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TJSP mantém vedação a qualquer tipo de prova de laço e/ou vaquejada no município de Barretos, por se tratar de prática cruel aos animais

“O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, por unanimidade, manter vedação a qualquer tipo de prova de laço e/ou vaquejada no município de Barretos. O pedido foi feito pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo em Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) requerendo a revogação de lei que permitia as práticas.

Segundo o desembargador Péricles Piza, relator da ação, a norma em questão, que permite as atividades, ‘não se coaduna com os preceitos constitucionais vigentes. Isto porque, o ordenamento pátrio procurou zelar pela preservação do meio ambiente, consubstanciado em sua fauna e flora, rechaçando qualquer tipo de crueldade contra animais’. Em seu voto, o magistrado cita parecer técnico sobre rodeios e avaliação das provas de laço, ambos da Faculdade de Medicina Veterinária e Zooctenia da Universidade de São Paulo, que deixam claro ‘que é irrefutável o sofrimento físico e mental suportados pelos animais submetidos às essas provas, caracterizando maus tratos, injúrias e ferimentos’, assinalou o relator.

‘O argumento de ‘manifestação cultural’ não pode ser o suficiente para permitir e justificar que determinadas práticas, em evidente submissão de animais a crueldades, sejam realizadas’, escreveu Piza.

O vota ainda destaca que a Festa do Peão de Barretos não está proibida, apenas a realização das provas de laço e vaquejada, “o que, diante de todas as outras inúmeras atividades ocorridas, inclusive atrações musicais de grande expressão nacional, em nada alteraria o público e o lucro financeiro”, afirmou o desembargador.

O julgamento da Adin ocorreu em dezembro”.

Fonte: Comunicação Social TJSP, 12/01/2016.

 

Confira a íntegra da decisão:

 

  

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade nº 2146983-12.2015.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, são réus PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE BARRETOS e PREFEITO MUNICIPAL DE BARRETOS.

ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EVARISTO DOS SANTOS, MÁRCIO BARTOLI, JOÃO CARLOS SALETTI, RENATO SARTORELLI, CARLOS BUENO, PAULO DIMAS MASCARETTI, ARANTES THEODORO, TRISTÃO RIBEIRO, ANTONIO CARLOS VILLEN, ADEMIR BENEDITO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, NEVES AMORIM, BORELLI THOMAZ, JOÃO NEGRINI FILHO, SÉRGIO RUI, SALLES ROSSI, SILVEIRA PAULILO, FRANÇA CARVALHO, EROS PICELI, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, MOACIR PERES E FERREIRA RODRIGUES.

São Paulo, 9 de dezembro de 2015.

PÉRICLES PIZA

RELATOR

Assinatura Eletrônica

 

 

Direta de Inconstitucionalidade nº 2146983-12.2015.8.26.0000

Autor: Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo

Réus: Presidente da Câmara Municipal de Barretos e Prefeito Municipal de Barretos Comarca: São Paulo

Voto nº 32.624

 

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Impugnação a Lei Municipal nº 5.056, de 10 de fevereiro de 2015, que revogou o artigo 2º da Lei Municipal nº 4,446, de 23 de novembro de 2010, do Município de Barretos, que vedava a realização das provas de laço e vaquejada. Violação de dispositivos da Constituição Estadual e Federal. Precedentes do STF – Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 5.056/2015.

I – O douto Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo ajuizou a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade em face do Prefeito do Município de Barretos e do Presidente da Câmara Municipal de Barretos requerendo a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.056, de 10 de fevereiro de 2015, que revogou o artigo 2º da Lei Municipal nº 4.446, de 29 de novembro de 2010.

Referido artigo, da Lei nº 4.446, que “Dispõe sobre as normas para a realização de rodeios no âmbito do Município de Barretos e dá outras providências”, tinha, por sua vez, a seguinte redação:

Art. 2º – Fica expressamente vedada a realização de qualquer tipo de prova de laço e/ou vaquejada.

Em apertada síntese, argumentou que a norma em apreço, encontra-se eivada de inconstitucionalidade material. Isso porque o dispositivo revogado tutelava a saúde e o bem estar dos animais submetidos ao entretenimento de rodeios, ou seja, protegia a fauna brasileira, nos termos do artigo 193, X, da Constituição Estadual. Ao revogá-lo, incorreu-se em inaceitável retrocesso ambiental, o que não se coaduna com a ordem constitucional vigente.

Posto este motivo, requereu a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação. E, invocando precedentes sobre a matéria, requereu o julgamento procedente da ação a fim de ser pronunciada a inconstitucionalidade da referida disposição legal.

A liminar foi deferida (cf. fls. 172/175).

O Procurador-Geral do Estado foi citado e declarou faltar-lhe interesse na defesa do ato impugnado vez que se trata de matéria exclusivamente local (fls. 187/189).

O presidente da Câmara Municipal manifestou-se pela improcedência da ação, requerendo o reconhecimento da constitucionalidade da norma impugnada (cf. fls. 194/198).

Reiterando os termos da petição inicial, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela procedência integral da ação direta (cf. fls. 202/222).

É o relatório.

II – A ação direta de inconstitucionalidade foi suscitada em face da Lei Municipal nº 5.056/2015 que revogou o artigo 2º da Lei nº 4.446/2010, a qual vedava a realização de qualquer tipo de prova de laço e/ou vaquejada, ambas do Município de Barretos.

Ocorre que, em que pesem os argumentos sopesados pela Câmara Municipal de Barretos, a liminar proferida deve ser referendada. Senão vejamos.

Conforme Parecer Técnico sobre Rodeios, de fls. 61/74, “na prova do laço, conhecida também como calf roping, o bezerro, com cerca de apenas 40 dias de vida, lactentes, enquanto está correndo, é laçado pelo peão montado a cavalo, em velocidade. O laço em seu pescoço faz com que o bezerro estanque abruptamente, caindo sobre o solo. Ele então é erguido do solo pelo peão, sendo seguro pela prega cutânea que se dispõe entre o tronco e a parte traseira e é novamente atirado ao solo, agora em decúbito lateral, sendo três de suas patas amarradas juntas. Como se leva em consideração o tempo, todos os movimentos são rápidos e bruscos, o que aumenta a possibilidade de ocorrência de traumatismos no bezerro, em várias partes do corpo (coluna vertebral, membros, costelas e órgãos internos que podem sofrer rupturas), ainda mais se levando em conta que são animais em início de desenvolvimento orgânico.”

Agora, “na prova conhecida como laço em dupla, ou team roping, existe a participação de dois peões, que perseguem o bezerro. Enquanto um laça a cabeça, o outro laça as pernas traseiras, e eles se apresentam, após as laçadas, um de frente ao outro, sendo então o animal tracionado em sentidos opostos.”

Na vaquejada, há a participação de dois peões, montados a cavalo, que devem emparelhar o boi entre os cavalos e tentar derrubá-lo, puxando-o pelo rabo dentro da área demarcada.

Inicialmente, cabe ressaltar que, a lei não se coaduna com os preceitos constitucionais vigentes. Isto porque, o ordenamento pátrio procurou zelar pela preservação do meio ambiente, consubstanciado em sua fauna e flora, rechaçando qualquer tipo de crueldade contra animais, conforme artigo 225, inciso VI, da Constituição Federal.

Isto ocorreu devido a um processo de evolução da sociedade, verificada no próprio direito a ela aplicado. Da mesma forma como ocorreu com os Direitos Humanos, os direitos dos animais têm sido alvo de constantes mudanças, em razão de uma maior sensibilidade e compaixão experimentada pela sociedade. Tal sociedade passou a clamar por uma maior proteção também aos animais, seres que, assim como nós, são sencientes, dotados de sensibilidade, e, portanto, são passíveis de proteção jurídica.

Ao contrário do que pensava Descartes, os animais não são “autômatos biológicos”, não são máquinas insensíveis que, se gemem é porque, apenas, está faltando óleo. A evolução da ciência tratou de mudar esse tipo de pensamento. Não é porque não sabem falar ou raciocinar da mesma forma que os humanos, que não sofrem física e mentalmente.

O Direito acompanha a evolução da sociedade. Uma maior preocupação humana com os animais, requer uma maior preocupação jurídica da mesma forma.

Neste diapasão, a Constituição de 1988, com claro intuito de retirar um pouco a carga antropocêntrica das normas até então vigentes, trouxe uma visão protetiva também ao meio ambiente.

Verifique-se que o artigo 5º, inciso LXXIII, disciplina que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

Ou seja, o meio ambiente foi elevado a categoria de Direito Fundamental.

No capítulo VI, destinado ao Meio Ambiente, o artigo 225 prevê que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

Destarte, é cediço que o constituinte originário preocupou-se em atribuir aos animais direitos mínimos, tais como o de não ser submetido a crueldade, independente dos interesses humanos. Repise-se, tratase do viés não antropocêntrico da constituição que, como comando constitucional, deve ser respeitado, como todos os outros.

O que ocorre hodiernamente é que o ser humano, através de sua famigerada “superioridade racional”, instrumentaliza os animais, subjuga-os ao seu bel prazer, desconsiderando qualquer tipo de proteção jurídica que possa ter e ignorando qualquer sensação de desconforto, dor e sofrimento destes, submetendo-os as mais variadas formas de tortura, ou, como costumam chamar, “entretenimento”.

Não obstante a Constituição Federal versar claramente sobre o assunto, como acima aduzido, há diversos outros diplomas legais que também tratam do tema, o que corrobora com a necessidade crescente da ampliação do direito dos animais.

A Constituição Paulista prevê, em seu art. 193, inciso X: “Art. 193 – O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, assegurada a participação da coletividade, com o fim de: X – proteger a flora e a fauna, nesta compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e que provoquem extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, fiscalizando a extração, produção, criação, métodos de abate, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos;” (g.n.)

A Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, “Lei de Crimes Ambientais”, torna crime os maus tratos a animais em seu artigo 32:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maustratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

No mesmo passo, a Assembleia Legislativa de São Paulo editou a Lei Estadual nº 11.977/05, regulamentou o tema, criando o Código de Proteção aos Animais do Estado, que estabeleceu em sua Seção VI normas que cerceiam a prática de maus-tratos aos animais em atividades de espetáculo:

Seção VI

Das Atividades de Diversão, Cultura e Entretenimento

Artigo 20 – É vedado realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes, touradas, simulacros de tourada e vaquejadas, em locais públicos e privados.

Artigo 21 – É vedada a apresentação ou utilização de animais em espetáculos circenses.

Artigo 22 – São vedadas provas de rodeio e espetáculos similares que envolvam o uso de instrumentos que visem induzir o animal à realização de atividade ou comportamento que não se produziria naturalmente sem o emprego de artifícios.

Há ainda a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, publicada em Assembleia da UNESCO, em Bruxelas, 1978:

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS PROCLAMADA PELA UNESCO EM SESSÃO REALIZADA EM BRUXELAS, EM 27 DE JANEIRO DE 1978.

Considerando que cada animal tem direitos;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo destes direitos levaram e continuam levando o homem a cometer crimes contra a natureza e contra os animais;

Considerando que o reconhecimento por parte da espécie humana do direito à existência das outras espécies animais, constitui o fundamento da coexistência das espécies no mundo;

Considerando que genocídios são perpetrados pelo homem e que outros ainda podem ocorrer;

Considerando que o respeito pelos animais por parte do homem está ligado ao respeito dos homens entre si;

Considerando que a educação deve ensinar à infância a observar, compreender e respeitar os animais,

PROCLAMA-SE:

Art. 1º – Todos os animais nascem iguais diante da vida e tem o direito a existência.

Art. 2º – (a) Cada animal tem o direito ao respeito.

b) O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou explorá-los, violando este direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais.

c) Cada animal tem o direito à consideração, à cura e à proteção do homem.

Art. 3º – (a) Nenhum animal deverá ser submetido a maltrato e a atos cruéis.

b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor nem angústia.

Art. 4º – (a) Cada animal que pertence à uma espécie selvagem, tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de reproduzir-se.

b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito. Art. 5º – (a) Cada animal pertence à uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade, que são próprias da sua espécie.

c) Toda modificação deste ritmo e destas condições impostas pelo homem para fins mercantis é contrária a este direito.

Art. 6º – (a) Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de vida, conforme sua natural longevidade.

b) O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

Art. 7º – Cada animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo e intensidade do trabalho, a uma alimentação adequada e repouso.

Art. 8º – (a) A experimentação animal, que implica em um sofrimento físico e psíquico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra.

b) As técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas.

Art. 9º – No caso do animal ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado, transportado e morto sem que para ele resulte ansiedade ou dor.

Art. 10 – (a) Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem.

b) A exibição dos animais e os espetáculos, que utilizam animais são incompatíveis com a dignidade do animal.

Art. 11 – O ato que leva à morte de um animal sem necessidade, é um biocídio, ou seja, um delito contra a vida.

Art. 12 – (a) Cada ato que leva à morte de um grande número de animais selvagens, é um genocídio, ou seja, um delito contra a espécie.

b) O aniquilamento e a destruição do ambiente natural levam ao genocídio.

Art. 13 – (a) O animal morto dever ser tratado com respeito.

b) As cenas de violência de que os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos do animal.

Art. 14 – (a) As associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível de governo.

b) Os direitos do animal devem ser definidos por leis, com os direitos do homem.(g.n.)

Assim, possíveis embates e do sopesamento entre os princípios de proteção ao meio ambiente, no tocante ao tratamento dispensado ao animal, presente no artigo 225 da Constituição Federal, e manifestação cultural, presente no artigo 215 do mesmo diploma, a balança é mais tendenciosa ao primeiro.

Tal entendimento encontra-se perfeitamente delineado na jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça:

Contravenção Penal Crueldade contra animais Circo de rodeios Espetáculos que mascaram, em substância, um simulacro de touradas Cassação de Alvará de Funcionamento Pretendida violação do direito líquido e certo Pretensão repelida Aplicação do art. 64 da Lei de Contravenções Penais Ilícito Penal Atividade que incide em norma punitiva da Lei das Contravenções Penais – Invocação inadmissível, conseqüentemente, de direito líquido e certo Segurança denegada. Uma vez que a autoridade pública informa que a atividade executada pelo impetrante, em seu chamado circo de rodeios, incide na norma punitiva do art. 64 da Lei de Contravenções Penais, a segurança deve ser denegada. Ninguém pode pretender direito líquido e certo a prática de um ilícito penal. Saber que os animais utilizados pelo impetrante na realização de seu espetáculos eram realmente tratados com crueldade, qual o afirma, com presunção de verdade, à autoridade pública, constitui matéria de fato, cuja apuração transcende o âmbito do Mandado de Segurança. O que, todavia, é fora de dúvida é que ninguém pode pretender direito, muito menos líquido e certo, a perpetrar, sob égide da Justiça, um ilícito penal (TJSP. MS nº 74.276. Rel. Des. Renato Nalini).

“Conquanto o rodeio seja uma atividade lícita e permitida, na realização de festas dessa natureza não poderá haver provas e atividades que impliquem maus-tratos aos animais, em especial, as denominadas bulldog, laço em dupla e laço de bezerro, tampouco poderão ser utilizados sedéns, ponteiras metálicas, chicotes e aparelhos que causem choques nos animais, com o objetivo de que estes escoiceiem e pulem furiosamente. Acrescenta-se que não convence qualquer entendimento no sentido de que a festa de rodeio é apenas um esporte ou ainda uma tradição do homem do interior, como se isso justificasse a crueldade contra animais. As festas hoje realizadas em grandes arenas, com shows, anunciantes e forte esquema publicitário, nada têm de tradicional. A decisão agravada, repita-se, não impediu a realização do evento narrado nos autos, nem foi essa a extensão da antecipação dos efeitos da tutela pleiteada pelo Ministério Público no bojo da ação civil pública. O Município teve a sua autonomia federativa preservada, podendo realizar a festa, desde que, contudo, seja coibida a utilização de equipamentos que causem maus-tratos aos animais. Nessa seara, bom que se diga que deve o Poder Público reprimir atividade recreativa que possa gerar tratamento cruel de animais. De outro lado, a realização dos rodeios com a abstenção da utilização dos instrumentos ofensivos (como sedém e esporas) e as provas de laço e de derrubada de animais, não implica prejuízo econômico, visto que o público em geral costuma participar da festa em si, sobretudo pelos shows musicais sertanejos” (Agravo de Instrumento nº 2143128-59.2014.8.26.0000. 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Relatora Vera Angrisani. 27/11/2014)

Assim como converge a visão do Supremo Tribunal Federal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AMBIENTAL. RODEIO. AGRAVO PROVIDO PARA MELHOR EXAME DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Decisão: Trata-se de agravo de instrumento interposto pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIADORES DE CAVALO QUARTO DE MILHA – ABQM, com fundamento no artigo 544 do Código de Processo Civil, com o objetivo de ver reformada a r. decisão de fls. 388/389,que inadmitiu seu recurso extraordinário, manejado com arrimo na alínea b do permissivo Constitucional, contra acórdão prolatado pela Câmara Especial de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paúlo, assim do: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BAURU. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. RODEIO. PROVAS DE LAÇOS. MAUS TRATOS AOS BEZERROS. LE N. 10.359/99 DE 30-08-1999. LF N. 10.519/02, DE 17-07-2002. MONTARIA E PROVAS DE LAÇO. 1. Rodeio. Provas de laço. As provas de laço, usuais em rodeio, são em princípio lícitas se atendidos os requisitos da Re. SAA-18/98, da Lei. 10.359/99 e da LF n. 10.519/02. A jurisprudência, no entanto, dando prevalência ao princípio da presunção e à proteção inscrita no art. 225 da Constituição Federal, se inclinou por entender que as provas de laço descritas na inicial (calfroping, bullgod, bareback, team roping, ou em vernáculo, laçada de bezerro, laçada dupla, pega garrote e vaquejada), por implicar em tração na região cervical e cauda e na derrubada dos bezerros, causa dor e sofrimento aos animais. Tais atividades, em consequência, são vedadas. – Sentença de improcedência. Recurso do Ministério Público provido”. Não forma opostos embargos de declaração. Nas razões do apelo extremo, sustenta a preliminar de repercussão geral e, no mérito, aponta violação ao artigo 5º, III, da Constituição Federal em decorrência de equivocada declaração de inconstitucionalidade da Lei Federal n. 10.519/2002. É o relatório. DECIDO. O agravo preenche todos os requisitos de admissibilidade, de modo que o conhecimento do agravo é medida que se impõe. Ex positis, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento para determinar a subida do recurso extraordinário para melhor exame. Publique-se. Brasília, 19 de fevereiro de 2014.Ministro Luiz Fux Relator Documento assinado digitalmente (STF – AI: 764016 SP , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 19/02/2014, Data de Publicação: DJe-039 DIVULG 24/02/2014 PUBLIC 25/02/2014).(Original sem grifo)

Em que pese tratar-se de modalidades distintas das em apreço, ressalte-se o reconhecimento da inconstitucionalidade da “farra do boi” e da “rinha de galo” pelo Supremo Tribunal Federal, consideradas até então singelas “manifestações culturais”, caracterizada por linchamento público de bois e bezerros até a morte e submissão de galos a confrontos, que podem culminar em morte ou graves ferimentos, respectivamente:

COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOABILIDADE – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado “farra do boi”. (STF – RE: 153531 SC , Relator: Min. FRANCISCO REZEK, Data de Julgamento: 03/06/1997, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388)(original sem grifo)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 11.366/00 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ATO NORMATIVO QUE AUTORIZA E REGULAMENTA A CRIAÇÃO E A EXPOSIÇÃO DE AVES DE RAÇA E A REALIZAÇÃO DE “BRIGAS DE GALO”. A sujeição da vida animal a experiências de crueldade não é compatível com a Constituição do Brasil. Precedentes da Corte. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente. (STF – ADI: 2514 SC , Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 29/06/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 09-12-2005 PP-00004 EMENT VOL-02217-01 PP-00163 LEXSTF v. 27, n. 324, 2005, 42-47).(Original sem grifo)

De suma importância trazer a colação voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.983, visando o reconhecimento da inconstitucionalidade de lei que prevê e regula a vaquejada no Ceará, ainda em trâmite no Supremo Tribunal Federal:

“Os precedentes apontam a óptica adotada pelo Tribunal considerado o conflito entre normas de direitos fundamentais mesmo presente manifestação cultural, verificada situação a implicar inequívoca crueldade contra animais, há de se interpretar, no âmbito da ponderação de direitos, normas e fatos de forma mais favorável à proteção ao meio ambiente, demostrando-se preocupação maior com a manutenção, em prol dos cidadãos de hoje e de amanhã, das condições ecologicamente equilibradas para uma vida mais saudável e segura. Cabe indagar se esse padrão decisório configura o rumo interpretativo adequado a nortear a solução da controvérsia constante deste processo. A resposta é desenganadamente afirmativa, ante o inequívoco envolvimento de práticas cruéis contra bovinos durante a vaquejada. […] A par de questões morais relacionadas ao entretenimento às custas do sofrimento dos animais, bem mais sérias se comparadas às que envolvem experiências científicas e médicas, a crueldade intrínseca à vaquejada não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Carta de 1988. O sentido da expressão “crueldade” constante da parte final do inciso VII do § 1º do artigo 225 do Diploma Maior alcança, sem sombra de dúvida, a tortura e os maus-tratos infringidos aos bovinos durante a prática impugnada, revelando-se intolerável, a mais não poder, a conduta humana autorizada pela norma estadual atacada. No âmbito de composição dos interesses fundamentais envolvidos neste processo, há de sobressair a pretensão de proteção ao meio ambiente.”(original sem grifo).

Destarte, cediço que o argumento de “manifestação cultural” não pode ser o suficiente para permitir e justificar que determinadas práticas, em evidente submissão de animais a crueldades, sejam realizadas, devendo encontrar arrimo na Constituição Federal.

Ademais, como supramencionado, o direito deve acompanhar a evolução do pensamento da sociedade. E certas atividades, por mais que fossem consideradas manifestações culturais outrora, não devem permanecer se a própria sociedade na qual está inserida não mais é conivente com esse tipo de situação.

Incutir medo, dor, sofrimento e morte a outros seres não é algo que queremos perpetuado em nossa cultura, não sendo este o objetivo do nosso constituinte originário ao vedar a crueldade a animais e proteger o meio ambiente, algo até então inédito na história das constituições pátrias.

De fato, imperioso destacar que, como exarado quando da decisão da liminar, a sociedade evoluiu e em 29 de novembro de 2010, o Município de Barretos promulgou lei proibindo as provas do laço e vaquejada, tratando-se de uma conquista social:

“Agora, quase cinco anos depois, por meio de nova Lei, em tese, o Poder Público descumpre seu compromisso social e regride, revogando a lei que proibia tais provas, de anacrônico paradigma antropocêntrico. Aquilo que a sociedade conquista, e que se liga a direitos fundamentais, jamais pode ficar à mercê de pressões econômicas de momento, de ordem política ou de radicais demandas mercantis, alheias a um desenvolvimento sustentável, humano e equilibrado.

Todavia, o Princípio da Vedação ao Retrocesso Social é inerente a toda atividade estatal e liga-se, intrinsicamente, aos direitos e garantias fundamentais, tal como é o fundamental direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O caminho perseguido pela sociedade é sempre o do progresso, não o do retorno à barbárie.

De tal modo, medidas estatais de cunho retrocessivo já nascem fulminadas pela inconstitucionalidade.”

Melhor sorte não socorre a alegação de que a nova lei apenas se adequou a regra federal prevista na Lei 10.519/2002, que disciplina a realização das provas do laço e vaquejada. Ao contrário, as provas em comento violam diretamente a lei que diz se adequar.

Basta notar a clara afronta às prerrogativas inauguradas nos artigos 3º, inciso II, e 4º da referida lei, que preveem, in verbis:

Art. 3º Caberá à entidade promotora do rodeio, a suas expensas, prover:

II – médico veterinário habilitado, responsável pela garantia da boa condição física e sanitária dos animais e pelo cumprimento das normas disciplinadoras, impedindo maus tratos e injúrias de qualquer ordem;

Art. 4o Os apetrechos técnicos utilizados nas montarias, bem como as características do arreamento, não poderão causar injúrias ou ferimentos aos animais e devem obedecer às normas estabelecidas pela entidade representativa do rodeio, seguindo as regras internacionalmente aceitas. (original sem grifo.)

Ocorre que, conforme acervo técnico acostado aos autos, Avaliação Técnica das provas de laço Avaliação de potencial de danos em bezerros utilizados nas provas às fls. 59/60, Parecer técnico sobre rodeios, às fls. 61/74, ambos da Faculdade de Medicina Veterinária e Zooctenia da Universidade de São Paulo e Avaliação Técnica das Provas de Laço, às fls. 75/84, infere-se que é irrefutável o sofrimento físico e mental suportados pelos animais submetidos às essas provas, caracterizando maus tratos, injúrias e ferimentos, vedados, também, pela Lei 10.519/2002.

Insta destacar que a Avaliação Técnica das Provas de Laço, realizou a descrição pormenorizada das injúrias de todas as naturezas que podem ser causadas ao bezerro em cada fase da prova, quando ainda se encontra no brete, quando é liberado na arena, na laçada abrupta do pescoço (a qual, pode causar danos ao sistema respiratório, circulatório, segmento cervical da coluna vertebral e da medula espinal e tecidos cutâneos e musculatura, cf. fl. 77), na queda do animal, suspensão do animal e nova queda ao solo e quando os membros são amarrados.

Ademais, não é necessária muita pesquisa de imagens desses tipos de prova para aferir, no mínimo, o incômodo sentido pelos animais, não sendo factível tal alegação de mera “presunção” de sofrimento.

Ainda que não se entendesse pela validade dos laudos acima descritos, configurando, como aduzido pela Câmara Municipal de Barretos, “mera presunção” do sofrimento, impera, no que tange ao direito ambiental a ao tratamento dos animais, o Princípio da Prevenção/Precaução, estabelecido inicialmente na Conferência de Estocolmo, em 1972, ratificado na Conferência ECO-92, realizada no Rio de Janeiro. Seu Princípio de nº 15 disciplina:

“Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental”

Ressalte-se que tal princípio foi incorporado ao ordenamento pátrio através da “Conferência sobre Mudanças do Clima”, acordado pelo Brasil no âmbito da Organização das Nações Unidas por ocasião da ECO-92, ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 1, de 3 de fevereiro de 1994.

Destarte, quando da incerteza científica acerca do dano causado, a dúvida deve sempre militar a favor do meio ambiente, recaindo sobre a parte interessada de praticar o ato, o ônus de provar a possível ausência de prejuízo.

Neste ponto, insta salientar que o Ministério Público firmou um acordo preventivo da propositura de ação civil pública com o Clube “Os Independentes” (fls.40/44), no qual ficou acordado que este seria responsável pela realização de perícia científica acerca do impacto que as referidas provas causam nos animais.

Ocorre que o Clube “Os Independentes”, conforme extrai-se das decisões de fls.45/46 e 47, desistiu da realização da referida perícia, o que indica a falta de comprometimento pela busca da verdade real dos fatos.

Destarte, soa leviana a alegação de que se trata de “mera presunção de sofrimento” suportado pelo animal utilizado, quando a própria organização se abstém de realizar a perícia que seria decisiva para tal verificação.

No que tange à alegação de que a Festa do Peão de Barretos movimenta a economia e o turismo, não é hipótese discutida nos autos o cancelamento da Festa, tão somente a realização das provas de laço e vaquejada, o que, diante de todas as outras inúmeras atividades ocorridas, inclusive atrações musicais de grande expressão nacional, em nada alteraria o público e o lucro financeiro.

Por fim, descabida a alegação de que o que ocorre na arena apenas é uma reprodução do realizado nas fazendas. No mais, no meio rural o ofício do peão é laçar o bezerro apenas uma vez, para conter evasões ou executar procedimentos veterinários, zelando pela saúde do animal, visto tratar-se do sustento do fazendeiro. Já na Festa do Peão, os bezerros são laçados inúmeras vezes, tanto na fase de treinamento dos peões, quanto na hora do “espetáculo”, o que, aliado ao fato de que a pontuação na competição é concedida conforme a maior rapidez com que é realizado o procedimento, conferindo movimentos ainda mais bruscos na laçada, aumenta exponencialmente o risco de danos físicos e mentais irreversíveis ao animal. Seria de extrema ingenuidade crer que os peões, diante da competição e sua consequente remuneração, estão zelando pela saúde dos garrotes.

Impende salientar, portanto, a diferença das finalidades experimentadas no meio rural e na Festa. Enquanto na primeira, há a preocupação com a saúde do animal, tratando-se de laçada necessária para as atividades da fazenda, na segunda a finalidade é, única e exclusivamente, o entretenimento.

No que tange as provas de laço em dupla, cabe ressaltar que esta suposta simulação sequer é realizada na fazenda.

Repise-se que são bezerros de apenas 40 dias de vida, ainda em estágio de amamentação, que são arrancados de suas mães para serem submetidos a intensas provas que, diante de seu estágio prematuro de desenvolvimento, trazem inúmeras consequências extremamente prejudiciais ao animal.

Assim, não pode o Poder Público fechar os olhos para os preceitos constitucionais e deixar a integridade física e psíquica de bezerros e bois ao livre arbítrio do entretenimento humano, apenas em razão de uma tortura, digo, diversão, mascarada em um esporte que apenas uma parte optou por participar.

Ressalte-se que o acolhimento desta ação, vale afirmar, não implica a proibição do rodeio em si, e nem da prática realizada na fazenda.

Destarte, o que se exige é a estrita observância da Constituição Estadual, espelhada na Carta Federal, obedecendo-se rigorosamente aos princípios constitucionais de direito, relevando anotar, os princípios da proteção ao meio ambiente.

Ante o exposto, julgo procedente a presente ação, para o fim de declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 5.056, de 10 de fevereiro de 2015, nos termos do V. Acórdão.

 

PÉRICLES PIZA

Relator

 

 

Direito Ambiental - vaquejada no município de Barretos

 

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