quinta-feira , 21 novembro 2024
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TRF5: Decreto municipal não pode desapropriar imóvel da União para criar Unidade de Conservação

“Magistrados afirmaram que casos de desapropriação de imóvel de propriedade da União precisam ser autorizados pela da Presidência da República.

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região –TRF5 negou provimento, ontem (29/9), aos embargos de declaração ajuizados pelo Município do Recife (PE), em que buscava reforma da decisão da Quarta Turma que anulou os efeitos do Decreto nº 25.565 de 01/12/2010. O decreto, de iniciativa do Município, declarava área de Marinha, localizada no bairro do Pina, em Unidade de Conservação da Natureza, denominado ‘Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro’.

A Quarta Turma do TRF5 entendeu, por maioria, que a decisão do colegiado, no julgamento da apelação, foi clara e coerente.

‘A forma como foi debatido o mérito da controvérsia instaurada na presente ação satisfaz o pressuposto de admissibilidade de eventual recurso especial ou extraordinário. Se a solução não foi correta, a situação não é de nova decisão, mas sim de recurso, demonstrando claro propósito de rediscussão dos argumentos constantes da apelação’, afirmou o relator, desembargador federal Edilson Pereira Nobre.

ENTENDA O CASO – O Município do Recife expediu o Decreto nº 25.565 de 01/12/2010, que criou o Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro, com base nas Leis Municipais 16.176/1996 (Lei de uso de ocupação do solo da cidade do Recife), que prevê a instituição de ‘Unidades de Conservação’, e 17.511/2008, que promoveu a revisão do Plano Diretor. O decreto previa, também, a implantação de projetos especiais e de unidade gestora da área, que administraria e regularia o acesso e a sua disponibilidade.

A União ajuizou Ação Ordinária contra o Município do Recife, alegando a ilegalidade do Decreto nº 25.565 de 01/12/2010, expedido pelo Poder Executivo Municipal. Sustentou que o decreto municipal que estabeleceu unidade de conservação da natureza na localidade denominada de Estação Rádio Pina, na Zona Sul da cidade do Recife, de propriedade da União e atualmente administrada pela Marinha do Brasil, seria inconstitucional, por possuir natureza de decreto expropriatório sem a devida autorização.

A Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro realmente dispõem que as áreas de mangue são terrenos de Marinha, portanto de propriedade da União. O Decreto-Lei nº 3.365/41 estabelece a obrigatoriedade de edição de decreto da Presidência da República nos casos de desapropriação de imóvel de propriedade da União, seja por iniciativa do Estado da Federação, seja por qualquer um dos seus Municípios.

A sentença foi no sentido de julgar improcedente a pretensão da União, que apelou ao TRF5.

A Quarta Turma do TRF5, sob a relatoria do desembargador federal convocado Cesar Arthur Cavalcanti de Carvalho, por maioria, deu provimento à apelação da União para declarar a invalidade do Decreto nº 25.565/2010, com efeitos retroativos, e que o Município do Recife se abstivesse de praticar qualquer ato previsto no decreto, sem prejuízo da municipalidade continuar exercendo a sua competência ambiental no sentido de proteger o meio ambiente daquela área.

O Município do Recife ajuizou, então, embargos de declaração, com a finalidade de reformar a decisão do colegiado e já se antecipar na preparação de eventual recurso especial a ser interposto junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o argumento de que o acórdão combatido teria sido omisso e contraditório”.

Processo: AC nº 580595 -PE.

Fonte: notícia divulgada pela Divisão de Comunicação Social do TRF5 – [email protected], em 30/09/2015.

 


Confira a íntegra da decisão proferida pela 4ª Turma do TRF5:

 

AC Nº 580595/PE (0000959-38.2011.4.05.8300)

APTE : UNIÃO APDO : MUNICÍPIO DO RECIFE – PE

ADV/PROC : TATIANA MAIA DA SILVA MARIZ e outros

ORIGEM : 7ª Vara Federal de Pernambuco (Especializada em Questões Agrárias) RELATOR : DES. FEDERAL CESAR ARTHUR CAVALCANTI DE CARVALHO (CONVOCADO)

 

RELATÓRIO

 

O Exmº. Sr. Desembargador Federal CESAR ARTHUR CAVALCANTI DE CARVALHO (Relator Convocado):

Inconformada com a sentença que julgou improcedente a sua pretensão deduzida no presente feito, a UNIÃO interpõe recurso de apelação, no qual defende a ilegalidade e a inconstitucionalidade do Decreto n. 25.565, de 1º de dezembro de 2010, expedido pelo Poder Executivo do Município do Recife/PE.

Sustenta a apelante (fls. 964/972), em síntese, que o aludido decreto municipal, ao estabelecer, com base nas Leis Municipais n. 16.176/1996 e 17.511/2008, regras regulamentares para a implantação, administração, exploração, preservação e manutenção do “Parque dos Manguezais”(denominado “Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro”pela Lei Municipal n. 17.542/2009) em área de imóvel conhecido como “Ex-Estação Rádio Pina”, atualmente administrado pela Marinha do Brasil, demais de se mostrar incompatível com o art. 11 da Lei n. 9.985/2000 e com o art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 3.365/41, por reconhecer a desapropriação de imóvel pertencente à União pela aludida municipalidade, contraria o disposto no art. 1.228 do Código Civil e nos arts. 18 e 20 da Constituição, porquanto teria extrapolado os limites da competência constitucional do Município de Recife/PE ao suprimir os direitos (uso, gozo e disposição) da proprietária da referida área.

Contrarrazões do MUNICÍPIO DO RECIFE –PE às fls. 983/1005.

Em parecer às fls. 1012/1025, a Procuradoria Regional da República opinou pelo não provimento do apelo.

É o relatório.

 

AC Nº 580595/PE (0000959-38.2011.4.05.8300)

APTE : UNIÃO APDO : MUNICÍPIO DO RECIFE – PE

ADV/PROC : TATIANA MAIA DA SILVA MARIZ e outros

ORIGEM : 7ª Vara Federal de Pernambuco (Especializada em Questões Agrárias) RELATOR : DES. FEDERAL CESAR ARTHUR CAVALCANTI DE CARVALHO (CONVOCADO)

 

 

VOTO

 

O Exmº. Sr. Desembargador Federal CESAR ARTHUR CAVALCANTI DE CARVALHO (Relator Convocado):

Muito embora a UNIÃO tenha invocado no seu apelo, assim como o fez na peça inaugural desta demanda, fundamentos legais e constitucionais para o acolhimento de sua pretensão, não se faz necessário observar, in casu, o disposto no art. 97 da Constituição, que prevê a cláusula de reserva de plenário, tendo em vista que as questões trazidas a esta Corte pela apelante hão de ser resolvidas no plano infraconstitucional, conforme argumentos explicitados adiante.

Registre-se que a controvérsia posta em debate não comporta discussões de ordem fática, já que os fatos narrados são incontroversos. A discussão, portanto, é eminentemente de direito.

Deveras, não se discute, aqui, se o imóvel citado na inicial pertence à UNIÃO, muito menos a extensão da área na qual o MUNICÍPIO DO RECIFE –PE pretende implantar, por meio do ora impugnado decreto municipal, Unidade de Conservação da Natureza na forma do “Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro”.

Convém salientar, ainda, que em nenhum momento nos autos a UNIÃO pede indenização por conta de restrições impostas ao seu direito de propriedade, razão pela qual se mostra irrelevante, in casu, ao contrário do que insinuou o magistrado a quo, a discussão sobre a necessidade, ou não, da comprovação de prejuízo concreto decorrente da impossibilidade de exploração econômica do imóvel de propriedade da parte autora.

Ademais, caso se exija, na hipótese em apreço, a demonstração de efetivo desapossamento da área em questão por parte do município réu e irreversibilidade dessa situação fática para que possa ser reconhecida a supressão de algum direito da proprietária, estar-se-ia admitindo, desde logo, a possibilidade de imóvel pertencente à União ser desapropriado por município sem prévia autorização, por decreto, do Presidente da República, conforme interpretação do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 3.365/41 dada pelo Superior Tribunal de Justiça[1].

Passemos, portanto, à análise da discussão jurídica suscitada na apelação, iniciando com um breve histórico legislativo que antecede a edição do ato normativo que se pretende invalidar.

Em 9 de abril de 1996 foi editada a lei municipal de n. 16.176, denominada “Lei de uso de ocupação do solo da cidade do Recife”, a qual, em seu art. 22, caput, dispõe que, na chamada Zona Especial de Proteção Ambiental 2 –ZEPA 2, “o Município poderá instituir Unidades de Conservação visando à preservação das áreas de proteção ambiental, nos limites de sua competência constitucional, observada a legislação pertinente”(grifos acrescidos).

O parágrafo único do citado artigo faz referência às unidades de conservação então instituídas naquela municipalidade, dentre as quais se destaca o denominado “Parque dos Manguezais”, localizado em área do imóvel conhecido como “Ex-Estação Rádio Pina”, de propriedade da UNIÃO.

Em 29 de dezembro de 2008 foi editada a lei, também municipal, de n. 17.511, que promoveu a revisão do Plano Diretor do Município do Recife. Em seu art. 193, IV, define o “Parque dos Manguezais” como área com potencialidade paisagística, físico-estrutural, cultural e econômica para a implantação de projetos especiais.

Diante desse contexto legislativo foi editado, em 1º de dezembro de 2010, o Decreto n. 25.565 pelo Poder Executivo do Município do Recife/PE, o qual, em seu art. 1º, caput e § 1º, altera o nome do “Parque dos Manguezais” para “Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro”, conforme denominação dada pela Lei Municipal n. 17.542/2009, e o declara “Unidade de Conservação da Natureza, na categoria de Parque Natural Municipal, do Grupo de Proteção Integral, de acordo com a Lei Federal nº. 9.985/2000” (grifos acrescidos).

Os demais artigos do mencionado decreto municipal preveem regras para a implantação, administração, exploração, manutenção e preservação da aludida Unidade de Conservação da Natureza.

Com efeito, a Lei n. 9.985/2000, em seu art. 11, § 1º, estabelece que o Parque Nacional (ou Estadual ou Municipal, conforme o ente federativo criador, nos termos do § 4º do mesmo artigo) “é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei” (grifos acrescidos).

Ao contrário do que fez o ilustre juiz sentenciante, a interpretação dessa norma não deve ficar adstrita a sua literalidade, ou seja, à exatidão gramatical do texto que nela consta, pois o seu conteúdo tem que estar em perfeita harmonia com todo o conjunto normativo, atento aos motivos que ensejaram a edição da norma e à sua finalidade, pena de se inviabilizar a existência e o funcionamento do próprio “Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza” (criado pela Lei n. 9.985/2000), o qual, diante de interpretações restritas e/ou mecânicas de suas regras, poderia tornar-se incompatível com outros microssistemas que fazem parte do nosso ordenamento jurídico.

Nesse pórtico, tem-se que o verdadeiro sentido da norma prevista no art. 11, § 1º, da Lei n. 9.985/2000 é o seguinte: o ente federativo criador do Parque Nacional, Estadual ou Municipal tem que ser o proprietário das áreas incluídas em seus limites, devendo haver a desapropriação delas caso a propriedade seja de outro titular. E qual o motivo que levou o legislador, no mesmo dispositivo legal, a exigir a desapropriação quando o ente federativo criador do Parque Nacional, Estadual ou Municipal não for o proprietário das áreas incluídas nos limites dessa Unidade de Conservação da Natureza?

Certamente é o fato de que, por ser uma Unidade de Proteção Integral (art. 8º, III, da Lei n. 9.985/2000), a sua implantação, administração, exploração, manutenção e preservação requerem a prática de atos estatais interventivos que vão além da generalidade das limitações administrativas e do caráter especial das restrições características de uma servidão administrativa.

Em outras palavras, os atos interventivos praticados pela Administração ao criar, em propriedade de outrem, um parque como Unidade de Conservação da Natureza, categoria de Unidade de Proteção Integral, nos termos da Lei n. 9.985/2000, revelam a nítida intenção do Poder Público em incorporar a referida área ao seu patrimônio, já que, longe de representarem a simples imposição de limitações ou restrições aos direitos do proprietário, impedem, por completo, que este exerça as faculdades previstas no art. 1.228 do Código Civil (uso, gozo e disposição).

A título de exemplo, cito as seguintes medidas previstas na Lei n. 9.985/2000 para a exploração, administração e preservação do Parque Nacional:

Art. 11. […]

2o A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento.

3o A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento.

[…]

Art. 27. As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo.

1o O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas.

[…]

Art. 28. São proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos.

[…]

Art. 31. É proibida a introdução nas unidades de conservação de espécies não autóctones.

[…]

Art. 32. […]

2o A realização de pesquisas científicas nas unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, depende de aprovação prévia e está sujeita à fiscalização do órgão responsável por sua administração.

[…]

Art. 33. A exploração comercial de produtos, subprodutos ou serviços obtidos ou desenvolvidos a partir dos recursos naturais, biológicos, cênicos ou culturais ou da exploração da imagem de unidade de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, dependerá de prévia autorização e sujeitará o explorador a pagamento, conforme disposto em regulamento. (grifos acrescidos)

 

Impossível imaginar a prática de tais medidas, bem como a fiscalização do cumprimento das exigências e proibições também estabelecidas no supracitado diploma legal, por quem não seja titular do imóvel em que está inserida a Unidade de Conservação da Natureza, porquanto são prerrogativas indissociáveis do exercício dos direitos atribuídos ao titular da propriedade.

Ressalte-se que o Decreto Municipal n. 25.565/2010, demais de ter alguns dos seus artigos como meras cópias de regras previstas na Lei n. 9.985/2000 (é o caso, por exemplo, dos arts. 11, § 2°, e 28, caput, da lei que foram copiados, respectivamente, pelos arts. 26, caput, e 24, I, do decreto), prevê algumas medidas para a implantação, administração e exploração do “Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro”que suprimem, completamente, os direitos (uso, gozo e disposição) da União como proprietária do imóvel em que está inserida essa Unidade de Conservação da Natureza.

Destaco, a propósito, os seguintes artigos do mencionado decreto municipal:

Art. 5º Na ZUEx[2], a ação pública tem como objetivo manter o ambiente natural com mínimo impacto humano, oferecendo acesso ao público e permitindo a implantação de equipamentos de apoio às atividades educativas e de interpretação ambiental e patrimonial, com destaque à memória do Parque das Antenas da Estação Rádio-Base Naval do Pina.

[…]

Art. 10 Na Zona de Uso Extensivo serão admitidas atividades de pesquisa, monitoramento, proteção, visitação controlada, trilhas acessíveis, sinalização, mirantes, torres de observação e pontos de descanso, não sendo permitida a comercialização de alimentos.

Art. 11 Na Zona de Uso Intensivo serão admitidas atividades de visitação e a implantação de infraestrutura de apoio, tais como:

I – unidade administrativa e de manutenção;

II – espaço de pesquisa e proteção da Unidade;

III –estacionamento;

IV – centro de visitantes;

V – equipamentos culturais;

VI – centro de educação ambiental e patrimonial;

VII – mirantes, torres de observação;

VIII – pontos de venda de souvenirs.

[…]

Art. 14 O Poder Público promoverá, gradualmente, de acordo com a legislação existente, a implantação do Parque, garantindo a instalação de unidade administrativa no local, as devidas condições de funcionamento, de segurança e de acesso ao público, além de orçamento próprio para esta Unidade de Conservação da Natureza.

Não resta qualquer dúvida de que, com a previsão dessas medidas, o município apelado publicou a sua inequívoca vontade de se apossar, de forma irreversível, de área pertencente à apelante, revelando, assim, o caráter expropriatório do decreto municipal em apreço, o qual se mostra eivado de ilegalidade, pois, ao declarar, ainda que indiretamente, a expropriação de imóvel da UNIÃO pelo MUNICÍPIO DO RECIFE –PE, contraria frontalmente o disposto no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 3.365/41, já que foi expedido sem autorização expressa, mediante decreto, da Presidência da República.

Conforme já dito alhures, o fato de não ter havido, ainda, o efetivo desapossamento da área de propriedade da UNIÃO pelo MUNICÍPIO DO RECIFE- PE, com a concretização da implantação do “Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro”, não afasta a patente ilegalidade do decreto municipal em referência, sobretudo por se tratar de ato normativo de efeitos concretos com, repita-se, finalidade expropriatória não autorizada.

Ora, caso a apelante tivesse que esperar o apelado colocar em prática as medidas expropriatórias previstas no citado decreto para, só então, suscitar a sua ilegalidade, tal pretensão, nessa ocasião, não seria de tanta utilidade, pois, certamente, já teria ocorrido a desapropriação indireta e a situação fática dela decorrente seria, muito provavelmente, irreversível. E nem seria a hipótese de se reconhecer o direito da UNIÃO à indenização por perdas e danos, pois, ainda assim, continuaria sendo violada a regra estatuída no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 3.365/41.

Não desconheço que, em caso de ameaça, turbação ou esbulho de sua posse a UNIÃO pode fazer uso das ações possessórias. Contudo, em demandas dessa natureza, onde a controvérsia deve ficar restrita à tutela da posse, eventual declaração de ilegalidade do decreto municipal em comento faria, no máximo, coisa julgada formal, o que, obviamente, não pretende a UNIÃO no presente feito, já que o pedido principal deduzido pela parte autora desta ação é a invalidação do citado ato normativo.

Ressalte-se que as Leis Municipais n. 16.176/96 e 17.511/2008 não são capazes de afastar a invalidade do Decreto Municipal n. 25.565/2010, porquanto elas se apresentam, aparentemente, contrárias à Lei Federal n. 9.985/2000, na medida em que a primeira institui Unidade de Conservação e a segunda prevê a implantação, pelo município, de projetos especiais, tudo isso em imóvel que faz parte do patrimônio federal.

Sei que algumas normas do decreto municipal em análise trazem em sua essência o sentido de preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo, diga-se de passagem, louvável a atitude do MUNICÍPIO DO RECIFE-PE de querer proteger uma área com tamanho potencial paisagístico, cultural e histórico, dotada de importante diversidade biológica e de muitos recursos naturais.

Além disso, considerando-se que a área de terra firme seca (11,95 hectares) não vem sendo, atualmente, economicamente aproveitada, representando, na verdade, tão somente um gasto de recursos financeiros (na ordem de R$ 200.000,00 por ano) e de pessoal da Marinha para a sua guarda (vide fls. 35 e 39), não deixa de ser recomendável a implantação de um parque naquela localidade como mais uma opção de lazer para os recifenses e outra maneira deles, pelo menos por alguns momentos, esquecerem a agitação e a correria que fazem parte do dia a dia de uma cidade grande e terem a sublime oportunidade de sentir de perto a tranquilidade e a beleza que a natureza pode lhes proporcionar, mormente pelo fato de que, havendo nos autos informação de que a UNIÃO está interessada em alienar o aludido imóvel (fls. 58/72), não se tem ideia do destino que poderá ser dado a ele por um eventual comprador.

Contudo, em se tratando de imóvel pertencente à UNIÃO e não se vislumbrando, no caso concreto, razões legais, e até mesmo constitucionais, capazes de justificar a supressão das faculdades de proprietária que lhe são conferidas no art. 1.228 do Código Civil, resta ao município apelado, de outras formas e nos limites de sua competência constitucional (art. 23, VI, da Constituição), bem como nos termos da legislação de regência, zelar pela proteção do meio ambiente e preservação do ecossistema na mencionada área, já que está localizada nos limites de sua circunscrição.

Acrescente-se que, sendo área que está situada em extensa região de manguezais, é ela considerada de preservação permanente, conforme estabelecem o novo Código Florestal (art. 4º, VII, da Lei Federal n. 12.651/2012), a Lei Estadual n. 11.206/1995 (art. 9º, VII) e a Lei Municipal n. 16.243/1996 (art. 75, § 1º, II), de modo que as restrições e obrigações impostas pela legislação ambiental ao direito de construir nessa área devem ser observadas não só pela UNIÃO, atual proprietária do imóvel, como por qualquer terceiro que venha a adquiri-lo, sendo do município apelado, assim como do Estado de Pernambuco e da própria UNIÃO, a competência ambiental para preservar o meio ambiente naquela localidade e atuar no sentido de impedir qualquer ato predatório ou que ponha em risco o equilíbrio natural e o ecossistema dessa zona de proteção.

Em se tratando, pois, de área de preservação permanente, qualquer ato, seja de quem for, que represente alguma ameaça à sua existência “deve respeitar as hipóteses autorizativas que estão taxativamente previstas na Lei, tendo em vista a magnitude dos interesses envolvidos de proteção ao meio ambiente”(STJ, RESP 201300076930, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJE 28/06/2013).

Ademais, “a criação de Parque Nacional não muda a essência ecológica da área em questão; autoriza sim a alteração da natureza da propriedade, ou seja, não é a criação de tal Unidade de Conservação de Proteção Integral, ou a desapropriação em si, que vai garantir proteção ao ecossistema, pois esta proteção lhe é inerente e independe da criação de qualquer Unidade de Conservação ou de qualquer formalização pelo Poder Público, sendo essencialmente pautada na concepção fática da relevância ambiental da área, seja pública ou particular”(STJ, REsp 1122909/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 07/12/2009, grifos acrescidos).

Em vista disso, urge esclarecer que a ilegalidade do Decreto Municipal n. 25.565/2010, sendo aqui reconhecida diante do seu caráter expropriatório, contrário, como se concluiu acima, ao disposto no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 3.365/41, de modo algum prejudica a incidência, na área em estudo, das restrições de uso decorrentes da legislação ambiental, como é o caso, por exemplo, do Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981), da Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979) e das leis do Estado de Pernambuco e do município apelado editadas com base na sua competência ambiental prevista na Carga Magna.

Por fim, colaciono, abaixo, alguns precedentes dos quais se extrai o mesmo raciocínio retratado nos fundamentos acima expostos:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DA IMPOSIÇÃO DE LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS. CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL XIXOVÁ-JAPUÍ. DECRETO ESTADUAL 37.536/93. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. DIREITO À INDENIZAÇÃO GARANTIDO COM FUNDAMENTO EM NORMA DE DIREITO LOCAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SÚMULA 280/STF. JUROS MORATÓRIOS. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE AO TEMPO DO TRÂNSITO EM JULGADO. ART. 15-B DO DECRETO-LEI 3.365/41, INSERIDO PELA MP 1.901- 30/99. NÃO-OCORRÊNCIA. JUROS COMPENSATÓRIOS. INCIDÊNCIA A PARTIR DA PRIVAÇÃO DO USO DA PROPRIEDADE. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DA DATA DO LAUDO.

[…]

3.O art. 3º do Decreto Estadual 37.536/93 atribuiu ao Instituto Florestal, entidade vinculada à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, a implantação, a administração e a guarda do Parque Estadual Xixová-Japuí, bem como a sua regularização e elaboração de plano de manejo. Nota-se, portanto, que a referida norma, ao contrário do que normalmente ocorre na simples imposição de limitações administrativas, impediu, por completo, o direito de usar, gozar e até mesmo de dispor do imóvel em tela.

4. A ação do Estado, no presente caso, impôs aos autores limitações mais extensas que as já existentes na legislação de proteção ao meio ambiente, terminando por aniquilar a possibilidade de exercício de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. Conquanto não tenha havido perda da posse, é nítida a privação do uso da propriedade dos autores, em decorrência da criação do Parque Estadual Xixová-Japuí.

[…] Recurso especial do ESTADO DE SÃO PAULO parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. Recurso especial de EDUARDO FERREIRA LAFRAIA e OUTROS parcialmente provido.

(STJ, RESP 200401734037, Rel. Min. DENISE ARRUDA, Primeira Turma, DJ 04/09/2006, p. 232, grifos acrescidos)

RECURSOS ESPECIAIS. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. DIREITO À INDENIZAÇÃO. PRECEDENTES. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. SÚMULA 119/STJ. Esta egrégia Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento segundo o qual “as limitações estabelecidas pela administração, ao criar os parques de preservação ambiental, configuram-se em desapropriação indireta e, consequentemente devem ser indenizadas, na medida em que atinjam o uso e gozo da propriedade” (REsp 408.172/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 24.5.2004). Na espécie, como bem asseverou o d. Ministério Público Federal, “a Administração Federal impôs, ainda que de caráter de proteção ambiental, restrições ao uso e gozo da propriedade do recorrente, restando configurados os requisitos da desapropriação indireta” (fls. 328/329). […] Recursos especiais improvidos. (STJ, RESP 200500829225, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, Segunda Turma, DJ 13/03/2006, p. 281, grifos acrescidos)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DESAPROPRIAÇÃO. CRIAÇÃO DE LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E JUSTA INDENIZAÇÃO. SÚMULA N.º 07/STJ. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. SÚMULA 119/STJ. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. CRIAÇÃO DE ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO. ESVAZIAMENTO ECONÔMICO DO DIREITO À PROPRIEDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. LEI ESTADUAL N.º 5.598, DE 06.02.1987. JUROS COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

15. In casu, a despeito de respeitáveis opiniões acerca da inexistência de efetivo apossamento administrativo da área, ao fundamento de que a Lei Paulista n.º 5.598/87, apenas, criou limitação administrativa ao uso da propriedade, a referida limitação administrativa ocasionou o esvaziamento econômico do direito de propriedade, consoante se infere da sentença às fls. 784/786, verbis: “(…) Pela Lei Estadual n. 5.598, de fevereiro de 1987, o imóvel dos autores foi incluído em ‘Área de Proteção Ambiental’, implicando com isso nas seguintes restrições: Art. 3º. Ficam proibidos, salvo quando vier a ser indicado quando da regulamentação da presente Lei: I – o parcelamento do solo para fins urbanos; II – a implantação de indústrias ou a expansão daquelas existentes; III – a realização de obras de terraplanagem e a abertura de canais que importem em sensível alteração das condições ecológicas locais; IV – o uso de técnicas de manejo do solo capazes de provocar erosão das terras ou assoreamento das coleções hídricas; V– a remoção da cobertura vegetal natural. Tais restrições são ainda mais explicitadas no Decreto 42.837/98, que a regulamentou: Art. 22. Na zona de cinturão meândrico… § 1º são vedadas novas instalações, obras ou empreendimentos: 1. Destinados a atividade industrial.; 2. Destinados a atividade minerária; 3. Destinados a necrópoles; 4. Destinados a disposição de resíduos sólidos; 5. Destinados a fins habitacionais (loteamentos); 6. Outras que, comprovadamente, comprometam o disposto no art. 2º Como se vê, as restrições são de tal ordem que inviabilizam completamente qualquer forma de exploração econômica da área, especialmente segundo a sua natural vocação em temos de realidade econômica. Isto significa que, manietada a utilidade econômica da área por força de tantas restrições, houve total esvaziamento do seu valor econômico, que se assenta no binômio escassez-utilidade. Sem o elemento utilidade o valor econômico é nenhum. Nem importa perquirir se os autores tinham planos para efetiva exploração econômica da área, bastando para ensejar o direito à indenização o fato de um bem econômico, que antes tinha valor de mercado, deixou de tê-lo porque o elemento utilidade foi completamente esvaziado por força de restrições legais baixadas pelo Estado.

[…]

(STJ, RESP 200200622956, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJ 08/03/2007, p. 160)

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. IMPLANTAÇÃO DE UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO. NECESSIDADE.

1. Para a implantação de Unidade de Conservação por parte de ente federativo, a propriedade tem de pertencer ao mesmo, sendo necessária a desapropriação do imóvel em questão.

2. Havendo caducado o decreto expropriatório, também é impossível a desapropriação por pertencer a área à União, estando afetada a interesse público. Impossibilidade, portanto, de implantar a Unidade de Conservação.

3. Apesar de União, Estados e Municípios terem o dever de proteger o meio ambiente, não se trata de imposição de que os entes federativos intervenham nas respectivas esferas de atuação uns dos outros para realizar medidas positivas.

4. Não se pode falar em responsabilidade civil, já que impossível a desapropriação e, mesmo antes, dependente a implantação da Unidade de Conservação de outros fatores, como a disponibilidade de recursos.

5. Apelações improvidas. (TRF5, AC 504235/PB, Rel. Des. Federal EDÍLSON NOBRE, Quarta Turma, julgado em 08/05/2012, DJE 10/05/2012, p. 375)

Com essas considerações, DOU PROVIMENTO à apelação para declarar, com efeitos ex tunc, a invalidade do Decreto n. 25.565/2010, expedido pelo Poder Executivo do Município do Recife/PE, e determinar que a parte apelada, sob a advertência de lhe ser aplicada multa diária de descumprimento, se abstenha de praticar qualquer medida prevista naquele ato normativo, sem prejuízo, contudo, da incidência das restrições de uso decorrentes da legislação ambiental na área pertencente à UNIÃO.

Inverto o ônus da sucumbência.

Custas ex lege.

É como voto.

 

AC Nº 580595/PE (0000959-38.2011.4.05.8300)

APTE : UNIÃO APDO : MUNICÍPIO DO RECIFE – PE ADV/PROC : TATIANA MAIA DA SILVA MARIZ e outros

ORIGEM : 7ª Vara Federal de Pernambuco (Especializada em Questões Agrárias) RELATOR : DES. FEDERAL CESAR ARTHUR CAVALCANTI DE CARVALHO (CONVOCADO):

 

EMENTA

 

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APELAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. DECRETO MUNICIPAL. IMPLANTAÇÃO DE PARQUE MUNICIPAL COMO UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA EM ÁREA PERTENCENTE À UNIÃO. SUPRESSÃO DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE (USO, GOZO E DISPOSIÇÃO). ATO NORMATIVO COM CARÁTER EXPROPRIATÓRIO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. PROVIMENTO.

1. Apelação interposta pela UNIÃO contra sentença que julgou improcedente o seu pedido de invalidação do Decreto n. 25.565, expedido pelo Poder Executivo do Município do Recife/PE, o qual declarou o “Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro”, antigo “Parque dos Manguezais”, localizado em área do imóvel conhecido como “Ex-Estação Rádio Pina”, de propriedade da parte autora, como Unidade de Conservação da Natureza, na categoria de Parque Natural Municipal, do Grupo de Proteção Integral, de acordo com a Lei Federal n. 9.985/2000.

2. Conforme interpretação teleológica e sistemática do art. 11, § 1º, da Lei n. 9.985/2000, o ente federativo criador do Parque Nacional, Estadual ou Municipal tem que ser o proprietário das áreas incluídas em seus limites, devendo haver a desapropriação delas caso a propriedade seja de outro titular.

3. Com efeito, por ser uma Unidade de Proteção Integral (art. 8ª, III, da Lei n. 9.985/2000), a implantação, administração, exploração, manutenção e preservação de um Parque Nacional, Estadual ou Municipal requerem a prática de atos estatais interventivos que vão além da generalidade das limitações administrativas e do caráter especial das restrições características de uma servidão administrativa, daí a necessidade, caso pertença a outro proprietário, de desapropriação do imóvel pela entidade federativa responsável pela implantação dessa Unidade de Conservação da Natureza.

4. O Decreto Municipal n. 25.565/2010, demais de ter alguns dos seus artigos como meras cópias de regras previstas na Lei n. 9.985/2000 (é o caso, por exemplo, dos arts. 11, § 2°, e 28, caput, da lei que foram copiados, respectivamente, pelos arts. 26, caput, e 24, I, do decreto), prevê algumas medidas para a implantação, administração e exploração do “Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro”que suprimem, completamente, os direitos (uso, gozo e disposição) da apelante como proprietária do imóvel em que está inserida essa Unidade de Conservação da Natureza.

5. De fato, com a expedição de tal ato normativo, o município apelado exteriorizou a sua inequívoca vontade de se apossar, de forma irreversível, de área pertencente à apelante, revelando, assim, o caráter expropriatório do decreto municipal em apreço, o qual se mostra eivado de ilegalidade, pois, ao declarar, ainda que indiretamente, a expropriação de imóvel da UNIÃO pelo MUNICÍPIO DO RECIFE – PE, contraria frontalmente o disposto no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 3.365/41, já que foi expedido sem autorização expressa, mediante decreto, da Presidência da República.

6. O fato de não ter havido, ainda, o efetivo desapossamento da área de propriedade da UNIÃO pelo MUNICÍPIO DO RECIFE-PE, com a concretização da implantação do “Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro”, não afasta a patente ilegalidade do decreto municipal em referência, sobretudo por se tratar de ato normativo de efeitos concretos com, repita-se, finalidade expropriatória não autorizada.

7. Ressalte-se que as Leis Municipais n. 16.176/96 e 17.511/2008 não são capazes de afastar a invalidade do Decreto Municipal n. 25.565/2010, porquanto elas se apresentam, aparentemente, contrárias ao art. 11, § 1º, da Lei n. 9.985/2000, na medida em que a primeira institui Unidade de Conservação e a segunda prevê a implantação, pelo município, de projetos especiais, tudo isso em imóvel que faz parte do patrimônio federal.

8. Não se pode perder de vista que o decreto municipal em análise, ancorando-se na Lei n. 9.985/2000, traz em sua essência normas que visam à preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo, diga-se de passagem, louvável a atitude do MUNICÍPIO DO RECIFE-PE de querer proteger uma área com tamanho potencial paisagístico, cultural e histórico e dotada de importante diversidade biológica e muitos recursos naturais.

9. Contudo, em se tratando de imóvel pertencente à UNIÃO e não se vislumbrando, no caso concreto, razões legais, e até mesmo constitucionais, capazes de justificar a supressão das faculdades de proprietária que lhe são conferidas no art. 1.228 do Código Civil, resta ao município apelado, de outras formas e nos limites de sua competência constitucional (art. 23, VI, da Constituição), bem como nos termos da legislação de regência, zelar pela proteção do meio ambiente e preservação do ecossistema na mencionada área, já que está localizada nos limites de sua circunscrição.

10. Acrescente-se que, sendo área que está situada em extensa região de manguezais, é ela considerada de preservação permanente, conforme estabelecem o novo Código Florestal (art. 4º, VII, da Lei Federal n. 12.651/2012), a Lei Estadual n. 11.206/1995 (art. 9º, VII) e a Lei Municipal n. 16.243/1996 (art. 75, § 1º, II), de modo que as restrições e obrigações impostas pela legislação ambiental ao direito de construir nessa área devem ser observadas não só pela UNIÃO, atual proprietária do imóvel, como por qualquer terceiro que venha a adquiri-lo, sendo do município apelado, assim como do Estado de Pernambuco e da própria UNIÃO, a competência ambiental para preservar o meio ambiente naquela localidade e atuar no sentido de impedir qualquer ato predatório ou que ponha em risco o equilíbrio natural e o ecossistema dessa zona de proteção.

11. Ademais, “a criação de Parque Nacional não muda a essência ecológica da área em questão; autoriza sim a alteração da natureza da propriedade, ou seja, não é a criação de tal Unidade de Conservação de Proteção Integral, ou a desapropriação em si, que vai garantir proteção ao ecossistema, pois esta proteção lhe é inerente e independe da criação de qualquer Unidade de Conservação ou de qualquer formalização pelo Poder Público, sendo essencialmente pautada na concepção fática da relevância ambiental da área, seja pública ou particular”(STJ, REsp 1122909/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 07/12/2009).

12. Apelação provida, sendo julgado procedente o pedido deduzido na inicial para declarar, com efeitos ex tunc, a invalidade do Decreto n. 25.565/2010, expedido pelo Poder Executivo do Município do Recife/PE, e determinar que a parte apelada abstenha-se de praticar qualquer medida ali prevista, sob a advertência de lhe ser aplicada multa diária em caso de descumprimento.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos do processo tombado sob o número em epígrafe, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sessão realizada nesta data, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas que integram o presente, por maioria, rejeitar a QUESTÃO DE ORDEM referente ao julgamento do recurso em observância à cláusula de reserva de plenário, vencido o em. Des. Federal LÁZARO GUIMARÃES, e, por maioria, DAR PROVIMENTO à apelação, nos termos do voto do Relator, vencido o em. Des. Federal LÁZARO GUIMARÃES.

Recife (PE), 21 de julho de 2015.

 

Desembargador Federal CESAR ARTHUR CAVALCANTI DE CARVALHO

Relator Convocado

 

[1] 1 Confira-se: STJ, REsp 1435517/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 06/05/2015.

[2] ZUEx significa “Zona de Uso Extensivo”.

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