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TRF1 acata denúncia de crime de dano à Unidade de Conservação, mesmo sem conclusão da expropriação

Nota de DireitoAmbiental.Com: A decisão é polêmica e leva ao Direito Ambiental uma interpretação de proteção absoluta do ambiente muito utilizada no Cível. A denúncia foi de “dano à Unidade de Conservação”, mas a UC foi criada no entanto nunca implementada de direito. A Lei das desapropriações (DL 3365/41, art. 10) diz que esta deverá efetivar-se (com a indenização ao particular) em cinco anos, sob pena de caducidade do ato administrativo. Em regra, as UC´s brasileiras foram historicamente criadas/declaradas sem que o particular fosse indenizado por sua perda da propriedade. No caso concreto, a denúncia foi recebida e o processo crime seguirá sua regular instrução. Caso interessante. Maurício Fernandes, advogado e professor de Direito Ambiental.

“O Estado deve impedir a consumação do dano ambiental, mesmo diante do direito de propriedade. Esse foi o entendimento adotado pela 4ª Turma do TRF da 1ª Região para reformar sentença, do Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Passos, que absolveu um acusado da prática do crime ambiental de dano às Unidades de Conservação, sob o entendimento de que ‘a propriedade do réu escapa aos limites do Parque Nacional da Serra da Canastra (71.525 ha)’, em terras ainda não expropriadas.

Consta da denúncia que o réu foi autuado em razão de causar dano direto ao Parque Nacional da Serra da Canastra, mediante a construção de uma casa com área de lazer em terreno de preservação ambiental permanente, sem autorização do órgão ambiental. Os danos consistiram na supressão de mata nativa para a construção da casa e da área de lazer, com a construção de passeios e rampas que impedem a regeneração natural da vegetação.

O Ministério Público Federal (MPF) apelou ao TRF1 alegando, em síntese, que a ’criação de unidades de conservação dão nova feição à função socioambiental da propriedade, impondo restrições que devem ser observadas, o que não impede a compatibilidade entre a existência de unidade de conservação e o regime de propriedade privada.’ Ao final, pugnou pela reforma do julgado e pelo prosseguimento da ação penal contra o recorrido.

O relator, desembargador federal Hilton Queiroz, entendeu ser desnecessário aguardar a conclusão de um processo expropriatório para fixar os limites de atuação do Poder Público na defesa do meio ambiente. Ressaltou, o julgador, que ‘o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito assegurado a todos. Como um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que é assegurado a todo o gênero humano, deve ser interpretado como prevalente sobre os interesses meramente privados’.

O magistrado destacou que os documentos juntados aos autos comprovam o dano causado pelo denunciado ao meio ambiente em área de preservação permanente, e que, ao assumir que tenha sido o responsável pela construção da casa, o réu afasta a atipicidade da conduta. Dessa maneira, a Turma, por unanimidade, desconstituiu a sentença e determinou o retorno dos autos à origem para o prosseguimento do feito”.

Fonte: Notícias TRF1.


 

Confira a íntegra da decisão:

APELAÇÃO CRIMINAL N. 0002340-34.2010.4.01.3804/MG

RELATOR : EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ
APELANTE : JUSTIÇA PÚBLICA
PROCURADOR : LUDMILA JUNQUEIRA DUARTE OLIVEIRA
APELADO : AUGUSTO DE PAIVA GODINHO
ADVOGADO : RENATA CRISTIANE VILELA FASSIO DE PAIVA PASSOS E OUTRO

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. DANO DIRETO A UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. PARQUE NACIONAL DA SERRA DA CANASTRA. ART. 40 DA LEI N. 9.605/1998. DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225). DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA (CPP: ART. 397, III). IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO PROVIDA.

  1. Em decorrência do princípio da prevenção contido no art. 225 da Constituição Federal, é necessária a ação estatal para impedir a consumação do dano ambiental mesmo diante do direito de propriedade e das limitações referentes à burocracia administrativa. Não se trata de dificultar o exercício do direito de propriedade, mas tão somente compatibilizá-lo com a sua função socioambiental, com vistas a atender ao disposto no art. 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal.
  2. Não seria razoável aguardar a conclusão de um processo de desapropriação ou de disputa em relação aos limites da propriedade para só então agir em defesa da preservação da mata nativa.
  3. Hipótese na qual o acusado causou dano direto à biota de área que pertence a unidade de conservação, situada no Parque Nacional da Serra da Canastra, tendo em vista que as construções ali realizadas impossibilitam a recuperação natural da vegetação.
  4. Apelo do Ministério Público Federal provido, para desconstituir a sentença e determinar o regular prosseguimento do feito.

ACÓRDÃO

Decide a Turma dar provimento à apelação, à unanimidade.

4ª Turma do TRF da 1ª Região – 28/09/2015.

 

 

HILTON QUEIROZ

DESEMBARGADOR FEDERAL

 

 

 

APELAÇÃO CRIMINAL N. 0002340-34.2010.4.01.3804/MG

RELATÓRIO

O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO (RELATOR CONVOCADO):

Ao manifestar-se nos autos, pelo provimento da apelação, a PRR/1ª Região assim sumariou os fatos:

“Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a sentença de fls. 197/210, que absolveu AUGUSTO DE PAIVA GODINHO da imputação prevista no art. 40 da Lei n. 9.605/98, sob o argumento de que a propriedade do réu escapa aos limites do Parque Nacional da Serra da Canastra (71.525 ha), de modo que se insere no contexto das denominadas áreas não regularizadas.

  1. Irresignado com a r. decisão, o MPF dela recorreu às fls. 213/216, sustentando, em síntese, que a criação de unidades de conservação dão nova feição à função socioambiental da propriedade, impondo restrições que devem ser observadas, o que não impede a compatibilidade entre a existência de unidade de conservação e o regime de propriedade privada.
  2. Ademais, salientou que ‘a carência de regularização fundiária do PARNA Serra da Canastra não significa desafetação nem desvinculação da proteção especial. Sobretudo considerando que não sobreveio lei promovendo a desafetação da área ou de parcela dela’ (fI. 215).” (fl. 267, v. 2).

Ao final, o apelante requer a reforma da decisão de fls. 197/210, a fim de que tenha prosseguimento a ação penal contra o recorrido, pela prática do crime do art. 40 da Lei n. 9.605/1998 (fl. 216v).

Contrarrazões às fls. 259/262, v. 2.

É o relatório.

 

VOTO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ (RELATOR):

A ação penal foi proposta nos seguintes termos:

“O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela Procuradora da República signatária, no uso de suas atribuições constitucionais (art. 129, I) e legais (art. 6°, V, da Lei Complementar n. 75, de 1993), e com base no apurado no inquérito policial em epígrafe, vem oferecer

DENÚNCIA

em desfavor de:

AUGUSTO DE PAIVA GODINHO, brasileiro, separado judicialmente, artesão, natural de Luminárias/MG, nascido em 01/12/1945, filho de Lourival Paiva Godinho e Esther Fassio, portador do RG n. M-1.020.405 SSP/MG, inscrito no CPF sob o n. 100.598.146-91, residente à Praça Paraguaçu, n. 30, Furnas, em São José da Barra/MG;

pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

I – DOS FATOS

Em 21/10/2008, AUGUSTO DE PAIVA GODINHO foi autuado e teve as atividades embargadas por agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – lCMBio, por causar dano direto ao Parque Nacional da Serra da Canastra, mediante construção de uma casa e área de lazer em área de preservação permanente, sem autorização do órgão ambiental competente (cf. Laudo Técnico Ambiental n. 01/2009 – fls. 52/57; Auto de Infração n. 592804D – fI. 12 e n. 561868D -fl. 25 e Termo de Embargo/Interdição n. 433395C – fl. 13 e n. 433392C – fl. 26).

Conforme laudo de constatação (fls. 52/57), os danos consistiram em supressão de vegetação nativa, dentro e fora de área de preservação permanente para implantação de área de lazer composta por casa, piscina e impermeabilização do solo, através da construção de passeio e rampas, impedindo a regeneração natural da vegetação. As fotos de fls. 21-22, 41-42 e 55-56 evidenciam a dimensão dos danos causados.

Cabe destacar que os danos à unidade de conservação são causados não apenas pela construção em si, mas pela permanência das edificações indevidamente erigidas, que diuturnamente provocam a impermeabilização do solo e impedem a regeneração natural da vegetação. Não obstante informado dos danos, o DENUNCIADO não promoveu a retirada das construções.

Em suas declarações em sede policial (fls. 80/81), o DENUNCIADO confirmou ser responsável pelas construções, informando que as pedras de quartzito utilizadas foram retiradas de uma frente de lavra que explorava na região. O DENUNCIADO também informou que a área era alugada para confraternizações, por aproximadamente R$ 300,00 (trezentos reais), tudo sem autorização da chefia do Parque Nacional da Serra da Canastra.

II – TIPIFICAÇÃO PENAL

Ao desmatar vegetação nativa para construção de empreendimento de lazer incompatível com uma unidade de conservação e proteção integral como o Parque Nacional da Serra da Canastra, atingindo, inclusive, área de preservação permanente, o DENUNCIADO praticou o crime previsto no art. 40 da Lei n. 9.605/98, in verbis:

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto n. 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:

Pena – reclusão, de um a cinco anos.” (fls. 2A/2B).

Processada a causa, o magistrado assim a decidiu:

“I – A increpação escorada na Lei de Crimes Ambientais, artigo 40, causação de ‘danos diretos e irreversíveis a unidade de conservação’, ressente-se de fôlego.

Basta dizer que ‘a propriedade é privada e está localizada na área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra’, na dicção da agência ambiental (f. 57).

A região da Serra da Canastra, radicada no sudoeste de Minas Gerais, no bioma do cerrado, contempla a nascente do Rio São Francisco e relevantes espécies de fauna e da flora. Ao limiar da década de 70, pela primeira vez, fora suspensa a navegabilidade no Velho Chico, mercê de severa seca a assolar a região e do desmatamento sem critérios oriundo da construção da represa de Furnas na regi­ão.

Deslizou-se, daí, à criação do Parque Nacional da Serra da Canastra -PNSC, através do Decreto 70.355, de 03-04-1972. Fundamentalmente integrado pelo Chapadão da Canastra (norte) e pelo Chapadão da Babilônia (sul), o Parque referia ‘uma área estimada em 200.000 ha (duzentos mil hectares)’ (art. 1º). Para sua implementação, autorizou-se o Ministério da Agricultura, por meio de agência pró­pria, ‘a promover as desapropriações necessárias’ (art. 5º), excluídas as terras ‘que tenham alto valor agricultável’ (art. 4º).

Logo à partida, já no levantamento pertinente aos recursos naturais e às propriedades particulares ali existentes, adelgaçou-se o perímetro da área alvo de perquirição a pouco mais de 106.000 ha (cento seis mil hectares). No afã de viabilizar futura expropriação, sob pagamento em títulos da dívida agrária, o Executivo baixou dois Decretos, tomando por base a área assim mitigada:

Fica declarada área prioritária de emergência, para fins de reforma agrária, a região constituída pelos municípios de Sacramento, São Roque de Minas e Vargem Bonita, no Estado de Minas Gerais, como os limites e confrontações definidos pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Decreto 74.446, de 21- 08-1974)

É declarada de interesse social, para fins de desapropria­ção, nos termos do artigo 18, letra ‘h’, artigo 10, incisos II e VI, e artigo 24, inciso V, da Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964, uma área de terras, medindo aproximadamente 106.185,50 ha (cento e seis mil, cento e oitenta e cinco hectares e cinquenta ares), de diversos proprietários, situadas nos municípios de Vargem Bonita, Sacramento e São Roque de Minas, no Estado de Minas Gerais (Decreto 74.447, de 21-08-1974).

A agência agrária – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/lNCRA – fora autorizada a implementar, em nome da União, a desapropriação dos imóveis rurais açambarcados pelo Parque da Canastra (Decreto 74.447/74, art. 3º) e, para tanto, firmara convênio com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, a quem incumbiria subministrar os recursos necessários.

No contexto das tratativas à expropriação, apontados equívocos arraigados ao levantamento realizado pelo órgão então contratado pelo IBDF (Fundação João Pinheiro), operou-se a exclusão de área reputada de alto valor agricultável (Vale dos Cândidos ou Vão), da área atinente ao Chapadão da Babilônia e de imóveis onde já havia projetos de reflorestamento autorizados pela agência florestal. De conseguinte, o perímetro da área objeto do estudo vestibular (106.185,50 ha) foi adelgaçado ainda mais, remanescera na expressão de 61.929,00 ha (sessenta um mil, novecentos e vinte e nove hectares).

Ausente consenso permissivo à expropriação amigável, à conta de inconformismo dos proprietários quanto a valores (terra nua e benfeitorias) e à forma de pagamento (títulos da dívida agrária, resgatáveis num lustro), aforada foi ação de desapropriação, em 1976, na Justiça Federal de Belo Horizonte: seu objeto contemplava área ainda mais acanhada, 60.748,69 ha (sessenta mil, setecentos quarenta oito hectares, sessenta e nove centiares).

Jurisdicionalizada a pendenga, em 1977, a área cuja desapropriação se colimava foi efetivamente demarcada, agora balizada em 71.525 ha (setenta e um mil, quinhentos e vinte e cinco hectares), remanescendo-lhe à orla o Chapadão da Babilônia (sul).

Mesmo assim, subsistira a resistência de muitos dos proprietários, notadamente pequenos, gente radicada na região havia gerações, desprovida de expectativa com a proposta indenizatória formulada pelo Executivo. Com isto, manu militari, o aparelho estatal deflagrou medidas tendentes à retirada dos proprietários da área então delimitada (Chapadão da Canastra: 71.525 ha), mediante aposição de marcos oficiais, retirada de gado e criações, demolição de casas, currais, benfeitorias em geral e congêneres. Para tanto, houve até o concurso de agentes da força policial federal, a desaguar em atos de truculência e arbitrariedade contra a gente da roça ali enraizada fazia muito, em atividade de agropecuária familiar, voltada à subsistência do grupo. Trata-se de fato público e notório, apurável ao simples exame de jornais de época.

Assim balizada a área do Parque Nacional da Serra da Canastra (71.525 ha) – contemplada no Plano de Manejos lavrado em 1981 e solidificada no Plano de Ação Emergencial de 1993 (PAE) -, implementadas e pagas as desapropriações correlatas – conquanto ainda remanesçam processos judiciais questionando valores -, em 1991, sobreveio a revogação dos próprios Decretos autorizadores dos atos expropriatórios (Decretos 74.446/74 e 74.447/74), ressalvados os efeitos jurídicos até então consumados. Tanto se ultimou, respectivamente, por meio de Decretos Presidenciais não numerados, dados à luz a 05-09-1991 (anexo III) e 10-05-1991 (anexo), in verbis:

DECRETO DE 5 DE SETEMBRO DE 1991.

Ressalva os efeitos jurídicos de declarações de interesse social ou de utilidade pública e revoga os decretos que menciona.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição,

DECRETA:

Art. 1º Ficam ressalvados os efeitos jurídicos das declarações de interesse social ou de utilidade pública, para fins de desapropriação ou de instituição de servidão administrativa, relativas a processos judiciais em curso ou àqueles transitados em julgado há menos de dois anos anteriores à vigência deste decreto.

Art. 2° Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3° Declaram-se revogados os decretos relacionados no Anexo.

DECRETO DE 10 DE MAIO DE 1991.

Ressalva os efeitos jurídicos dos atos declaratórios de interesse social ou de utilidade pública para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, mantém autorizações para funcionamento de empresas aos domingos e feriados, e revoga os decretos que menciona.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941, e nas Leis n.s 605, de 5 de janeiro de 1949, e 4.504, de 30 de novembro de 1964,

DECRETA:

Art. 1º Ficam ressalvados os efeitos jurídicos dos atos declaratórios de interesse social ou de utilidade pública para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa relativas a processos judiciais em curso ou àqueles transitados em julgado há menos de dois anos da vigência deste decreto.

Art. 2º Ficam mantidas as autorizações outorgadas mediante decreto a empresas, para funcionarem aos domingos e feriados, civis e religiosos.

Parágrafo único. O Ministro de Estado do Trabalho e da Previdência Social declarará, mediante portaria, as autorizações de que trata este artigo.

Art. 3º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Declaram-se revogados os decretos relacionados no anexo.

Consolidada a área do Parque Nacional da Serra da Canastra em 71.525 ha (Chapadão da Canastra), na área excluída (Chapadão da Babilônia: aproximadamente 130.000 hectares), não expropriada, persistiram a agricultura e pecuária de subsistência, práticas já seculares. Sucedeu, porém, a agregação de novas atividades, dentre elas, o turismo ecológico e a extração mineral, a ensejar a expedição de licenças ambientais de todos os matizes por agências estatais.

Em 2005, depois de dilatada gestação, novo Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Canastra foi dado a lume, explicitando a situação fundiária regularizada da área já expropriada (Chapadão da Canastra: 71.525 ha), correspondente ao Parque demarcado hoje em operação, e a necessidade de regularização quanto ao Chapadão da Babilônia (130.000 ha), para consecução dos 200.000 hectares estimados ao limiar. As atividades na área assim designada não regularizada somente poderiam ser conspurcadas ou embargadas ao depois da indenização das propriedades/posses. Disseram-no, àquele ensejo, prepostos do Executivo:

Do total da área decretada. 71.525 ha estão com a situação fundiária regularizada, ou seja, sob posse e domínio do lBAMA, enquanto os outros 130.000 ha são constituídos por propriedades/posses, não estando ainda regularizados.

Chapadão da Babilônia (só podem ser paralisadas quando da indenização das propriedades/posses).

O propalado desiderato expansionista teria como desdobramento jurídico natural a ultimação, a instâncias do Executivo, de providências tendentes à expropriação da área não regularizada (composta por propriedades particulares), via desapropriação amigável ou judicial, sob pagamento de justa e prévia indenização em dinheiro aos proprietários (Decreto-Lei 3.365, de 21-06-1941; Constituição Federal, art. 5°, XXIV).

Todavia, ao invés de palmilhar a liturgia legal, a desaguar em ponderável dispêndio orçamentário com a quitação de indenizações, o Executivo ordenou às suas agências e prepostos a adoção de posturas conducentes a sufocar e aniquilar tantos quantos estivessem na área não regularizada: paralisação, desconstituição e sobrestamento de atos administrativos já expedidos, realização de fiscalizações permeadas por rigor euremático, imposição diuturna de embargos, interdições e multas, etc. A partir daí, uma constelação de ações vem aportando em juízo. A linha de ação ultimada pelo Executivo foi externada ao ensejo de Relatório firmado pelo ‘Grupo de Trabalho Interministerial, instituído pelo Decreto de 24 de janeiro de 2006, relati­vo ao Parque Nacional da Serra da Canastra’, verbis:

(…) O IBAMA expediu determinações no sentido de parali­sar a concessão ou renovação de licenças e informou a ór­gãos e entidades da Administração Pública o novo entendimento, gerando a necessidade de desconstituir ou de sobrestar atos administrativos anteriormente expedidos.

Assim, à medida que os responsáveis pelo exercício das atividades incompatíveis com os objetivos do Parque Nacional tiveram seus requerimentos negados, as fiscalizações autuaram as atividades e ações propostas pelo Ministério Público Federal resultaram na sua paralisação […]

Assim alinhavado o contexto fático subjacente à espécie, resta espancar, a miúdo e por inteiro, o proceder protagonizado pelo aparelho estatal com o escopo de incorporar ao Parque Nacional da Serra da Canastra a área remanescente, Chapadão da Babilônia, integrada por propriedades particulares. Cuida-se de atos de violência institucional, escamoteados sob a capa duma legalidade amalgamada à luz de impressões e concepções míopes. A diretriz legal a ser cumprida – repita-se – é a deflagração de medidas expropriatórias, sob prévia e justa indenização. Aí, precisamente, o cânone da legalidade a que também inexoravelmente se vincula o poder público e seus prepostos. Fora daí, tem-se, unicamente, atos espoliativos perpetrados pelo Estado, cuja gravidade mais ganha corpo em razão de quem os protagoniza. Neste terreno, aliás, legitimidade de atuação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Instituto Chico Mendes, à luz da legislação reitora (Lei 11.516/2007, art. 1º, I), confina-se aos limites da área do Parque efetivamente implantada e regularizada, isto é, aos 71.525 hectares: quanto à área não regularizada, juridicamente estranha ao conceito de Unidade de Conservação, não lhe é dado legalmente fiscalizar, atuar ou autuar. Mesmo a ingerência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA na porção de área não regularizada se atrela concreta existência de situação afeta a atribuições federais (Lei 7.735/89, art. 2º), inferidas à luz do catálogo constitucional (CF, artigos 20 e 21). Fora daí, prevalece a atribuição residual, assaz mais abrangente, sob a alçada dos Estados-membros e municípios.

Como as restrições impostas às propriedades particulares situadas dentro do Parque almejado transpõem às raias de meras limitações administrativas, traduzindo aniquilação ao direito dominial, a formal desapropriação é inexorável, sob pena de se legitimar o confisco. Há, por isto, categórica previsão legal a respeito: Lei 9.985/2000, art. 11, § 1º. Sem regular expropriação, é inconcebível a existência de Unidade de Conservação, em qualquer esfera. Ausente a transposição do bem particular ao domínio público, tem-se, unicamente, promessa ou propósito declarado de criá-Ia, inidônea, por si e em si, a espargir, efeitos jurídicos. Em definitivo, nenhuma Unidade de Conservação pode se erigir à custa de atos espoliativos infligidos a particulares.

Há de se conciliar a proteção ambiental (CF, art. 225) com o direito de propriedade (idem, art. 5º, XXII e XXIV). É dizer, ao propri­etário privado ou cerceado de usar e usufruir do bem há de se asse­gurar prévia e justa indenização. A premência do desafio de imple­mentar o Parque Nacional da Serra da Canastra, tal e como planeado ao exórdio, não pode se metamorfosear em passaporte à atuação desligada da lei, nem servir de álibi ao pisoteio de regras plasmadas no Estado de Direito:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ESTAÇÃO ECOLÓGICA – RESERVA FLORESTAL NA SERRA DO MAR – PATRIMÔNIO NACIONAL (CF, ART. 225, § 4°) – LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE AFETA O CONTEÚDO ECONÔMICO DO DIREITO DE PROPRIEDADE – DIREITO DO PROPRIETÁRIO À INDENIZAÇÃO – DEVER ESTATAL DE RESSARCIR OS PREJUÍZOS DE ORDEM PATRIMONIAL SOFRIDOS PELO PARTICULAR – RE NÃO CONHECIDO.

– Incumbe ao Poder Público o dever constitucional de proteger a flora e de adotar as necessárias medidas que visem a coibir práticas lesivas ao equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em sua potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública.

– A proteção jurídica dispensada às coberturas vegetais que revestem as propriedades imobiliárias não impede que o dominus venha a promover, dentro dos limites autorizados pelo Código Florestal, o adequado e racional aproveitamento das árvores nelas existentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais em geral, tendo presente a garantia constitucional que protege o direito de propriedade, firmou-se no sentido de proclamar a plena indenizabilidade das matas e revestimentos florestais que recobrem áreas dominiais privadas objeto de apossamento estatal ou sujeitas a restrições administrativas impostas pelo Poder Público. Precedentes.

– A circunstância de o Estado dispor de competência para criar reservas florestais não lhe confere, só por si considerando-se os princípios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de propriedade -, a prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de indenização compensatória ao particular, quando a atividade pública, decorrente do exercício de atribuições em tema de direito florestal, impedir ou afetar a válida exploração econômica do imóvel por seu proprietário.

– A norma inscrita no art. 225, § 4°, da Constituição deve ser interpretada de modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5°, XXII, da Carta política, garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas projeções, inclusive aquela concernente à compensação financeira devida pelo Poder Público ao proprietário atingido por atos imputáveis à atividade estatal.

– O preceito consubstanciado no art. 225, § 4°, da Carta da República, além de não haver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas florestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira), também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias à preservação ambiental.

– A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/88, art. 5°, XXII). Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental da República estende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao reconhecimento, em favor do dominus da garantia de compensação financeira, sempre que o Estado, mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável, atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel particular afetado pela ação do Poder Público esteja localizado em qualquer das áreas referidas no art. 255, § 4°, da Constituição.

Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput).

Efetivamente, é inarredável a preservação do meio ambiente, direito de terceira dimensão, de natureza transindividual. A ausência de providências efetivas a respeito poderá comprometer o futuro da humanidade. A salvaguarda, contudo, não pode ser levada às últimas consequências, nem fazer tábula rasa do arcabouço normativo. A vertente bussolar, neste terreno, há de ser a realidade dos fatos, em ordem a garantir o ‘meio ambiente humano’, igualmente erigido a princípio fundamental na Carta da República (CF, art. 1º, III).

Aliás, a implementação da totalidade do Parque Nacional da Serra da Canastra, tal e como estimado ao prelúdio (200.000 hectares), pelos desdobramentos que enfeixa, é objeto de iniciativas e tratativas em diversas esferas, inclusive na legislativa (Projetos de Lei 147/2010 e 148/2010, em trâmite no Senado da República; Projetos de Lei 1.448/2007 e 1.517/2007, em curso na Câmara dos Deputados).” (fls. 197/209).

Concluiu, então, o magistrado:

“Na espécie versada, a propriedade do réu escapa aos limites do Parque Nacional da Serra da Canastra (71.525 ha). Ela se insere no contexto das denominadas áreas não regularizadas, propriedades particulares incluídas no plano de consecução do parâmetro estimado para a Unidade de Conservação (200.000 ha), ainda não expropriadas.

Nesta conjuntura, é incabível se cogitar da existência de ‘u­nidade de conservação’, palco dos danos ambientais propalados, máxime no terreno criminal.

E, juridicamente inexistente ‘unidade de conservação’, elemento objetivo-descritivo do tipo, sucumbe a imputação sob foco (art. 40), de pertinência adjungida à área do Parque efetivamente implantada (71.525 hectares) e consectários.

II – NESTAS CONDIÇÕES, à vista da fundamentação expendida, com esteio no Código de Processo Penal, art. 397, inciso III, absolvo, sumariamente, o denunciado AUGUSTO DE PAIVA GODINHO, já qualificado.” (fls. 209/210).

Aprecio o recurso.

Assiste razão ao apelante.

Com efeito, considero, de logo, desnecessário aguardar a conclusão de um processo expropriatório para se fixar os limites de atuação do Poder Público na preservação do meio ambiente. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito assegurado a todos. Como um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que é assegurado a todo o gênero humano, deve ser interpretado como prevalente sobre os interesses meramente privados.

Nesse sentido, tendo em vista o princípio da prevenção contido no art. 225 da Constituição Federal, é necessária a ação estatal para impedir a consumação do dano ambiental mesmo diante do direito de propriedade e das limitações referentes à burocracia administrativa. Não se trata de dificultar o exercício do direito de propriedade, mas tão somente compatibilizá-lo com a sua função socioambiental, com vistas a atender ao disposto no art. 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal.

Vejamos o que dizem o artigo 225 da Constituição Federal e a Lei 9.985, de 18/07/2000:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

O mesmo dispositivo legal, em seu § 1º, inciso III, preceitua:

“§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.”

Regulamentando a referida norma, editou-se a Lei 9.985, de 18/07/2000, que assim dispõe em seu art. 11:

“Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

  • 1º O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.
  • 2º A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento.
  • 3º A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento.”

Ora, não seria razoável aguardar a conclusão de um processo de desapropriação ou de disputa em relação aos limites da propriedade para só então agir em defesa da preservação da mata nativa.

Por oportuno, saliento que, criado pelo Decreto n. 70.355, de 03 de abril de 1972, o Parque Nacional da Serra da Canastra atrai, para seu benefício, a incidência das normas de proteção do meio ambiente, mesmo as que editadas após sua criação, sendo irrelevante, destarte, para afastá-las a circunstância de ainda não ter sido completada a totalidade das desapropriações dos imóveis que lhe integram o perímetro.

Corretas, portanto, as razões do recorrente, ao sustentar:

“Cabe destacar que o fato de ainda não ter ocorrido a completa consolidação dominial da unidade de conservação não abala a obrigação de observância da limitação administrativa imposta pela criação do espaço especialmente protegido.

Deveras, a Lei do SNUC trouxe importante sistematização do regime jurídico das unidades de conservação, prevendo no artigo 22 os requisitos para sua criação (previsão antes inexistente no ordenamento jurídico): ato do poder público, precedido de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade.

Apesar de definir com clareza inclusive os casos em que as unidades são de posse e domínio públicos – o que anteriormente carecia de definição legal -, observa-se que o legislador não condicionou a criação das unidades de conservação à previa desapropriação ou aquisição das áreas.

Assim, é nítida a diferença entre a criação do espaço especialmente protegido e sua consolidação dominial. A criação de unidade de conservação, como os Parques Nacionais, depende tão só da edição de ato do Poder Público, não sendo requisito para sua instituição a expedição de decreto de desapropriação.

Assim, a carência de regularização fundiária do PARNA Serra da Canastra não significa desafetação e nem desvinculação da proteção especial. Sobretudo considerando que não sobreveio lei promovendo a desafetação da área ou de parcela dela, exigência que é trazida pelo art. 225, § 1°, III, da CF/88.

Nesse sentido, a decisão proferida pela Desembargadora Selene Maria de Almeida, no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2007.01.00.046563-1 julgado em 10/10/2007, pela Quinta Turma do Tribunal Regional da Primeira Região:

‘o Parque Nacional da Serra da Canastra foi criado por meio do Decreto n. 70.355, de 3 de abril de 1972, com uma área total de aproximadamente 200.000 ha (duzentos mil hectares), sendo que apenas 71.000 ha (setenta e um mil hectares) foram objeto de regularização fundiária por parte do Poder Público, inércia que não constitui autorização para uso incompatível do espaço, pois o fato da integralidade do terreno do Parque Nacional da Serra da Canastra ainda não ter sido objeto de regularização fundiária não suprime a sua condição de unidade de conservação de proteção integral, condição essa atribuída pelo artigo 8°, III, da Lei n. 9.985/2000.’

Sendo assim, o fato de não haver ocorrido a consolidação territorial do PARNA Serra da Canastra não significa que áreas não indenizadas pela União, pertencentes à unidade de proteção integral, deixem de ser consideradas como tal.” (fls. 214v/215).

Nesse sentido é o entendimento desta Corte Regional, como destaco:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE – ART. 40 DA LEI 9.605/98 – (DANO DIRETO A UNIDADE DE CONSERVAÇÃO) – PLANTAÇÃO DE ESPÉCIE EXÓTICA NO PARQUE NACIONAL DA SERRA DA CANASTRA – ­DENÚNCIA – ANÁLISE DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO – APURAÇÃO NA INSTRUÇÃO CRIMINAL – PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBlO PRO SOCIETATE – DESCRIÇÃO DE FATO TÍPICO, COM TODAS AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS – ART. 41 DO CPP – REJEIÇÃO DA DENÚNCIA – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.

I – Verificada a ocorrência de dano à unidade de Conservação Parque Nacional da Serra da Canastra, por meio do plantio de eucalipto dentro da área não regularizada do parque, com introdução de espécie exótica (eucalipto), sem autorização do órgão competente, resta caracterizada, em tese, a conduta tipificada no art. 40 da Lei 9.605/98.

II – A finalidade essencial da unidade de conservação ‘Parque Nacional’ é a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, com possibilidade de limitação a seu uso, em face da função social do direito de propriedade, consoante disposto no art. 5°, XXIII, da Constituição Federal.

III – ‘(…) A criação de Parque Nacional não muda a essência ecológica da área em questão; autoriza, sim, a alteração da natureza da propriedade, ou seja, não é a criação de tal Unidade de Conservação de Proteção Integral, ou a desapropriação em si, que vai garantir proteção ao ecossistema, pois esta proteção lhe é inerente e independe da criação de qualquer Unidade de Conservação ou de qualquer formalização pelo Poder Público, sendo essencialmente pautada na concepção fática da relevância ambiental da área, seja pública ou particular. Caso contrário, a defesa ao meio ambiente somente poderia ocorrer em áreas públicas. (…) In (STJ, REsp 1122909/SC, Relo Min. Humberto Martins, 2ª Turma, unânime, DJe de 07/12/2009).

IV – ‘Se a denúncia, alicerçada em elementos do inquérito, contém a descrição clara e objetiva do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias e a classificação do delito, possibilitando a ampla defesa do réu, deve ser recebida, sem prejuízo da apuração do elemento subjetivo do tipo no curso da ação penal.’ (STF, Inq 1326/RO, Rel. Min. Cézar Peluso, Pleno, unânime, DJU de 03/02/2006, p. 14).

V – As circunstâncias da suposta prática do crime, na espécie, impõem a aferição do elemento subjetivo do tipo após a instrução criminal, na Ação Penal. Precedentes do STF e do TRF/1ª Região.

VI – Preenchidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo penal, incabível é a rejeição da denúncia.

VII – Recurso provido.”

(RSE 0002555-73.2011.4.01.3804/MG, Relatora Desembargadora Federal Assusete Magalhães, Terceira Turma, e-DJF1 p. 143 de 06/07/2012).

Mister destacar que, de acordo com o conjunto probatório acostado aos autos, houve dano ao meio ambiente em área de preservação permanente (documentos de fls. 12, 13, 14/17, 18/22, 24, 25, 26, 40/42 e 56/61). Noutro giro, o apelado declarou que foi o responsável pela construção da obra (fls. 80/81). Dessa forma, a conduta a ele imputada subsume-se ao tipo previsto no art. 40 da Lei n. 9.605/1998.

Dessa forma, pela sua pertinência, incorporo às razões de decidir os fundamentos do opinativo ministerial de fls. 267/270, v. 2, da lavra do ilustre Procurador Regional da República dr. José Osterno Campos de Araújo, no que ora destaco:

“7. Conforme depreende-se dos autos, o juiz sentenciante aduziu que as restrições impostas às propriedades particulares situadas dentro do referido Parque transpõem às raias de meras limitações administrativas, traduzindo aniquilação dominial, entretanto, é valido lembrar que a faculdade de ‘usar, gozar e dispor da coisa’, núcleo econômico do direito de propriedade, assegurada no art. 1228, caput, do Código Civil, está condicionada à estrita observância, pelo proprietário atual, da obrigação propter rem de proteger a flora; a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitar a poluição do ar e das águas (parágrafo único do referido artigo).

  1. Sendo assim, não há que se falar que as exigências de sustentabilidade ecológica na ocupação e utilização de bens econômicos privados evidenciem apossamento, esvaziamento ou injustificada intervenção pública, bem como que, no caso em comento, a carência de regularização fundiária do PARNA Serra da Canastra signifique desvinculação da proteção ambiental especial, pois a área em questão é fixada nos limites da unidade de conservação, como consta o anexo acostado à fI. 61, evidenciando a existência de serviços e processos ecológicos essenciais, que são ‘bem de uso comum do povo’, nos termos do art. 225, caput, da Constituição de 1988.
  2. Ademais, no Laudo Técnico PNSC n. 01/2009 a analista ambiental, Paola Vieira Ribeiro, constatou que ‘o dano ambiental consistiu em supressão da vegetação nativa, dentro e fora de área de preservação permanente, para a implantação de área de lazer composta por várias construções, como uma casa, uma piscina, e impermeabilização do solo através do assentamento de pedras para a construção de passeios e rampas’ (fls. 55/58), demonstrando a ínfima cautela ambiental cumprida por AUGUSTO DE PAIVA GODINHO.
  3. Portanto, sabendo-se que o apelado confirmou em depoimento policial (fls. 80/81) que foi o responsável pelas construções que causaram dano direto ao Parque, suprimindo a vegetação nativa da unidade de conservação e implantando edificações que impedem sua regeneração natural, sua conduta subsume-se plenamente ao tipo previsto no art. 40 da Lei 9.605/98.” (fls. 268/269, v. 2).

Dessarte, no caso em tela, não há que se falar em atipicidade da conduta.

Isso posto, dou provimento ao apelo do Ministério Público Federal, para desconstituir a sentença que absolveu sumariamente o acusado, com base no art. 397, III, do CPP, e determinar a remessa dos autos à primeira instância, para o regular processamento da causa.

É o voto.

 

 

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002340-34.2010.4.01.3804/MG

 

V O T O – R E V I S O R

 

A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL ROSIMAYRE GONÇALVES DE CARVALHO (REVISORA CONVOCADA):-

Feita a revisão no presente feito, nada tenho a acrescentar ao relatório de fl. 291.

Não merece ser mantida a v. sentença apelada.

Da análise dos autos, verifico a que a materialidade e a autoria do delito inscrito no art. 40 da Lei 9.605/1998, ficaram comprovadas nos autos.

Com efeito, é desnecessário se aguardar a conclusão de um processo expropriatório para se fixar os limites de atuação do Poder Público na preservação do meio ambiente. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito assegurado a todos, prevalecendo sobre os interesses meramente privados.

De acordo com o conjunto probatório acostado aos autos, houve dano ao meio ambiente em área de preservação permanente. Noutro giro, o apelado declarou que foi o responsável pela construção da obra (fls. 80/81). Dessa forma, a conduta a ele imputada subsume-se ao tipo previsto no art. 40 da Lei n. 9.605/1998.

Faz-se necessário ainda mencionar, no caso em comento, que o d. Ministério Público Federal, em parecer nos autos, às fls. 266/170, da lavra do eminente Procurador Regional da República, Dr. José Osterno Campos de Araújo, posicionou-se: “(…) pelo conhecimento e provimento da apelação” (fl.170).

Diante disso, dou provimento ao recurso de apelação do Ministério Público Federal, para desconstituir a sentença que absolveu sumariamente o acusado, com base no art. 397, III, do Código Processual Penal, e determinar a remessa dos autos à primeira instancia, para o regular processamento da causa.

É o voto.

 

 

ROSIMAYRE GONÇALVES DE CARVALHO

Juíza Federal

(Revisora Convocada)

 

Direito Ambiental - dano à Unidade de Conservação

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