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Municípios podem legislar sobre o uso obrigatório de sacolas biodegradáveis pelos estabelecimentos comerciais locais

“O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu provimento a Recurso Extraordinário (RE 729726) do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e reformou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que havia julgado inconstitucional lei municipal de Rio Claro que determinou a obrigatoriedade de utilização de embalagens plásticas biodegradáveis nos estabelecimentos comerciais locais. Para o relator, a matéria tratada na lei é de interesse do município, por estar relacionada à gestão dos resíduos sólidos produzidos na localidade, ‘especificamente das sacolas plásticas, que parecem ser um problema para os municípios paulistas’.

A inconstitucionalidade da Lei municipal 3.977/2009, de Rio Claro, foi declarada pelo TJ-SP em ação ajuizada pelo Sindicato da Indústria de Material Plástico de São Paulo (Sindiplast). Além de determinar a substituição das sacolas plásticas por oxibiodegradáveis, biodegradáveis e compostáveis, a lei prevê ainda a fiscalização da medida pelo Executivo e a aplicação de multa aos infratores. Para o Tribunal estadual, a lei, de iniciativa parlamentar, traduz ingerência na competência exclusiva do prefeito pelo Poder Legislativo e cria despesa sem indicação de fonte de receita.

No recurso ao STF, o MP-SP sustentou que a lei local não trata da gestão administrativa do município, mas da defesa do meio ambiente, não sendo, portanto, matéria de iniciativa privativa do Executivo.

No exame do inteiro teor da lei, o ministro Toffoli observou que o normativo trata, essencialmente, de política de proteção ao meio ambiente direcionada aos estabelecimentos da localidade que utilizem embalagens. A determinação relativa à participação do Poder Executivo restringe-se à tarefa de, ao seu critério, aplicar sanções em caso de descumprimento das obrigações impostas pela lei municipal. ‘Veja-se que não foram criados cargos, funções ou empregos públicos ou determinado o aumento de sua remuneração, nem mesmo criado, extinto ou modificado órgão administrativo, ou sequer conferida nova atribuição a órgão da administração pública, a exigir iniciativa legislativa do chefe do Executivo’, assinalou. ‘Em síntese, nenhuma das matérias sujeitas à iniciativa legislativa reservada do chefe do Poder Executivo, contidas no artigo 61, parágrafo 1º, da Constituição, foi objeto de positivação na norma’.

O ministro acrescentou ainda que, recentemente, em julgamento submetido ao rito da repercussão geral (RE 586224), o STF reconheceu a competência dos municípios para legislar sobre direito ambiental quando se tratar de assunto de interesse predominantemente local”.

Fonte: STF, 19/06/2017.

Direito Ambiental

Confira a íntegra da decisão:

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 729.726 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI

RECTE.(S) :MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECDO.(A/S) :SINDICATO DA INDÚSTRIA DE MATERIAL PLÁSTICO DE SÃO PAULO – SINDIPLAST

ADV.(A/S) :JOAO ANTONIO CALSOLARI PORTES E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) :PREFEITURA MUNICIPAL DA CIDADE DE RIO CLARO

ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

INTDO.(A/S) :CÂMARA MUNICIPAL DA CIDADE DE RIO CLARO ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

DECISÃO:

Vistos.

Trata-se de recurso extraordinário, amparado na alínea “a” do permissivo constitucional, interposto contra acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que julgou inconstitucional a Lei nº 3.977, de 9 de setembro de 2009, do Município de Rio Claro, que determinou a obrigatoriedade de utilização de plásticas oxibiodegradáveis, biodegradáveis e compostáveis, prevendo a aplicação de multa aos infratores.

O julgado restou assim ementado:

“DIREITO CONSTITUCIONAL – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL – OBRIGAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE SACOLAS PLÁSTICAS POR BIODEGRADÁVEIS – CRIAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO E OBRIGAÇÕES CORRELATAS – SEPARAÇÃO DE PODERES – VÍCIO DE INICIATIVA – EXISTÊNCIA – INCONSTITUCIONALIDADE VERIFICADA – É inconstitucional a Lei Municipal de Rio Claro 3.977, de 09 de setembro de 2009, de origem parlamentar, que “[d]ispõe da obrigatoriedade no âmbito do Município de Rio Claro da utilização de embalagens plásticas oxi-biodegradáveis, biodegradáveis e compostáveis”, sob fiscalização e sanção pelo Executivo, criandolhe várias obrigações, porque traduz ingerência na competência exclusiva do Prefeito pelo Poder Legislativo, pois àquele cabe organizar e executar todos os atos de administração municipal – notadamente os serviços públicos – Ademais, cria despesa sem indicação de fonte de receita – Violação dos arts. 5°, 25, 47, li e 144 da Constituição Estadual – Jurisprudência deste Órgão Especial – Ação procedente”.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fls. 351/353).

No apelo extremo, o recorrente alega ofensa aos artigos 61, § 1º, e 125, § 2º, da Constituição Federal. Assevera, em síntese, que a lei local impugnada não trata da gestão administrativa do município, mas da defesa do meio ambiente, não havendo que se falar em iniciativa privativa do Poder Executivo (fls. 402/423).

Depois de apresentadas contrarrazões, o recurso foi admitido na origem, o que ensejou a subida dos autos a esta Corte (fl. 399).

Por fim, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República é pelo provimento do recurso. Sustenta a constitucionalidade da lei municipal em questão, por decorrer do exercício de competência legislativa suplementar, relativa a assunto de interesse local e editada em situação de omissão legislativa da União, visto que é anterior à Lei federal nº 12.305/2010, que instituiu Política Nacional de Resíduos Sólidos. Incidiriam, portanto, os incisos I e II do art. 30 da Constituição Federal (fls. 430/435).

É o relatório.

Decido.

O recurso merece provimento.

Na origem, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo considerou a Lei nº 3.977/2009 do Município de Rio Claro incompatível com os artigos 5º e 47, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo – que correspondem, respectivamente, aos artigos 2º e 84, inc. II, da Constituição Federal – por, não obstante ser de iniciativa parlamentar, criar obrigação a órgãos da administração pública, representando invasão à competência do Poder Executivo. Confira-se:

“A Lei Municipal 3.977, de 9 de setembro de 2009, que teve origem em Projeto de Lei de autoria de vereador da Câmara Municipal de Bastos, “[d]ispõe da obrigatoriedade no âmbito do Município de Rio Claro da utilização de embalagens plásticas oxi-biodegradáveis, biodegradáveis e compostáveis”, criando o dever de fiscalização e sanção por parte do Poder Executivo (art. 5º), traduzindo ingerência na competência exclusiva do Chefe do Executivo pelo Poder Legislativo, já que dispõe sobre matéria tipicamente administrativa, qual seja, o funcionamento dos serviços públicos, em afronta aos arts. 5º, 47, incisos II e XIV, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Como compete ao Prefeito organizar e executar todos os atos de administração municipal, compete-lhe também a iniciativa de leis nesse sentido, como já decidiu o Órgão Especial, dentre outros, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 158.730-0/0-00, Relator Desembargador Debatin Cardoso, em 1º de outubro de 2008, e na Ação Direta de Inconstitucionalidade 9054986-67.2008.8.26.0000, Relator A. C. Mathias Coltro, em 27 de maio de 2009, sob pena de subordinação de um Poder a outro sem respaldo constitucional.

(…)

Ademais, o diploma normativo em questão cria despesas sem indicar fonte de receita, violando o art. 25 da Constituição Bandeirante” (grifou-se).

No entanto, não é isso que se conclui a partir da leitura do inteiro teor da lei impugnada naquela representação de inconstitucionalidade.

O diploma normativo em referência cuida de estabelecer, no âmbito do Município de Rio Claro, no Estado de São Paulo, a obrigatoriedade de utilização, pelos estabelecimentos daquela localidade, de embalagens plásticas de material menos danoso ao meio ambiente no acondicionamento de mercadorias e lixo (artigos 1º e 2º). Nesse sentido, traz os requisitos para que tais embalagens sejam consideradas compatíveis com o padrão estabelecido na lei (art. 3º). Ademais, exige que os estabelecimentos possuam certificados dos fornecedores dos produtos que comprovem o preenchimento dos requisitos legalmente previstos (art. 4º). Por fim, determina que, em caso de infração ao disposto na lei, sejam aplicadas sanções previstas em regulamentação, “a critério do Poder Executivo” (art. 6º).

Sendo assim, conforme ressaltou o recorrente, o diploma normativo impugnado trata, essencialmente, de política de proteção ao meio ambiente direcionada aos estabelecimentos da localidade que utilizem embalagens. A determinação contida no art. 6º, relativamente à participação do Poder Executivo em tal política, restringe-se à tarefa de, ao seu critério, aplicar sanções em caso de descumprimento das obrigações impostas por aquela lei municipal.

Veja-se que não foram criados cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou determinado o aumento de sua remuneração, nem mesmo criado, extinto ou modificado órgão administrativo, ou sequer conferida nova atribuição a órgão da administração pública, a exigir iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Em síntese, nenhuma das matérias sujeitas à iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo, contidas no art. 61, § 1º, da Constituição, foi objeto de positivação na norma.

Sendo assim, não se verifica a ocorrência de vício formal de inconstitucionalidade do diploma legislativo por ter emanado de proposição de origem parlamentar, nem interferência nas atividades próprias do Poder Executivo.

Quanto ao argumento de que a lei em questão, embora de iniciativa parlamentar, teria criado despesa para o Poder Executivo, incorrendo em vício de iniciativa, é da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal que nem toda lei que acarrete aumento de despesa para o Poder Executivo é vedada à iniciativa parlamentar. Para que isso ocorra, é necessário que, cumulativamente, a legislação tenha tratado de alguma das matérias constantes do art. 61, § 1º, da Constituição Federal, o que não ocorreu no caso em análise. Nesse sentido, anote-se o julgado proferido em sede de repercussão geral por este Tribunal:

Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual. Lei 5.616/2013, do Município do Rio de Janeiro. Instalação de câmeras de monitoramento em escolas e cercanias. 3. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não ocorrência. Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência desta Corte. 5. Recurso extraordinário provido (ARE nº 878.911/RJ-RG, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Gilmar Mendes , DJe de 11/10/16).

Por fim, ressalto que, recentemente, em julgamento submetido ao rito da repercussão geral, este Supremo Tribunal Federal reconheceu aos municípios a competência para legislar sobre direito ambiental quando se tratar de assunto de interesse predominantemente local. Referido julgado restou assim ementado na parte que interessa:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. LIMITES DA COMPETÊNCIA MUNICIPAL. LEI MUNICIPAL QUE PROÍBE A QUEIMA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR E O USO DO FOGO EM ATIVIDADES AGRÍCOLAS. LEI MUNICIPAL Nº 1.952, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1995, DO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA. RECONHECIDA REPERCUSSÃO GERAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 23, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, Nº 14, 192, § 1º E 193, XX E XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO E ARTIGOS 23, VI E VII, 24, VI E 30, I E II DA CRFB. 1. O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da CRFB). (…) (RE nº 586.224/SP-RG, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 8/5/15 – grifo nosso).”

No mesmo sentido, as seguintes decisões monocráticas: RE 901.444/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 22/9/16; RE 729731/SP, de minha relatoria, DJe 01/02/16; RE 730.721/SP, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 7/10/15.

O assunto tratado na lei municipal impugnada constitui matéria de interesse do Município, por estar relacionada à gestão dos resídios sólidos produzidos na localidade, especificamente das sacolas plásticas, que parecem ser um problema para os municípios paulistas, conforme consta da exposição de motivos ao Projeto de Lei nº 017/2009 (fl. 306), que deu origem ao diploma combatido, o que reforça a conclusão acerca da constitucionalidade da lei municipal em análise.

Ante o exposto, nos termos do artigo 932, inciso V, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento para, reformando o acórdão recorrido, julgar improcedente a ação direta.

Publique-se.

Brasília, 8 de junho de 2017.

Ministro DIAS TOFFOLI

Relator

Direito Ambiental

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Direito Ambiental

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