A 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio Grande do Sul, por unanimidade, em julgamento conjunto que totaliza 113 ações, deu provimento a recursos inominados de moradores do Bairro Camobi, de Santa Maria/RS, que foram atingidos por aplicações irregulares de agrotóxicos em lavoura arrendada pela Base Aérea de Santa Maria, localizada em área residencial.
Conforme publicado pelo Portal da Justiça Federal do Rio Grande do Sul:
“Os autores dos processos, de forma semelhante, alegaram que residem próximos a uma área pertencente à União arrendada pela Base Aérea do município, em 2013, a um particular para cultivo da soja. Segundo eles, a região está localizada no bairro Camobi, zona residencial urbana, que possui diversas moradias.
Afirmaram que as frequentes aplicações de agrotóxicos afetam suas vidas e colocam em risco sua saúde. Sustentaram que tiveram os direitos ao ambiente sadio, moradia digna e de vizinhança violados.
A União, por sua vez, defendeu a regularidade da utilização da área pela Base Aérea de Santa Maria. Destacou ainda a ausência de comprovação de danos efetivamente sofridos pelos autores.
Ao longo da tramitação processual, foi realizada perícia no local. Todas as ações foram julgadas improcedentes pelo juízo de primeira instância sob o fundamento de que não haveria provas de intoxicação sofrida pelos moradores ou de danos ambientais na área. Os autores recorreram da decisão.
Sessão de julgamento
No voto lido na tarde de ontem, o juiz federal Giovani Bigolin, relator do processo afetado como precedente relevante, pontuou que o princípio do poluidor-pagador é o fundamento da responsabilidade em matéria ambiental e impõe que aquele que lucra com uma atividade responde pelos riscos ou desvantagens dela resultantes. ‘Esclareça-se que o princípio não tem a intenção de admitir a realização de poluição mediante um preço, ao contrário, tem por pressuposto evitar a concretização de um dano’, destacou.
De acordo com o magistrado, na análise de todos os processos, há três fatos incontroversos: o arrendamento celebrado pela União com o particular para plantação de soja, aplicação de agrotóxicos fora das exigências estabelecidas em lei municipal e área localizada em zona residencial urbana. Para ele, do laudo pericial e das outras provas juntadas nos autos não se pode concluir que não houve dano ambiental, pelo menos potencial. As aplicações de agrotóxicos, segundo a perita, cessaram em abril de 2014.
Segundo Bigolin, os autores pedem indenização por danos morais decorrentes da mera exposição à poluição ambiental atmosférica que, geralmente, não deixa vestígios. ‘Assim, importa salientar, que o fato de a natureza haver se decomposto, e não existir quaisquer traços da pulverização do agrotóxico no ar, não impede que se reconheça a existência do dano ambiental potencial’, ressaltou.
‘Ora, se os moradores, seus filhos, crianças que se submeteram às consequências da indevida pulverização da lavoura vizinha tiveram que permanecer trancados em suas residências, adquiriram condicionadores de ar para filtrar a ventilação de acesso de seus lares, sentiram-se mal com os odores captados, sem saber ao certo se tinham sido intoxicados, resta claro o dissabor, angústia e medo daquela população’, afirmou.
O juiz frisou que o dano ecológico afeta também outros valores precípuos da coletividade, como a qualidade a vida e a saúde. Para ele, a inexistência de vestígios materiais visíveis no ambiente quando realizada a perícia judicial, não seria empecilho para o reconhecimento do dano moral.
De acordo com Bigolin, no direito ambiental, ‘havendo evento traumático impõe-se o reconhecimento do dano potencial, a despeito de maiores sequelas. Assim, se por obra do acaso, ou por milagre, nada de mais grave chegou a ocorrer (resultado), não se pode concluir pela inexistência de dano moral, sob pena de decidir a questão com base no resultado e não na conduta, o que se revela equivocado’.
Ele destacou que a legislação municipal determina que, além da obrigatoriedade da receita agronômica, é indispensável a existência de licença para realizar aplicação de agrotóxicos no perímetro urbano em área superior a 3000m², como é o caso. É responsabilidade da União, como proprietária do terreno, ter fiscalizado o cumprimento das normas ambientais no contrato de arrendamento firmado.
‘Em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado’, afirmou. Ao se verificar a ocorrência do dano, surge o dever de reparar ou indenizar.
‘A presente demanda trata da ocorrência do dano moral ambiental subjetivo ou individual, por dizer respeito à pessoa determinada, lesada em seu suporte físico, psíquico ou de afeição’, sublinhou. O juiz votou pelo provimento do recurso e estipulou os critérios para determinar o valor das indenizações.
Para as residências localizadas até 30m do local de utilização dos agrotóxicos, fixou o montante de R$ 19.080,00, equivalente a 20 salários mínimos. Aquelas situadas até 50m, recebem R$ 14.310,00, correspondente a 15 salários mínimos. Já as localizadas até 100m, terão o valor de R$ 9.540,00, equivalente a 10 salários mínimos.
Os juízes federais Joane Unfer Calderaro e Andrei Pitten Velloso, integrantes da 5ª Turma Recursal, acompanharam o voto do relator”.
Importante referir que o presente caso é paradigmático, pois é a primeira vez que uma causa ambiental dessa natureza é enfrentada no âmbito dos Juizados Especiais Federais, que possuem competência para o processamento e julgamento das causas de valor até 60 salários mínimos, com rito previsto pela Lei nº 10.259/2001.
Os moradores foram representados pela Advogada Dra. Sofia da Silveira Bohrz (OAB/RS nº 78.986) em conjunto com o escritório Wellington Barros Advogados Associados (OAB/RS nº 2.940).
Confira a íntegra da decisão paradigma:
RECURSO INOMINADO EM RECURSO CÍVEL Nº 5008909-06.2015.4.04.7102/RS
RELATOR: JUIZ FEDERAL GIOVANI BIGOLIN
RECORRENTE: MAIRA VIEIRA SOARES (AUTOR)
RECORRIDO: UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
VOTO
Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais decorrentes de alegada poluição ambiental vinculada à aplicação de agrotóxicos em área da União arrendada pela Força Aérea Brasileira em favor de terceiro, no município de Santa Maria, na qual se desenvolve lavoura de soja.
Alega, nas razões recursais, preliminarmente, nulidade da sentença por insuficiência de fundamentação. No mérito, aduz que foi realizada perícia no local (laudo pericial anexado ao Evento 48), sendo constatada a pequena distância entre a residência da recorrente e a lavoura de soja, que seria no máximo 31,7 metros, na qual foram aplicados agrotóxicos. Sustenta que ficou comprovado nos autos a ocorrência do dano ambiental individual passível de indenização, decorrente da aplicação de agrotóxicos em lavoura de soja nas proximidades da residência da parte autora.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela reforma da sentença, com o julgamento de procedência do pedido do autor.
DA RESPONSABILIDADE PELO DANO AMBIENTAL
A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, tendo como pressuposto a existência de uma atividade que implique em riscos, seja à saúde humana, seja para o meio ambiente, consoante disciplinado no art. 225, §3º, da CF e 14, §1º, da Lei nº 6.938/81:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
(…)
3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Art 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
§ 1º – sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (grifos meus)
Neste sentido são os ensinamentos da Ministra Eliana Calmon:
“A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade, segundo a regra geral indicada para as hipóteses de responsabilidade sem culpa.”
(Direito Socioambiental: Homenagem a Vladimir Passos de Freitas. Coordenadora Alessandra Galli. 1ª Ed. Curitiba: Juruá, 2011. Volume 2. Dano Ambiental. Eliana Calmon, p. 343 – grifei)
O entendimento acerca da responsabilidade objetiva já é questão consagrada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
(…)
3. Consoante a jurisprudência pacífica desta Corte, sedimentada inclusive no julgamento de recursos submetidos à sistemática dos processos representativos de controvérsia (arts. 543-C do CPC/1973 e 1.036 e 1.037 do CPC/2015), “a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato” (REsp nº 1.374.284/MG).
4. Em que pese a responsabilidade por dano ambiental seja objetiva (e lastreada pelateoria do risco integral), faz-se imprescindível, para a configuração do dever de indenizar, a demonstração da existência de nexo de causalidade apto a vincular o resultado lesivo efetivamente verificado ao comportamento (comissivo ou omissivo) daquele a quem se repute a condição de agente causador.
(…)
(REsp 1596081/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/10/2017, DJe 22/11/2017)
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DANO AMBIENTAL. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO PROLATADO PELO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL A QUO. INOCORRÊNCIA. DECISÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. RESPONSABILIDADE CIVIL. CARÁTER OBJETIVO. ART. 14, § 1º, DA LEI N. 6.398/1981. DANO AO MEIO AMBIENTE. NEXO CAUSAL. VERIFICAÇÃO. REEXAME DE PROVA. SÚMULA N. 7/STJ. PRECEDENTES.
(…)
2. A jurisprudência deste Sodalício orienta no sentido de que, em se tratando de dano ambiental, a responsabilidade é objetiva. Dispensa-se portanto a comprovação de culpa, entretanto há de se constatar o nexo causal entre a ação ou omissão e o dano causado, para configurar a responsabilidade. (AgRg no AREsp 165.201/MT, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 19/06/2012, DJe 22/06/2012). Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ – AgRg no REsp 1286142 / SC Relator Ministro Mauro Campbell Marques – Segunda Turma – Data do Julgamento 21/02/2013 – grifei)
Registre-se, por oportuno, que, no primeiro julgamento acima relatado – submetido ao rito do art. 543-C do CPC/73 – ficou estabelecido que, no caso de dano ambiental, a responsabilidade do causador do dano é objetiva e que deve ser adotada a teoria do risco integral (art. 225, §3º, da CF e 14, §1º, da Lei nº 6.938/81), sendo necessário apenas demonstrar o nexo de ligação entre a conduta do agente poluidor e os danos causados, não sendo possível alegar as regulares excludentes de responsabilidade civil, isto é, o caso fortuito, a força maior, o fato de terceiro, bem como eventual cláusula de não indenizar.
O princípio do poluidor-pagador é o fundamento primário da responsabilidade em matéria ambiental e implica dizer que aquele que lucra com uma atividade responde pelos riscos ou desvantagens dela resultantes.
Além do princípio do poluidor-pagador, é cediço que a Constituição Federal consagrou outros princípios que devem nortear toda a legislação subjacente e a interpretação a ser conferida às normas, dentre eles cabe citar o princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana e o princípio da reparação integral.
Segundo a doutrina de Édis Milaré: o reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como uma extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existência – a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver. Para o autor, este “é, sem dúvida, o princípio transcendental de todo o ordenamento jurídico ambiental, ostentando o status de verdadeira cláusula pétrea” (in Direto do Ambiente: A gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7ª ed. rev. atual. e reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1065).
Enquanto este princípio reafirma o direito à vida em sua forma mais ampla, o princípio do poluidor-pagador busca internalizar os custos resultantes dos danos ambientais. Ainda de acordo com Milaré, busca-se, no caso, imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico, abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza (Op. Cit, p. 1074).
Esclareça-se que o princípio não tem a intenção de admitir a realização de poluição mediante um preço, ao contrário, tem por pressuposto evitar a concretização de um dano.
Para Annelise Monteiro Steigleder et alii “o objetivo maior deste princípio é fazer com que o poluidor passe a integrar, de forma permanente, no seu processo produtivo, o valor econômico que consubstancia o conjunto dos custos ambientais” (in Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 34).
Assim, durante o processo produtivo, é imperativo que se acrescente os custos relativos às medidas preventivas e precaucionais destinadas a evitar a produção do resultado proibido ou não pretendido.
Concretizado o dano, contudo, sobressai o dever de reparar in natura, ou de compensar com medidas tendentes a alcançar um efeito equivalente à restituição absoluta ou de indenizar, fundado no princípio da reparação integral do dano.
Calha ressaltar que a responsabilidade pela reparação do dano atinge todos os agentes causadores do evento danoso e é solidária, em face do disposto no art. 942 do Código Civil, independentemente da análise da subjetividade dos ofensores.
DOS FATOS INCONTROVERSOS QUE SE EXTRAEM DOS AUTOS
Da prova colhida na instrução processual em cotejo com as alegações das partes, conclui-se que são pontos incontroversos nos autos:
(1) a União celebrou contrato de arrendamento (contrato de arrendamento nº 004/2013) com Valmir Antônio Maffini em 12.08.2013, pelo prazo de 02 anos, referente a uma área de 162,85 hectares, distribuídos no terreno interno da Base Aérea de Santa Maria, para a exploração agrícola da cultura de soja;
(2) houve aplicação irregular de agrotóxicos, pela via terrestre (tratorizado), no local, uma vez que a Lei Municipal prevê a devida e necessária emissão de receituário agronômico e o próprio contrato de arrendamento previa o cumprimento de tais exigências;
(3) a área em questão localiza-se em zona residencial urbana, quer seja, no 1º Distrito de Santa Maria, sendo certo que existem várias residências habitadas em seu entorno.
Tais fatos foram expressamente reconhecidos na sentença e pela própria União em suas alegações. O magistrado a quoanalisou a prova colhida e reconheceu como incontroversa a nocividade do uso de agrotóxicos e o fato de ter ocorrido sua aplicação na área urbana, (SENT1, evento 61):
“Outrossim, é sabido e notório que a exposição à pesticidas agride a sáude do ser humano ou pelo menos coloca-a em risco, podendo, inclusive, causar sua intoxicação, conforme explicitado pela Perita.”
Mais adiante, contudo, o magistrado acolhe a inexistência de dano material como fundamento para a improcedência da pretensão:
“Todavia, a expert afastou formalmente a ocorrência de intoxicação da parte autora, bem como não constatou danos ambientais na data da perícia – o que estaria a caracterizar a inocorrência de danos materiais ao meio ambiente ou à própria saúde dos moradores.
Ressalto, por fim, que a pretensão autoral consubstancia-se, em realidade, na compensação indenizatória individual de alegado dano moral como sendo aquele prejuízo que ultrapassa o limite material para atingir o “íntimo do ser humano” e provocar-lhe aflições superiores ao “mero aborrecimento” próprio da vida em sociedade; dano moral esse que, no caso, conforme expressamente deduzido e sustentado na peça inaugural, vincula-se ao alegado dano ambiental pelo uso de agrotóxico na lavoura de soja próxima a sua residência, que, entretanto, não restou comprovado no presente feito”
Dessa forma, tenho como infundada tal pretensão”.
A parte autora, recorrente, alegou em sede recursal que, ao contrário do entendimento do Magistrado de 1º grau, houve manifesta violação da dignidade da recorrente, a qual sofreu danos morais decorrentes da frequente poluição atmosférica.
A controvérsia recursal, portanto, está em primeiro lugar, verificar se houve ou não dano e se ele é passível de indenização à luz da teoria da responsabilidade civil do Estado.
DO DANO ESPECIAL, ANORMAL E OFENSIVO A DIREITO
Dispõe o artigo 37, § 6º da Constituição Federal:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos fatos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Prevalece na doutrina de Direito Administrativo a caracterização da responsabilidade extracontratual objetiva do Estado ou da Administração Pública como a que, sem cogitação de culpa, acarreta para a Fazenda Pública o dever de indenizar, de modo pleno, o dano material ou moral, ocasionado a terceiro, especificadamente por ação de seus agentes, considerados em sentido amplo. É a obrigação que se impõe ao Estado, constitucional e legalmente, inclusive em respeito ao princípio da igualdade na distribuição dos encargos e ônus, de reparar os prejuízos anômalos, certos e especiais, à guisa de pecuniariamente compensar lesão desproporcional imposta ao administrado pela atuação, lícita ou ilícita, de agentes dos seus Poderes.
O caráter de objetividade na responsabilidade civil do Estado decorre da evolução do Estado de Direito, estando associada à proteção perante um ente estatal onipresente e nem sempre isonômico na imposição coativa do seu poder. Urge reconhecer a vulnerabilidade do administrado diante das prerrogativas do “ius imperium“, mormente a presunção de legitimidade dos atos administrativos.
A objetivação da responsabilidade civil do Estado, com a exclusão do aspecto subjetivo (culpa), não enseja uma panresponsabilização passível de caracterizar a entidade política como segurador universal. Isso, porque o exame da matéria exige o exame da inexistência de excludentes e, sobretudo, da natureza do dano. O dano ressarcível, como pressuposto da responsabilidade objetiva, é aquele que se mostre especial, anormal e ofensivo a direito ou interesse legitimamente protegido. A especialidade do dano o faz distinto daqueles casos em que uma atuação geral da Administração, utilizando o Poder de Polícia, possa trazer qualquer tipo de diminuição patrimonial ou afrontar interesses dos cidadãos. Ofereçam-se como exemplo, as genéricas limitações administrativas ou a proibição do exercício temporário de atividade. Não haverá nestas hipóteses ou em situações similares qualquer direito a ressarcimento. A anormalidade do dano haverá de ser constatada pela superação de razoáveis limites de suportabilidade. Em qualquer caso, o bem ou interesse reclamados haverão de estar juridicamente protegidos, de modo a impedir que o ressarcimento possa abranger bens oriundos de comportamentos reprováveis ou interesses considerados escusos de acordo com o conjunto normativo.
No que tange à existência de dano, impõe-se destacar e adotar como razões de decidir a profícua análise feita pelo Procurador da República Rodrigo Valdez (PARECER2, evento 94):
“Do risco potencial de danos à saúde da população circunvizinha (situação dos autores)
29. Conforme atestado no laudo pericial, desde 30.04.2014 não houve mais aplicações de agrotóxicos no local, e a lavoura parece estar abandonada – sendo certo que a cessação da atividade danosa somente ocorreu em razão de Recomendação expedida pelo Ministério Público Federal, uma vez que, antes da atuação do Parquet a União não efetuou qualquer tipo de fiscalização da atividade poluidora que era desenvolvida no terreno de sua propriedade. No entanto, é evidente que, ainda que não subsista a atividade lesiva, não se pode ignorar os danos pretéritos causados à população e ao meio ambiente durante o período em que os agrotóxicos foram irregularmente utilizados, os quais são plenamente passíveis de indenização.
30. Como se sabe, os danos que os agrotóxicos têm potencial de causar à saúde humana e ao meio ambiente são internacionalmente reconhecidos, razão pela qual diversos estudos tem sido realizados, nas mais variadas áreas, com o intuito de demonstrar os perigos de sua utilização sem observância às normas de segurança. São três, basicamente, os tipos de intoxicação que podem ser causadas pela exposição a agrotóxicos, conforme didaticamente exposto no Manual de Vigilância da Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, elaborado pela Organização Mundial da Saúde – (Fonte: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/livro2.pdf):
(…) Os agrotóxicos podem determinar três tipos de intoxicação: aguda, subaguda e crônica. Na intoxicação aguda os sintomas surgem rapidamente, algumas horas após a exposição excessiva, por curto período, a produtos extrema ou altamente tóxicos. Pode ocorrer de forma leve, moderada ou grave, a depender da quantidade de veneno absorvido Os sinais e sintomas são nítidos e objetivos. A intoxicação subaguda ocorre por exposição moderada ou pequena a produtos altamente tóxicos ou medianamente tóxicos e tem aparecimento mais lento. Os sintomas são subjetivos e vagos, tais como dor de cabeça, fraqueza, mal-estar, dor de estômago e sonolência, entre outros. A intoxicação crônica caracteriza-se por surgimento tardio, após meses ou anos, por exposição pequena ou moderada a produtos tóxicos ou a múltiplos produtos, acarretando danos irreversíveis, do tipo paralisias e neoplasias.
31. O laudo pericial produzido nestes autos é bastante elucidativo quanto aos danos causados pela exposição a agrotóxicos em situações como a presente (grifou-se):
(…) sabe-se que a exposição a pesticidas e resíduos químicos presentes no ar é perigosa. Na sua maioria, os agrotóxicos são extremamente voláteis, portanto, tem a propriedade de serem carreados pelas correntes aéreas para locais e distâncias indesejadas. Os efeitos da intoxicação por contato com agrotóxicos são variáveis, dependendo da quantidade, da toxicidade, das características individuais da pessoa submetida ao contato e da forma de exposição. Os primeiros sinais se apresentam como dores de cabeça, tonteira, náuseas, cansaço, falta de motivação… Com o passar do tempo, os problemas de saúde podem piorar e provocar danos maiores. Além disso, alguns agrotóxicos se acumulam no organismo e causam doenças mais demoradas e até mais graves. Nas intoxicações crônicas, que aparecem após penetração repetida de pequenas quantidades de agrotóxicos em um tempo mais prolongado, surgem problemas respiratórios graves, alteração do funcionamento do fígado e dos rins, anormalidade da produção de hormônios da tireóide, dos ovários e da próstata, incapacidade de gerar filhos, malformação e problemas no desenvolvimento intelectual e físico das crianças, câncer etc.;
32. É interessante citar, também, as considerações da FEPAM acerca das características e dos perigos inerentes ao uso de tais substâncias tóxicas10 (grifou-se):
(…) Por definição legal, agrotóxicos e afins são os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos (Lei Federal n.º 7.802, de 11/07/89). Os agrotóxicos, sendo biocidas, são proutos perigosos, possuindo elevado potencial de dano à saúde hdumana, animal e ao meio ambiente. Dispersam-se no ambiente, contaminando a água, o solo e os alimentos, além de persistirem nas cadeias tróficas. O seu uso crescente e indiscriminado nas últimas décadas levou ao surgimento de organismos resistentes, ressurgência de pragas e à intoxicação de trabalhadores rurais. Os agrotóxicos podem provocar uma série de doenças, além de apresentarem efeitos potenciais a longo prazo, os quais incluem indução de malformações congênitas, alterações genéticas e surgimento de câncer. Cada vez mais, os efeitos deletérios dos agrotóxicos remetem para a restrição ao seu uso e à sua não utilização, até mesmo pelo Princípio de Precaução. A crescente conscientização da sociedade sobre os efeitos deletérios desses produtos, determinou o estabelecimento de leis restritivas quanto a sua produção industrial, seu armazenamento, transporte e uso, e ainda quanto ao destino final de sobras e embalagens.
33. No mesmo sentido, cartilha elaborada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa esclarece acerca dos perigos causados pelo uso irregular de agrotóxicos (evento 01_INF32) (grifou-se):
(…) A exposição a agrotóxicos pode provocar uma variedade de doenças que dependem do(s) produto(s) usado(s), do tempo de uso e da quantidade que penetrou no seu corpo. […] Nas intoxicações agudas, de aparecimento rápido, os sintomas são bem visíveis e, geralmente, fazem pensar em um produto em especial. Mas, na maioria dos casos, os primeiros sinais são pouco específicos dos agrotóxicos, e se apresentam como dores de cabeça, tonteira, náuseas, cansaço, falta de motivação…
Com o passar do tempo, os problemas de saúde podem piorar e provocar danos maiores. Além disso, alguns agrotóxicos se acumulam no organismo e causam doenças mais demoradas e até mais graves.
[…] Nas intoxicações crônicas, que aparecem após penetração repetida de pequenas quantidades de agrotóxicos em um tempo mais prolongado, surgem problemas respiratórios graves, alteração do funcionamento do fígado e dos rins, anormalidade da produção de hormônios da tireóide, dos ovários e da próstata, incapacidade de gerar filhos, malformação e problemas no desenvolvimento intelectual e físico das crianças, câncer etc.
34. Destaque-se ainda que o IBAMA, analisando especificamente o presente caso (relatório de vistoria), e levando em consideração condições como orientação dos ventos, características particulares da região e forma de aplicação dos agrotóxicos, constatou a efetiva presença de risco potencial de danos à saúde da população circunvizinha, nesses termos (grifou-se):
(…) Além dos organismos indesejados, os agrotóxicos causam intoxicações em qualquer organismo vivo que de alguma forma seja exposto. A aplicação de agrotóxicos está intimamente relacionada a assuntos de segurança e assessoria técnica, de importância para o aplicador, a população próxima, o consumidor final e o meio ambiente em geral.
[…] Considerando a orientação leste-oeste predominante dos ventos na região, a proximidade da área de cultivo de soja à área densamento povoada (zona urbana), o manejo intensivo da espécie cultivada (soja) que demanda várias pulverizações com diversos produtos agrotóxicos (herbicidas, inseticidas e fungicidas), consideramos que está presente, efetivamente, o risco potencial de danos à saúde da população circunvizinha.
(…)
No caso concreto, segundo as informações do arrendatário, foram utilizados os seguintes produtos agrotóxicos na lavoura de soja: AMPLIGO, NIMBUS, ZAPP Q1 620, PRIORI XTRA e ELATUS (um inseticida, um adjuvante, um herbicida/dessecante e dois fungicidas). O laudo pericial (evento 105) e os documentos anexados à inicial informam a classificação toxicológica de tais produtos, bem como indicam o potencial de periculosidade ambiental e à saúde, de acordo com classificação da Anvisa/IBAMA:
AMPLIGO
CLASSE: Inseticida de contato e ingestão.
GRUPO QUÍMICO: Piretróide (lambda-cialotrina) e Antranilamida (clorantraniliprole).
É OBRIGATÓRIO O USO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. PROTEJA-SE.
CLASSIFICAÇÃO TOXICOLÓGICA –II –ALTAMENTE TÓXICO
CLASSIFICAÇÃO DO POTENCIAL DE PERICULOSIDADE AMBIENTAL
–CLASSE I – PRODUTO ALTAMENTE PERIGOSO AO MEIO AMBIENTE.
NIMBUS
CLASSE: Adjuvante do grupo químico hidrocarbonetos alifáticos.
É OBRIGATÓRIO O USO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. PROTEJA-SE.
CLASSIFICAÇÃO TOXICOLÓGICA –IV –POUCO TÓXICO.
Este produto é ALTAMENTE PERSISTENTE no meio ambiente.
Este produto é ALTAMENTE TÓXICO para organismos aquáticos.
CLASSIFICAÇÃO DO POTENCIAL DE PERICULOSIDADE AMBIENTAL
–CLASSE III –PRODUTO PERIGOSO AO MEIO AMBIENTE.
Use macacão com mangas compridas, máscara facial, chapéu impermeável de aba larga, protetor ocular, luvas e avental impermeável.
ZAPP QI 620
CLASSE: Herbicida.
GRUPO QUÍMICO: Glifosato.
É OBRIGATÓRIO O USO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. PROTEJA-SE.
CLASSIFICAÇÃO TOXICOLÓGICA –III– MEDIANAMENTE TÓXICO.
CLASSIFICAÇÃO DO POTENCIAL DE PERICULOSIDADE AMBIENTAL –CLASSE III – PRODUTO PERIGOSO AO MEIO AMBIENTE.
Use máscara de proteção, luvas de borracha, óculos de segurança, roupas protetoras com mangas compridas e botas de borracha.
PRIORI XTRA
CLASSE: Fungicida.
GRUPO QUÍMICO: Azoxistrobina.
CLASSIFICAÇÃO TOXICOLÓGICA –III –MEDIANAMENTE TÓXICO.
Este produto é ALTAMENTE PERSISTENTE no meio ambiente.
Este produto é ALTAMENTE TÓXICO para organismos aquáticos.
Use macacão impermeabilizado com mangas compridas, protetor ocular ou viseira facial, luvas de nitrila, botas de borracha, máscara com filtro de carvão ativado, avental impermeável e touca árabe;
Não há nenhuma dúvida ou controvérsia sobre o grau de toxidade e perigo ao meio ambiente de tais substâncias, sendo de se salientar a exigência do uso de proteção individual para o seu manuseio. Além disso, conforme ressaltou a técnica, não há informações e/ou estudos concretos acerca dos efeitos de sua combinação sendo certo que é possível cogitar que, em caso de interação/sinergia entre tais substâncias (situação dos autos), os impactos nocivos ao meio ambiente e à saúde humana serão consideravelmente maiores e mais graves.
Em que pesem todas as informações acima trazidas pelas autoridades administrativas, a perita judicial nomeada pelo juízo a quo afastou formalmente a ocorrência de intoxicação da parte autora, bem como não constatou danos ambientais na data da perícia – o que poderia ser interpretado como inocorrência de danos materiais ao meio ambiente ou à própria saúde dos moradores, como fez o juízo em primeiro grau. Destaco a resposta aos quesitos dos autos:
QUESITO DA UNIÃO (evento 22): 9) O (a) Autor sofreu intoxicação por agrotóxico? Caso positivo, indique e especifique o exame que a comprove.
RESPOSTA DA PERITA (evento 48): Formalmente não. Porém, sabe-se que a exposição a pesticidas e resíduos químicos presentes no ar é perigosa. Na sua maioria, os agrotóxicos são extremamente voláteis, portanto, tem a propriedade de serem carreados pelas correntes aéreas para locais e distâncias indesejadas. Os efeitos da intoxicação por contato com agrotóxicos são variáveis, dependendo da quantidade, da toxidade, das características individuais da pessoa submetida ao contato e da forma de exposição. Os primeiros sinais se apresentam como dores de cabeça, tonteira, náuseas, cansaço, falta de motivação… Com o passar do tempo, os problemas de saúde podem piorar e provocar danos maiores. Além disso, alguns agrotóxicos se acumulam no organismo e causam doenças mais demoradas e até mais graves. Nas intoxicações crônicas, que aparecem após penetração repetida de pequenas quantidades de agrotóxicos em um tempo mais prolongado, surgem problemas respiratórios graves, alteração do funcionamento do fígado e dos rins, anormalidade da produção de hormônios da tireóide, dos ovários e da próstata, incapacidade de gerar filhos, malformação e problemas no desenvolvimento intelectual e físico das crianças, câncer etc.;
(…)
QUESITO DA UNIÃO (evento 22): 11) É possível afirmar, na data da perícia, com base em critérios científicos seguros, que a aplicação de agrotóxicos causou danos ao meio ambiente?
RESPOSTA DA PERITA (evento 48): 11). Na data da perícia não.
À luz do que afirmou a perita, contudo, em cotejo com as demais provas deste processo, não se pode concluir que não houve dano ambiental, ao menos potencial.
Há que se ter em mente que na presente demanda os autores procuram a indenização de danos morais – não materiais – decorrentes da mera exposição à poluição ambiental atmosférica que, em regra, não deixa vestígios. Fosse hipótese de poluição causada pelo lançamento contínuo de gases tóxicos na atmosfera por determinada fábrica, ou provocada por radiação, por certo o encaminhamento do laudo pericial seria outro.
Assim, importa salientar, que o fato de a natureza haver se decomposto, e não existir quaisquer traços da pulverização do agrotóxico no ar, não impede que se reconheça a existência do dano ambiental potencial.
Outrossim, equivocada a noção de que o dano moral tenha necessária vinculação com aspectos da presença de elementos concretos de dano ambiental. A inexistência de vestígios materiais vísíveis no ambiente não representa empecilho ao reconhecimento do dano moral.
Das informações levantadas pela perita junto aos moradores verifica-se do laudo juntado aos autos:
QUESITO 2 PARTE AUTORA (evento 33) : Dada a distância averiguada no item 1 e em razão das aplicações com produtos agrotóxicos, há possibilidade de a parte Autora e sua residência terem sido expostas a esses produtos, tendo por base os produtos comumente utilizados numa lavoura de soja, em todas suas fases e ainda desconsiderando a presença de eventual muro na área da BASM? E na presença de ventos, pode ter ocorrido essa exposição? Se sim, quais os riscos para saúde e bem-estar da parte Autora?
RESPOSTA DA PERITA (evento 48): Com certeza. Inclusive, conforme depoimento da Autora e moradores da região, muitas cobras, lagartos, raposas e outros animais e insetos invadiam os terrenos quando havia pulverização. O cheiro forte dos produtos químicos chegava a permanecer de 2 a 4 dias no ar. Quanto maior a velocidade dos ventos e conforme a direção dos mesmos, maior a probabilidade dos agrotóxicos atingirem o terreno de propriedade da Autora e causarem danos à sua saúde, com as mais diversas consequências;
(…)
QUESITO 4 PARTE AUTORA (evento 33): As aplicações com produtos agrotóxicos, próximas à residência da parte Autora, são capazes de causar alteração na qualidade do ambiente residencial? E na qualidade de vida da parte Autora? Pode haver alteração no meio ambiente urbano?
RESPOSTA DA PERITA (evento 48) Sim.
A título de exemplo, vale também citar as informações da perita ao analisar a situação do autor nos autos 5006046-77.2015.4.04.7102, bastante esclarecedoras quanto aos danos morais sofridos com a aplicação irregular de agrotóxicos em área residencial – sendo certo que se tratam de informações pertinentes ao casos em análise:
(…) […] conforme depoimento da esposa do Autor e moradores da região, muitas cobras, lagartos, raposas e outros animais e insetos invadiam os terrenos quando havia pulverização. Ainda, informou que tinha de entrar e fechar a residência quando havia pulverização, pois ficavam enjoados. Chegaram a adquirir ar condicionado tipo Split para permanência na residência quando fechada. Quanto maior a velocidade dos ventos e conforme a direção dos mesmos, maior a probabilidade dos agrotóxicos atingirem o terreno de propriedade do Autor e causarem danos à sua saúde, com as mais diversas consequências;
Ora, se os moradores, seus filhos, crianças que se submeteram às consequencias da indevida pulverização da lavoura vizinha tiveram que permanecer trancados em suas residências, adquiriram condicionadores de ar para filtrar a ventilação de acesso de seus lares, sentiram-se mal com os odores captados, sem saber ao certo se tinham sido intoxicados, resta claro o dissabor, angústia e medo daquela população.
No caso do dano ecológico, a primeira premissa é perceber que este dano não consiste apenas e tão-somente na lesão ao equilíbrio ecológico, afetando igualmente outros valores precípuos da coletividade a ele ligados, a saber: a qualidade de vida e a saúde. Estes valores estão intimamente inter-relacionados, de modo que a agressão ao ambiente afeta diretamente a saúde e a qualidade de vida da comunidade.
Já faz algum tempo a doutrina do direito ambiental consagra a noção de que a só circunstância de o autor ter se exposto aos efeitos de uma substância que se desconheça sua natureza, configura dano moral por lesão à sua integridade psicológica, causando-lhe sofrimento, tristeza e angústia. Esse dano, como reiteradamente tem decidido o Superior Tribunal de Justiça, existe ‘in re ipsa’ (por ele mesmo), conforme ilustram os precedentes a seguir:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELA EMISSÃO DE FLÚOR NA ATMOSFERA. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. POSSIBILIDADE DE OCORRER DANOS INDIVIDUAIS E À COLETIVIDADE. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA.
1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte.
2. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável.
3. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre a emissão do flúor na atmosfera e o resultado danoso na produção rural dos recorridos, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ.
4. É jurisprudência pacífica desta Corte o entendimento de que um mesmo dano ambiental pode atingir tanto a esfera moral individual como a esfera coletiva, acarretando a responsabilização do poluidor em ambas, até porque a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível.
5. Na hipótese, a leitura da exordial afasta qualquer dúvida no sentido de que os autores – em sua causa de pedir e pedido – pleiteiam, dentre outras, a indenização por danos extrapatrimonias no contexto de suas esferas individuais, decorrentes do dano ambiental ocasionado pela recorrente, não havendo falar em violação ao princípio da adstrição, não tendo a sentença deixado de apreciar parcela do pedido (citra petita) nem ultrapassado daquilo que fora pedido (ultra petita).
6. A admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea “c” do permissivo constitucional, exige a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ).
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1175907/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 25/09/2014)
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ROMPIMENTO DE BARRAGEM. “MAR DE LAMA” QUE INVADIU AS RESIDÊNCIAS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO AO ART. 397 DO CPC.
INOCORRÊNCIA.
1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte.
2. O fundamento do acórdão estadual de que a ré teve ciência dos documentos juntados em audiência, deixando, contudo, de impugná-los a tempo e modo e de manejar eventual agravo retido (sendo atingido, portanto, pela preclusão), bem como o fato de ter considerado os documentos totalmente dispensáveis para a solução da lide, não foi combatido no recurso especial, permanecendo incólume o aresto nesse ponto. Incidência da Súmula 283/STF.
3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art.14, § 1º, da Lei n.6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advinda de uma ação ou omissão do responsável.
4. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre o rompimento da barragem – com o vazamento de 2 bilhões de litros de dejetos de bauxita e o transbordamento do Rio Muriaé -, e o resultado danoso sofrido pela recorrida com a inundação de sua casa pela lama, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ.
5. Na hipótese, a autora, idosa de 81 anos, vendo o esforço de uma vida sendo destruído pela invasão de sua morada por dejetos de lama e água decorrentes do rompimento da barragem, tendo que deixar a sua morada às pressas, afetada pelo medo e sofrimento de não mais poder retornar (diante da iminência de novo evento similar), e pela angústia de nada poder fazer, teve ofendida sua dignidade, acarretando abalo em sua esfera moral.
6. A admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea “c” do permissivo constitucional, exige a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts.541 do CPC e 255 do RISTJ).
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1374342/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/09/2013, DJe 25/09/2013)
Os precedentes acima citados veiculam a noção de que no direito ambiental, havendo evento traumático impõe-se o reconhecimento do dano potencial, a despeito de maiores sequelas. Assim, se por obra do acaso, ou por milagre, nada de mais grave chegou a ocorrer (resultado), não se pode concluir pela inexistência de dano moral, sob pena de decidir a questão com base no resultado e não na conduta, o que se revela equivocado.
Por esses mesmos motivos, entendo que se houve ou não dano material ao meio ambiente, tal premissa em nada diminui a ocorrência de dano moral sobretudo individual, sob pena de confundir-se a gravidade do evento danoso (ação) com suas consequências (sequelas), pois a ação ilícita é a baliza para reconhecer o dever de indenizar, e não os resultados desastrosos que não ocorreram.
DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA UNIÃO POR DANOS AO MEIO AMBIENTE
A responsabilidade pela reparação do dano atinge todos os agentes causadores do evento danoso e é solidária, em face do disposto no art. 942 do Código Civil, independentemente da análise da subjetividade dos ofensores. Além disso, em se tratando de dano ambiental, a norma do art. 14, § 1º da Lei 6.983/81 impõe ao poluidor, o dever de, independentemente da existência de culpa, indenizar ou reparar os danos causado ao meio ambiente a terceiros, afetados por sua atividade, impondo-se a responsabilidade civil solidária de todos os trangressores.
Como bem salientou o Ministério Público Federal, impõe-se reconhecer, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que a responsabilidade por dano ambiental impõe a obrigação de recuperar a degradação ambiental ao titular da propriedade do imóvel, mesmo que não tenha contribuído para a deflagração do dano, tendo em conta sua natureza propter rem (REsp 1622512/RJ, Rel.Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe11/10/2016).
No caso dos autos, não há dúvida que a área de lavoura efetivamente pertence à União, sob a responsabilidade administrativa da Base Aérea de Santa Maria (Evento 1 – INQ10), e se localiza nas imediações de moradias, incluindo a do Autor, ora Recorrente (imagens anexadas ao Evento 1 – INQ9; INQ12).
Houve o plantio de soja nesta área, ao menos desde 17/11/2006 (Termo de arrendamento nº 001/BASM/2006, conforme informado no Evento 42-INF1), bem como aplicações de diversos agrotóxicos com equipamento pulverizador tratorizado (conforme imagens e relação de produtos agrotóxicos trazidos pelo arrendatário – Evento 1 – INQ13 – muitos classificados pela Anvisa e MAPA como de alta toxidade), inclusive a Base Aérea, após ser oficiada pelo MPF, notificou o arrendatário para não utilizar agrotóxicos na lavoura, em toda extensão que se aproxima das residências (Evento 1 – INQ14).
Outrossim, além da responsabilidade civil como proprietária do terreno poluidor, há indubitável responsabilização por omissão da União no dever de fiscalização e regularidade no cumprimento das normas ambientais no contrato de arrendamento por ela firmado.
Nota-se que no presente caso, há legislação municipal exigindo-se licenciamento ambiental para a utilização de agrotóxicos, bem como a utilização de receita agronômica emitida por profissional legalmente habilitado. Confira-se a Lei Municipal Complementar nº 22/2003 (extraído do portal da transparência da prefeitura municipal de Santa Maria – Rio Grande do Sul – acesso em 09/08/2018 – http://pmsantamaria.rs.publicidademunicipal.com.br/Pages/Home.aspx):
Art. 8º. Somente poderão ser utilizados agrotóxicos de acordo com receita agronômica ou florestal emitida por profissional legalmente habilitado, observadas as recomendações técnicas cabíveis, inclusive quanto ao descarte das embalagens.
Art.12. Toda a aplicação de agrotóxicos no perímetro urbano, em área superior a 3000 m2,para hortigranjeiros e outras culturas,deverá possuir licença emitida pelo Município de Santa Maria e atender os seguintes requisitos:
I – em áreas adjacentes a cursos de água e adjacentes a núcleos populacionais, escolas, habitações e locais de recreação, não será permitida a aplicação de agrotóxicos sem a orientação de um responsável técnico;
II – a aplicação de agrotóxicos será permitida apenas com equipamento costal manual, no caso do inciso I.
Com efeito, segundo a legislação municipal acima exposta, além da obrigatoriedade, em qualquer caso, da receita agronômica, é indispensável a existência de licença emitida pelo Município quando houver aplicação de agrotóxicos no perímetro urbano, em área superior a 3000 m² (caso dos autos).
Além disso, a legislação municipal prevê que em áreas adjacentes a cursos de água e adjacentes a núcleos populacionais, escolas, habitações e locais de recreação, não será permitida a aplicação de agrotóxicos sem a orientação de um responsável técnico, sendo que a sua aplicação seria permitida apenas com equipamento costal manual.
Observa-se do caso em tela que a legislação municipal foi claramente descumprida, uma vez que não há notícia da presença do Receituário Agronômico, nem houve notícia da orientação da aplicação por meio de um responsável técnico (já que a aplicação se deu em área adjacente a um núcleo populacional significativo) e, por fim, não há notícia de que a tenha sido utilizado o equipamento costal, sendo constatada a aplicação tratorizada (evento 1, INQ20).
Significativo destacar que caberia à União, como parte e signatária do CONTRATO DE ARRENTAMENTO Nº 4/2013 firmado com Valmir Antônio Maffini, efetivamente fiscalizar o cumprimento da legislação ambiental na área de 162,85 ha situada em terreno da Base Aérea de Santa Maria (evento 1, INQ11).
Em se tratando de responsabilidade da Administração Pública por atos omissivos, o aspecto primordial reside no exame da exigibilidade da conduta estatal, invocada como causa do dano, o que dependerá da análise do caso concreto. Com efeito, diversos fatores devem ingressar nesse processo de ponderação desta exigibilidade, impondo-se seja averiguada a proporcionalidade, diligência e prudência. Em relação a estes dois últimos aspectos, importante colacionar o entendimeto de Pietro Virga, quando refere que um dos elementos da responsabilidade civil do Estado é a antijuridicidade, isto é, a indenização será devida quando o comportamento da Administração Pública for antijurídico por não observar as normas impostas não apenas por textos legais, mas:
(…) regoli di comune diligenza e prudenza: tali regole, ancorché no siano state espressamente docificate, sono quelle che, secondo un metro di normale cautela, debbono essere adottate per impedire che si verifichi un evento dannoso che rientra nella normale previdibilità.
(Diritto Amministrativo. I principi , vol. 1, 5ª ed. Milano: Giuffrè Editore, 1999, p. 286-288).
Assim, conforme a lição do Mestre italiano, quando o dano decorrer de uma omissão estatal, em desobediência ao dever jurídico de agir, razoavelmente exigível no caso concreto, impõe-se responsabilizá-lo quando deixou de agir para evitar a ocorrência do dano.
O dever de agir da União, na hipótese em tela, consistia na devida fiscalização das normas ambientais envolvidas na execução do contrato, sendo exigîvel, no mínimo, o Receituário Agronômico necessário à aplicação dos referidos agrotóxicos envolvidos, o que permitiria, ao menos uma aplicação regulada. Em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado.
Sem acompanhamento de tal receituário, bem como na ausência da presença de qualquer responsável técnico na condução da aplicação dos agrotóxicos omitiu-se a Arrendante na garantia da segurança e integridade física da população. Aliás sequer houve uma sinalização da aludida aplicação alertando a população marginal da lavoura da existência de substâncias tóxicas aplicadas.
DO DANO MORAL
O dano moral existe independente de se tratar de matéria ambiental ou não, há previsão expressa na Carta Magna (art. 5º, V e X), sendo suficiente que tenham sido atingidos valores personalíssimos do ser humano, o que se aplica tanto para o dano de caráter individual quanto para os coletivos, que são as duas modalidades de dano ambiental quanto à pessoa. A Constituição Federal de 1988 também reconheceu que a preservação do meio ambiente é pressuposto para os mais importantes valores do homem, a exemplo da qualidade de vida e da própria vida (art. 225). Trata-se de um direito humano fundamental, pois é essencial à continuidade da espécie humana e é o que garante a dignidade do homem enquanto animal cultural. Aliás, sem um ecossistema equilibrado nenhum dos direitos humanos poderia existir. Por esse motivo é que pessoas e instituições, devidamente constituídas ou não, devem cumprir a obrigação constitucional de lutar em favor da natureza.
Em matéria ambiental, por sua vez, o que se protege é justamente a saúde e a qualidade de vida, bens que obviamente fazem parte da esfera do dano moral. É que, como se sabe, os desequilíbrios no ecossistema se refletem diretamente sobre as condições de vida da sociedade, e a vida humana é o valor supremo.
A presenta demanda trata da ocorrência do dano moral ambiental subjetivo ou individual, por dizer respeito à pessoa determinada, lesada em seu suporte físico, psíquico ou de afeição. Não se trata, pois de aferir o impacto sobre a coletividade, que terá sempre caráter menos evidente e, portanto, de verificação e prova mais difíceis. De toda a sorte, a jurisprudência pátria vem garantindo a possibilidade de tutela ambiental em duas frentes complementares: tutela do meio ambiente de interesses individuais e tutela do meio ambiente como tutela de interesses difusos, em que o titular do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não pode ser identificado, uma vez que se confunde com toda a coletividade.
Assim, tanto pode ocorrer o fato de um mesmo dano ambiental afetar concomitantemente a esfera subjetiva e a esfera objetiva. A reparação de um dano moral objetivo visa a proteger o ambiente como valor autônomo e como macrobem pertencente à coletividade, ao contrário do dano moral subjetivo, cuja reparação objetiva proteger um interesse particular de uma pessoa.
Com relação ao dano ambiental de caráter individual, caso dos autos, o ordenamento jurídico brasileiro privilegia a reintegração do bem lesado (retorno ao status quo ante). Contudo, a reintegração nem sempre se faz possível, como é o caso dos danos extrapatrimoniais (morais), restando, apenas, a compensação por pecúnia. Vale lembrar que esta deverá ser compatível com a situação do autor e condizer com a abrangência e periculosidade dos danos.
DO VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
Na quantificação do dano moral, a indenização deve ser arbitrada em valor suficiente a desestimular a prática reiterada do ato lesivo e ainda evitar o enriquecimento sem causa da parte que sofre o dano. Devem ser sopesadas as circunstâncias e peculiaridades do caso concreto, as condições econômicas das partes, a menor ou maior compreensão do ilícito, a repercussão do fato e a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso, o aspecto pedagógico-punitivo que a reparação em ações dessa natureza exige.
No que diz respeito ao valor das indenizações, é adequado que sua quantificação seja arbitrada de forma proporcional à distância da residência de cada autor em relação à área em que dispersados os agrotóxicos (aproveitando-se para tanto, a tabela anexada pelo Ministério Público Federal, elaborada com base nos dados constantes no laudo pericial), por uma questão de razoabilidade – uma vez que, quanto maior a proximidade, mais expostas estavam as pessoas ao contato com as substâncias tóxicas e, assim, os danos sofridos são potencialmente mais graves (de modo a justificar uma indenização superior).
Assim, proponho uma analogia o com fundamento na norma técnica ABNT/NBR 9843/2013, de 31/07/2013, que “estabelece os requisitos para o armazenamento de agrotóxicos e afins, de modo a garantir a segurança e a saúde das pessoas e preservar o meio ambiente e o produto”, especificou as distâncias mínimas a serem observadas em relação a residências, escolas, hospitais, creches, instalações para criações de animais e depósitos de alimentos para utilizar as distâncias ali propostas: 1
1) para residências localizadas em até trinta metros do local de utilização de agrotóxicos – entendo suficiente a fixação dodano moral no montante de R$ 19.080,00 (equivalente a 20 salários mínimos na data deste voto);
2) para residências localizadas em até cinquenta metros do local de utilização de agrotóxicos – entendo suficiente a fixação dodano moral no montante de R$ 14.310,00 (equivalente a 15 salários mínimos na data deste voto);
3) para residências localizadas em até cem metros do local de utilização de agrotóxicos – entendo suficiente a fixação do dano moral no montante de R$ 9.540,00 (equivalente a 10 salários mínimos na data deste voto).
CASO DOS AUTOS
Uma vez que a residência da autora MAÍRA VIEIRA SOARES está localizada no máximo há 31,7 m (evento 94, INF3), impõe-se a condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais individuais, os quais ficam arbitrados em R$ 14.310,00 (equivalente a 15 salários mínimos na data deste voto).
CRITÉRIOS DE ATUALIZAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO
Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs. 4.357 e 4.425, o STF declarou inconstitucional a expressão que estabelece o índice da caderneta de poupança como taxa de correção monetária dos precatórios, mas não especificou qual índice de correção monetária deveria ser adotado.
Sem prejuízo dessa decisão de inconstitucionalidade, que, aliás, ainda se encontra sujeita à modulação de efeitos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou o REsp 1.270.439 (DJE 02.8.2013), que abordou a questão, segundo a sistemática do art. 543-C do CPC, estabelecendo que:
(…) 18. A partir da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/2009: (a) a correção monetária das dívidas fazendárias deve observar índices que reflitam a inflação acumulada do período, a ela não se aplicando os índices de remuneração básica da caderneta de poupança;
Os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para a qual prevalecerão as regras específicas. (…)
19. No caso concreto, como a condenação imposta à Fazenda não é de natureza tributária – o crédito reclamado tem origem na incorporação de quintos pelo exercício de função de confiança entre abril de 1998 e setembro de 2001 -, os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com redação da Lei 11.960/2009. (STJ, 1ª Seção, REsp 1.270.439, Rel. Min. Castro Meira, j. 26.6.2013, DJe 02.8.2013).
Em suma, portanto, considerando a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF no âmbito da ADI 4.357 e da ADI 4.425 e o recente julgamento do RE 870/947, assim como da jurisprudência do STJ, à qual este Colegiado se encontra alinhado, e tendo em conta ainda as orientações constantes no Manual de Cálculos da JF, a correção monetária de créditos contra a Fazenda Pública – não tributários, nem previdenciários, como é o caso dos autos – deve ser aplicada em conformidade com os seguintes parâmetros:
(1) correção monetária pela variação do IPCA-e (a partir de janeiro de 2001), desde a data da prolação da decisão que o arbitrou (Súmula 362 do STJ);
(2) juros de mora contados do evento danoso (Súmula 54 do STJ), considerado no caso como a lavratura do contrato 12/08/2013 (evento 1, INQ 10), no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, capitalizados de forma simples, correspondentes a: a) 0,5% ao mês, caso a taxa SELIC ao ano seja superior a 8,5%; b) 70% da taxa SELIC ao ano, mensalizada, nos demais casos (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, redação dada pela Lei 11.960/2009, combinado com a Lei 8.177/1991, com alterações da Lei 12.703/2012).
Cabe observar que, julgando em definitivo o Tema 810 de repercussão geral, tal critério de correção quanto a débitos não tributários da Fazenda Pública foi reafirmado nas duas teses fixadas pelo Plenário do STF no julgamento do RE 870.947 (j. 20.9.2017).
O valor da condenação, portanto, deve ser apurado conforme os critérios fixados no Manual de Cálculos da Justiça Federal (Resolução 267/2013).
Decisão
Pelo exposto, o voto é no sentido de dar provimento ao recurso da parte autora.
A decisão da Turma Recursal assim proferida, no âmbito dos Juizados Especiais, é suficiente para interposição de quaisquer recursos posteriores.
O prequestionamento é desnecessário no âmbito dos Juizados Especiais Federais, pois o artigo 46 da Lei 9.099/1995 até mesmo dispensa a fundamentação do acórdão.
Com isso, nos pedidos de uniformização de jurisprudência não há qualquer exigência de que a matéria tenha sido prequestionada. Para o recebimento de Recurso Extraordinário, igualmente, não se há de exigir, tendo em vista a expressa dispensa pela lei de regência dos Juizados Especiais.
Já o prequestionamento da matéria infraconstitucional é desnecessário diante da Súmula 203 do STJ, que veda o manejo de recurso especial no âmbito dos Juizados.
Nada obstante, ficam expressamente prequestionados todos os dispositivos constitucionais indicados pelas partes nos presentes autos, para fins do art. 102, III, da Constituição Federal.
Eventuais embargos para rediscussão de questões decididas ou para fins de prequestionamento poderão ser considerados protelatórios.
Importa destacar que o magistrado não está obrigado a refutar cada argumento/tese lançados pela parte, mas a fundamentar a decisão adotada: “Não está o Julgador obrigado a responder todas as alegações das partes, a ater-se às razões por elas expostas, tampouco a refutar um a um todos seus argumentos, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão” (EDcl no RMS 18.110/AL).” (STJ, 1ª Seção, AEERES 874.729, Rel. Min. Arnaldo Estes Lima, j. 24/11/2010).
Sendo assim, rejeito todas as alegações que não tenham sido expressamente refutadas nos autos, porquanto desnecessária sua análise para chegar à conclusão alcançada.
Sem condenação em custas e honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/1995.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso da parte autora.
EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO. DANO MORAL AMBIENTAL INDIVIDUAL. TERRA DA UNIÃO. ARRENDAMENTO. LAVOURA DE SOJA. AGROTÓXICO. POLUIÇÃO DO AR. USO IRREGULAR. PULVERIZAÇÃO TRATORIZADA. RESIDÊNCIAS URBANAS. PROXIMIDADE
1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva (CF/1988: art. 37, §6º, e art. 225, §3º; Lei 6.938/1981: §1º do art. 14). Jurisprudência do STJ e doutrina.
2. Como arrendante, a União tem o dever legal e constitucional de fiscalizar o correto uso da terra arrendada, independentemente dos termos avençados com o arrendatário. No caso concreto, a fiscalização não foi realizada, a despeito de constar como cláusula contratual expressa.
3. A responsabilização por dano ambiental não depende da prova do dano efetivo, decorrendo também do risco potencial criado.
4. No caso concreto, o risco potencial é evidente, considerando-se a irregularidade da forma de aplicação (pulverização por meio de trator, ao invés de aparelho costal, levado às cosas do aplicador) e a grande proximidade de residências urbanas (cerca de 30 m). Ademais, restou desrespeitada norma ambiental municipal, que prevê nesses casos a necessária emissão de receituário agronômico, o que não foi feito.
5. Na falta de normatização específica, o valor da compensação pecuniária pelo dano moral ambiental, no caso, deve ser obtido por meio de aplicação analógica da norma técnica que “estabelece os requisitos para o armazenamento de agrotóxicos e afins, de modo a garantir a segurança e a saúde das pessoas e preservar o meio ambiente e o produto” (ABNT/NBR 9.843/2013).
6. Com base nessa aplicação analógica, fixam-se os seguintes parâmetros para a compensação pecuniária do dano moral, considerando-se a distância entre a residência afetada e o ponto de aplicação do agrotóxico:
Até 30m: R$ 19.080,00 (hoje, equivalente a 20 salários mínimos).
Até 50m: R$ 14.310,00 (hoje, equivalente a 15 salários mínimos).
Até 100m: R$ 9.540,00 (hoje, equivalente a 10 salários mínimos).
7. A compensação pecuniária é fixada em Reais, sem indexação ao valor do salário mínimo, que aqui é mencionado apenas como referência.
8. O valor deve ser atualizado pela variação do IPCA-e desde a data do arbitramento (Súmula 362 do STJ), incidindo juros de mora a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ), tudo na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
ACÓRDÃO
A 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso da parte autora.
Porto Alegre, 30 de agosto de 2018.
Giovani Bigolin
Juiz Federal relator
Veja também:
– União terá de indenizar moradores de Santa Maria por exposição a agrotóxicos (Jornal Diário de Santa Maria, 31.08.2018)
– Produtor rural que atingiu lavoura vizinha ao aplicar agrotóxico terá de indenizar (Portal DireitoAgrário.com, 21.05.2018)
– Alerta aos produtores rurais: intoxicação por agrotóxicos gera dano moral, decide TRF3 (Portal DireitoAgrário.com, 12.04.2016)
– Agrônomo que causou intoxicação por agrotóxico em 13 pessoas é denunciado criminalmente (Portal DireitoAgrário.com, 02.12.2015)