que se refere a espécies de pescado, não normatiza a permissão ou proibição de captura ou comercialização das espécies, seguindo sempre as determinações estabelecidas pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Pesca e Aqüicultura, inclusive em questões relacionadas a períodos de defeso de determinadas espécies, como sardinhas, tainhas e lagostas. (doc. INF2 do ev. 229)

[…]

Petição do IBAMA. O IBAMA, na petição do ev. 231, afirmou ser réu na ação principal vinculada, e autor na cautelar. Referiu que a sua condição de integrante do polo ativo da cautelar deu-se na audiência de conciliação do ev. 26, sendo que a sua condição de pertencente ao polo passivo da demanda principal deu-se em razão de que a autarquia possuiria “competência para o desenvolvimento de planos de recuperação de espécies ameaçadas de extinção ou de sobre-explotação, sendo, ademais, atribuição do IBAMA a fiscalização da Zona Costeira”. Por conta da incongruência das posições jurídicas assumidas, o IBAMA afirmou que deixaria “de tecer qualquer consideração na presente ação cautelar” (p. 3 do doc. PET1 do ev. 231).

Memoriais do autor IJA. O autor IJA juntou memoriais (ev. 232).

Fez referência ao princípio do poluidor-pagador e à responsabilidade civil objetiva em matéria ambiental, citando caput e § 1º do art. 14 da L 6.938/1981.

Alegou que as rés Walmart e Carrefour estavam vendendo, pelo menos até a propositura desta ação, postas de cação em violação ao Código de Defesa do Consumidor. Reputou haver “sério risco em constituir-se propaganda enganosa por omissão, já que o consumidor hipossuficiente tenderia a acreditar que o supermercado respeita as normas e legislação ambiental vigentes, e que o estabelecimento não venderia de forma alguma animais (cações) em extinção” (p. 5 do doc. MEMORIAIS1 do ev. 232). Argumentou que o consumidor tem o direito de saber e obter informação completa sobre o produto que adquire, de forma a possibilitar a opção entre comprar ou não produto que seja proveniente de atividade predatória, que coloca em risco as populações de cações e, consequentemente, os ecossistemas marinhos.

Ainda no que tange à legislação de Direito do Consumidor, o autor mencionou que há obrigação de que a mercadoria disposta nos supermercados possibilite a todos os consumidores a fácil compreensão e informação sobre a origem, características e qualidade dos produtos, prestando, assim, informações prévias de forma clara e anterior à compra. Citou o art. 6º do CDC, em seu caput, que elenca direitos dos consumidores, como a liberdade de escolha, a informação adequada e clara sobre os produtos, a especificação correta acerca da quantidade, das características, da composição e da qualidade dos produtos, bem como a efetiva prevenção e reparação de danos morais, individuais, coletivos e difusos. Citou também os parágrafos do referido art. 6º, que abordam a publicidade enganosa e abusiva.

Por último, o autor mencionou seus conhecimentos técnicos acerca do tema relativo aos tubarões e aos ecossistemas marinhos, e reiterou os pedidos constantes da inicial cautelar.

Memoriais dos réus Frigorífico Jahú Ltda. e do Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. Os Frigoríficos Jahú e Calombé apresentaram memoriais conjuntos (ev. 233). Além de reproduzirem os argumentos já apresentados, afirmaram que os documentos anexos à contestação dão conta de que os produtos são regulares, com carimbo do MAPA/SDA/DIPCA, e que se submeteram ao controle de trânsito de produtos de importação, o que comprovaria que as importações de filés de cação encontrar-se-iam dentro da legalidade. Alegaram também que os produtos passam pelo crivo do processo de reinspeção realizado pelo mesmo órgão citado, por meio do qual se confirmaria que os requisitos para a importação são preenchidos, com posterior liberação da mercadoria para comercialização.

Referiram que a integralidade dos cações que constituem os produtos do Frigorífico Jahú são importados de Taiwan, e que essa empresa, embora entenda não haver base legal para as exigências feitas nesta demanda, optou por adicionar o nome da espécie de cação que comercializa, qual seja, “cação azul”.

Os frigoríficos mencionados requereram, então, a sua exclusão do polo passivo da demanda cautelar e da principal, bem como a declaração de regularidade dos produtos que oFrigorífico Jahú comercializa.

Manifestação do MPF. O MPF apresentou promoção no sentido de que as partes que ainda não apresentaram memoriais fossem intimadas para tanto, requerendo vista, após, para parecer conclusivo (doc. PROMOÇÃO1 do ev. 237).

Memoriais da União. A União apresentou memoriais (ev. 244).

Alegou que a matéria diz respeito a questões de direito do consumidor, de competência da Justiça Estadual, não cabendo a presença da União como parte da lide, já que não teria legitimidade para tanto nem interesse na causa – requereu, assim, fosse considerada parte ilegítima para figurar no polo passivo, com extinção sem resolução de mérito em relação a ela (inc. VI do art. 267 do CPC).

No caso de não acolhimento da preliminar suscitada, a União pleiteou o julgamento pela improcedência do pedido em relação a ela. Citou a existência de atos normativos regulamentadores que tocam à matéria envolvida neste processo, como a Instrução Normativa Interministerial nº 14, do Ministério da Pesca e Aqüicultura e do Ministério do Meio Ambiente, a Instrução Normativa Interministerial nº 01, de 12 de março de 2013, do Ministério da Pesca e Aquicultura e do Ministério do Meio Ambiente, e o Regulamento Técnico para Rotulagem de Produto de Origem Animal Embalado, aprovado pela Instrução Normativa nº 22, do Ministério da Agricultura e Abastecimento, como instrumento de internalização da Norma MERCOSUL GMC/26. A União referiu que essas regulamentações foram objeto de detida análise na Informação nº 41/2014/DIPES/CGI/DIPOA, de 11 de fevereiro de 2014, na qual se elucidariam as etapas de importação de pescado, com especial enfoque a respeito das espécies de elasmobrânquios capturados na costa brasileira, a demonstrar o cumprimento de todas as exigências atinentes à preservação da fauna e do ambiente ecologicamente equilibrado pelos órgãos de fiscalização federal, dentro das competências que se lhes possam ser reconhecidas. Citou a referida informação, já reproduzida anteriormente.

Mencionou, ainda, que a União vem tomando as medidas necessárias à defesa do consumidor e à proteção do meio ambiente. Citou a existência de regulamentação específica a proibir a prática de “finning”, bem como a existência de implementação de metodologia que permitirá identificação genética das espécies de pescado no processo de fiscalização pelas autoridades administrativas federais.

Referiu, também, que a comercialização do pescado atende a uma série de requisitos que se configuram no plano internacional, por meio de acordos internacionais no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Ademais, a pretensão de identificação do pescado comercializado no varejo pelo nome científico não implicaria medida voltada ao cumprimento do dever de informação ao consumidor, já que o pescado é normalmente conhecido pelo seu nome comum, e, não, por sua denominação científica. Neste aspecto, inclusive, a União alega que o acolhimento do pedido “poderia fragilizar a situação do país no cenário do comércio internacional, pois esse tipo de obrigação sempre pode ser compreendida como restrição ao comércio” e ser, assim, submetida ao crivo e às sanções da OMC.

Memoriais da empresa ré Carrefour Comércio e Indústria Ltda. A ré Carrefour Comércio e Indústria Ltda. apresentou memoriais (ev. 247).

Além de reafirmar os argumentos referentes à ilegitimidade ativa da associação autora, a ré sustentou a suficiência e a clareza das informações disponibilizadas nas embalagens dos produtos, o que não importaria em qualquer ilicitude nas embalagens. Não haveria, portanto, obrigatoriedade de veiculação do nome científico da espécie a ser vendida: inclusive, a embalagem conteria, de forma expressa, a denominação do peixe nela contido, em linguagem acessível ao consumidor (de modo que a substituição dessa informação pelo nome científico poderia atentar contra a norma consumerista).

Assim, a ré Carrefour pediu que fosse extinta a demanda sem julgamento do mérito, por falta de interesse do autor, ou, sucessivamente, que fosse julgada improcedente, considerando a falta de amparo legal para a inclusão da informação relativa ao nome científico da espécie, o que violaria os arts. 1º e 170 da Constituição da República.

Memoriais da empresa ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. A ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. apresentou memoriais (ev. 248).

Reiterou, em essência, os argumentos já manejados em contestação. Lembrou que informou os nomes das empresas fornecedoras de cação à loja nominada na inicial, inclusive antes de sua citação, ponderando que “o requerimento formulado pela parte adversa era alternativo, deixando à demandada a oportunidade de escolher entre a juntada dos documentos ou a indicação do nome das empresas fornecedoras”.

Afirmou que não há legislação que imponha o dever de utilização de um método de verificação da regularidade do pescado adquirido ou mesmo que estipule a forma de verificação dessa circunstância. Sustentou a regularidade do produto adquirido, mencionando, ademais, que, se as empresas fornecedoras não estivessem respeitando as normas ambientais, não estariam mais em atividade de comércio.

Alegou também que o regramento relativo à Resolução 121-N do IBAMA não se aplica a empresas que não exercem atividades vinculadas à pesca, de modo que o supermercado não estaria submetido a tais dispositivos.

Por fim, alegou a impossibilidade de aplicação de multa em sede de ação de exibição de documentos, nos termos da Súmula 372 do STJ, tampouco sendo devidos honorários de advogado à parte adversa, como pretendido. Pediu o julgamento de improcedência da demanda.

Promoção do MPF. O MPF manifestou-se em memoriais (ev. 251). Em essência, são estes os pontos de análise do órgão ministerial:

Analisando-se sistematicamente as normas que regem as relações de consumo, a ordem econômica e, principalmente, a proteção do meio ambiente, constata-se que a pretensão veiculada no presente processo, para que os réus apresentem documentos que demonstrem a regularidade dos produtos comercializados, em especial a comprovação de que não se tratam de espécies em extinção ou provenientes da prática de finning (extração das barbatanas dos tubarões), vai ao encontro das disposições legais e principiológicas do nosso ordenamento jurídico.

Nesse sentido, a necessidade de proteção de espécies de animais que correm risco de extinção – havendo consequentemente a possibilidade de ocorrência de graves (e irreversíveis) danos ao meio ambiente – torna evidente a pertinência de se checar a regularidade dos produtos comercializados, mediante análise da documentação subjacente, conforme pleiteado pela parte autora. Como se sabe, a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado é diretamente relacionada à própria qualidade de vida das pessoas.

Afigura-se imprescindível, todavia, a delimitação de um período de tempo relativo aos documentos que serão exibidos, já que não é possível, ou mesmo viável, o acompanhamento constante, na via judicial, da questão. É dizer: no entender do Parquet, revela-se pertinente o pleito autoral, no sentido de se checar a regularidade dos produtos comercializados em um determinado período, mediante a apresentação dos documentos e informações correspondentes, inclusive como forma de evidenciar a necessidade de maior transparência nos dados disponibilizados aos consumidores nas respectivas embalagens (matéria versada na ação civil pública principal, da qual esta cautelar é dependente e preparatória). Contudo, essa checagem deve centrar-se em um corte temporal, considerando as próprias características do procedimento cautelar elegido pelo autor.

Assim, a exibição pleiteada deve restringir-se ao período de tempo postulado na petição inicial, qual seja, 30.04.2009 a 30.04.2011 – o qual, de resto, já permite uma boa amostragem da situação fática, atendendo à finalidade buscada pelo autor, na linha de pertinência aqui invocada.

Por outro lado, conforme já exposto na promoção ministerial do evento 216, tendo em vista que o objetivo da presente cautelar é a exibição de documentos em poder dos réus, deve ser observado o procedimento previsto nos artigos 844 e 845 do Código de Processo Civil. Da mesma forma, é aplicável o entendimento do E. STJ segundo o qual na hipótese de não cumprimento da decisão judicial que determina, em ação cautelar, a exibição de documentos, a medida coercitiva cabível é a busca e apreensão, não sendo possível cogitar-se de presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial ou a imposição de multa diária. […]

O MPF manifestou-se, então, pela procedência da cautelar de exibição de documentos, de modo a determinar que os réus apresentem a documentação pleiteada, especificamente no que diz respeito ao período de 30abr.2009 a 30abr.2011, devendo a regularidade e a suficiência do material ser verificadas na fase de cumprimento de sentença.

Petição do réu Leardini Pescados Ltda. O réu Leardini Pescados Ltda. requereu a alteração no seu cadastro, fazendo-se incluir a expressão “em recuperação judicial”, ao lado de seu nome (doc. PET1 do ev. 255).

Decisão. A decisão do ev. 256 deferiu o requerimento de anotação do dado relativo à recuperação judicial do réu Leardini Pescados Ltda.

Conclusão. O processo veio concluso para sentença (ev. 258).

Relatório. Ação civil pública nº 5026579-05.2011.4.04.7100. Inicial. O Instituto de Justiça Ambiental ingressou com ação civil pública com pedido liminar contra WMS Supermercados do Brasil (Walmart Brasil), Carrefour Comércio e Indústria Ltda., Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA, Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler – FEPAM, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento [sic] e Superintendência Federal de Agricultura no Estado do Rio Grande do Sul [sic], para, em síntese, obrigar as empresas rés a fazerem constar, nas embalagens de filé de cação que comercializam, o nome da espécie vendida, informando também a procedência desses produtos (se nacionais ou importados).

O autor informou que ingressou com a ação cautelar exibitória de documentos já referida, requerendo a distribuição da principal por dependência. Afirmou que, em audiência do processo vinculado a este, as rés Walmart e Carrefour não forneceram dados suficientes acerca da origem dos cações que comercializam.

Sustentou ser competente para o julgamento desta ação a Justiça Federal e, em específico, a Vara responsável pela matéria ambiental, alegando a relação da causa com os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, bem como com o mar continental, guardando, ainda, relação com o problema da extinção de elasmobrânquios (tubarões e cações), aspecto que ultrapassaria as questões atinentes a direito do consumidor.

Postulou o autor a presença do IBAMA no polo passivo da lide, tendo em vista a sua atribuição de fiscalização da captura, distribuição e autorização da comercialização de cações e tubarões dentro da cadeia produtiva. Postulou também a presença da FEPAM, “como órgão estadual de fiscalização tem competência concorrente para fiscalizar a captura, industrialização, beneficiamento e comercialização de cações e tubarões, sendo assim, como órgão tem competência concorrente com o Ibama” (p. 6 do doc. INIC1 do ev. 1). Pleiteou a inclusão do Ministério da Agricultura e da Superintendência Federal de Agricultura no Estado do Rio Grande do Sul (sic!), alegando que o primeiro teria como função “padronizar os métodos de elaboração de produtos de origem animal, motivo pelo qual regulamenta e fiscaliza as atividades das fábricas que processam carnes destinadas ao consumo humano” (p. 6 do doc. INIC1 do ev. 1), e o segundo teria por escopo “autuar estabelecimento produtor, armazenador e varejista, quando detectadas irregularidades em produtos comercializados ou disponibilizados a comercialização” (p. 6 do doc. INIC1 do ev. 1).

O autor sustentou que os supermercados Walmart e Carrefour estariam comercializando “postas de cação” em desrespeito ao CDC, tendo em vista que esses produtos não contemplariam, em suas embalagens, informações suficientes aos consumidores, deixando de informar, inclusive, a espécie de cação/tubarão que estaria sendo vendida. Afirmou que efetuou diligências que comprovariam tal situação:

Em 25 de julho do corrente ano um consumidor se dirigiu ao endereço referido do estabelecimento da rede Walmart e comprou um pacote com filés de cação congelado. (vide a nota fiscal anexa).

Ocorre que na embalagem do produto referido não consta a espécie do cação ou tubarão vendido, assim como não refere a origem do produto. Na embalagem consta tão somente a informação “filé de cação”.

Quanto ao Carrefour a situação também não é clara. Conforme demonstra a embalagem em anexo – com base no que indica a mesma – não há informações suficientes que possibilitem a identificação da qualidade e origem do produto comercializado, sendo que tais informações são consideradas direitos básicos aos consumidores pelo próprio Código do Consumidor.

O autor reprisou, então, o argumento de possível ocorrência de propaganda enganosa por omissão, “já que o consumidor, hipossuficiente, tende a acreditar, naturalmente, que o supermercado respeita as normas e legislação ambiental vigentes, e que o estabelecimento não venderia de forma alguma animais (cações e tubarões) em risco de extinção ou sobre-explotados” (p. 8 do doc. INIC1 do ev. 1). O argumento essencial foi o seguinte:

[…] é direito do consumidor saber e obter a informação completa sobre o produto, de forma a possibilitar sua escolha entre comprar ou não comprar determinado produto que – sem o devido esclarecimento da origem e qualidade – pode ser proveniente de uma atividade predatória que coloca em risco as populações de cações e consequentemente os ecossistemas marinhos. Este esclarecimento é devido ao consumidor e deve constar na embalagem, sob pena de constituir propaganda enganosa e ofensa a liberdade de escolha dos consumidores. (p. 8 do doc. INIC1 do ev. 1)

Afirmou o autor, também, que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) definiu um conjunto de normas para regulamentar a publicidade que contenha apelos de sustentabilidade. Referiu que é fundamental que se busca a efetiva sustentabilidade, com “abordagem séria calcada na responsabilidade civil objetiva […] diante da cadeia produtiva”, abordagem que geraria resultado positivo ao meio ambiente e à coletividade. Segue-se assim a argumentação:

O Código do Consumidor pela Lei 8.078/90 obriga que a mercadoria disposta nos balcões dos supermercados possibilite a todos os consumidores a fácil compreensão e informação sobre a origem, características e qualidade dos produtos, assim como prestando – de forma clara e anterior à compra – tais informações, já que consideradas básicas ao cidadão frente à lei consumerista.

De fato, o cidadão brasileiro do Século XXI já atinge certa maturidade em sua condição de consumidor, suficiente para entender que a informação é um direito seu e não um favor oferecido pela empresa.

O art. 6º do CDC é claro e arrola como direitos básicos do consumidor a liberdade de escolha (inciso II), a informação adequada e clara sobre os produtos (inciso III), assim como a especificação correta de quantidade, características, composição e qualidade dos mesmos; sendo também direitos básicos dos consumidores a garantia da efetiva prevenção e reparação de danos morais, individuais, coletivos e difusos (inciso VI).

Quanto à informação sobre os produtos determina o § 1° do art. 6º que é enganosa qualquer modalidade de informação inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. Determinam ainda os § 2° e § 3º, do mesmo dispositivo, que é abusiva a publicidade que desrespeite valores ambientais, sendo que a publicidade é enganosa por omissão quando deixa de informar sobre dado essencial do produto.

Não sendo atendidas as referidas obrigações legais pelos réus junto aos supermercados em tela, o consumidor acaba correndo risco de ser induzido em erro tendo seu direito de escolha ferido no momento em que, sem obter informações suficientes sobre o produto que compra – por ausência de informação que é de obrigatório fornecimento – tal omissão poderá resultar na compra ocasional de um “filé de cação” de uma espécie em extinção.

O consumidor de fato é hipossuficiente e parte da prerrogativa que o supermercado jamais venderia mercadoria com origem duvidosa, ilegal ou que coloca em risco os ecossistemas marinhos. Os consumidores cada vez mais conscientes sabem que a as populações de tubarões se encontram em níveis alarmantes e já chegam a menos de 9% no mundo, sendo que os tubarões (elasmobrânquios) ocupam o topo de cadeia alimentar e exercem função indispensável aos ecossistemas marinhos há 400 milhões de anos, sendo que habitam o planeta desde muito antes dos dinossauros e são considerados os “arquitetos dos mares” e inventores dos ecossistemas marinhos.

O autor afirmou ter enviado às rés Walmart e Carrefour ofícios com aviso de recebimento (AR) em outubro de 2010, visando a buscar informações, sem, no entanto, obter respostas. Alegou, assim, que as empresas não dão a conhecer a origem dos filés de cação que vendem, sendo inviável verificar a regularidade de sua procedência, ou se os cações vendidos estão ou não incluídos na lista de animais em extinção constante da Instrução Normativa nº 05 do Ministério do Meio Ambiente. Os argumentos encaminharam-se neste sentido:

Os consumidores também têm o direito de – ao optar pela compra ou não – conhecer a origem da cadeia produtiva dos cações, para que tenham certeza que os filés de cação vendidos nos supermercados objeto não são, por exemplo, provenientes do finning (extração ilegal e cruel das barbatanas e descarte do animal vivo ao mar, agonizante), ou de origem ilegal (desatendimento à IN 05 MMA e à Lei 9.605/85.). A cruel, imoral e ilegal modalidade do finning é amplamente praticada no Brasil e o caso já foi denunciado pelo Instituto Justiça Ambiental (IJA), ora autor, em âmbito nacional e internacional, por meio de ação judicial pioneira no país.

Sem a requerida informação não há como verificar a espécie dos filés de cação, conforme determina o CDC. (pp. 11 e 12 do doc. INIC1 do ev. 1)

O autor alegou, então, que não há justificativa fática ou jurídica que autorize as empresas rés a continuarem a comercializar os produtos mencionados em contrariedade ao CDC e à Constituição, omitindo, de forma ilícita, informações aos consumidores. Desse modo, seria plausível a antecipação de tutela, já que estariam presentes os requisitos do fumus boni iuris e dopericulum in mora. Requereu, assim, medida cautelar, visando a possibilitar o fornecimento adequado das “informações, origem e procedência” dos filés de cação comercializados pelas rés.

Assim foram os pedidos liminares:

a) seja determinada a imediata regularização das embalagens de filés e postas de cação vendidas nos supermercados das demandadas, a iniciar pelos estabelecimentos da Rua Carazinho, 788, Bairro Petrópolis, em Porto Alegre, RS (Walmart), assim como no estabelecimento sito à Av. Plínio Brasil Milano, 2343, Bairro Passo D’Areia, em Porto Alegre, RS (Carrefour), referidos na qualificação, para que:

(1) passe a constar em todas as embalagens de filé de cação – de forma clara e de fácil leitura e compreensão do consumidor – o nome da espécie de cação vendida por ambas demandadas em seus estabelecimentos nos endereços referidos acima, assim como informem a procedência destes produtos, se nacional ou importada, no prazo máximo de vinte (20) dias a contar do deferimento da liminar;

(2) caso as rés não atendam à determinação liminar por este Ilmo. Juízo, sejam as demandadas compelidas a proceder à retirada imediata das postas e filés de cação à venda em seus estabelecimentos nos endereços referidos, até que todas as embalagens identifiquem com clareza ao consumidor o nome da espécie de cação contida nas embalagens;

(3) em caso de deferimento do pedido liminar, transcorrido o prazo referido de 20 (vinte) dias sem a retirada de todos os produtos junto aos supermercados demandados, seja aplicada a multa diária de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) pelo descumprimento;

(4) sejam o Ministério da Agricultura, SIPA e Superintendência Federal de Agricultura no Estado do RS compelidos à obrigação de fazer no sentido de acompanhar a efetivação da ordem liminar, destinando um fiscal responsável pelo setor que trata de pescados para verificar e documentar a troca dos rótulos das embalagens, ou ainda a retirada dos produtos dos estabelecimentos das demandadas, caso for, com a posterior juntada aos autos dos documentos, circunstanciando a troca dos rótulos das embalagens;

(5) sejam o Ibama e a Fepam, na qualidade de licenciadores dos processos de pesca e beneficiamento de pescados incluindo cações e tubarões, compelidas à obrigação de fazer no sentido de acompanhar a efetivação da ordem liminar, destinando um fiscal responsável pelo setor de pescados para verificar e documentar a troca dos rótulos de embalagens, ou ainda a retirada dos produtos dos estabelecimentos das demandadas, com a posterior juntada aos autos dos documentos, circunstanciando a retirada dos rótulos das embalagens;

(6) seja deferido por V. Exa. o efeito erga omnes para que todos os estabelecimentos de distribuição de alimentos que compõem a rede de supermercados das rés Walmart e Carrefour, no Estado do Rio Grande do Sul, sejam compelidas às mesmas obrigações e pedidos liminares contidos acima nos itens “a”, (1), (2) e (3);

Assim foram os pedidos de mérito:

Seja julgada totalmente procedente a ação, para condenar a demandada nas seguintes obrigações:

a) obrigação de fazer, consistente no cumprimento pelas rés Walmart do Brasil e Carrefour Comércio e Indústria Ltda. de todos os pedidos liminares formulados acima, nos prazos especificados e determinados por V. Exa., sob pena de multa diária;

b) obrigação de fazer no sentido de compelir as rés Ministério da Agricultura, SIPA, Ibama, Fepam e Superintendência Federal de Agricultura no Estado do RS a juntarem aos autos todos os documentos lavrados oriundos do efetivo cumprimento das liminares argüidas, ou mesmo no transcurso da instrução e fase probatória, em caso de indeferimento liminar;

c) sejam as rés Walmart do Brasil e Carrefour Indústria e Comércio Ltda obrigadas a fornecer educação ambiental em favor dos funcionários do setor de compras de pescados de seus estabelecimentos, por especialistas, com a devida comprovação em Juízo, diante do autor e por meio de juntada de comprovação nestes autos;

d) a condenação da demandada ao pagamento de eventuais custas judiciais e despesas processuais, assim como ao pagamento de honorários advocatícios na razão de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), ou em quantia que entender conveniente e meritória V. Exa., ou ainda a maior, de acordo com o que estipula o CPC, assim como balizado na qualidade do trabalho especializado desenvolvido, tutela coletiva e efetividade da legislação, assim como a relevância social e ambiental envolvida;

e) seja o valor de eventual condenação revertido ao Fundo Nacional de Direitos Difusos conforme determina a Lei 7.347/85.

Por fim, juntou o autor documentos que, em essência, já haviam sido juntados à ação cautelar exibitória de documentos anexa.

Petições do autor IJA. O autor IJA, na petição do ev. 2, requereu o cadastramento, no polo passivo, da Superintendência Federal de Agricultura no Estado do Rio Grande do Sul (sic). Já na petição do ev. 4, informou alteração no Conselho Diretor do Instituto Justiça Ambiental.

Decisão. A decisão do ev. 5 determinou a retificação do polo passivo, fazendo constar como ré a União (da qual o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Superintendência Federal de Agricultura no Estado do RS são órgãos – carentes, pois, de personalidade jurídica). Determinou a inclusão do MPF como interessado, bem como a distribuição por dependência à cautelar exibitória de documentos. Quanto à liminar, determinou aguardar-se a realização de audiência no processo vinculado.

Emenda à inicial. O autor IJA, na petição do ev. 12, requereu a inclusão das empresas Frigorífico Jahú Ltda., Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. e Leardini Pescados Ltda – Entreposto de Pescado, que forneceriam filés de cação aos supermercados. Reiterou os pedidos já apresentados na inicial.

Decisões. A decisão do ev. 14 postergou o exame da liminar para momento posterior à contestação e à manifestação do MPF, determinando esses atos. A decisão do ev. 17, por sua vez, determinou a inclusão, no polo passivo, das empresas fornecedoras indicadas.

Citações. Foram citados eletronicamente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e a União (ev. 15 e ev. 16, respectivamente).

Embargos de declaração. O autor IJA embargou de declaração a decisão do ev. 17, por não ter apreciado os pedidos liminares.

Citações. A ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. foi citada (ev. 23). A ré Carrefour Comércio e Indústria Ltda. foi citada (ev. 26). Também foi citada a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Rossler – FEPAM (ev. 28).

Contestação da ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. A ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. contestou a ação (ev. 29). Apontou para questões relativas à conduta processual e extraprocessual do procurador que representa o IJA. No que tange ao mérito, abordou os limites do dever de informar em matéria de Direito do Consumidor, mencionando que o entendimento adotado pelo autor na busca de proteção ao meio ambiente estaria equivocado, já que, na forma proposta, seriam necessárias informações infinitas acerca de cada produto comercializado.

Mencionou que “cação” seria “o nome dado vulgarmente aos peixes de esqueleto cartilaginoso, da superordem Selachimorpha, que é composta por aproximadamente 400 (quatrocentas) espécies de cação em todo o planteta, divididas entre 09 (nove) ordens e 30 (trinta) famílias” (p. 8 do doc. CONT1 do ev. 29). Referiu, então, que o consumidor tem, entre seus direitos, aqueles relativos à informação clara, precisa, compreensível e adequada, e que o acesso a nomes científicos não efetivaria esses direitos.

Ponderou, também, que não existe previsão legal de que as informações prestadas ao consumidor sejam exaustivas, já que a legislação de defesa do consumidor não faz tal exigência, de modo que o dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor teria por finalidade informar sobre o que é relevante, da melhor e mais completa forma possível, sendo irrelevante ao consumidor saber qual a espécie ou origem do cação adquirido.

A informação, enfim, teria de ser adequada, suficiente e veraz, fornecendo ao consumidor os atributos exatos do produto ou do serviço – nesse sentido, a informação que o autor pleiteou ver veiculada exorbitaria o dever de informar relativo ao fim do produto e da proteção do consumidor relativa à ingestão de peixe. Em outras palavras, as informações que seriam, obrigatoriamente, passadas ao destinatário final seriam as vinculadas ao fim específico da relação travada entre os contratantes, a finalidade do bem: “[f]atos estranhos ao contrato estabelecido entre as partes, no caso em tela aquisição de peixe para consumo, que não se relacionem a riscos na fruição do bem adquirido, não fazem parte do rol daqueles em que exista obrigação de constar na fase pré-contratual” (p. 12 do doc. CONT1 do ev. 29). Ademais, a informação atinente ao tipo de peixe não estaria compreendida entre as relevantes para o acesso ao consumidor:

Resta claro, pelo que até aqui foi apontado, que a demandada não descumpre a legislação protetiva do consumidor ao não informar a espécie do produto comercializado, uma vez que se trata de dado que foge à relação estabelecida entre as partes e não guarda ligação com a finalidade a que se destina o produto ou eventuais riscos que possam advir de sua utilização em relação à própria finalidade para qual foi adquirido.

Poderíamos concluir o que até aqui foi afirmado partindo do pressuposto que, para estabelecer os limites das informações devidas pelo fornecedor, seria necessário responder às seguintes questões: a) qual a relevância da informação para a relação travada entre fornecedor e consumidor, segundo a finalidade para a qual foi adquirido o produto?; b) a informação é correta, clara, precisa, ostensiva”?; c) o consumidor, para um consumo seguro, necessitaria outras informações além das que são datas pelo vendedor?

Nesse contexto, lembra Thierry Bourgoignie que, primeiro, a informação do consumidor “não é um fim em si mesmo”, pois o aplicador da lei deve zelar para que, quando prestada, não venha a ser, ela própria, motivo de confusão,bem como se refira aos elementos que ao consumidor interessa – ou precisa – conhecer. Em segundo lugar, o fornecedor deve prestar informações que possam “ser compreendidas e efetivamente utilizadas pelo seu destinatário”.

Neste aspecto, verifica-se que a informação objeto da presente demanda não preenche os requisitos acima, uma vez que é irrelevante para o consumidor, ou este não tem a menor necessidade, saber, quando adquire cação como seu alimento, qual a espécie ou origem, uma vez que, se efetivamente tivesse alguma preocupação a respeito, adquiriria produto diverso.

A informação preconizada pelo CDC tem a finalidade de proteger o consumidor e não de satisfazer ideologias ou interesses que não os daquele que adquirem o produto para consumo relacionados ao uso final do bem. (p. 13 do doc. CONT1 do ev. 29)

A ré, então, alegou a irrelevância das informações pleiteadas, considerando, ainda, que significativa parcela da população brasileira encontrar-se-ia na linha da pobreza ou abaixo dela, não tendo acesso sequer às condições básicas de subsistência. Ademais, o restante da população que teria acesso aos bens de consumo, “em sua maciça maioria, ao ler a espécie do produto adquirido (normalmente uma palavra que teve origem no latim) sequer terá ideia do que significa” (p. 14 do doc. CONT1 do ev. 29). Complementou, afirmando que o consumidor, mesmo sabendo do nome científico da espécie, não mudaria a sua opção de compra pelas razões abordadas na inicial. Ademais, alegou que a informação seria inútil, porque ignorada pelo consumidor, sendo que o consumo de carne de animais em extinção, sobre-explotados ou ameaçados de sobre-explotação seguirá ocorrendo, de maneira que se estaria atacando a consequência, mas não a causa do problema.

A ré ainda referiu que, no caso de procedência da ação, os demais estabelecimentos do Rio Grande do Sul poderiam permanecer vendendo cação sem a indicação de origem e espécie, que tal fato não traria nenhum prejuízo ao meio ambiente. Assim, não seria o comércio promovido pela ré que ameaçaria a espécie, mas, sim, a pesca predatória e irregular, que deveria ser combatida. Apontou para o conteúdo do art. 170 da Constituição, no que diz respeito aos princípios da ordem econômica, mencionando que as providências pleiteadas pelo autor acarretariam situação concorrencial diferenciada.

A ré também mencionou, no caso de julgamento de procedência da ação, não serem cabíveis honorários de advogado à parte adversa, nos termos dos arts. 17 e 18 da Lei da Ação Civil Pública.

Contestação da ré Carrefour Comércio e Indústria Ltda. A ré Carrefour Comércio e Indústria Ltda. contestou o pedido (ev. 30).

Alegou que nunca houve omissão de informação pelo Carrefour ao consumidor, já que, ao adquirir o produto, o consumidor tem conhecimento de que o peixe adquirido é do tipo “cação”. O “esgotamento de informações de todos os bens que comercializa” implicariam, segundo a ré, a inviabilização da atividade comercial, em razão das “peculiaridades de cada produto”. Referiu que o art. 6º do CDC exige informações sobre “quantidade, características, composição, qualidade, preço e eventuais riscos que apresentem”. Apresentou, ainda, os dados de seu fornecedor: “New Fish” (CNPJ 01.390.796/0001-07). Ponderou, ainda, que as informações prestadas são suficientes, e que o excesso de dados somente confunde o leitor leigo ao adquirir o produto.

A ré ainda sustentou ser descabido o pedido de condenação ao fornecimento de educação ambiental aos funcionários do setor de compras de pescado, na medida em que desprovido de fundamentação legal.

Por fim, quanto a eventual condenação em honorários, alegou que esta não se faz possível, nos termos da Lei da Ação Civil Pública, pelo teor dos seus arts. 17 e 18.

Anexou ao processo imagem da embalagem da posta de cação da empresa “New Fish” (doc. NFISCAL2 do ev. 30), com indicação da espécie “Prionace glauca” (data de fabricação: 23ago.2011; validade: 22ago.2012).

Contestação do IBAMA. O réu IBAMA contestou a ação (ev. 31).

Afirmou que não existe processo com causa de pedir e pedido aberto e que a causa de pedir do processo diz respeito a Direito do Consumidor, notadamente o art. 6º do CDC. Assim, o IBAMA afirmou que iria apresentar defesa em face de demanda relativa à relação de consumo, não admitindo seja alterada a causa de pedir ou o pedido, conforme a vedação do caputdo art. 264 do CPC.

Alegou inépcia da inicial, sob o argumento de que não há fundamento para que o IBAMA regule uma relação de consumo. Referiu que a Portaria nº 121 do IBAMA, em nenhum momento, regula a relação de consumo do pescado, até porque o órgão ambiental não possuiria essa atribuição. Nesse sentido, a ação não trataria de descumprimento de normas relativas à captura do pescado, mesmo porque nenhum réu pratica atividade pesqueira:

A ação não foi ajuizada em face de “quem pescou” porque “pescou ilicitamente”, mas apenas para que o comerciante final informe “quem pescou”.

Assim, as normas que regulam a atividade de captura de animais marinhos não são suporte para exigir que exista a fiscalização da informação de quem pescou e qual o tipo de pescado. A doutrina determina que deve ser considerada inepta a petição inicial quando os fatos não originarem, não servirem de suporte, ao pedido. (p. 4 do doc. CONT1 do ev. 31)

Assim, o IBAMA requereu a extinção do processo sem julgamento de mérito, por inépcia da inicial. Pleiteou, também, fosse considerada, sucessivamente, a ilegitimidade passiva da autarquia ambiental federal, já que não possui como função institucional a regulamentação da relação de consumo, nem de propaganda/imagem, atividades exercidas por órgãos que sequer constam desta ação. Ademais, não há, na petição inicial, qualquer menção a uma infração ao meio ambiente, e o IBAMA possui atribuição somente para fiscalizar a atividade pesqueira, não tendo competência para licenciar e nem regulamentar a atividade da pesca no Brasil:

A Portaria IBAMA 121-N/1.998, embora ainda esteja em vigor, pois foi concebida pelo IBAMA quando a autarquia ambiental detinha competência da legislar sobre os temas de pesca, não pode ser articulada como fundamento para que se inclua a autarquia ambiental na lide, pois eventual modificação/revogação de referida portaria, não mais poderá ser executada pelo IBAMA, senão pelo Ministério da Pesca. (p. 8 do doc. CONT1 do ev. 31)

Assim, o IBAMA não poderia regulamentar a atividade pesqueira, por ser competência do Ministério da Pesca e da Aquicultura, nem possuiria atribuições para fiscalizar relações de consumo, de modo que o pedido de imposição dessa atividade ao IBAMA representaria inovação legislativa, já que criaria obrigação a um órgão, sem amparo legal para tanto. A procedência da ação, ademais, “quebraria a isonomia interna”, pois não foram incluídas outras empresas que comercializam tais produtos de pescados, como a rede Zaffari e as lojas do Mercado Municipal de Porto Alegre. Por último, o Poder Judiciário não deteria competência para criar uma obrigação de fazer ao Poder Executivo, ainda mais sendo restrita a um Estado da Federação – o pedido feriria a isonomia dos Poderes e o Pacto Federativo.

O IBAMA pediu a exclusão dos órgãos ambientais do processo, com formação de litisconsórcio necessário, sob as penas do parágrafo único do art. 47 do CPC. Alegou que seria necessária a presença, no processo, de todos os órgãos estaduais e federais que regulam o direito do consumidor e o direito de imagem dos produtos, pois eles é que teriam atribuição para regular a pretensão do processo e, não, os órgãos ambientais. Referiu, também, que seria necessário que o autor esclarecesse o motivo pelo qual apenas dois supermercados foram indicados na lide, tendo em vista que “a maior rede varejista do Estado não tenha sido chamada para integrar a lide”.

Por fim, o IBAMA afirmou que o autor não descreveu qualquer atividade de pesca ilícita na inicial, não existindo, assim, ilegalidade na conduta, de modo que não ocorreu omissão do Poder Público em seu poder de polícia. Ponderou, enfim, que “o direito de informação não se equipara à conduta ilícita passível de ser reprimida pelo poder de polícia”. Exemplificou a afirmação com o caso do cigarro:

A venda do cigarro é lícita por isto não existe a repressão do Poder de Polícia do Estado, mas o direito a informação exige que a população tome conhecimento das consequências que o cigarro provoca na saúde.

A pretensão do autor é que a população saiba “quem pescou” e “qual a espécie” que está sendo consumida, mas sem existir a demonstração de que a pesca é ilegal, não podemos exigir a repressão do Estado.

O IBAMA possui como missão institucional reprimir a tos que violem o meio ambiente ecologicamente equilibrado, o seu poder de polícia refere-se ao cumprimento das normas legais do direito ambiental, não está entre as suas atribuições garantir o direito de informação do consumidor. (pp. 10 e 11 do doc. CONT1 do ev. 31)

O IBAMA observou, ainda, que notifica todos os supermercados e estabelecimentos do Mercado Público, para que lhe sejam apresentados os certificados de origem e as notas fiscais de compra do pescado, sendo que aqueles que não apresentam documentação são autuados. Mencionou que várias operações de fiscalização já foram executadas dessa forma, tendo como objetivo coibir o comércio varejista de pescado ilegal. Destacou que não existiu, nas alegações do autor, descrição de atividade pesqueira ilícita e muito menos omissão do IBAMA na fiscalização da pesca, e que a pretensão deduzida em face da autarquia “volta-se contra o princípio da legalidade, quebrando a Separação dos Poderes e o Princípio Federativo, a fim de determinar o modo de o IBAMA fiscalizar o comércio de peixes em apenas 02 (dois) supermercados” (p. 11 do doc. CONT1 do ev. 31).

Por fim, na hipótese de procedência da ação, o IBAMA citou precedente do TRF4 que entende incabível a condenação do réu ao pagamento de honorários de advogado em favor do autor, quando este é vencedor em ação civil pública (TRF4, AC 0007357-74.2004.404.7200, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 16mar.2011).

Contestação da FEPAM. A ré FEPAM contestou a ação (ev. 32).

Alegou que a ação não merece contra si prosperar, requerendo sua exclusão do polo passivo. Mencionou que o autor equivocou-se em relação à premissa apresentada na inicial, já que a FEPAM não deteria competência para o objeto da lide, nos termos de sua lei de criação, LEstRS 9.077/1990, com aprovação pelo DEst 33.765/1990, que não prevê a hipótese de atuação referida. Referiu que o IBAMA é o efetivo fiscalizador da atividade de pesca oceânica, já que a costa brasileira seria de competência federal.

A FEPAM argumentou, ainda, que não podem ser utilizados os mesmos motivos a embasar a inclusão do IBAMA e da FEPAM no polo passivo desta ação, mesmo porque a pesca é atividade regulamentada pelas normas ambientais federais, submetida ao regramento específico emitido pelo Ministério da Pesca e do Meio Ambiente. Não haveria, assim, razão para incluir aFEPAM no polo passivo, tendo em vista que atribuições relativas ao caso limitam-se à atuação, à operação e à execução do órgão federal.

Mencionou, também, que o licenciamento ambiental exercido pela FEPAM ocorreria na implantação e na operação de indústrias, como a de preparação/fabricação de conservas de pescado, de salgamento de pescado e de armazenamento de pescado. Desse modo, o licenciamento exercido pela FEPAM diria respeito à implantação do empreendimento nos locais adequados e com viabilidade ambiental, não se tratando, em específico, de licenciamento que permita pesca ou industrialização de espécies proibidas por lei ou por regulamentações específicas: “As indústrias do pescado em função dos mercados consumidores e produtivos recebem produtos provenientes de outros estados e na entrada dos mesmos no território do RS é fiscalizada pelos órgãos competentes da Agricultura e Pesca, não sendo atribuição precípua da FEPAM” (p. 6 do doc. CONT1 do ev. 32).

Alegou a FEPAM, ademais, que a embalagem e a rotulagem dos produtos finais são atribuições do Setor de Inspeção de Produtos de Origem Animal, da Superintendência Federal da Agricultura no Rio Grande do Sul e da Delegacia Federal de Agricultura, não cabendo à entidade ambiental estadual o estabelecimento de regras ou o controle de questões dessa natureza.

A FEPAM reiterou, enfim, o pedido de imediata exclusão da lide, à vista de sua ilegitimidade passiva. Informou, também, que não possui “funcionário responsável pelo setor de pescados”, já que setor dessa natureza inexiste na estrutura organizacional da entidade.

Decisão. A decisão do ev. 35 não conheceu dos embargos de declaração opostos pelo IJA, por não haver omissão na decisão do ev. 17, além de determinar diligências para o prosseguimento do feito.

Petição do autor IJA. Na petição do ev. 39, o autor requereu o procedimento do art. 94 do CDC, que impõe a publicação de edital no órgão oficial a fim de que interessados possam intervir no processo como litisconsortes.

Petição da UPAN. A União Protetora do Ambiente Natural – UPAN requereu o ingresso na ação na condição de coautora na ação civil pública (ev. 44).

Citações. Os réus Frigorífico Jahú Ltda. e Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. foram citados por meio de carta precatória (ev. 45).

Contestação conjunta. Frigorífico Jahú Ltda. e Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. contestaram em conjunto (ev. 46). Alegaram que é impositiva a improcedência da demanda, já que não haveria conduta ilícita ou abusiva praticada pelas demandadas, tanto na esfera do Direito do Consumidor quanto na esfera do Direito Ambiental.

Reiteraram a alegação de que o Frigorífico Calombé não se constitui como fornecedor de produtos comercializados nas redes de supermercados demandadas, de modo que não comercializa os produtos cuja espécie e procedência estão sendo questionados. Apenas comercializaria tais produtos o Frigorífico Jahú, que procede à importação do pescado oriundo de Taiwan, ficando o Frigorífico Calombé responsável apenas pelos serviços de armazenagem, manuseio, separação e preparação de pedidos.

Apresentaram esclarecimentos quanto ao processo de importação de pescados realizado pelo Frigorífico Jahú, reproduzindo informações dadas pela analista de comércio exterior da demandada. Destacaram, ainda, o fato de que os produtos passam pela atividade de inspeção e de controle regular, comprovando que estão na estrita legalidade. Mencionaram, também, que há processo de reinspeção dos produtos, realizada por fiscal do Ministério da Agricultura.

Os réus informam que as embalagens de filé e de postas de cação vendidos pelo Frigorífico Jahú às redes de supermercado demandadas foram alteradas, para atender às exigências da legislação em vigor. Juntaram documentos que afirmam demonstrar a alteração. Alegaram o seguinte:

Cabe ressaltar que, as embalagens que o autor requer regularização, foram alteradas para que se enquadrem nas exigências impostas pelas Diretrizes para Descentralização de Rotulagem dos Produtos da Pesca e da Aquicultura (doc. 12, anexo), emitido pela Divisão de Inspeção de Pescados e Derivados, da Coordenação Geral de Inspeção, do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal, da Secretaria de Defesa Agropecuária, do Ministério da Agricultura, Pescaria e Abastecimento, para todas as Regiões Sul e Sudeste do Brasil (portanto, para a Região do Brasil cujos estabelecimentos citados no pedido liminar se encontram). Portanto, não há que se falar em irregularidade nas embalagens dos pescados comercializados pela ora peticionante!!! Não havendo mais a necessidade de alteração destas!

Assim, nas atuais embalagens dos produtos comercializados pelo Frigorífico Jahú passaram a constar as exigências do item b.3.4., das Diretrizes para Descentralização de Rotulagem dos Produtos da Pesca e da Aquicultura, quais sejam: a) nome comum da espécie de pescado, b) forma de apresentação e c) conservação. (p. 9 do doc. CONT1 do ev. 46)

Os réus afirmaram, também, que indicam, nas embalagens dos produtos, a origem de seus pescados, estando supridas, portanto, as exigências feitas pelo autor. Desse modo, perderiam o objeto os pedidos liminares relativos à regularização das embalagens dos produtos comercializados. Apontaram que todas as exigências previstas em lei já foram atendidas, sendo as demais excessivas, abusivas e desamparadas de base legal. Reprisaram, então, os argumentos apresentados pela ré WMS Supermercados relativos a esse ponto.

Ademais, os réus contestaram o pedido relacionado à obrigação de fornecer educação ambiental em favor de seus funcionários, o que seria abusivo, já que não estaria sendo cometido qualquer ilícito a ensejar penalização, sendo também carente de fundamentação legal.

Por fim, afirmaram não ser devido qualquer valor de honorários à parte adversa, tendo em vista o teor dos arts. 17 e 18 da Lei da Ação Civil Pública.

Contestação de Leardini Pescados Ltda. O réu Leardini Pescados Ltda. contestou a ação (ev. 48).

Alegou que o pedido não prospera, já que em desacordo com as normas vigentes. Mencionou que o peixe da espécie “cação” comercializado pela ré provém da captura de pescado realizada no Uruguai e que todos os procedimentos aqui do Brasil são acompanhados por técnicos especializados e por fiscais federais, o que garantiria padrões de alta qualidade aos produtos, com exportação, inclusive. Referiu também que não há legislação, no Uruguai, que restrinja a captura do cação, tampouco no Brasil, “diferenciando-se tal aquisição pelo rigor em seu tratamento, eis que alvo de dupla fiscalização, seja quando da sua captura e saída do país de origem e quando da entrada neste País, assim como na entrada no estabelecimento industrial da ora ré” (pp. 2 e 3 do doc. CONT1 do ev. 48).

O réu afirmou que haveria diferença entre espécies ameaçadas de extinção, espécies sobre-explotadas e espécies ameaçadas de sobre-explotação, sendo que não haveria qualquer restrição para a captura nos dois últimos casos. A demandada estaria, assim, na legalidade, considerando-se, ainda, que o produto seria oriundo de outro país.

Sustentou, no que diz respeito às informações constantes dos rótulos e das embalagens, que a normatização relacionada é ato privativo do Ministério da Agricultura, em conjunto com a ANVISA.

Referiu que, para uniformizar a rotulagem dos produtos embalados sem a presença do consumidor, quando comercializados em países signatários do MERCOSUL, foi editada a Resolução 21/02 – Regulamento Técnico MERCOSUL para Rotulagem de Alimentos Embalados, transcrito integralmente pelo réu (pp. 4 a 6 do doc. CONT1 do ev. 48). Mencionou que aANVISA e o Ministério da Agricultura, por meio da Resolução 259/2002, disciplinaram a matéria em âmbito interno, de modo que as embalagens e rotulagens devem seguir os estritos termos das normas existentes, não cabendo alteração sem base na regulamentação. Argumentou, assim, que é impossível o cumprimento do pedido formulado pelo autor, e que há carência de ação, devendo o processo ser extinto sem exame do mérito.

Alegou, ademais, que seria indevida a afirmação de que houve publicidade enganosa por omissão de dado sobre o produto, já que se trata “de peixe da espécie cação e assim consta da embalagem do produto”. Ponderou, inclusive, que nunca houve qualquer advertência por parte dos órgãos competentes, de modo a atestar a legalidade, no que tange à matéria ambiental e às relações de consumo. Não haveria, enfim, a comprovação de fumaça do bom direito ou de perigo na demora a amparar eventual deferimento de liminar:

As informações e documentos ora trazidos pela ré são por demais suficientes a demonstrar o cumprimento integral das normas legais aplicadas a espécie, inclusive com a respectiva indicação da origem da espécie do pescado comercializado.

Também, não há que se falar em dano ambiental, resta por demais explicitado que o pescado comercializado pela ré é oriundo de país estrangeiro, onde não há norma restritiva. Do mesmo norte, aplicando-se a legislação nacional ao presente caso, a subespécie não se encontra em perigo de extinção, não consta no anexo I da Instrução Normativa 05 MMA, portanto, sem restrições na captura e comércio.

Frisou a empresa ré que sofre fiscalização ambiental comprometida e ativa dos órgãos competentes, sendo que é fiscalizada em relação a todos os produtos processados ou industrializados em suas dependências.

Por último, impugnou a quantia de honorários pleiteados pelo advogado do instituto autor, devendo ser aplicados parâmetros razoáveis e de equidade, nos termos do art. 20 do CPC, e pediu o reconhecimento de carência da ação e, sucessivamente, o julgamento pela improcedência.

Manifestação do MPF. O MPF apresentou parecer no ev. 51.

Afirmou que esta ação estaria fundada no direito do consumidor de receber informações acerca do produto que lhe é oferecido e no direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Citou o inc. III do art. 6º do CDC (relativo ao direito do consumidor à informação), o art. 4º do CDC (relativo aos princípios da Polícia Nacional das Relações de Consumo), o art. 170 da Constituição da República (sobre a ordem econômica, com menção à defesa do meio ambiente), o art. 225 da Constituição da República (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado).

Após tais menções, afirmou o seguinte:

Com efeito, a partir de análise sistemática das normas acima transcritas, resta induvidoso que nosso ordenamento jurídico obriga a pretensão veiculada nos pedidos liminares do autor, eis que se mostra cabível a inserção da mais completa e adequada informação nas embalagens dos produtos de pescado comercializados.

A interpretação isolada do art. 6º do CDC poderia suscitar dúvidas sobre a exigibilidade de informações mais específicas, conforme exemplo da presença de glúten nos alimentos. Contudo, no caso da existência de efetivos riscos de extinção de espécies da fauna e, por consequência, graves danos ao meio ambiente, evidencia-se a necessidade de maior transparência nas informações prestadas, especialmente porque relacionadas à manutenção do meio ambiente sadio e equilibrado, ou seja, à própria qualidade de vida das pessoas.

Meras alegações sobre os custos e eventuais dificuldades que a obrigatoriedade de informar qual espécie de “cação” está sendo comercializada são desprovidas de embasamento legal, considerando-se que própria Constituição preconiza o “tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços”.

E, no caso em tela, é evidente que o impacto de eventual extinção de espécies da fauna mostra-se suficiente para a adoção de medidas simples como as postuladas nesta ação.

Outrossim, é oportuno destacar que as informações prestadas pelos fornecedores de “cação” ao comércio varejista causam estranheza, uma vez que dão conta que todo “cação” comercializado seria importado de Taiwan e do Uruguai, não obstante as diversas embarcações que atuam nesse tipo de pesca no litoral brasileiro, fato comprovado pelas frequentes apreensões de milhares de barbatanas.

Ademais, o Frigorífico Jahú informou que o “cação” distribuído é da espécie conhecida popularmente como Tubarão-azul (Prionace glauca). Ora, existente essa especificação, é devido o acesso dessa mesma informação ao público consumidor. Tal espécie se encontra sobre-explotada ou em risco de sobreexplotação, conforme Anexo II da Instrução Normativa/MMA nº 5, de 21 de maio 2004. Assim sendo, é evidente a necessidade de informação ao consumidor.

Referiu, ainda, que não se devem menosprezar os direitos dos consumidores e o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. Transcreveu, ademais, nota técnica emitida pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, em caso análogo, referente ao comércio de produtos originários de furto e roubo:

(…) Passados 17 anos da promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) é notável que o consumidor conquistou vários direitos, cada vez mais respeitados pelos fornecedores. É neste sentido que se constata que a informação adequada e clara sobre o bem que se pretende consumir, prevista no artigo 6º, inciso III do Código, amplia a transparência nas relações de consumo e, por consequência, possibilita ao consumidor exercer seu direito de escolha em relação ao que lhe é oferecido (art. 6º, II, CDC).

O poder de escolha do consumidor é capaz de influenciar o mercado de bens e serviços, na medida em que as suas aquisições podem definir o sucesso ou o fracasso do fornecedor. Por entender que a escolha prudente do consumidor em relação ao que pretende adquirir ou utilizar é fundamental para movimentar o mercado, a presente nota tem o intuito de promover, junto com os demais membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), a reflexão dos consumidores com relação ao poder que detêm para promover uma sociedade mais justa e equânime. Deste modo, compreende-se que a decisão do consumidor, ao exercer o seu direito à livre escolha consciente, é fundamental para incentivar boas práticas no mercado, bem como para desestimular o mercado ilegal de produtos, que está associado à criminalidade e à violência, conforme dados que serão mostrados a seguir.

O consumidor, como protagonista na construção de um modelo social e ambiental sustentável, deve estar consciente de que as suas decisões individuais de consumo constituem atos de cidadania, pois possuem uma dimensão coletiva inerente que ultrapassa a dimensão meramente mercantil da relação de consumo. Nesse sentido, é fundamental notar a convergência entre os conceitos de consumidor e cidadão. O consumidor-cidadão se destaca por ser uma pessoa livre. Essa liberdade implica a capacidade de fazer escolhas, de perceber, entender e poder aplicar alternativas justas e racionais de consumo.

O consumidor-cidadão pode escolher com inteligência e com consciência. Esta opção consciente não se resume à escolha do produto ou serviço em si, mas pondera todo o seu processo produtivo, pois sabe que sua decisão é um voto pela forma de produção e pela maneira em que tal bem é comercializado, assim como pelos efeitos que lhes serão atribuídos. O consumidor-cidadão deve compreender, portanto, a importância de suas decisões no mercado de consumo, sabendo que as suas escolhas farão diferença.

(…)

A escolha por um produto advindo de um ato de violência incentiva a continuidade desta prática. Ao fazer uso consciente de seu poder de escolha, no sentido de não adquirir um produto que saiba ser fruto de um furto, roubo, ou qualquer outro ato criminoso e violento, o consumidor auxilia na diminuição da criminalidade no país e pratica um ato de cidadania.

O consumo consciente, caracterizado pela decisão de não adquirir produtos advindos de crime, faz parte das ações de responsabilidade cidadã, pois ele compreende que as suas escolhas não afetarão apenas a sua vida mas a de toda a coletividade, praticando, também, solidariedade. O poder de escolha do consumidor é uma das principais ferramentas para garantir seus direitos, pois tem o condão de incentivar determinadas práticas no mercado de consumo. Cabe ao consumidor decidir que tipos de práticas deseja incentivar, pois elas certamente, quando não premiarem ou incentivarem o ciclo da violência, contribuirão com a construção de uma sociedade mais justa e pacífica. (pp. 6 a 8 do doc. PARECER1 do ev. 51)

Argumentou o MPF que, embora a nota técnica estivesse relacionada a questão diversa, a essência seria semelhante à da presente ação, que visaria a garantir à população não apenas o direito de obter informações acerca do produto, mas também o direito de escolha.

Assim, o MPF requereu o deferimento das medidas liminares, nos termos postulados na inicial.

Decisão. A decisão do ev. 53 (com a retificação da decisão do ev. 55) determinou aguardar-se a audiência designada na ação cautelar vinculada, destinada à oitiva do Dr. Fernando Fernandes Mendonça, pesquisador do Laboratório de Biologia e Genética de Peixes da UNESP de Botucatu/SP.

Petição da UPAN. A União Protetora do Ambiente Natural – UPAN requereu, mais uma vez, o seu ingresso na ação no polo ativo (ev. 76).

Decisão. A decisão do ev. 77 determinou a intimação das rés e do MPF, para que se manifestassem sobre o pedido de ingresso na demanda.

Petição da União. A União Federal pronunciou-se no sentido de não concordar com a inclusão da União Protetora do Ambiente Natural – UPAN na demanda (ev. 88), alegando não existir interesse jurídico da associação, tendo em vista que não há relação entre as suas finalidades e o objeto do processo, relativo a direito do consumidor. Requereu, assim, o indeferimento do ingresso da UPAN, na condição de litisconsorte ativa.

Manifestação do MPF. O MPF concordou com o ingresso da UPAN no polo ativo da ação (ev. 91).

Petição do IBAMA. O IBAMA requereu o indeferimento do ingresso da UPAN no polo ativo, alegando que não há interesse jurídico da associação a amparar o seu ingresso, na medida em que esta ação civil pública diz respeito a direito do consumidor, e, não, a direito ambiental (ev. 93).

Decisão. A decisão do ev. 100 determinou a juntada a estes autos de cópia da ata de audiência realizada no processo vinculado. Determinou a expedição do edital para os fins do art. 94 do CDC, como requerido. Deferiu o ingresso da UPAN no processo, com a sua inclusão na autuação. Determinou a intimação do autor e da assistente, para réplica às contestações apresentadas e para especificação das provas a produzir, a intimação das rés, para especificação também de provas, e posterior intimação do MPF.

Petição da ré Carrefour. A ré Carrefour requereu a produção de prova pericial técnica contábil, para comprovar a origem das mercadorias e a regularidade de sua comercialização (ev. 101). Requereu também produção de prova oral, com oitiva de testemunhas, além de prova documental suplementar.

Ata. Foi juntada a ata da audiência realizada (ev. 102), na qual não se fez presente o especialista que seria ouvido.

Petições. IJA e UPAN requereram e reiteraram o deferimento dos pedidos liminares (ev. 106). Requereram também a publicação do edital previsto no art. 94 do CDC nos três principais jornais do Estado do Rio Grande do Sul, para conhecimento, bem como a remessa de ofício ao PROCON/RS, para manifestar-se e dar publicidade ao processo (ev. 107).

Edital. O edital dando ciência do objeto do processo foi expedido (ev. 117) e disponibilizado (ev. 120).

Petição da ré WMS. A ré WMS informou pretender produzir prova testemunhal e, complementarmente, documental (ev. 121).

Petição do réu Leardini Pescados Ltda. O réu Leardini Pescados Ltda. informou pretender a produção de prova documental suplementar, bem como prova pericial e prova testemunhal.

Manifestação do MPF. O MPF manifestou-se pela impertinência da produção das provas postuladas, na medida em que o julgamento do feito tem como cerne o direito do consumidor à informação (“conhecimento da espécie e da origem do pescado, subsidiando sua opção de aquisição, inclusive de acordo com as ponderações ambientais subjacentes, à vista de eventual ameaça de extinção e do local de pesca”). De outra parte, informou não possuir provas a produzir (ev. 126).

Petição da União Federal. A petição protocolada pela União Federal no ev. 130 reproduziu, em essência, os argumentos já manejados na contestação da ação cautelar vinculada. Citou as regulamentações atinentes à matéria discutida no processo, bem como a Informação nº 41/2014/DIPES/CGI/DIPOA, que trata, de modo pormenorizado dos aspectos atinentes à entrada e à comercialização do produto em questão no Brasil, o que já fora reproduzido quando do relatório da ação cautelar vinculada. Requereu o julgamento de improcedência do pedido em relação àUnião.

Decisão. A decisão do ev. 133 indeferiu o pedido de provas testemunhal e pericial dos réus WMS Supermercados do Brasil Ltda., Leardini Pescados Ltda. e União Federal, e esclareceu que a juntada de provas documentais poderia ser realizada, de acordo com os critérios do art. 397 do CPC.

A decisão, ainda, declarou encerrada a instrução, concedendo dez dias às partes, para memoriais.

Memoriais do IBAMA. Na petição do ev. 147, o IBAMA alegou não poder ser coautor na ação cautelar, e, ao mesmo tempo, réu na ação principal, considerando o caráter de acessoriedade daquela em relação a esta.

Afirmou que não há, na inicial, qualquer fundamento jurídico que imponha a presença da autarquia ambiental em matéria de relação de consumo, tendo em vista que a causa de pedir e o pedido estão relacionados ao direito de o consumidor ter conhecimento da origem e da espécie dos peixes comercializados. Observou que a ação não possui como causa de pedir o descumprimento da Portaria nº 121 pelos supermercados, tampouco omissão do IBAMA em fiscalizá-los, mormente porque os réus não praticam atividade pesqueira, não havendo, assim, em específico, descumprimento de normas relativas à captura do pescado: “[a] ação não foi ajuizada em face de ‘quem pescou’ porque ‘pescou ilicitamente’, mas apenas para que o comerciante final informe ‘quem pescou’.” Pleiteou fosse considerada inepta a inicial, já que os fatos não servem de suporte ao pedido (“as normas que regulam a atividade de captura de animais marinhos não são suporte para exigir que exista a fiscalização da informação de quem pescou e qual o tipo de pescado”). Mencionou, por fim, que o fato de o IBAMA ter competência para fiscalizar a pesca na zona costeira não significa que a autarquia tenha competência para fiscalizar o conteúdo do rótulo das embalagens de pescado vendido em supermercados.

Nessa linha de raciocínio, o IBAMA alegou ilegitimidade para figurar no polo passivo, já que não possui como função institucional a regulamentação de relação de consumo ou de propaganda, atividades exercidas por outros órgãos estaduais e federais. Argumentou que a ação não possui como causa de pedir eventual pesca ilegal cometida pelos supermercados, que não há nenhuma infração ao meio ambiente, apenas se afirmando que seria um direito do consumidor saber quem pescou e qual a espécie de pescado. Ademais, esclareceu que o IBAMA não tem competência para licenciar e regulamentar a atividade da pesca no Brasil, sendo que, de 2003 a 2008, a atividade de licenciamento era realizada pela Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca, sendo, depois da L 9.528/2009, realizada pelo Ministério da Pesca e Aquicultura.

O IBAMA alegou, ainda, que o art. 3º da IN MMA 05/2003, que atribuía a esse órgão competência para conceder autorização especial para captura de espécies ameaçadas de extinção listadas em anexo, foi parcialmente revogado pela nova redação do art. 27 da L 10.683/2003. Ademais, a Portaria IBAMA 121-N/1998 não mais poderia ser executada pelo IBAMA, mas pelo Ministério da Pesca, por conta dessa alteração legislativa.

O IBAMA pediu, então, a extinção do processo sem julgamento de mérito, por ilegitimidade passiva. Ponderou, ainda, que não pode regulamentar atividade pesqueira ou relações de consumo, de modo que impor a essa autarquia a fiscalização das embalagens de pescado representaria uma inovação legislativa. Ademais, abordou possível quebra de isonomia, no caso de procedência da ação:

É importante observar que a inimaginável procedência da ação quebraria a isonomia interna na Federal, pois o pedido é para as embalagens indicarem “quem pescou” e “qual a espécie” apenas no Rio Grande do Sul e, o estranho é não exigirem a mesma medida da rede Zaffari e dos comerciantes do Mercado Municipal de Porto Alegre, os quais vendem maior quantidade de pescado que os réus da presente ação.

Ante o exposto, a ação deve ser extinta sem julgamento do mérito, porque o Poder Judiciário não possui competência para criar um a obrigação ao Poder Executivo, ainda mais restrita a 01 (um) Estado da União, em síntese, o pedido fere a isonomia dos Poderes e o Pacto Federativo.

[…]

Causa surpresa a pretensão da associação autora, para que destine um fiscal para que fique de plantão no balcão dos supermercados para fiscalizar a troca de rótulos da embalagem!!! O pedido não é para que fiscalize uma infração ambiental, nem possui a autarquia competência/legitimidade para fiscalizar RÓTULOS de embalagens. O Poder Judiciário estaria fazendo as vezes do Poder Legislativo criando uma obrigação a um órgão sem amparo legal.

Carece ainda a associação autora de interesse processual em relação ao pedido direcionado contra o IBAMA, porque não há necessidade de que seja um fiscal do IBAMA a pessoa que verifique o cumprimento da ordem judicial: poderá, validamente, qualquer associado, ou o próprio patrono que representa a associação, dirigir-se ao supermercado, e pessoalmente verificar o cumprimento de eventual determinação judicial.

O IBAMA apontou, também, eventual litigância de má-fé pela conduta do advogado da associação, em razão do pedido – tido como temerário – de inclusão do IBAMA como réu nesta lide.

Em suma, pediu a declaração de ilegitimidade passiva do IBAMA e, no mérito, a declaração de impossibilidade jurídica de se imputar à autarquia obrigação não prevista em lei, com compensação da verba honorária devida ao advogado da associação com a verba honorária devida ao IBAMA, por ter sido temerariamente incluído no polo ativo da presente lide.

Já na petição do ev. 148, o IBAMA apontou para ausência de interesse de agir, na medida em que o IBAMA efetuaria fiscalização do comércio de barbatanas por meio de notas fiscais e livro de registro, por meio da IN IBAMA 02, de 19 de fevereiro de 2014:

O IBAMA não exerce a fiscalização da legalidade da origem das barbatanas/cações comercializados através da mera leitura da etiqueta da embalagem. Este pedido é inócuo, porque o papel tudo admite, a empresa poderia informar que comercializa a espécie “x”, importada, quando na verdade a embalagem contém a espécie “y” que foi pescada no território nacional.

A IN Interministerial MPA/MMA nº 14, de 26/11/2012 estabelece as normas de armazenamento e comercialização de tubarões, raias, e seus derivados. Proíbe o finning, somente permite o desembarque em terminal portuário ou pesqueiro, proíbe a transferência entre embarcações, e somente permite o corte parcial das barbatanas de forma a possibilitar sua dobra para facilitar o armazenamento, para evitar a descaracterização.

Já a IN interministerial MPA/MMA nº 01 de 12/03/13, proíbe a pesca, transporte e comércio do tubarão galha-branca.

Já a IN IBAMA 02/2014 regulamenta os procedimentos necessários para fiscalizar o controle da pesca, transporte e comércio de barbatanas. Ao invés das providências, data máxima vênia, inócuas pretendidas pela associação autora, traz medidas concretas que permitem averiguar a espécie e a origem das raias e tubarões, como ser:

– inscrição no Cadastro Técnico Federal do pescador, transportador e comerciante,

– toda e qualquer carga de barbatanas deve estar acompanhada, desde sua origem, de cópia das notas fiscais emitidas (permite verificar toda a cadeia de custódia),

– a empresa deverá manter em Livro Registro, cópia das notas fiscais, e as informações discriminadas no anexo II (espécie, peso, número de conjuntos ou nadadeiras, fornecedor, data de entrada, interferências sofridas – refinamento, mudança de fresco/resfriado/congelado/seco-, informações de saída, local de armazenamento, data da comercialização, etc.

Assim, o IBAMA sustentou a ocorrência de perda superveniente do interesse de agir da associação autora, não procedendo a condenação dos supermercados em sucumbência, já que, à época dos fatos, não existia legislação a regulamentar a forma de divulgação da cadeia de custódia, que veio a prever formatação diversa da pretendida pela associação autora.

Memoriais do IJA e da UPAN. IJA e UPAN reiteraram o argumento de que os aspectos relacionados à cadeia de fornecimento de carne de cação são essenciais para a compreensão da demanda. Alegaram que, “tanto em nível nacional quanto internacional, a comercialização de carne de cação está em considerável parcela relacionada à prática do finning (extração das barbatanas)”, do que decorreria o direito de o consumidor ter possibilidade de escolha frente aos produtos que consome, a partir de informações claras sobre o seu conteúdo e sobre a sua origem:

Da total ausência de informação verificada, os autores entendem que tal conduta constitui propaganda enganosa por omissão, já que o consumidor, hipossuficiente, tende a acreditar que o supermercado respeita as normas e legislação ambiental vigentes, e que o estabelecimento não venderia de forma alguma animais (cações) em risco de extinção ou sobreexplotados.

Neste ponto, é direito do consumidor buscar (e obter!) a informação completa sobre o produto, de forma a possibilitar sua escolha entre comprar ou não comprar determinado produto que – sem o devido esclarecimento da origem e qualidade – pode ser proveniente de uma atividade predatória que coloca em risco as populações de cações e consequentemente os ecossistemas marinhos.

Este esclarecimento constitui, sabidamente, direito basilar do consumidor-cidadão. Especialmente quando envolve espécies ameaçadas e risco ambiental.

Tais informações devem constar na embalagem, sob pena de constituir propaganda enganosa e ofensa a liberdade de escolha dos consumidores. (p. 5 do doc. MEMORIAIS1 do ev. 149)

Por fim, IJA e UPAN reiteraram os pedidos constantes da inicial.

Agravo retido. A ré WMS Supermercados do Brasil Ltda. interpôs agravo retido quanto ao indeferimento da produção da prova pericial e testemunhal (ev. 150).

Memoriais do Frigorífico Jahú Ltda. e Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. Frigorífico Jahú Ltda. e Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. apresentaram memoriais (ev. 151). Reiteraram os argumentos de que o Frigorífico Calombé não comercializaria os produtos que correspondem ao cerne da demanda, sendo o Frigorífico Jahú o responsável pela importação do pescado, pelo trâmite de “nacionalização” dos produtos e pela remessa ao Frigorífico Calombé, que presta serviços de armazenagem, manuseio, separação e preparação de pedidos.

Mencionaram, ademais, que o Frigorífico Jahú importa os filés de cação da cidade de Kaohsiung, situada em Formoza/Taiwan, sendo que a espécie de cação importado é Prionace glauca, conhecido como cação azul. Reproduziram alegações já apresentadas na ação cautelar:

1) o processo de importação é regular;

2) a mercadoria importada é o pescado Prionace Glauca, também denominado de Cação Azul;

3) a origem da importação é Taiwan;

4) a importação é inspecionada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em duas ocasiões – a primeira inspeção é realizada antes da nacionalização dos filés de cação e a segunda é realizada dentro do Frigorífico Calombé (prestador de serviços contratados pelo proprietário da mercadoria, o Frigorífico Jahú). (p. 4 do doc. MEMORIAIS1 do ev. 151)

Assim, os réus referidos requereram sua exclusão do polo passivo, nos seguintes termos:

a) o Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. constar erroneamente no polo passivo destas demandas, pois, conforme demonstrado, este não fornece produto algum para as Redes de Supermercados WMS do Brasil e Carrefour Indústria e Comércio Ltda., eis que este nada mais é do que um prestador de serviços contratado pelo Frigorífico Jahú Ltda. para executar parte da industrialização de seus produtos;

b) o Frigorífico Jahú Ltda. ter demonstrado: i) que importa a integralidade dos cações utilizados em seus produtos; ii) que consta nas embalagens dos produtos que comercializa, assim como em seu site, a origem dos cações nestes utilizados; iii) que consta em suas embalagens e em seu site a espécie dos cações utilizados em seus produtos (Cação Azul); iv) que as importações destes peixes são regulares e fiscalizadas pelo Órgão responsável – conforme demonstrado -, portanto não sendo estes fruto da pratica denominada “Finning”;

Pleitearam, por fim, a declaração da regularidade dos procedimentos de importação mencionados.

Petição da ré Carrefour Comércio e Indústria Ltda. A empresa ré Carrefour Comércio e Indústria Ltda. reprisou os argumentos já manejados (ev. 152). Postulou que fosse considerada a ilegitimidade ativa da associação autora, a qual contemplaria finalidades de proteção ao meio ambiente e, não, de defesa ao consumidor. Alegou serem claras as informações prestadas nas embalagens dos produtos, atendendo a todos os requisitos das normas de Direito do Consumidor, indicando data de validade, conteúdo, peso, natureza do produto, além de outras informações determinadas por lei. Ponderou que a indicação do nome científico da espécie, como pretende a entidade autora, careceria de fundamentação legal e não se constituiria em dado essencial para o consumidor:

A questão de relevância, o “mens legis” é que o consumidor não se confunda na aquisição de quaisquer produtos, devendo dele constar a clara informação do conteúdo das embalagens. E tal escopo vem sendo regularmente observado, visto que da embalagem consta de forma expressa a denominação do peixe lá contido, em linguagem e termo acessíveis a qualquer consumidor.

A substituição desta informação pelo nome científico poderá atentar contra a norma consumerista, visto que aí sim o consumidor poderia se confundir quanto ao produto que está adquirindo. Inequivocamente, a informação deve ser disponibilizada de forma que todos os consumidores tenham a ela acesso e compreensão. (p. 4 do doc. PET1 do ev. 152)

A ré Carrefour, por fim, requereu a extinção da demanda sem julgamento de mérito, ou, sucessivamente, o julgamento de improcedência da demanda.

Memoriais do réu Leardini Pescados Ltda. O réu Leardini Pescados Ltda. apresentou memoriais (ev. 153).

Informou que o peixe cação comercializado pela empresa provém da captura do pescado realizada no Uruguai, não sendo espécie ameaçada de extinção. Alegou que não há legislação que proíba, nesse país, a captura do pescado em questão, e que o produto sofre fiscalização quando de sua captura, na saída do país exportador, na entrada do Brasil e na entrada no estabelecimento industrial. Alegou também que a normatização quanto à embalagem ou rotulagem de produtos de origem animal é ato privativo do Ministério da Agricultura, em conjunto com a ANVISA. Acerca da embalagem, ainda afirmou o seguinte:

Com o surgimento da necessidade de uniformizar a rotulagem dos produtos embalados sem a presença do consumidor e comercializados em países signatários do MERCOSUL, foi editada a Resolução 21/02 disciplinando sobre as informações obrigatórias de rotulagem e também quanto à identificação de origem. Posteriormente, e seguindo o mesmo norte, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, editou a Resolução 259/2002 disciplinando toda a matéria em âmbito nacional.

Desta feita, as informações constantes em embalagens e rotulagens devem seguir os estritos termos constantes nas normas existentes, estando à empresa, ora ré, plenamente adequada e subordinadas às normas vigentes.

Ainda, importante destacar que há exigência de aprovação da embalagem e rótulo pelo Ministério da Agricultura antes de ser lançado no mercado. Ou seja, a demandada encontra-se perfeitamente dentro dos padrões exigidos, com o devido selo expedido pelo respectivo Órgão, não podendo ou possuindo margem para alterações que não sejam decorrentes de lei ou normativa dos órgão competentes.

O réu afirmou, assim, que é parte ilegítima para a demanda, na medida em que não deteria meios legais de introdução de informações adicionais em seus rótulos ou embalagens. Ademais, o pedido formulado seria impossível de ser cumprido pelo réu ou pelos demais integrantes do polo passivo da ação.

Destacou que, na mercadoria produzida pela ré, são facilmente visualizadas pelo consumidor as informações sobre o produto ofertado (“principalmente a espécie do pescado (cação) e sua origem (uruguaia), bem como o lote, prazo de validade, ingredientes, tabela nutricional e todas as demais exigências descritas na legislação vigente”). Não haveria possibilidade, portanto, de configuração de publicidade enganosa por omissão.

Argumentou, também, que caberia aos órgãos ambientais competentes a fiscalização para coibir a captura de animais ameaçados de extinção, ressaltando que a própria empresaLeardini Pescados sofreu fiscalizações por parte do IBAMA e teve se apresentar, anualmente, todo o seu estoque, relacionando as espécies armazenadas.

Observou que o valor dos honorários pleiteados pelo advogado do autor IJA é exorbitante, não tendo justificativa plausível para tanto. Ponderou que não se poderia perder de vista que a ação civil pública busca a inserção de informações em embalagens, não se tratando de crime ambiental ou contra as relações de consumo, sendo ilegítimo o instituto autor.

Mencionou, por último, que, caso a presente demanda seja julgada procedente, a empresa Leardini restará em desigualdade perante as demais empresas do país, porque continuarão comercializando a mercadoria sem as exigências propostas, o que implicará tratamento desigual.

Por fim, pediu o reconhecimento da ilegitimidade passiva da empresa ré, a impossibilidade do pedido, e, sucessivamente, a improcedência da demanda.

Manifestação do MPF. O MPF manifestou-se no sentido de que as partes que ainda não apresentaram memoriais fossem intimadas para tanto, requerendo, por fim, que tenha vista para parecer conclusivo, em conjunto, nas ações principal e cautelar (ev. 160).

Decisão. A decisão do ev. 62 recebeu o agravo retido interposto pela ré WMS Supermercados, mantendo a decisão agravada e determinando intimação para contrarrazões. Por fim, determinou a intimação das partes que não apresentaram memoriais (União, FEPAM e WMS Supermercados), para fazê-lo.

Memoriais da União. A União reiterou os argumentos já manejados quanto à ilegitimidade passiva para a causa, de modo que não se mostraria responsável, nem mesmo em tese, pelo dever de cumprir a tutela requerida (ev. 173). Reproduziu, também, os argumentos prestados pela Divisão de Inspeção de Pescado e Derivados (DIPES) na Informação nº 41/2014/DIPES/CGI/DIPOA, destacando as normas regulamentadoras das questões postas na lide.

Pleiteou, por fim, o acolhimento de sua ilegitimidade passiva, e, sucessivamente, o julgamento de improcedência da demanda.

Memoriais da ré WMS Supermercados. A ré WMS Supermercados apresentou memoriais (ev. 182). Alegou que, embora o presente feito esteja centrado no direito à informação do consumidor, o autor não se desincumbiu de comprovar qual a relevância das informações pretendidas para o consumidor. De outra parte, reproduziu, em essência, os argumentos constantes da contestação.

Manifestação do MPF. O MPF manifestou-se, em essência, nos seguintes termos (ev. 186):

Conforme já exposto na promoção ministerial do evento 51, a presente ação tem como objeto o direito do consumidor de receber informações adequadas sobre o produto que lhe é oferecido – no caso, filés de cação – e o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nos termos do art. 4º do CDC e do art. 170 da CF, em se tratando de relações de consumo, é indispensável a harmonização dos interesses dos participantes e a compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico, sendo certo que um dos princípios que rege a ordem econômica é, justamente, a defesa do meio ambiente.

Assim, analisando-se sistematicamente as normas que regem as relações de consumo, a ordem econômica e a proteção do meio ambiente, constata-se que a pretensão veiculada no presente processo, para que nas embalagens de produtos de pescado comercializadas sejam disponibilizadas informações adequadas e suficientemente esclarecedoras sobre o produto colocado à venda – possibilitando ao consumidor uma decisão consciente quanto a adquiri-lo ou não -, vai ao encontro das disposições legais e principiológicas do nosso ordenamento jurídico.

Ainda que pudessem surgir dúvidas quanto ao grau de especificidade das informações necessárias ao consumidor, o fato de tratar-se da proteção de espécies de animais que correm risco de extinção, havendo consequentemente a possibilidade de ocorrência de graves (e irreversíveis) danos ao meio ambiente, torna evidente a indispensabilidade de se conferir maior transparência aos dados disponibilizados. Não é demais destacar, nesse ponto, que a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado é diretamente relacionada à própria qualidade de vida das pessoas.

Por outro lado, alegações no sentido de que a disponibilização de informações mais específicas, como qual a espécie de cação que está sendo comercializada, acarretaria altos custos, havendo dificuldade de adoção na prática, também não possuem fundamento legal, em especial tendo em vista que a própria Constituição garante “tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços”. No presente caso, é inquestionável que o impacto ambiental decorrente do risco de extinção de espécies da fauna é razão suficiente para que se adotem as providências postuladas na presente ação civil pública, não se vislumbrando, de resto, em um juízo de razoabilidade, efetivas dificuldades ou custos que pudessem inviabilizar a adoção de tais providências.

E tanto isso é verdade que os frigoríficos JAHÚ e CALOMBÉ informaram nos autos que o cação por eles distribuído é da espécie Prionace glauca, conhecida popularmente como Tubarão-azul (evento 46), a qual está atualmente sobre-explotada ou em risco de sobreexplotação, conforme se verifica no Anexo II da Instrução Normativa/MMA nº 5, de 21 de maio de 2004. Evidentemente, não há razão plausível e aceitável para que tal informação não seja disponibilizada aos consumidores em potencial do produto, para que possam então tomar uma decisão consciente sobre adquiri-lo ou não, cientes de sua origem e atual condição.

[…]

Em suma, é forçoso reconhecer que o consumidor tem o direito de conhecer todas as informações subjacentes ao produto que lhe é oferecido à venda, notadamente no que diz respeito à espécie e origem do pescado, a fim de subsidiar a sua opção de aquisição, inclusive de acordo com as ponderações ambientais envolvidas, à vista, por exemplo, de eventual ameaça de extinção e do local da pesca. Essa conclusão, que em tese já restaria irrefutável, é tanto mais fortalecida na medida em que se está a tratar, conforme destacado, de animais que enfrentam efetivo, concreto e comprovado risco à sua existência, exatamente em decorrência do aproveitamento econômico desenfreado (pesca para comercialização).

A promoção do MPF deu-se, enfim, pela procedência da ação civil pública.

Petição do réu Leardini Pescados Ltda. O réu Leardini Pescados Ltda. informou estar em recuperação judicial, que foi deferida na data de 6maio2015 (ev. 190). Requereu a alteração do seu cadastro, fazendo constar, após o seu nome, a expressão “em recuperação judicial”.

Decisão. A decisão do ev. 191 determinou as anotações necessárias quanto à informação juntada pelo réu Leardini Pescados Ltda. Determinou, ainda, conclusão para sentença.

Andamento. O processo veio concluso para sentença (ev. 193).


Fundamentação. Considerações iniciais quanto ao conteúdo da lide. O que o autor pretende, em essência, é a disponibilização de informações que reputa relevantes aos consumidores acerca dos produtos de postas e de filés de cação comercializados pelos supermercados réus. Objetiva que sejam dispensados, nas embalagens e nos rótulos, dados relativos às características e à procedência desses produtos, informações essas que poderiam auxiliar o consumidor a fazer escolhas conscientes, levando-se em conta questões relativas ao meio ambiente equilibrado e à preservação da biodiversidade.

Mais especificamente, e de modo sintético, o pleito do autor é que sejam fornecidos ao consumidor dados quanto ao nome científico do peixe pescado e quanto ao local em foi capturado, de modo que o mercado consumidor possa decidir pelo consumo ou não da carne de animais que estão ameaçados de extinção ou que estão em condição de sobre-explotação.

Como se verificou durante a instrução do presente processo, o peixe que foi ou tem sido objeto de venda pelos supermercados réus é o “cação azul”, também chamado “tubarão azul”, de nome científico Prionace glauca. Assim, o que se discute, de modo central, nesta lide, é a obrigação de os fornecedores disponibilizarem informações tidas como significativas acerca do produto que, genericamente, é vendido com o nome simples de “cação” e que, dessa forma e nesse sentido, não forneceria a carga de dados necessários para o consumidor verificar se está ou não fazendo uso de um produto que prejudique, em maior ou menor escala, o meio ambiente.

Considerações iniciais quanto ao andamento do processo. Cabe pontuar que, em ações civis públicas complexas, policêntricas, multifacetadas, em que se tutelam direitos coletivos e difusos, tais como a presente, este Juízo tem-se valido da balizada doutrina de Ricardo Luis Lorenzetti, Ministro da Corte Suprema de Justiça da Nação da República da Argentina, que, em seu livro Teoria Geral do Direito Ambiental, entende como útil e quiçá necessário que o Juízo, por vezes, lance mão de atos processuais tendentes a elucidar de forma substancial a lide subjacente à ação (‘audiências informativas’), a ordenar com maior precisão quem deve figurar nos polos da relação processual (‘audiências de constituição de relação processual’), e a entabular parâmetros para um melhor trâmite processual do feito (‘audiências ordinatórias do caso’):

III) Fases da relação processual

A relação jurídico-processual pode ter aspectos de árdua resolução, sobretudo se a legislação não é precisa na matéria.

No polo ativo da relação pode ocorrer que atuem um representante do interesse público (defensor geral, defensor do povo, etc.), vários que invoquem interesses coletivos (organizações não governamentais), e grupos de pessoas que atuem como afetados. Cada um deles pode apresentar uma demanda com demandados diferentes, com objetos que não coincidam e pretensões dissímiles. Por mais que a legislação preveja algum regime de precedência na apresentação, dando prioridade ao primeiro que se apresente, ou mesmo algum sistema de exclusão dos que não comparecem ante um chamado público, as apresentações sempre terminam sendo plurais. É frequente que as partes se perguntem por que uns autores têm preferência sobre outros, ou mesmo a razão que motiva com que somente alguns sejam demandados, e por isso atuam como terceiros ou pedem para ser chamados como tais. A utilização dos remédios processuais clássicos, como a notificação de uma resolução judicial individualmente de uns aos outros, seria interminável.

É por isso que resulta útil a implementação de audiências públicas que possam ter diferentes objetos:

Audiências informativas: É frequente que as partes não provejam toda a informação, dificultando as decisões que deve adotar o tribunal. As audiências com citação de todas as partes para escutar suas posições, as medidas de finalidade informativa são muito úteis para ampliar a base sobre a qual se devem tomar decisões. Nesses casos o tribunal deve adotar uma posição muito ativa para obter informação.

Audiências de constituição de relação processual: O segundo passo é constituir a relação processual de maneira que possa desenvolver-se a lide. As audiências permitem ordenar com maior clareza quem são os autores e demandados. Este aspecto é muito importante dado o já assinalado caráter policêntrico dos processos coletivos.

Audiências ordinatórias do caso: Como colocamos de manifesto no início, o tribunal deve desenhar uma estratégia para administrar esses casos, já que, do contrário, pode frustrar-se totalmente o resultado perseguido. Por isso resulta relevante a audiência ‘ordinatória’, que tem por finalidade fixar certos parâmetros para a tramitação.

[…]

(LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria geral do direito ambiental. Tradução de Fábio Costa Morosini e Fernanda Nunes Barbosa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 142-3)

Registre-se que, nos presentes processos vinculados (assim como, exemplificativamente, na ação civil pública registrada sob o nº 5068955-06.2011.404.7100), este Juízo valeu-se desses pressupostos doutrinários, designando audiências preliminares de cunho informativo, de modo a fazer-se oportuna e conveniente a presença de todas as partes envolvidas em uma audiência preliminar, de caráter essencialmente informativo, viabilizando, inclusive, que as partes se fizessem acompanhar de técnicos qualificados da área do conhecimento objeto de controvérsia da ação.

Preliminares. Competência do Juízo em matéria ambiental. A matéria discutida nestas ações – principal e cautelar – tem relação com o Direito do Consumidor, mas tem, igualmente, forte relação com o Direito Ambiental: evidencia o entrelaçamento de ramos do estudo do Direito, para a definição da solução jurídica do caso concreto. Trata-se de situação em que se evidencia o diálogo das fontes, expressão criada por Erik Jayme e introduzida, no Brasil, por Cláudia Lima Marques, para significar “a atual aplicação simultânea, coerente e coordenada de plúrimas fontes legislativas, leis especiais […] e gerais […], com campos de aplicação convergentes, mas não mais iguais” (MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das Fontes. In: BENJAMIN, Antonio Herman; ______; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013).

Na situação jurídica posta nesse processo, o que há é uma relação de consumo (com seus consectários da cadeia de fornecimento) que é permeada por questão de fundo ambiental, com fulcro na proteção do meio ambiente equilibrado, a partir de medidas que visem a que o consumidor seja capaz de tomar decisões de consumo sustentável. Em casos como o presente, é preciso considerar essa perspectiva de diálogo das fontes, para compreender que a definição da resposta do Direito para um caso concreto depende de uma compreensão integrativa das fontes normativas. É assim que esta demanda tem fundamento em matéria ambiental, embora dependa de substratos normativos relacionados a outros ramos do Direito. Cita-se trecho de Ricardo Luis Lorenzetti, a apontar essa inter-relação dos âmbitos dos ramos e dos sub-ramos do Direito, especificamente em matéria ambiental:

A temática ambiental é um exemplo do surgimento das regulações jurídicas transversais e descodificantes que vai gerando o seu próprio microssistema regulatório.

A questão ambiental é constitucional, pública e privada, abarca o direito administrativo e o civil, tem reflexos importantíssimos no direito econômico, na propriedade, no direito penal. Seus princípios não apontam para a adaptação, mas sim para a modificação, adotando um caráter reestruturante do sistema.

[…]

Trata-se de problemas que demandam instituições e instrumentos próprios. Confluem neles o público e o privado, o penal e o civil, o administrativo e o processual, mesclando-se em um coquetel inovador e herético.

(LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da Decisão Judicial. Fundamentos de Direito. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 49-50)

A mesma percepção encontra-se alicerçada em Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer:

[…] podemos afirmar que o permanente diálogo das diferentes fontes (formais, materiais e complementares) caracteriza a essência do direito ambiental, acompanhando a evolução das relações jurídicas de natureza ecológica e oferecendo respostas adequadas para a efetivação da legislação ambiental. A natureza dinâmica e em constante renovação das novas ameaças à qualidade, ao equilíbrio e à segurança ambiental exigem do intérprete da norma ambiental uma compreensão panorâmica e complexa do fenômeno ecológico pelo prisma jurídico. As fontes do direito ambiental, nesse contexto, são fundamentais para tal leitura e captação da realidade, partindo-se de uma compreensão integradora e dialética. A efetivação do direito ambiental, em última instância, depende desse olhar hermenêutico sistemático e abrangente, colocando a norma jurídica a serviço da proteção da natureza.

(SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Fontes do Direito Ambiental: uma leitura contemporânea à luz do marco constitucional de 1988 e da “Teoria do Diálogo das Fontes”. In: Revista de Direito Ambiental, vol. 78/2015, pp. 215-243, abr./jun.2015).

Tomando por base tais aspectos, e levando em consideração o objeto da lide, com os seus contornos multifacetados, é possível perceber que a matéria discutida neste feito tem, de fato, cunho ambiental, cabendo a atuação desta Vara especializada para julgamento da matéria.

No que diz respeito à competência da Justiça Federal, verifica-se, como afirmado adiante, que a causa conta com a União na condição de ré legítima, fazendo incidir o inc. I do art. 109 da Constituição da República. Afasta-se a preliminar de incompetência desta Nona Vara Federal para a apreciação da demanda.

Legitimidade do Instituto de Justiça Ambiental. Os elementos constantes do processo permitem concluir que o Instituto de Justiça Ambiental é legítimo, para pleitear esta demanda.

O Estatuto do Instituto de Justiça Ambiental foi juntado na sua integralidade na ação principal (doc. ESTATUTO2 do ev. 1 da ação principal e doc. ESTATUTO2 do ev. 173 da ação cautelar), demonstrando contemplar, entre sua missão e seus objetivos, a defesa do meio ambiente, matéria em questão neste processo. Sua pertinência temática resta demonstrada.

Verifica-se, ademais, que o autor já estava constituído há mais de um ano quando do ajuizamento da ação, nos termos do art. 5º da L 7.347/1985.

Rejeita-se a alegação de inépcia da inicial por vício de representação processual. Afasta-se a preliminar de ilegitimidade do IJA.

Legitimidade do IBAMA. O IBAMA figurou em posições diversas, nos polos da ação cautelar e da ação principal.

A análise atenta aos limites do pedido e da lide permite concluir que o IBAMA não participa das atividades de fiscalização relativas a aspectos de proteção do mercado consumidor: sua atividade de fiscalização quanto à captura de cações não é elástica a ponto de contemplar fiscalização sobre questões comerciais da cadeia de consumo. Desse modo, não se faz possível figurar no polo passivo, como eventual responsável pela regularidade das informações constantes de embalagem de produto.

De outra parte, não se verifica interesse jurídico para que o IBAMA conste do polo ativo da demanda. Não há interesse seu na procedência do pedido, a despeito de seu interesse, em sentido amplo, na proteção ao meio ambiente. O fato é que, do ponto de vista jurídico, não se identifica o interesse da autarquia, à vista de suas atribuições institucionais, que não dizem respeito à regulamentação de relação consumerista, a aspectos relativos à propaganda ou à imagem e a atividades outras, que são exercidas por órgãos outros da Administração Federal Direta, notadamente aqueles subordinados ao Ministério da Agricultura.

A relação jurídica que o presente processo questiona não se circunscreve a direito que envolva o IBAMA. Não há, pois, justificativa para a manutenção da autarquia nesta demanda. Não há razão a justificar a sua presença como parte legítima quer no polo passivo, quer no polo ativo.

Acolhe-se a preliminar de ilegitimidade do IBAMA.

Legitimidade da FEPAM. A FEPAM foi excluída da lide na ação cautelar, nos termos do voto acordado pela Quarta Turma do TRF4, no julgamento definitivo do agravo de instrumento nº 5002273-92.2012.4.04.0000 (ev. 26), com fundamento no fato de que a FEPAM não possui competência para fiscalizar mar territorial.

O fundamento para a sua exclusão do polo da ação cautelar é o mesmo a embasar a sua ilegitimidade na ação principal. A FEPAM é ilegítima para figurar na demanda.

Acolhe-se a preliminar de ilegitimidade da FEPAM.

Legitimidade dos Frigoríficos Jahú e Calombé. Os Frigoríficos Jahú e Calombé, como restou claro com os documentos juntados no processo, participam da cadeia de produção/fornecimento da carne de cação aos supermercados réus. Têm, assim, legitimidade para figurar como réus na demanda. A alegação de que o Frigorífico Calombé não comercializa diretamente os produtos que estão sendo discutidos na demanda não é de ser acolhida, mesmo porque é essa a identificação da origem de parte das embalagens que constaram da instrução do processo. O caso é de aplicação do teor do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe o seguinte:

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Interpretando esse dispositivo, eis a afirmação de Cláudia Lima Marques e outros:

Cadeia de fornecimento e o fornecedor “equiparado”

O art. 3º do CDC bem especifica que o sistema de proteção do consumidor considera como fornecedores todos os que participam da cadeia de fornecimento de produtos e da cadeia de fornecimento de serviços (o organizador da cadeia e os demais partícipes do fornecimento direto e indireto, mencionados genericamente como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de (…) prestação de serviços”), não importando sua relação direta ou indireta, contratual ou extracontratual, com o consumidor.

Em outras palavras, o CDC menciona fornecedores, pensando em todos os profissionais da cadeia de fornecimento (de fabricação, produção, transporte e distribuição de produtos e da criação e execução de serviços) da sociedade de consumo. […] Em outras palavras, o método do CDC foi de considerar fornecedor e daí responsável toda a cadeia e de nominar os fornecedores responsáveis, caso não sejam todos os presentes na cadeia.

(BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 117)

Justifica-se a manutenção dos citados frigoríficos na demanda, já que vinculados à cadeia de consumo. Afasta-se, portanto, a ilegitimidade dos réus Frigorífico Jahú e Frigorífico Calombé.

Legitimidade da União. A União, por meio das instâncias executivas federais, notadamente os órgãos subordinados ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tem por atribuição o acompanhamento da rotulagem adequada dos produtos alimentícios. Suas atividades incluem o regramento relativo aos elementos que devem constar das embalagens dos produtos.

Nesse sentido, a decisão que exija incremento ou implementação nos dados constantes de rótulos e embalagens de produtos alimentícios impõe, de modo consequente, que a Administração acate às mudanças. Desse modo, verifica-se interesse jurídico da União na demanda, haja vista que eventual decisão favorável à tese do autor implicará, em decorrência, consequências implicadas a esse ente federativo.

Ônus da prova. O requerimento do autor IJA quanto à inversão do ônus da prova foi genérico, não definindo quais os limites da inversão, nem sequer o seu preciso objeto.

A matéria do feito cinge-se, fundamentalmente, aos deveres de informação que os fornecedores têm de ter em relação aos consumidores, com amparo em questão ambiental. Trata-se, em essência, de questão de direito, tendo como plano fático a mera comprovação da ausência das informações reputadas relevantes nas embalagens dos produtos vendidos. A específica prova sobre tal ausência foi feita pelo próprio autor, dispensando maiores elementos probatórios a reforçar o que já está evidente no processo.

Cabe ressaltar, ademais, que a inversão do ônus probatório não é decorrência imediata de ser o feito relacionado à matéria ambiental. A viabilidade da inversão deve ser produto de análise criteriosa da verossimilhança das alegações do autor, tomando-se em conta, ainda, as máximas de experiência que devem pautar os critérios do Juízo. As exigências dirigidas à parte contrária, em termos de ônus probatório, não podem ser tamanhas que só tenham por consequência a sucumbência do obrigado a provar, redundando em prova diabólica, inadmitida no Direito.

Não se vislumbra, assim, necessidade e cabimento de inversão do ônus da prova.

Suficiência dos documentos exibidos. O processo cautelar guarda relação de instrumentalidade com o principal. O que se pretende, com aquele, é ver resguardadas informações, dados, materiais, que sejam relevantes ao julgamento da ação principal. É nessa perspectiva que devem ser considerados os pedidos feitos na cautelar exibitória de documentos.

O que o autor pretende, em essência, na ação principal, é verificar se há correção e suficiência nos dados fornecidos ao consumidor acerca das características, da procedência e da qualidade das postas e dos filés de cação que se encontram nas cadeias de fornecimento que se identificaram nesta lide. A ação acessória deve, pois, ser julgada sob essa perspectiva, qual seja, a de garantir a manutenção dos documentos referentes à cadeia produtiva, para aferir a sua compatibilidade com os dados fornecidos ao consumidor e a sua suficiência, diante das informações existentes e disponíveis ao importador.

Em suma, diante das alegações das partes e da pretensão veiculada pelo autor, em suas reiteradas manifestações – inclusive e em especial na ação principal –, o objeto da ação cautelar não é apurar questões relativas à legalidade da procedência das postas e dos filés de cação à venda nos supermercados réus, mas, sim, disponibilizar, justamente, os dados essenciais (relativos à origem e à qualidade do produto) que devem ser informados ao consumidor. Essas são as balizas a definir os limites da procedência do pedido de exibição dos documentos das rés. Passa-se à análise da procedência do pedido cautelar, verificando-se a suficiência dos documentos exibidos.

Para a finalidade posta na ação cautelar, entende-se suficiente a exibição dos documentos relativos às postas e aos filés de cação vendidos, documentos que demonstrem a sua procedência e as características essenciais à efetivação da cadeia de fornecimento.

Esses documentos, como se percebe, foram em parte apresentados pelo próprio autor (mediante a juntada das embalagens dos produtos) e em parte foram exibidos pelos réus, que também indicaram seus fornecedores. No caso, as postas e os filés de cação constituem produtos importados, acerca dos quais foram juntadas algumas guias de importação, a identificar a origem da importação e a espécie do animal (em todos os casos, Prionace glauca).

Os documentos apresentados são suficientes, e revelam-se congruentes com as informações contidas nas embalagens juntadas pelo próprio autor. Não se faz necessária documentação adicional para o julgamento da demanda.

Não há, pois, indícios de que as empresas fornecedoras dos produtos sejam outras que não aquelas indicadas pelos supermercados réus. Exigir prova da inexistência de outros fornecedores da mercadoria em comento corresponde à prova impossível de ser feita, na medida em que não se revela viável demonstrar, documentalmente, tal negativa.

Assim, é parcialmente procedente o pedido de exibição de documentos, considerando-se suficientes aqueles já juntados pelos réus.

Multa por descumprimento de determinação cautelar de exibição de documentos. Não houve deferimento de liminar na cautelar para determinar eventual exibição de documentos. Assim, incabível a aplicação de multa. De outra parte, cabe referir que o STJ, em entendimento sumulado, não admite aplicação de multa em cautelar exibitória: “Súmula 372 do STJ. Na ação de exibição de documentos não cabe à aplicação de multa cominatória”.

Dever de informação. A questão central deste processo gravita em torno da extensão da interpretação de dispositivos atinentes ao direito do consumidor e relacionados, em análise profunda, à proteção ambiental.

Os pleitos do autor quanto às informações que pretende sejam disponibilizadas ao consumidor correspondem, em essência, aos seguintes: (a) informação quanto à espécie de cação vendido; (b) informação quanto à origem do produto. Passa-se à análise de cada um deles, seguida de verificação quanto à existência de propaganda enganosa por omissão, como alegado pelo autor.

Dever de informação: considerações prévias acerca da espécie Prionace glauca e da importância da proteção da biodiversidade. O dever de informação imputado às empresas que participam do fornecimento da carne de cação e que são rés neste processo tem por fundamento a condição da espécie Prionace glauca, espécie que vem sendo capturada e consumida em larga escala ao redor do mundo. Eventual necessidade de informação mais aprofundada destinada ao consumidor fica a depender da verificação da situação dessa espécie, no contexto do declínio da biodiversidade que se enfrenta hoje.

As informações relativas à espécie mencionada trazidas pelo autor – que, observe-se, não foram rebatidas pelos réus, em grande medida – dão conta de que há uma forte tendência, mundialmente, à captura desenfreada desse tipo de pescado, por razões diversas. Essas informações constituem-se, para qualquer pessoa minimamente conhecedora de questões ambientais, como fato notório, não dependendo de maior aprofundamento probatório. Basta dizer que a espécie Prionace glauca tem sido a mais explorada na pesca oceânica mundial, o que tem aumentado, em muito, a possibilidade de sobre-explotação e de futura extinção, como demonstra o seguinte trecho de dissertação de Mestrado:

Entre as espécies de tubarão comumente capturadas, Prionace glauca é considerada como o elasmobrânquio mais abundante, apresentando ampla distribuição geográfica, alta taxa de natalidade e crescimento mais rápido (Branstetter, 1990; Megalofonou et al., 2005). Entretanto, Bonfil (1994) estimou que de 6,2 a 6,5 milhões de indivíduos desta espécie sejam capturados anualmente no mundo, o que poderia estar perto ou acima da capacidade máxima sustentável da espécie (Clarke et al., 2006). No Oceano Atlântico, o declínio de P. glauca na pesca foi de 60% de 1986 a 2000 no hemisfério norte (Baum et al., 2003) e na região sudeste do Brasil, houve um aumento considerável na captura entre 1972 e 1993, passando de duas toneladas para 1322 toneladas (Amorim et al., 1998). No entanto, estes números crescentes nos desembarques na região sudeste brasileira provavelmente não se referem a um crescimento populacional ou à capacidade de recuperação dos estoques e sim ao incremento nas artes da pesca e à participação de novas embarcações a partir das décadas de 70 e 80.

(TEIXEIRA, Aline Freire. Análise da variabilidade e estruturação genética do tubarão azul, Prionace glauca (Chondrichthyes, Carcharhinidae) no Oceano Atlântico Sul Ocidental utilizando marcador molecular do DNA mitocondrial. 63 f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu, 2011. Disponível em: <<http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/99426/teixeira_af_me_botib.pdf?sequence=1>>. Acesso em 24fev.2016.)

Não é diferente a perspectiva das pesquisas mais recentes acerca da população de Prionace glauca, como a que se encontra na Biblioteca Virtual da FAPESP:

A ampla distribuição geográfica associada à capacidade migratória de diversas espécies de tubarões pelágicos torna ainda mais complexas as avaliações e monitorias de suas populações. Dentre estas encontra-se o tubarão-azul Prionace glauca, considerada a espécie mais capturada pela pesca industrial oceânica em todo o mundo. Com base nos registros históricos de captura que evidenciaram drásticos declínios populacionais nos últimos anos, atualmente a espécie é globalmente categorizada na lista vermelha de espécies ameaçadas da IUCN como “Vulnerável”. Considerando o papel ecológico imprescindível do tubarão-azul como predador de topo de cadeia, sua importância como recurso pesqueiro e a necessidade de informações que viabilizem uma exploração sustentável, o presente projeto visa a caracterização da biodiversidade molecular da espécie P. glauca, o estudo de suas estruturas populacionais e a identificação da distribuição dos estoques genéticos e suas relações históricas e geográficas no Oceano Atlântico, utilizando sequências do DNA mitocondrial.

(Disponível em: <<http://www.bv.fapesp.br/pt/bolsas/158981/diversidade-genetica-e-estrutura-populacional-do-tubarao-azul-prionace-glauca-no-oceano-atlantico/>>. Acesso em: 24fev.2016).

É estreme de dúvida que a defesa e a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações são deveres do Poder Público e da coletividade (art. 225 da Constituição). Para assegurar o direito ao meio ambiente, a própria Constituição atribui um elenco não taxativo de medidas, entre os quais se encontra a proteção da fauna e a vedação de práticas que coloquem em risco a sua função ecológica e provoquem a extinção de espécies:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[…]

A preservação da biodiversidade constitui um dos corolários do princípio constitucional da sustentabilidade. Não por outra razão, Juarez Freitas, em leitura acerca da sustentabilidade, refere que, se esta “for lida como valor constitucional supremo, a perda da biodiversidade, por exemplo, não poderá prosseguir nesse ritmo delirante, pois será considerada inconstitucionalidade manifesta” (FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 126).

A séria preocupação com a condição da biodiversidade não corresponde a uma visão alarmista, mas, ao contrário, funda-se em uma percepção séria e científica sobre os danos ambientais. Mínimas leituras da extensa bibliografia existente acerca do problema da ameaça de extinção de espécies permitem concluir que se trata de questão de relevância ímpar. Apenas a título exemplificativo, cita-se trecho de David Pearce e Dominic Moran, no que tange ao valor econômico da biodiversidade e ao ritmo com que tem ocorrido o seu empobrecimento:

Durante o próximo século prevê-se que a perda de espécies possa atingir 20 a 50 por cento dos totais mundiais, o que representa um índice entre 1000 a 10000 vezes o índice histórico de extinção (Wilson, 1998). O índice de perda está a ultrapassar a capacidade regenerativa natural de evolução para produzir novas espécies ou espécies em desenvolvimento. Os outputs de extinção excedem de longe os inputs de especiação (Ehrlich e Ehrlich, 1992).

[…]

É possível distinguir os efeitos potenciais de extinção acelerada e depleção da base genética em diversos horizontes temporais. A longo prazo os processos de selecção natural e evolução podem estar dependentes de uma base de recursos diminuta, simplesmente porque estão a nascer poucas espécies. As implicações da depleção das espécies na integridade de muitos ecossistemas vitais estão longe de estarem clarificadas. A possível existência de limiares de depleção, associada ao colapso do sistema, e enormes interrupções nas funções de custo social expostas são potencialmente o pior resultado em qualquer horizonte de tempo razoavelmente humano. Tais cenários são bem indicativos dos elos entre a integridade do ecossistema e o bem-estar económico. A curto prazo, o empobrecimento de recursos biológicos em muitos países pode também ser visto como um antecedente de um declínio na comunidade ou de diversidade cultural, indícios fornecidos na dieta, medicina, língua e estrutura social (Harmon, 1992).

(PEARCE, David; MORAN, Dominic. O Valor Económico da Biodiversidade. Lisboa: Instituto Piaget, 1994, pp. 29-30)

A bibliografia jurídica já produzida no País também aponta para o mesmo problema, incorporando os avanços científicos na matéria:

O ritmo de extinção das espécies aumenta, com o andar da história, em proporções incríveis. Sabe-se que os processos naturais de extinção de vegetais e animais podem alcançar, na sua continuidade, 10% das espécies. Com a participação direta do homem, o ritmo se acelera e, conforme dados da UICN e da WWF, são 1.141 as espécies de mamíferos ameaçadas de extinção atualmente. Se regressarmos ao passado, saberemos que, em 300 anos (de 1600 a 1900), uma espécie era extinta a cada quatro anos; já em 1974 desapareciam anualmente mil espécies.

[…]

A importância da fauna, particularmente das espécies ameaçadas de extinção – liga-se estreitamente à biodiversidade, com os seus múltiplos valores. Mas recentemente vem-se impondo uma outra visão, que procura modificar de maneira radical o comportamento da espécie humana em face das demais espécies vivas, notadamente algumas espécies animais. Trata-se de um posicionamento ético, inspirado pela assim chamada “Ecologia Profunda”, que pretende inculcar uma revisão das atitudes pragmáticas, da ambição sem medidas e da crueldade para com o mundo natural. São anúncios auspiciosos, que muito contribuirão para o regime jurídico e, mais, para a vida no planeta Terra.

(MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 258).

É importante, ainda, citar que esse conhecimento não é completa novidade nos âmbitos jurídico, político e das relações internacionais. Mesmo documentos que remontam à década de 1970, como a Declaração de Estocolmo, já evidenciam preocupação com a preservação e a renovação dos recursos naturais:

Declaração de Estocolmo

[…]

Princípios

[…]

2 – Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequada.

3 – Deve ser mantida e, sempre que possível, restaurada ou melhorada a capacidade da Terra de produzir recursos renováveis vitais.

4 – O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio representado pela flora e fauna silvestres, bem assim o seu “habitat”, que se encontram atualmente em grave perigo por uma combinação de fatores adversos. Em consequência, ao planificar o desenvolvimento econômico, deve ser atribuída importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres.

5 – Os recursos não renováveis da Terra devem ser utilizados de forma a evitar o perigo do seu esgotamento futuro e a assegurar que toda a humanidade participe dos benefícios de tal uso.

Tendo por base tais considerações, passa-se à análise do dever de informação dos fornecedores, no caso concreto.

Dever de informação quanto ao conteúdo (espécie e qualidades/atributos) dos produtos (a). A própria ré Carrefour informou que os cações vendidos são do tipo Prionace glauca. O Frigorífico Jahú também informou que a mercadoria que importa é do tipo Prionace glauca.

O termo “cação” é genérico, não trazendo consigo a mesma carga de informação que “tubarão azul”, “cação azul” ou “Prionace glauca”. É sabido que esse nome “cação” tem sido utilizado para indicar diversas espécies, não se podendo dizer que há identidade ou sinonímia entre as expressões “cação” e “cação azul” ou entre “cação” e “Prionace glauca”.

O uso do nome científico, no caso de tal espécie, desempenha função não meramente acessória: justamente a de que as pessoas tenham informação relevante para o consumo – importante no plano individual, mas mais importante ainda se pensado do ponto de vista coletivo, diante dos efeitos das ações coletivas. Fala-se, nesse contexto, na tragédia dos comuns:

As instituições têm uma grande importância para o desempenho econômico e um alto impacto sobre o tipo de ações que se adotam em uma comunidade.

A ausência de estímulos individuais para a tutela dos bens coletivos gera o que se denomina: a “tragédia dos bens comuns”, porque há uma superutilização derivada da falta de incentivos para cuidá-los; se ninguém é proprietário, não há quem se preocupe em cuidar do bem. O acesso ilimitado a estes bens provoca grandes prejuízos: a quantidade e diversidade de espécies marinhas está diminuindo drasticamente, os cursos de água se contaminam, a biodiversidade diminui pela ação humana. Não há mecanismos de mercado para adjudicar os recursos entre interesses competitivos, e ninguém tem interesse na proteção.

(LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria Geral do Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 35)

No momento em que há acesso ilimitado (ou com poucos custos) ao usuário-consumidor, a utilização de um recurso tende à demasia, implicando possibilidade de escassez. A consciência ambiental é forma de mitigar, de reduzir os efeitos do acesso ilimitado, quando os custos para a obtenção do recurso não são capazes de refrear, de plano, o consumo. Com isso, o papel do consumidor ganha relevância, como agente que, ciente de seu papel, passa a influenciar nas decisões de mercado, sendo capaz, assim, inclusive, de fazer opções que levem em conta a proteção ambiental.

A aplicação do princípio da precaução em matéria ambiental passa a não ser apenas um problema a ser percebido pelas instâncias estatais: passa a ser visualizado no dia a dia também do cidadão, que deve ter condições de estar ciente das consequências de suas ações para a sua geração e para as gerações futuras. Cláudia Lima Marques aborda esse viés da identidade do consumidor como agente consciente no trecho a seguir:

Na noção básica da visão de Adam Smith, e daí em toda a economia moderna, seria possível uma visão econômica do homem (o homo economicus). A economia criou também a figura ilusória de que este ser livre e racional, que seria o consumidor, ao realizar seus desejos no mercado, seria ele, consumidor, o “rei” do mercado, aquele cuja vontade decidiria soberanamente a compra ou a recusa de compra de um produto (Reiner MANSTETTEN, Das Menschenbild der Ökonomie – Der Homo Economicus und die Anthropologie von Adam Smith, p. 268 e ss.). No Brasil, a tendência é também radicalizar esta visão econômica do homem, como sujeito de mercado livre, sem sequer considerar o marketing, os efeitos da publicidade e da moda, dos métodos agressivos e sentimentais de comercialização e de contratação, e chega-se mesmo a usar ainda esta expressão, que não deixa de ser uma falácia, de “rei do mercado” para os consumidores.

A verdade está com o sociólogo francês, Alain TOURRAINE, que afirma que na sociedade contemporânea, com o poder das mídias e do marketing, com uma visão mais formal de igualdade, uma visão perfeita de homo politicus (principalmente dos pensadores franceses e norte-americanos) e de homo economicus (principalmente dos pensadores ingleses), a sociedade de consumo atual produziu indivíduos semelhantes, mas desiguais. Afirma Tourraine que este modelo político e intelectual neutro e ilusório se desfez, no final do século XX, com a massificação das relações de consumo e com a globalização, tendo sido levado a uma ruína rápida e completa, que mudou a política, a economia e a sociedade no século XXI (Igualdade e diversidade – O sujeito democrático, p. 108 e ss.). Se no século XX, tivemos a prevalência do homo faber, na famosa expressão de Hannah Arendt (Arendt, p. 147), para designar o homem contemporâneo como aquele que faz, fabrica, produz, um homem de vita activa (não contemplativa, como na Idade Média), um animal laborans: o homem trabalhador, seja como capitalista ou trabalhador; agora temos o homo economicus et culturalis do século XXI. Este é um consumidor, um agente econômico ativo no mercado e na sociedade de consumo (de crédito e de endividamento), e ao mesmo tempo persona com identidade cultural específica e diferenciada. Um sujeito mais ciente de seus direitos e de seu papel na sociedade. Assim que Zygmunt Baumann destaca a importância social do papel do consumidor frente aos fornecedores, como constitutivo da condição humana da virada do século XX para XXI, substituindo os conflitos entre capitalistas e trabalhadores que pontuaram a política do século XIX e XX (Baumann, Trabajo, p. 10 e ss.).

[…] Aquele que era considerado o centro, o “rei” do mercado, perdeu a centralidade, desconstruíram e manipularam sua vontade (ou desejos), sua liberdade de consumo é mera ilusão, este consumidor ideal tornou-se mero símbolo, a ser usado como metáfora de linguagem, no imaginário e no jogo coletivo e paradoxal do mercado de consumo e de marketing globalizado dos dias de hoje.

(MARQUES, Cláudia Lima. Introdução ao Direito do Consumidor. In: BENJAMIN, Antonio Herman; ______; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pp. 45-6)

Nesse sentido, o acesso à informação sobre o objeto de consumo não deixa de ser uma forma mitigada de reparação, na medida em que confere a chance de os próprios sujeitos que estão na cadeia de poluição alertarem os consumidores acerca de suas práticas e, indiretamente, acerca das consequências delas. Há que se ter em conta o princípio da equidade intergeracional, que se fundamenta na ideia de que as gerações presentes estejam atentas às condições naturais deixadas às gerações futuras. O texto a seguir ampara essa perspectiva:

O poder de destruição dos artefatos humanos e a população mundial aumentaram em um nível sem precedentes. Esse crescimento ocasionou o aumento do uso dos recursos naturais e também da consciência sobre a escassez desses recursos. Há uma crescente preocupação de que as mudanças globais podem ter como efeito a redução da parte da riqueza global a que cada habitante do mundo tem acesso ou terá acesso no futuro. O suposto conteúdo desses direitos, haurido de instrumentos legais internacionais, é o que cada geração tem em beneficiar-se e em desenvolver o patrimônio natural e cultural herdado das gerações precedentes, de tal forma que possa ser passado às gerações futuras em circunstâncias não piores do que as recebidas.

(MOTA, Mauricio. Princípio da precaução: uma construção a partir da razoabilidade e da proporcionalidade. In: ______ (coord.). Fundamentos Teóricos do Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.)

Não se pode ignorar que as externalidades negativas decorrentes da pesca de animais sobre-explotados em qualquer lugar do mundo tem consequências e impactos que excedem as fronteiras do país em que realizada a pesca. O meio ambiente, uno, não “visualiza” as barreiras geográficas que a geopolítica mundial e o direito tendem a perceber. Como consequência, não há como afirmar razoável o apelo ao fato de que os animais foram objeto de pesca em outro lugar do mundo como forma de ignorar a condição biológica precária das espécies que vêm sendo, diuturnamente, exploradas em níveis superiores ao que se entende, cientificamente, como sustentável. Torna-se, nesse contexto, imperiosa a preocupação com um padrão de consumo sustentável:

Assim sendo, o princípio da sustentabilidade surge em um contexto em que se passa a questionar ‘a racionalidade e os paradigmas teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a natureza’ (sobretudo nas áreas que integram o chamado Terceiro Mundo) e com o intuito de ‘harmonizar e compatibilizar qualidade de vida para as pessoas com a preservação das condições ambientais sem estagnação ou declínio no processo de crescimento econômico’. Entretanto, o referido princípio e a noção de desenvolvimento sustentável, que dele obviamente decorre, padecem de uma melhor delimitação de seu conteúdo, uma vez que admitem diversas interpretações. Mais do que isso – ao se atrelar esse novo modelo de desenvolvimento a uma nova ética, com a subordinação dos objetivos econômicos ao funcionamento dos sistemas naturais e aos parâmetros da qualidade de vida das pessoas – passa-se a questionar como definir esta última, isto é, busca-se construir indicadores mais consistentes para a elucidação de questões ligadas ao tema da ‘qualidade de vida’.

(MOTA, Mauricio. O Conceito de Natureza e a Reparação das Externalidades Ambientais Negativas. In: ______ (coord.). Fundamentos Teóricos do Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.)

Faz-se também irrazoável sustentar, nesse contexto, que o tal “consumidor médio” dispensaria a informação científica ou a ela não deveria ou não precisaria ter acesso, por falta de utilidade ou por falta de necessidade. Ao contrário, o que se espera é que a disseminação de mais informação promova a busca pelo acesso: as formas promocionais de profusão científica a toda a sociedade também decorrem de medidas que promovam o contato com a informação.

No caso da espécie tratada neste processo (cação azul), diferentemente de outros casos, em que saber a espécie não implica distinguir estar ou não consumindo uma espécie ameaçada de extinção, a informação é relevante, e pode contribuir para a prevenção de catástrofe ambiental, se as circunstâncias forem percebidas de modo sistêmico, como um problema de larga escala.

Sob essa perspectiva, as medidas de ampliação do acesso à informação, para o caso concreto, atendem aos direitos básicos do consumidor, entre os quais o direito à informação adequada acerca dos riscos que os produtos apresentam. Nesse sentido, torna-se importante perceber que as informações acerca dos riscos que se afiguram não podem ser consideradas necessárias apenas quando afetam o consumidor individualmente. A informação acerca do risco também tem dimensão de relevância, quando as consequências do seu consumo são ou devem ser percebidas no âmbito coletivo. Trata-se de uma compreensão mais ampla do direito do consumidor, tendo em vista que o dever de informação passa a estender-se àquelas categorias de riscos que derivam de ações coletivas, sistemicamente consideradas.

Por evidente, não se espera – pelo menos no atual padrão médio de consumo vivenciado hoje – que a alface (Lactuca sativa) ou a beterraba (Beta vulgaris) mencionadas por uma das rés venham acompanhadas de seus nomes científicos, quando comercializadas. Mas, como afirmou o MPF em uma das audiências informativas, não há risco de extinção dessas espécies, não há perigo, pelo que consta, de que o consumo excessivo desses produtos incorra em possível extinção de uma espécie, como é o caso de determinados peixes sobre-explotados, de que faz exemplo o Prionace glauca. Não se está exigindo mais do que o devido no contexto da proteção ambiental: que as pessoas tenham acesso às informações relevantes, o que, eventualmente, impõe o uso de nomes científicos, de fato.

De outra parte, cabe ressaltar que a determinação para que conste o nome científico do produto em questão não implica a exclusão do nome comum da embalagem. Muito pelo contrário, o que se evidencia como necessária é a adição de informações, e, não, a sua substituição. O que se espera, portanto, é a clareza do fornecedor quanto às características e à procedência do produto que comercializa. Não se trata de exigir o cumprimento de um dever de informação que tenda à completude técnica e ao esgotamento de informações, mas, sim, que satisfaça o dever de fornecer dados essenciais, no contexto de proteção ambiental – a relevância desses dados, por óbvio, passa a depender do padrão de consumo que os próprios agentes da relação comercial estabelecem como possível e devido. A doutrina a seguir ampara o entendimento esposado:

Direito à informação e princípio da transparência – origem constitucional: O princípio da transparência rege o momento pré-contratual e rege a eventual conclusão do contrato. É mais do que um elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato (arts. 30, 31, 33, 35, 46 e 54), ou se falha representa a falha na qualidade do produto ou serviço oferecido (art. 18, 20 e 35) ou um defeito (art. 12, 13 e 14). Resumindo, como reflexo do princípio da transparência temos o novo dever de informar o consumidor. […]

Direito à informação, vulnerabilidade e princípio da igualdade – um direito de todos os consumidores: O direito à informação assegura igualdade material e formal (art. 5º, I e XXXII da CF/1988) para o consumidor frente ao fornecedor, pois o que caracteriza o consumidor é justamente seu déficit informacional, quanto ao produto e serviço, suas características, componentes e riscos e quanto a próprio contrato, no tempo e conteúdo. […] A informação deve ser clara e adequada para todos, inclusive para estes mais vulneráveis, consumidores-idosos, consumidores-doentes, consumidores-crianças. […]

Direito à Informação e princípio da boa-fé – um dever positivo de informar: Informar é “dar” forma, é colocar (in) em uma “forma” (in-forma-r), aquilo que um sabe ou deveria saber (o expert) e que o outro (leigo) ainda não sabe (consumidor). A informação é, pois, uma conduta de boa-fé do fornecedor e como direito do consumidor (Art. 6º,III) conduz a um dever (anexo de boa-fé) de informar do fornecedor de produtos e serviços. Daí que o dever de informar é um dever de conduta ou de comportamento (caveat vendictor superando o caveat emptor), onde o silêncio é a violação do dever ou enganosidade. Assim ensina o STJ: “A informação deve ser correta (= verdadeira), clara (= de fácil entendimento), precisa (= não prolixa ou escassa), ostensiva (= de fácil constatação ou percepção) e… em língua portuguesa. […] A obrigação de informação exige comportamento positivo, pois o CDC rejeita tanto a regra do caveat emptor como a subinformação, o que transmuda o silêncio total ou parcial do fornecedor em patologia repreensível, relevante apenas em desfavor do profissional, inclusive como oferta e publicidade enganosa por omissão” (REsp 586.316/MG). Efetivamente, o silêncio do fornecedor é uma violação de seu dever de informação e normalmente viola o standard de boa-fé objetivo por esta “subinformação”. […]

Diálogo das fontes e as quatro categorias da informação no CDC: No leading case REsp. 586.316/MG, referente à informação sobre o Glúten, o relator Min. Antônio Herman Benjamin desenvolve uma verdadeira teoria sobre a informação no CDC, não só no seu aspecto de novo vício (Art. 18 a 25), isto é, como princípio imanente em todo o CDC. Esta ementa, referindo-se ao Art. 31 do CDC, ensina que: “A obrigação de informação é desdobrada… em quatro categorias principais, imbricadas entre si: a) informação-conteúdo (= características intrínsecas do produto e serviço), b) informação-utilização (= como se usa o produto ou serviço), c) informação-preço (= custo, formas e condições de pagamento), e d) informação-advertência (= riscos do produto ou serviço)… Embora toda advertência seja informação, nem toda informação é advertência. Quem informa nem sempre adverte.” E destaca a necessidade de aplicação simultânea e coerente da legislação especial, alimentar e de saúde, que impõe deveres de informação, complementarmente ao CDC; “Complementaridade entre os dois textos legais. Distinção, na análise das duas leis, que se deve fazer entre obrigação geral de informação e obrigação especial de informação, bem como entre informação-conteúdo e informação-advertência. O CDC estatui uma obrigação geral de informação (= comum, ordinária ou primária), enquanto outras leis, específicas para certos setores (como a Lei 10.674/03), dispõem sobre obrigação especial de informação (= secundária, derivada ou tópica). Esta, por ter um caráter mínimo, não isenta os profissionais de cumprirem aquela… Existência de lacuna na Lei 10.674/2003, que tratou apenas da informação-conteúdo, o que leva à aplicação do art. 31 do CDC, em processo de integração jurídica, de forma a obrigar o fornecedor a estabelecer e divulgar, clara e inequivocadamente, a conexão entre a presença de glúten e os doentes celíacos (REsp 586.316).

(MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Art. 6º. Revista dos Tribunais Online.)

No caso da já citada carne de cação (do tipo tubarão azul), assim genericamente chamada, impõe-se, portanto, que o produto seja identificado pelo tipo de peixe em questão.

Não se pode negar informação específica, favorável à proteção do meio ambiente, em razão de um suposto desconhecimento por parte da população em geral. O desconhecimento não pode justificar a manutenção do desconhecimento: a falta de informação não pode ser a causa da continuidade desse estado. Trata-se, inclusive, de implementar um novo padrão de consumo. Acerca desse aspecto, reproduz-se trecho – já citado em manifestação do MPF – da nota técnica emitida pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, que se pronunciou em caso referente ao comércio de produtos originários de furto e roubo, envolvendo, também, direito à informação:

O consumidor, como protagonista na construção de um modelo social e ambiental sustentável, deve estar consciente de que as suas decisões individuais de consumo constituem atos de cidadania, pois possuem uma dimensão coletiva inerente que ultrapassa a dimensão meramente mercantil da relação de consumo. Nesse sentido, é fundamental notar a convergência entre os conceitos de consumidor e cidadão. O consumidor-cidadão se destaca por ser uma pessoa livre. Essa liberdade implica a capacidade de fazer escolhas, de perceber, entender e poder aplicar alternativas justas e racionais de consumo.

O consumidor-cidadão pode escolher com inteligência e com consciência. Esta opção consciente não se resume à escolha do produto ou serviço em si, mas pondera todo o seu processo produtivo, pois sabe que sua decisão é um voto pela forma de produção e pela maneira em que tal bem é comercializado, assim como pelos efeitos que lhes serão atribuídos. O consumidor-cidadão deve compreender, portanto, a importância de suas decisões no mercado de consumo, sabendo que as suas escolhas farão diferença.

Cabe observar, ademais, que não é necessário que as medidas sejam definitivas de tal modo que solucionem integralmente o problema. Em matéria de sustentabilidade, sabe-se que as medidas tomadas em favor do meio ambiente são multiconectadas, ou seja, é necessário, por vezes, que medidas em conjunto sejam determinadas, para que certo bem ambiental venha a ser efetivamente protegido.

Note-se que a determinação de constar o nome científico do pescado não impõe prejuízos intransponíveis às empresas fornecedoras. Quando realizada a importação do produto, essa informação consta dos documentos necessários para a realização desse procedimento. A exigência desse dado não implica prejuízos às relações exteriores, já que o uso do nome científico do produto de origem animal é prática, em se tratando de pescado.

Ademais, não se poderia aventar, como o fez a União, que a procedência dessa parte do pedido, relativa à informação, poderia implicar fragilidade do País no cenário do comércio internacional. As medidas em questão decorrem da própria legislação brasileira, em interpretação sistemática, não se podendo alegar que o Poder Judiciário esteja a exigir mais do que a própria lei e as próprias regulamentações exigem. A presença das informações em questão decorre de imposição legal, não havendo inovação judicial, nessa perspectiva.

Não há, na esteira desse argumento, qualquer desrespeito à separação dos Poderes, tampouco inobservância dos dispositivos da ordem econômica, tendo em conta que o próprio art. 170 da Constituição da República elenca, entre os princípios nesse âmbito, a defesa do consumidor (inc. V do art. 170 da CRFB) e a defesa do meio ambiente (inc. VI do art. 170 da CRFB):

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[…]

V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

[…]

Note-se, inclusive, que o teor desses mencionados incisos aponta para a necessidade de tratamento diferenciado dos produtos e serviços e seus processos de elaboração e prestação, conforme o seu impacto ambiental. Os ditames constitucionais não deixam dúvidas de que o tratamento de produtos cuja matéria implica possível sobre-explotação de recursos naturais deve ser diferenciado, frente aos demais que não exigiriam cuidados quanto à possibilidade de extinção de uma espécie.

O consumidor tem direito de saber qual a espécie que consome, mormente quando esse conhecimento pode permitir identificar se se trata ou não de uma espécie passível de extinção. A prática de exigir só o nome comum é possível, desde que não cause prejuízo ao meio ambiente, como é o caso.

Desse modo, o que se visualiza, em parte a curto e em parte a longo prazo, é que a sociedade civil passa a ter papel relevante no controle das políticas de proteção ao meio ambiente, o que se dá tanto pelas vias da esfera pública quanto pelas vias da esfera privada. Em suma, a atenção às possibilidades de danos graves ao meio ambiente passa a ser capilarizada para toda a sociedade, conferindo ao indivíduo, em sua esfera de atuação, papel também importante em matéria de proteção ambiental.

O MPF expõe a questão do dever de informação nestes termos:

Com efeito, tratando-se de informações ao público consumidor com o objetivo de promover maior esclarecimento sobre o produto, segundo alegado pelos réus, caberia a estes prestar informações capazes de permitir efetivamente ao consumidor: identificar a espécie de pescado com exatidão e distingui-la de outras espécies cujos nomes populares sejam semelhantes; buscar informações complementares com base no nome científico e nome vulgar composto informado na embalagem; ter conhecimento sobre o grau de preservação da espécie de acordo com as fontes informadas, de preferência provenientes dos órgãos ambientais competentes, dentre outras importantes informações que poderiam ter sido inseridas nas embalagens e códigos de barras com tal finalidade. (p. 3 do doc. PARECER1 do ev. 187 da ação cautelar)

Conclui-se, assim, que deve constar das embalagens de venda dos produtos que são objeto deste processo o nome científico da espécie, em tamanho de fonte (“pitch”) adequado à leitura, de modo que fique visível ao consumidor. O nome científico tem de ser claro e visível.

Dever de informação quanto à procedência (origem) dos produtos (b). O microssistema de proteção ao consumidor impõe ao fornecedor determinados deveres de informação, previstos tanto no art. 6º quanto no art. 31 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

[…]

II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

[…]

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével. (Incluído pela Lei nº 11.989, de 2009)

Torna-se visível que há, por parte do fornecedor, dever de informação referente à origem do animal pescado, de modo a identificar-se, minimamente, o local de origem da captura. A informação corresponde a um dado referente à característica do produto, relativo, também, à sua origem.

Pelos motivos já expostos no item anterior (a), os fornecedores de carne de cação que são réus nesta ação devem indicar, nas embalagens, o país de origem do pescado capturado.

Procedimentos a cargo da União por seus órgãos. Os órgãos da União responsáveis pelo acompanhamento da regularidade dos produtos em questão – Ministério da Agricultura, SIPA, Superintendência Federal de Agricultura no Estado do Rio Grande do Sul – devem acatar à alteração das embalagens, para o fim específico de fazer constar as informações necessárias, nos termos desta decisão. É nesse aspecto que a União também é sucumbente na demanda.

Responsabilidade dos fornecedores pelo conteúdo das embalagens. Ressalte-se que a mera alegação de registro das embalagens nos órgãos competentes, bem como a regular importação não eximem os responsáveis pela cadeia produtiva de fornecerem a informação adequada aos consumidores.

Isonomia. Reforce-se, ademais, que as exigências não se configuram como maiores do que aquelas às quais todos os demais fornecedores estão submetidos, tendo em vista que o seu cumprimento decorre da própria lei, a qual exige que o fornecedor – mesmo quando o produto for importado – cumpra os requisitos estabelecidos pela legislação nacional, rotulando-o com informações quanto à procedência e quanto às características do produto.

Com a presente decisão, não se forma, portanto, qualquer situação concorrencial diferenciada, porque as exigências mencionadas decorrem diretamente do cumprimento das regras já previstas em lei. A inexistência de eventual empresa no polo passivo não implica que não haja o dever de observância das regras de direito do consumidor e de proteção ambiental, tampouco inviabiliza o ajuizamento de demandas próprias, contra quem descumprir a legislação articulada nesta decisão.

Propaganda enganosa por omissão. Não prospera a alegação formulada pelo autor no sentido de que houve propaganda enganosa por parte dos supermercados, que transmitiriam imagem de atenção para com a proteção ambiental.

Não se verifica no caso, também, hipótese de propaganda enganosa por omissão. O cerne da propaganda enganosa é induzir em erro o consumidor. Da ausência das informações já mencionadas não decorre, de modo imediato, que o consumidor seja levado a erro. A falta da informação, no caso, não implica engano ao consumidor, não leva o consumidor, de modo direto, a equívoco. As características fáticas do caso não se subsumem às figuras do art. 37 do CDC:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

A omissão não ensejou propaganda enganosa, mesmo porque não se especificou qual seria o objeto específico do engano, tampouco de que modo o fornecedor estaria fazendo uso de tal estratagema. Ressalte-se, por fim, que a alegação foi construída pelo autor de modo genérico, não havendo qualquer conteúdo probatório a acompanhar o teor do afirmado: o autor não demonstra, de nenhuma forma, de onde exsurgiria a imagem de proteção dos ecossistemas marinhos, do modo como reputa aos supermercados.

Informações constantes das embalagens de postas e de filés de cação comercializadas pelos réus. Cabe verificar se os documentos constantes do processo, em especial aqueles juntados pelo autor, demonstram haver ou não as informações a que o fornecedor em geral estaria obrigado a disponibilizar ao consumidor, nos termos acima. A questão, como já referido, assenta-se na possibilidade – ainda que futura, para uma parcela da população – de ter-se conhecimento acerca do que o mercado consumidor tem a seu acesso e de quais as consequências do consumo nesses termos.

(a) Produtos encontrados no Supermercado Walmart em 4dez.2012. Os documentos juntados ao ev. 173 da ação cautelar apontam produtos comprados, em 4dez.2012, na empresa ré WMS Supermercados (Supermercado “Nacional”, situado na Rua Carazinho, 788, em Porto Alegre/RS), os quais, de fato, não indicam todas as informações ditas necessárias ao consumidor. Os dois produtos adquiridos conforme nota fiscal (doc. NFISCAL5 do ev. 173) padecem de vícios, nesse sentido: o “Lombo de cação” da marca Frescatto, no verso da embalagem, não apresentou o tipo de espécie vendida, tampouco a sua procedência, contendo tão somente o nome “Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. Fábrica de Conservas de Pescado”; já a posta de cação da marca BuenaPesca não apontou para a espécie, mas indicou a origem (“produto de Taiwan”), sendo que, no verso, também constou “Frigorífico Calombé Indústria e Comércio Ltda. Fábrica de Conservas de Pescado” (docs. FOTO6, FOTO7, FOTO8, FOTO9, FOTO10, FOTO11, FOTO12, FOTO13 do ev. 173 do processo cautelar).

(b) Produtos encontrados no Supermercado Carrefour em 4dez.2012. Não foi identificado o produto de carne de cação, nessa data, com a informação pelo supermercado, segundo o autor, de que teria sido suspensa a venda (ev. 173).

(c) Produto cuja embalagem foi juntada pela empresa ré Carrefour em 11out.2011. A embalagem juntada pelo Supermercado Carrefour (cação da empresa “New Fish”) indica a espécie “Prionace glauca” no produto vendido, mas não esclarece, plenamente, o local de procedência da carne do animal.

É assente, portanto, a ausência (ainda que parcial) das informações acerca do produto em questão.

Obrigação de fornecer educação ambiental aos funcionários. O pedido do autor que diz respeito ao fornecimento de educação ambiental para os funcionários das empresas rés é de ser julgado improcedente. Não há motivo ou razão legal a embasá-lo.

As medidas exigíveis dos réus contemplam ações que devem ser tomadas do ponto de vista institucional, atinentes à comercialização do produto, de modo que não se vislumbra fundamento a amparar o pedido nesse aspecto. As exigências que se fazem devidas, como já referido, dizem respeito às medidas vinculadas ao direito do consumidor, com fundo em questão ambiental.

Cumprimento da Res IBAMA 121-N. A averiguação – pelos supermercados – acerca da legalidade dos documentos de importação circunscreve-se aos mecanismos de inspeção feitos pelas instâncias executivas competentes, entre as quais SIF, do Ministério da Agricultura. O pedido deve ser julgado improcedente nesse ponto. A Res IBAMA 121-N é inaplicável aos estabelecimentos comerciais que se constituem réus nesta ação.

Pedido de declaração de regularidade dos produtos comercializados pelo Frigorífico Jahú. Não houve reconvenção nesta demanda. O pedido formulado impõe análise de mérito que excede os limites da lide tal como posta. Inviável, assim, qualquer declaração de regularidade dos produtos comercializados pelo Frigorífico Jahú.

Honorários de advogado. A sucumbência do autor é tida como mínima, nos termos do parágrafo único do art. 21 do CPC.

Os encargos processuais (despesas processuais e honorários advocatícios) devem ser suportados pelos réus, vencidos, com fundamento no art. 19 da L 7.347/1985 c/c o caput do art. 20 do CPC.

Os honorários do advogado da parte vencedora são arbitrados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devidamente atualizados a partir da data desta sentença, considerando o disposto na al. ‘c’ do § 3° e no § 4° do art. 20 do CPC.

Em razão do art. 18 da L 7.347/1985, deixa-se de condenar o autor ao pagamento de honorários advocatícios, em função da exclusão do IBAMA e da FEPAM, por reconhecimento de ilegitimidade passiva.

Pedidos liminares. No que tange à ação cautelar, não é caso de deferimento de liminar, tendo em vista que os documentos necessários à solução da lide foram juntados. A ação pôde ser julgada, suficientemente, com os dados fornecidos e constantes do processo.

No que tange à ação principal e aos pedidos a ela inerentes, tem-se que o cumprimento do decidido na sentença tem a possibilidade de dar-se de modo imediato, à luz da interpretação do art. 14 da L 7.347/1985, que dispõe que a regra, no caso da ação civil pública, é que eventual recurso seja recebido apenas no efeito devolutivo, podendo o juiz conferir efeito suspensivo para o fim de evitar dano irreparável à parte, o que não se configura neste caso. É o que se colhe do seguinte precedente do STJ:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFEITO SUSPENSIVO. ART. 14. LEI 7.347/85. FUMUS BONI IURIS. PERICULUM IN MORA. EFEITO DEVOLUTIVO. REGRA. REVISÃO. FATOS. SÚMULA 07/STJ.

1. Na ação civil pública, os recursos devem ser recebidos, em regra, apenas no efeito devolutivo, ressalvados os casos de iminente dano irreparável às partes, em que poderá ser conferido efeito suspensivo, na forma do art. 14, da Lei n.º 7.347/85. Precedentes.

2. É vedado, em sede de recurso especial, revolverem-se os elementos fático-probatórios da demanda a fim de demonstrar a inconveniência da execução imediata da sentença de 1º grau, nos termos da Súmula 07/STJ.

3. Recurso especial não provido.

(Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. REsp 1125494/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. em 13abr.2010, DJe 23abr.2010)

O mesmo entendimento é apresentado neste outro julgado:

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – SENTENÇA CONDENATÓRIA – RECURSO RECEBIDO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO – EXECUÇÃO PROVISÓRIA MOVIDA PELO MPF EM FACE DA UNIÃO E OUTROS RÉUS, NA DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS – POSSIBILIDADE – ART. 588 DO CPC – ART. 14 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LEI N. 7.347/85).

1. Os autos tratam de agravo regimental interposto em face de decisão de minha lavra (fls. 172/174) que permitiu o seguimento da execução provisória movida pelo MPF em face da União e demais co-réus, em razão de sentença proferida nos autos da ação civil pública n. 99.0001418-9, com apelação recebida apenas no efeito devolutivo; recebimento esse não-impugnado a tempo e modo pela União.

2. As normas processuais que regulam a ação civil pública estão na Lei n. 7.347/85, aplicando-se o CPC, tão-somente, de forma subsidiária. Daí porque se dizer que a regra do recebimento da apelação contra sentença proferida em seu âmbito é apenas no efeito devolutivo; podendo ou não o juiz conferir o efeito suspensivo diante do caso concreto, como especifica o art. 14 da referida Lei.

Não existe erro no acórdão recorrido, na medida em que o recurso de apelação da União foi recebido apenas no efeito devolutivo e, como se viu, é permitido ao magistrado assim proceder em sede de ação civil pública. E ainda, por outro lado, nenhum recurso foi interposto contra este juízo de admissibilidade da apelação, razão pela qual preclusa ficou a matéria, não podendo a recorrente, agora, por vias transversas, buscar o efeito suspensivo.

3. O Ministério Público Federal é o autor da ação civil pública e da execução provisória. Ao querer executar provisoriamente a condenação, age no exercício regular de seu direito, ou melhor, no exercício regular da tutela dos direitos difusos e coletivos.

4. É de se ver, ainda, que o não-cabimento da execução provisória deve estar espelhado nas hipóteses em que impossível a antecipação dos efeitos da tutela ou o deferimento de liminares contra a Fazenda Pública, como, por exemplo, nas hipóteses do art. 2º-B da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Medida Provisória 2180-32/2001, que elenca decisões que tenham por objeto liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores públicos.

5. Também o STJ, soberano na interpretação da legislação infraconstitucional, não toma por incompatível a execução provisória contra a Fazenda Pública com o sistema de precatórios, desde que se trata de quantia incontroversa. Precedente da Corte Especial (EREsp 721791/RS ).

6. Não pode a União inovar em sua tese para tentar discutir, especificamente e de modo isolado, a regra do art. 100, § 1º, da CF, que, ainda por cima, traduz questão de natureza eminentemente constitucional, não passível de conhecimento em sede de recurso especial.

Agravo regimental improvido.

(Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. AgRg no REsp 436.647/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 26ago.2008, DJe 7nov.2008)

Desse modo, o disposto nesta sentença deve ser executado de imediato, observados os prazos que forem conferidos para o devido cumprimento das determinações constantes do dispositivo.


Dispositivo. Pelo exposto, afasto as preliminares de incompetência e de ilegitimidade de Instituto de Justiça Ambiental, do Frigorífico Jahú e do Frigorífico Calombé, acolho as preliminares de ilegitimidade do IBAMA e da FEPAM, e, no mérito,

(a) julgo parcialmente procedente a ação cautelar para exibição de documentos referentes à espécie e à procedência as postas e dos filés de cação comercializados pelas rés, considerando suficientes os já apresentados no decorrer da instrução do processo;

(b) julgo parcialmente procedente a ação civil pública (principal), para determinar que as empresas rés, no prazo de cento e vinte dias, alterem os rótulos das postas e dos filés de cação comercializados que sejam da espécie Prionace glauca (tubarão azul), para fazer constar o nome vulgar completo e o nome científico do animal, assim como o local de procedência do pescado, devendo a União admitir a modificação referida, mediante requerimento próprio das rés para proceder-se à regularização das embalagens.

Tendo em vista que a regra, na ação civil pública, é que os recursos sejam recebidos apenas no efeito devolutivo (art. 14 da L 7.347/1985), o prazo para cumprimento da determinação inicia-se a contar da intimação das partes desta sentença.

Retifique-se a autuação do processo nº 5019317-04.2011.4.04.7100, para que conste a sua correta natureza, de ação cautelar exibitória de documentos.


Documento eletrônico assinado por CLARIDES RAHMEIER, Juíza Federal Substituta na Titularidade Plena, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 710001800447v21 e do código CRC 36628acc.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLARIDES RAHMEIER
Data e Hora: 26/02/2016 18:10:24

 

 

Direito Ambiental - espécie do cação

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