“Um veranista que construiu irregularmente uma casa na praia da Galheta, que fica na área de preservação permanente (APP) da Baleia Franca, em Laguna (SC), vai ter que demolir o imóvel e recuperar o ambiente degradado. Na última semana, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve sentença que condenou o proprietário e a prefeitura, uma vez que ela cobrava IPTU pela ocupação.
O processo foi movido pelo Ministério Público Federal (MPF). Além da derrubada da construção e da recuperação dos problemas ambientais provocados, o MPF também requeria indenização por danos ambientais no valor de R$ 200 mil. O terreno é formado por dunas móveis e está localizado em área de Marinha.
Em sua defesa, o dono do imóvel alegou que urbanização da praia da Galheta é de longa data. Segundo ele, isso impediria a adoção de medidas individuais.
Já a prefeitura de Laguna sustentou que a autorização da edificação foi revogada por um decreto no ano de 2005. Além disso, a cobrança do imposto não significaria concordar com os estragos ambientais.
A 1ª Vara Federal da cidade deu parcial provimento ao pedido. Conforme a sentença, o proprietário e a administração municipal devem elaborar um Projeto de Recuperação de Área Degradada (PRAD) observando as exigências técnicas de órgão competentes, como o Ibama. Entretanto, a indenização foi negada, pois a reparação em dinheiro deve ter lugar apenas quando comprovada a inviabilidade técnica de recomposição da área. O proprietário e o MPF recorreram ao tribunal.
O relator do caso na 4ª turma, desembargador federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, negou os recursos. Em seu voto, ele enfatizou: ‘tenho que a sentença acertou ao determinar a demolição e a recuperação da área degradada pelo réu. Considerando a atuação do mesmo junto à APP da Baleia Franca, não vejo razões para lhe retirar a obrigação de demolição imposta acertadamente pela sentença de origem’.
Em relação ao pedido de indenização, o magistrado acrescentou: ‘não procede a apelação do MPF quanto ao pedido de cumulação da condenação de indenização à condenação de obrigação de fazer já fixada ao réu. Isso porque, embora o imóvel gere impactos ao meio ambiente, a demolição da edificação, cumulada com a implantação de PRAD, mostra-se medida suficiente para promover a completa reparação do local degradado e condenar o réu ao pagamento de indenização em dinheiro mostra-se exagerada’”.
Fonte: TRF4, 08/02/2017.
Confira a íntegra da decisão:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001314-07.2012.4.04.7216/SC
RELATOR
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LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
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APELANTE
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JOSE AIRES MAGGI COELHO
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ADVOGADO
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FERNANDO BONGIOLO
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APELANTE
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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APELADO
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MUNICÍPIO DE LAGUNA/SC
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OS MESMOS
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UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
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RELATÓRIO
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de JOSÉ AIRES MAGGI COELHO objetivando a recuperação do dano ambiental ocorrido em área de preservação permanente, na Praia da Galheta, em Laguna/SC, causado por construção de residência de veraneio, erigida em área de praia marítima, terreno de marinha, sambaqui, dunas móveis, promontório, no interior da área de proteção ambiental – APA da Baleia Franca. Requereu a demolição da construção e a recuperação da área, bem como a condenação ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados e, ante a eventual impossibilidade de completa reparação dos danos ambientais, pleiteou a condenação do réu na obrigação de pagar R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Processado o feito, sobreveio sentença (evento247 – SENT1) que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o réu e, de forma solidária e subsidiária, o Município de Laguna/SC a proceder à demolição total da edificação, recuperando o dano ambiental ocorrido na área, removendo os entulhos provenientes da demolição e implementando projeto de recuperação da área degradada (PRAD), sob pena de multa a ser definida em sede de cumprimento de sentença.
Recorre o MPF (Evento 253-RAZAPELA2) sustentando a necessidade de fixação de indenização pelos danos causados ao meio ambiente, sob pena de haver estímulo à degradação. Refere que a sentença recorrida impôs como condição ao cumprimento da sentença seu trânsito em julgado, o que deve ser afastado, pois, nesse sentido, o magistrado de origem negou vigência à execução provisória. Requer o provimento do recurso e a condenação do apelado ao pagamento de indenização pelos danos ambientais por ele causados e, cumulativamente, o afastamento do trânsito em julgado como condição para o cumprimento da sentença.
Apela o réu, JOSÉ AIRES MAGGI COELHO (evento266 – APELAÇÃO1), sustenta que o autor não se desincumbiu de seu ônus probatório, eis que não produziu provas suficientes para provar os fatos alegados. Alega que a atividade por ele desenvolvida é de baixo impacto ambiental. Aduz que a residência ali erigida não se utiliza de recursos ambientais, bem como não se apresenta como efetiva ou potencialmente poluidora, eis que se trata de residência unifamiliar, que não necessita de licenciamento ambiental. Requer a improcedência do pedido principal e a procedência parcial do pedido sucessivo, de modo que seja mantido o imóvel existente no local, e condenado o recorrente ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados, a ser arbitrado em liquidação de sentença. Alternativamente, pleiteia a improcedência dos pedidos e sua condenação e do Município de Laguna/SC na obrigação de fazer, consistente na obrigação de implantar Projeto de Regularização Fundiária de Interesse Específico. Por fim, requer a manutenção do efeito suspensivo concedido na sentença, uma vez que no caso concreto afigura-se proporcional aguardar o trânsito em julgado, pois: a demolição pode causar efeitos extremamente gravosos e irreversíveis; o recorrente adquiriu de boa-fé o imóvel, sem conhecer a proibição que incidia sobre a construção.
Com contrarrazões (Evento 275 – CONTRAZ e Evento 280 – CONTRAZAP1), vieram os autos a esta Corte para Julgamento.
O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso do réu e pelo provimento do recurso do MPF.
É o relatório.
VOTO
A sentença, no que interessa, assim decidiu:
O MPF fundamenta seu pedido na circunstância de a edificação de José Aires Maggi Coelho – imóvel de 113,12m² na Praia da Galheta, em Laguna/SC, coordenadas UTM 22 J 716075 e 6838108 – estar localizada em APP (dunas), no interior da APA da Baleia Franca, em Zona Costeira e terreno de marinha, sem autorização ou licença dos órgãos ambientais competentes.
II.1. Preliminar e denunciação à lide.
A arguição de ilegitimidade passiva foi afastada por ocasião da prolação da decisão do evento 61, enquanto os pedidos de denunciação à lide já foram apreciados na decisão do evento 37, às quais me reporto, a fim de evitar repetições desnecessárias.
II.2. Área de preservação permanente – APP.
Segundo definição de Paulo Affonso Leme Machado:
Área de preservação é a área protegida nos termos dos art.s 2º e 3º do Código Florestal, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. (Direito ambiental brasileiro. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 821).
O Código Florestal de 1934 – Decreto nº 23.793 – fazia alusão às áreas de interesse comum, enquanto o subsequente Código Florestal – Lei nº 4.771/65 – instituiu, em sua redação original, as florestas de preservação permanente. A Lei nº 6.938/81, por sua vez, criou as reservas e estações ecológicas.
O conceito legal de área de preservação permanente – APP, assim como as hipóteses de intervenção nestas áreas, foram introduzidos na Lei nº 4.771/65 pela Medida Provisória nº 2.166-67/01:
Art. 1º Os arts. 1o, 4o, 14, 16 e 44, da Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965, passam a vigorar com as seguintes redações:
[…]
Art. 1° […]
§ 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por:
[…]
II – área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
[…]
Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
§ 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo.
§ 2º A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.
§ 3º O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.
§ 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.
§ 5º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas ‘c’ e ‘f’ do art. 2o deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
§ 6º Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA.
§ 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.
O Novo Código Florestal, instituído pela Lei nº 12.651/12, assim tratou a matéria:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
[…]
II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
[…]
Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
§ 1º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
§ 2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.
§ 3º É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.
§ 4º Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das previstas nesta Lei.
Dentre as áreas definidas na legislação como de preservação permanente, importam para o presente feito as dunas.
II.2.1. Dunas.
A intenção do legislador de proteger as dunas já era demonstrada no Código Florestal instituído pelo Decreto nº 23.793/34, que em seu art. 4º, c, considerava como ‘florestas protectoras’, de conservação perene (art. 8º), as que serviam para fixar dunas.
Por sua vez, assim dispunha a Lei nº 4.771/65:
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
[…]
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
[…]
Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:
[…]
b) a fixar as dunas;
[…].
O Novo Código Florestal – Lei nº 12.651/12 – define como área de preservação permanente:
Art. 4o […]
VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
[…].
Art. 6o Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades:
[…]
II – proteger as restingas ou veredas;
[…].
Apesar dos citados dispositivos legais citarem a vegetação fixadora de dunas, a Resolução nº 303/02 do CONAMA, em vigor, apresentou o conceito de duna (art. 2º, X) e considerou como APP, além da restinga, a própria duna (art. 3º, XI), sem exigir a existência de vegetação fixadora:
Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:
[…]
X – duna: unidade geomorfológica de constituição predominante arenosa, com aparência de cômoro ou colina, produzida pela ação dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo estar recoberta, ou não, por vegetação;
[…]
Art. 3o Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:
[…]
IX – nas restingas:
a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;
b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues;
[…]
XI – em duna;
[…].
Como já decidiu o STJ, não é apenas a vegetação fixadora de dunas que merece proteção ambiental, interpretação esta que se coaduna ao conceito legal de APP, como área, coberta ou não por vegetação, com função de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e o solo:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OFENSA AOS ARTS. 128, 131, 458, INC. II, 515, 516 E 535 DO CPC. NÃO-CONFIGURAÇÃO. AGRAVO RETIDO. PERÍCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284/STF. LOTEAMENTO IRREGULAR. AUSÊNCIA DE LICENÇA. CONSTRUÇÃO SOBRE DUNAS. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. […] 5. Não prospera a alegação de que apenas a vegetação fixadora de dunas merece proteção ambiental. A vegetação deve ser resguardada também, pois esta, evidentemente, tem a função de proteger as dunas. No entanto, o bem maior tratado aqui é a proteção ambiental que deve ser dada às dunas, como escopo final, as quais, portanto, estão englobadas no objetivo de proteção da norma. Precedentes. […] (REsp 1069155/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 03/02/2011).
A respeito da extensão do poder regulamentar do CONAMA e da validade das disposições do aludido ato normativo, decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mutatis mutandis:
ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. ÁREA ENQUADRADA COMO DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. […]. É legal a previsão do art. 3º, IX, ‘a’ da Resolução CONAMA 303/2002, porquanto inserido no poder regulamentar do órgão e adequada ao sistema de proteção ao meio ambiente, devendo ser interpretada em sintonia com a legislação que lhe dá amparo. Remessa oficial provida, apelo do IBAMA prejudicado. (TRF4, APELREEX 5001131-94.2011.404.7208, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Loraci Flores de Lima, D.E. 21/06/2012).
É elucidativo o seguinte trecho do Voto condutor desse julgado, que tratou da Resolução nº 303/02 do CONAMA:
[…] Frise-se, desde já, que a norma não padece de qualquer ilegalidade, ao contrário do que pugnado na sentença, vez que inserida no poder regulamentar do órgão competente. Não se há de falar em excesso da resolução quando comparada com o diploma legal que lhe deu origem, porquanto o ato normativo não desborda dos limites da regra legal, mas apenas lhe explicita os contornos e regula a previsão contida no art. 2º, ‘f’ do Código Florestal. E, nesse ponto, legitimado para tanto está o CONAMA.
[…]
Assim, dentro dos limites legais a resolução CONAMA, vez que editada dentro das atribuições regulamentadoras que detém o órgão.
A questão ambiental ganhou com a Constituição de 1988 tutela especial, cuja eficiência depende da atuação dos órgãos que compõem o Sistema Nacional do Meio Ambiente, como organizado pela Lei nº 6.938/81.
A manutenção da tarefa regulatória exclusivamente no Poder Legislativo suprimiria a celeridade, a avaliação técnica qualificada e a ênfase para as peculiaridades de cada região de um país de proporções continentais, condicionantes estes de influência vital na atividade regulamentar. Incompatíveis, diga-se de passagem, com o processo legislativo […].
Na mesma linha:
PROCESSUAL CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. OBRA EMBARGADA PELO IBAMA, COM FUNDAMENTO NA RESOLUÇÃO DO CONAMA N. 303/2002. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXCESSO REGULAMENTAR. NÃO-OCORRÊNCIA. ART. 2º, ALÍNEA ‘F’, DO CÓDIGO FLORESTAL NÃO-VIOLADO. LOCAL DA ÁREA EMBARGADA. PRETENSÃO DE ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO. 1. O fundamento jurídico da impetração repousa na ilegalidade da Resolução do Conama n. 303/2002, a qual não teria legitimidade jurídica para prever restrição ao direito de propriedade, como aquele que delimita como área de preservação permanente a faixa de 300 metros medidos a partir da linha de preamar máxima. 2. Pelo exame da legislação que regula a matéria (Leis 6.938/81 e 4.771/65), verifica-se que possui o Conama autorização legal para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recursos naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente, não havendo o que se falar em excesso regulamentar. 3. Assim, dentro do contexto fático delineado no acórdão recorrido, e, ainda, com fundamento no que dispõe a Lei n. 6.938/81 e o artigo 2º, ‘f’, da Lei n. 4.771/65, devidamente regulamentada pela Resolução Conama n. 303/2002, é inafastável a conclusão a que chegou o Tribunal de origem, no sentido de que os limites traçados pela norma regulamentadora para a construção em áreas de preservação ambiental devem ser obedecidos. 4. É incontroverso nos autos que as construções sub judice foram implementadas em área de restinga, bem como que a distância das edificações está em desacordo com a regulamentação da Resolução Conama n. 303/2002. Para se aferir se o embargo à área em comento se deu apenas em razão de sua vegetação restinga ou se, além disso, visou à proteção da fixação de dunas e mangues, revela-se indispensável a reapreciação do conjunto probatório existente no processo, o que é vedado em sede de recurso especial em virtude do preceituado na Súmula n. 7, desta Corte. 5. Recurso especial não-conhecido. (STJ, REsp 994.881/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 09/09/2009).
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. MULTA. CERCEAMENTO DE DEFESA E NULIDADE DA CDA. NÃO OCORRÊNCIA. CONSTRUÇÃO EM TERRENO DE MARINHA E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ART. 3º, IX, A, DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 303/2002. LEGALIDADE. […] 2. É legal a previsão do art. 3º, IX, a, da Resolução CONAMA nº 303/2002, pois decorrente do poder regulamentar do órgão e componente do sistema de proteção ao meio ambiente, sendo imperativa sua interpretação em harmonia com a legislação em que se baseia. 3. Sentença mantida. (TRF4, AC 5000390-63.2011.404.7108, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 16/05/2014).
A proteção às dunas também é prevista no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, podendo servir de critério para a definição dos limites das praias marítimas, hipótese em que também são consideradas bens da União de uso comum, nos termos dos arts. 3º, I, e 10, caput e §§ 1º e 3º, ambos da Lei nº 7.661/88, e art. 23, II, do Decreto nº 5.300/04:
Art. 3º. O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:
I – recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas (grifei);
[…].
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
[…]
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema (grifei).
[…].
Art. 23. Os limites da orla marítima ficam estabelecidos de acordo com os seguintes critérios:
[…]
II – terrestre: cinqüenta metros em áreas urbanizadas ou duzentos metros em áreas não urbanizadas, demarcados na direção do continente a partir da linha de preamar ou do limite final de ecossistemas, tais como as caracterizadas por feições de praias, dunas, áreas de escarpas, falésias, costões rochosos, restingas, manguezais, marismas, lagunas, estuários, canais ou braços de mar, quando existentes, onde estão situados os terrenos de marinha e seus acrescidos (grifei).
As dunas móveis, assim como as praias marítimas, são consideradas bens da União de uso comum e não podem sofrer intervenção sem prévio licenciamento ambiental, nos termos do art. 18 do Decreto nº 5.300/04:
Art. 18. A instalação de equipamentos e o uso de veículos automotores, em dunas móveis, ficarão sujeitos ao prévio licenciamento ambiental, que deverá considerar os efeitos dessas obras ou atividades sobre a dinâmica do sistema dunar, bem como à autorização da Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão quanto à utilização da área de bem de uso comum do povo.
Por fim, o art. 129, § 2º, XIII, da Lei Orgânica do Município de Laguna, reputa como APP’s não edificáveis as praias e dunas que as margeiam:
Art. 129. […]
§ 2º.Constituem áreas de preservação permanente do Município não edificante, salvo quando para instalação de empreendimentos turísticos e parques temáticos, que incentivem a educação ambiental, e sua utilização far-se-á na forma da Lei,dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais: (modificado pela emenda L.O.M. Nº002/02)
XIII – as praias e as dunas que as margeiam;
[…].
Frisa-se que tal previsão existe desde a redação original da Lei Orgânica, já que a Emenda LOM nº 002/02 alterou apenas a redação do caput do parágrafo segundo, e não seus incisos.
Portanto, dunas constituem áreas de preservação permanente.
II.3. Área de proteção ambiental – APA da Baleia Franca.
O art. 225 da Constituição Federal impõe ao Poder Público o dever de preservar e defender o meio ambiente, ao qual incumbe, dentre outras medidas:
[…] definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (inc. III).
Esse dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei nº 9.985/00, que, no art. 2º, I, definiu como unidade de conservação o:
[…] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
A conservação da natureza, por sua vez, entende-se, conforme inciso II daquele artigo, pelo:
[…] manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral.A área de proteção ambiental foi estabelecida pela citada Lei como unidade de uso sustentável (art. 14, I), considerada como:
[…] área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
A APA da Baleia Franca foi criada pelo Decreto Federal sem número de 14/09/00, com a finalidade de proteger, em águas brasileiras, a baleia franca austral, ordenar e garantir o uso racional dos recursos naturais da região, ordenar a ocupação e utilização do solo e das águas, ordenar o uso turístico e recreativo, as atividades de pesquisa e o tráfego local de embarcações e aeronaves (art. 1º).
Nos termos do art. 3º do citado ato normativo, na área de proteção ambiental, ficam sujeitas à regulamentação específica dos órgãos competentes, dentre outras, as atividades de implantação ou alteração de estruturas físicas e atividades econômicas na faixa de marinha e no espaço marinho (inciso V), implantação de projetos de urbanização, novos loteamentos e a expansão daqueles já existentes (inciso VI) e implantação ou execução de qualquer atividade potencialmente degradadora do ambiente (inciso XI).
Por fim, o art. 4º dispõe que na APA, ‘[…] deverão ser adotadas medidas para recuperação de áreas degradadas, proteção da vegetação fixadora de dunas e melhoria das condições de disposições e tratamento de efluentes e lixo’.
Retira-se, pois, da Constituição Federal e da legislação que a regulamenta, que o Poder Público tem o dever de instituir unidades de conservação, às quais será dispensado um regime especial de proteção, e de zelar pela preservação ambiental dessas áreas protegidas. Se as atividades ou edificações provocam degradação ecológica e comprometem a integridade dos atributos que justificaram sua proteção, é dever das autoridades competentes atuar para impedir, mitigar e recuperar os danos ambientais ocasionados.
Na lição de José Afonso da Silva acerca do disposto no art. 225 da Constituição Federal:
Espaços territoriais e seus componentes, sem sentido ecológico, referem-se, na verdade, a ecossistemas. Se são dignos de proteção especial é porque são áreas representativas de ecossistemas. Sua definição, como tais, pelo Poder Público lhes confere um regime jurídico especial quanto à modificabilidade e quanto à fruição […]. Quer constituam bens de propriedade privada, quer bens de domínio público, ficam eles sujeitos a um regime jurídico de interesse público, pela relevância dos atributos naturais de que se revestem, postulando proteção especial (in Direito Ambiental Constitucional. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 237).
Desse modo, é necessária autorização do órgão gestor da APA – no caso em tela, o ICMBio – para a intervenção em seu interior, nos termos do art. 36, §3º, da Lei nº 9.985/00, c/c art. 30 do Decreto Federal n° 4.340/02, autorização esta que não se confunde com o licenciamento ambiental em si e, por este motivo, é exigida mesmo para a edificação de residências unifamiliares. A ausência de elaboração do Plano de Manejo da APA da Baleia Franca, por sua vez, não dispensa a necessidade da autorização, que decorre dos citados atos normativos.
Assim, o uso e manutenção de edificação em desconformidade com os objetivos da área de proteção ambiental podem ensejar a ação do Poder Público e a demolição da edificação.
II.4. Terrenos de marinha.
A Constituição Federal enumera como bens da União os terrenos de marinha e seus acrescidos (art. 20, VII).
O Decreto-Lei nº 9.760/46 assim dispõe:
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Sobre a ocupação de terrenos de marinha que contenham APP ou área de uso comum do povo, dispõe a Lei nº 9.636/98:
Art. 9º É vedada a inscrição de ocupações que:
[…]
II – estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo, de segurança nacional, de preservação ambiental ou necessárias à preservação dos ecossistemas naturais e de implantação de programas ou ações de regularização fundiária de interesse social ou habitacionais das reservas indígenas, das áreas ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, das vias federais de comunicação e das áreas reservadas para construção de hidrelétricas ou congêneres, ressalvados os casos especiais autorizados na forma da lei. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007).
Como se vê, a ocupação é proibida expressamente pela legislação, que veda a inscrição pela Secretaria de Patrimônio da União – SPU de ocupações em áreas de preservação permanente ou áreas de uso comum do povo.
Situada a edificação em bem da União e APP, é impositiva sua remoção. Nessa linha:
AÇÃO ORDINÁRIA. DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM TERRENO DE MARINHA SOBRE FAIXA DE PRAIA E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DA OBRA. NECESSIDADE. GARANTIA DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. Constatada a abusividade na exploração irregular do terreno de marinha, mediante a construção de casa de veraneio e benfeitorias à beira do mar, em área de preservação permanente, ao arrepio da lei, e da Constituição Federal, em prejuízo ao meio ambiente e, por consequência, ao direito da coletividade, deve ser promovida a demolição da obra, sendo que o custo, inclusive da retirada e disposição dos entulhos deverão correr às expensas dos demandados. (TRF4, AC 5000217-51.2011.404.7201, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz Leiria, juntado aos autos em 30/03/2012).
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PRODUÇÃO DE PROVAS. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. EXPLORAÇÃO DE QUIOSQUES EM PRAIA E TERRENO DE MARINHA. DANO AMBIENTAL. Não há falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento de prova pericial quando a parte interessada deixa de recorrer oportunamente da decisão que lhe foi desfavorável. O fato de ter o Município autorizado o uso das áreas de marinha e de praia não confere qualquer direito aos autorizatários. Não pode legislar sobre a forma de utilização de bem que pertence à União, salvo se para isso autorizado expressamente. Demonstrado o dano ambiental às áreas protegidas, a possibilidade de compatibilizar o interesse social na exploração sustentável dos quiosques exige a redução e adequação destes ao tipo de terreno em que se localizam, reduzindo os efeitos danosos ao meio ambiente costeiro. (TRF4, AC 1999.72.08.006654-0, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 21/09/2009).
II.5. Zona Costeira.
A Constituição Federal, em seu art. 225, § 4º, assim dispõe:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
[…]
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
O Decreto nº 5.300/04, que regulamenta a Lei nº 7.661/88, apresenta a definição de Zona Costeira:
Art. 3o A zona costeira brasileira, considerada patrimônio nacional pela Constituição de 1988, corresponde ao espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e uma faixa terrestre, com os seguintes limites:
I – faixa marítima: espaço que se estende por doze milhas náuticas, medido a partir das linhas de base, compreendendo, dessa forma, a totalidade do mar territorial;
II – faixa terrestre: espaço compreendido pelos limites dos Municípios que sofrem influência direta dos fenômenos ocorrentes na zona costeira.
Quanto à preservação da Zona Costeira, a Lei nº 7.661/88 instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro:
Art. 2º. Subordinando-se aos princípios e tendo em vista os objetivos genéricos da PNMA, fixados respectivamente nos arts. 2º e 4º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, o PNGC visará especificamente a orientar a utilização nacional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei, considera-se Zona Costeira o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definida pelo Plano.
Art. 3º. O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:
I – recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas;
II – sítios ecológicos de relevância cultural e demais unidades naturais de preservação permanente;
III – monumentos que integrem o patrimônio natural, histórico, paleontológico, espeleológico, arqueológico, étnico, cultural e paisagístico.
Há na citada Lei, ainda, expressa disposição acerca das intervenções na Zona Costeira e o respeito às normas referentes ao licenciamento ambiental e ao gerenciamento costeiro:
Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.
§ 1º. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei.
§ 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei.
II.6. Responsabilidade civil por danos ambientais.
A responsabilidade civil por danos ao meio ambiente encontra respaldo no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, que recepcionou o regime da responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, previsto no art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81:
§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Portanto, constituem elementos da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente:
a) a existência de ato comissivo ou omissivo, caracterizado por uma conduta humana positiva ou negativa que dê causa ao evento danoso;
b) dano ao meio ambiente; e
c) nexo causal entre o ato comissivo ou omissivo e o dano.
A responsabilidade objetiva em matéria ambiental restou albergada, ainda, pelo art. 7º da Lei nº 7.661/88, que dispõe sobre a Zona Costeira, e pelo art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.651/12 – Novo Código Florestal, e decorre dos princípios do poluidor-pagador, da prevenção e da precaução. Assim é o entendimento do STJ:
DANO AMBIENTAL. CORTE DE ÁRVORES NATIVAS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. 1. Controvérsia adstrita à legalidade da imposição de multa, por danos causados ao meio ambiente, com respaldo na responsabilidade objetiva, consubstanciada no corte de árvores nativas. 2. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) adotou a sistemática da responsabilidade civil objetiva (art.14, parágrafo 1º.) e foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante e impertinente a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de indenizar. 3. A adoção pela lei da responsabilidade civil objetiva, significou apreciável avanço no combate a devastação do meio ambiente, uma vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao ambiente. Assim sendo, para que se observe a obrigatoriedade da reparação do dano é suficiente, apenas, que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano. 4. O art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81 prevê expressamente o dever do poluidor ou predador de recuperar e/ou indenizar os danos causados, além de possibilitar o reconhecimento da responsabilidade, repise-se, objetiva, do poluidor em indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente ou aos terceiros afetados por sua atividade, como dito, independentemente da existência de culpa, consoante se infere do art. 14, § 1º, da citada lei. […] (REsp 578.797/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2004, DJ 20/09/2004 p. 196).
Além disso, a obrigação de recompor o meio degradado é propter rem, inerente à função socioambiental da propriedade, de modo que acompanha o imóvel e pode ser exigida dos adquirentes posteriores, ainda que não tenham sido autores da lesão ecológica.
O Novo Código Florestal, no seu art. 2º, § 2º, positivou este entendimento, ao determinar que ‘As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural’.
Colhe-se da jurisprudência:
[…] 2. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse, independente do fato de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental. Casos em que não há falar em culpa ou nexo causal como determinantes do dever de recuperar a área de preservação permanente. […] (STJ, AgRg no REsp 1367968/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 12/03/2014).
[…] A responsabilidade pela reparação do dano ambiental constitui obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário a reparação por danos causados pelos proprietários antigos. Precedentes do STJ. 4. Impõe-se, na hipótese, a aplicação dos princípios do ‘poluidor-pagador’ e do ‘usuário-pagador’, previstos no art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/1981, segundo o qual cabe ao poluidor e ao predador a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, a contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. 5. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. (TRF4, AC 0004811-27.2006.404.7216, Quarta Turma, Relator Luís Alberto D’azevedo Aurvalle, D.E. 02/04/2014).
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. TERRENOS DE MARINHA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA AGRAVANTE ADQUIRENTE DO TERRENO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DESCABIMENTO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. Improvimento do agravo de instrumento. (TRF4, AG 5002696-81.2014.404.0000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 27/03/2014)
Também em se tratando de dano decorrente da omissão do Poder Público, a responsabilidade é objetiva e o ente é solidariamente responsável pela reparação do dano, já que também é considerado poluidor, nos termos do art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81:
Art 3º -Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
[…]
IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
[…].
Para fins de eventual demolição e recuperação do dano ambiental, haverá distinção entre o causador direto do dano – geralmente o particular – e o Poder Público somente na fase da execução da sentença, pois, a partir daí, a responsabilização do Poder Público será subsidiária, acionando-se primeiro os diretamente responsáveis pelos danos.
Essa foi a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 107.1741-8:
AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. […] 13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa. 14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência). 15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil). 16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas – substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados. 17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial. 18. Recurso Especial provido. (STJ, REsp 1071741/SP, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, DJe 16/12/2010).
No mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
APELAÇÃO CÍVEL. ACÃO CIVIL. PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. AREA ATERRADA EM MANGUEZAL. RECUPERAÇÃO. RESPONSABILIDADE DOS RÉUS E DO MUNICÍPIO, DE FORMA SOLIDÁRIA E SUBSIDIARUANENTE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL. PRESCINDIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. […] 7. O Município de Palhoça, assim, é responsável tanto por não ter agido para evitar ou coibir o dano, omitindo-se em seu dever de fiscalizar mesmo quanto à obediência da lei municipal, como por sua conduta ativa em instalar serviços públicos (ou permitir a instalação) em área considerada de preservação permanente. 8. Também em se tratando de dano decorrente da omissão do Poder Público, a responsabilidade continua a ser objetiva, de acordo com grande parte da doutrina (Machado, Mancuso e Milaré), e o ente é considerado poluidor, em face do que dispõe o artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/81 [‘a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental’]. 9. A diferença de tratamento, entre os particulares e o Estado, para efeito de responsabilização, no caso do pedido de demolição e recuperação do dano, será sentida somente na fase da execução da sentença, pois, a partir daí, a responsabilização será subsidiária, visto que em primeiro lugar serão acionados os diretamente responsáveis pelos danos, geralmente os particulares. Essa foi a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 107.1741-8, em voto do Ministro do Herman Benjamin10. Sentença mantida. (TRF4, AC 5006274-20.2013.404.7200, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 22/05/2014).
Portanto, em relação ao Poder Público, a responsabilidade será solidária, em razão da indivisibilidade do dano ambiental, e subsidiária na execução, após o causador direto do dano, a fim de evitar que o Poder Público e, em consequência, a própria coletividade, acabe sempre arcando com os ônus dos danos provocados por particulares.
II.7. Reparação do dano ambiental.
A obrigação de reparação do dano ambiental foi expressamente estabelecida pelo art. 14 da Lei nº 6.938/81:
Art 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
[…]
§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Verificada a lesão ao meio ambiente, sua reconstrução às condições originais é adequada à vocação do Direito Ambiental, que prioriza medidas preventivas, reparatórias e compensatórias, em lugar da mera indenização pelos danos ocasionados.
Por outro lado, ainda que possível a cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar pelas agressões ao meio ambiente, a indenização em dinheiro pelo dano ambiental deve ter lugar apenas quando comprovada a inviabilidade técnica de recomposição da área e o retorno ao status quo ante, apresentando cunho subsidiário.
Na dicção de Hugo Nigro Mazzilli:
[…] Pelo mesmo dano, não se há de condenar o réu à sua reparação integral e também à sua indenização pecuniária’ (in A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural e outros interesses. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 119).
Sobre o tema, dispõe o art. 84, §1º, da Lei nº 8.078/90, que compõe o microssistema das ações coletivas:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
Portanto, a cumulação só se justifica quando há a necessidade de complementação, por eventual insuficiência das demais condenações, e em razão das peculiaridades do caso concreto. Colhe-se da jurisprudência:
ADMINISTRATIVO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO. RESPONSABILIDADE. RECUPERAÇÃO AMBIENTAL. PRAD. INDENIZAÇÃO. VERBA HONORÁRIA. 1. Mantém-se sentença que determinou a recuperação da área degradada, segundo PRAD a ser elaborado, de acordo com a prova pericial, devendo ser excluída da condenação a indenização a título de danos morais coletivos. 2. Ainda que o princípio da reparação total se aplique ao dano ambiental, de tal maneira que a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado seja compatível com a indenização pecuniária por eventuais prejuízos, até sua restauração plena, há de se estabelecer que, se houver restauração imediata e completa do bem lesado, em regra, não se fala em indenização. 3. Mantida a sentença nos seus ulteriores termos, inclusive no que diz com a verba sucumbencial, porquanto a ora apelante decaiu de parte considerável do pedido. (TRF4, AC 5000152-81.2010.404.7204 Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 23/10/2014).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DO MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. DESNECESSIDADE DE CONDENAÇÃO DE INDENIZAÇÃO NO CASO EM APREÇO. 1. A demolição de edificação em Área de Preservação Permanente é medida adequada a cessar a agressão ao meio ambiente. 2. Presentes os elementos caracterizadores da responsabilidade civil por dano ambiental, impõe-se a condenação da parte ré à reparação do dano por meio de apresentação de PRAD ao IBAMA em prazo de 90 dias, a contar da presente decisão, pois – considerado o transcurso de tempo – resta inviabilizada a determinação de contagem de prazo desde a sentença. 3. Ainda que possível a cumulação da obrigação de fazer, consistente na recuperação do dano ambiental in natura, com a condenação ao pagamento de indenização, nos termos do art. 3º da Lei 7.347/85, diante da ausência de demonstração de ocorrência de outros prejuízos e, tendo sido determinada a recuperação da área, a partir de projeto de recuperação de área degradada (PRAD), descabida a condenação ao pagamento de indenização. (TRF4, AC 5000237-21.2011.404.7208, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 29/08/2013).
Por certo, o desfazimento de obra e a recuperação ambiental, por si só, já se revelam suficientemente gravosos, razão pela qual, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a fixação cumulativa de pena pecuniária como forma de indenização complementar somente é cabível em casos excepcionais, ante a impossibilidade de recuperação da área ou as peculiaridades do caso concreto.
Quanto ao termo inicial para execução de eventual sentença condenatória, conquanto, pelo art. 14 da Lei nº 7.347/85, à apelação não seja agregado necessariamente o efeito suspensivo, figura-se proporcional, quando ausente a urgência no cumprimento da medida, aguardar o trânsito em julgado, pois a demolição ostenta efeitos extremamente gravosos e irreversíveis. Como decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é:
[…] razoável que o cumprimento da ordem de demolição ocorra depois do trânsito em julgado uma vez que não há urgência que torne necessária a realização neste momento (TRF4, AC 5004663-34.2010.404.7201, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Fábio Vitório Mattiello, juntado aos autos em 21/02/2014).
II.8. Caso concreto.
No caso dos autos, José Aires Maggi Coelho mantém imóvel de 113,12m² na Praia da Galheta, em Laguna/SC.
O Auto de Infração nº 034777-B e o respectivo Relatório de Fiscalização – Parte II, lavrados pelo ICMBio (evento 1, PROCADM2, fls. 2 e 7-10), demonstram que o imóvel está localizado no interior da APA da Baleia Franca, em área de preservação permanente de dunas e terreno de marinha, apesar de não contar com a autorização do órgão ambiental competente.
O Laudo Técnico nº 115/2005 – DITEC-GEREX/SC-IBAMA (evento 57, ANEXO2), produzido para instruir o processo de inscrição de ocupação de terreno de marinha para o imóvel objeto da lide, corrobora as informações acima referidas, destacando que o imóvel se encontra em área de preservação permanente formada por campo de dunas móveis, que também é bem da União de uso comum, por integrar e servir de limite à praia marítima do local. O laudo ainda refere que o imóvel está em terreno de marinha no qual a ocupação é vedada, tanto por constituir APP, como pelo fato de integrar a praia marítima, bem de uso comum do povo.
Com base nas conclusões do laudo acima referido, o pedido de inscrição da ocupação de terreno de marinha formulado por José Aires Maggi Coelho foi indeferido pela Secretaria de Patrimônio da União, órgão competente para a definição dos limites dos terrenos de marinha (evento 51, PET1, fls. 2-3).
Imagens da edificação, de sua localização e da Praia da Galheta (evento 1, INIC1, fls. 2-3 e 14; PROCADM3, fls. 3, 7-9 e 15-16; PROCADM5, fl. 5; evento 36, INIC2, fl. 13; evento 52, PROCADM2, fl. 8; evento 79, PROMOÇÃO1, fls. 3-5; evento 244, ALEGAÇÕES5, fl. 2) facilitam a compreensão dos fatos e demonstram que o imóvel da parte ré está sobre a área de dunas frontais da praia sul da Galheta, que é separada da praia norte pelo promontório conhecido como Cabo de Santa Marta Pequeno, formação geológica rochosa que avança em direção ao mar. Resta nítido, ainda, que as dunas sobre as quais foi edificado o imóvel integram e servem de limite à praia marítima do local, razão pela qual também constituem bens da União de uso comum, nos termos do art. 10, caput e § 3º, da Lei nº 7.661/88.
De acordo com o Relatório de Fiscalização – Parte I – Ocorrência nº 004/2012, lavrado pelo ICMBio (evento 1, PROCADM2, fls. 5-6), a Informação Técnica nº 23/2011 – APA da Baleia Franca (evento 1, PROCADM13), o Parecer Técnico nº 477/2011 da FATMA (evento 1, PROCADM4), e o Parecer Técnico emitido pela FATMA à Fundação Rasgamar (evento 1, PROCADM11), o campo de dunas da Praia da Galheta, onde inserido o imóvel da parte ré, constitui área de preservação permanente integrante da APA da Baleia Franca, cercado por praias marítimas, áreas de banhado, restinga e o promontório do Cabo de Santa Marta Pequeno, além de aquífero utilizado para fornecimento de água potável à população.
Colhe-se dos citados documentos que a ocupação desordenada do local, por edificações que não possuem autorização dos órgãos ambientais competentes, trouxe consequências negativas para o meio ambiente, com comprometimento da biota, dos recursos naturais, da paisagem cênica e da estabilidade do ecossistema da Zona Costeira, ambiente dinâmico e sensível a alterações, tanto naturais como antrópicas.
Outrossim, as já referidas imagens da Praia da Galheta acostadas aos autos demonstram não se tratar de área densamente urbanizada, ainda que apresente alguns equipamentos de infraestrutura urbana implantados. Observa-se que o local é cercado por dunas, restinga e banhado, por onde se dá o acesso às casas edificadas sobre dunas, a maioria – como, inclusive, a objeto da lide – sem aterramento, demonstrando que não houve total descaracterização da paisagem natural em razão das ocupações irregulares.
A manutenção das características naturais do entorno das edificações pode ser atribuída à sazonalidade da ocupação, já que a grande maioria das edificações, assim como a da parte ré, serve apenas como casa de veraneio.
Não bastasse isso, é fato notório na região (arts. 334, I, e 335, ambos do CPC), também consignado na Informação Técnica nº 23/2011 – APA da Baleia Franca (evento 1, PROCADM13), que o acesso à Praia da Galheta e às edificações lá existentes se dá por precário caminho entre as dunas móveis que cercam o local, que em razão da natural movimentação da areia pela ação dos ventos, muitas vezes exige a utilização de veículos com tração nas quatro rodas. Logo, a manutenção das edificações naquele local proporciona severos prejuízos decorrentes da passagem de veículos pelas dunas e pela própria margem da praia, onde o recuo do mar muitas vezes proporciona um piso mais firme para o deslocamento dos veículos.
Portanto, restou amplamente demonstrado através de documentos produzidos por órgãos ambientais a partir de procedimentos administrativos, que gozam de presunção de legitimidade, que o imóvel da parte ré se encontra sobre dunas, APP segundo a legislação federal e municipal, non aedificandi conforme ambas.
A prova técnica apresentada pela parte ré (evento 19, LAU1 a LAU8), por sua vez, apresenta entendimento isolado acerca da inexistência de área de preservação permanente no local, nitidamente calcado em interpretação restritiva da legislação ambiental aplicável, e contrária ao princípio da supremacia do interesse público na proteção do meio ambiente em relação aos interesses privados, não possuindo o condão de desconstituir a farta comprovação da intervenção do imóvel em área de preservação permanente.
Ou seja, a construção do imóvel objeto da lide foi realizada ao arrepio da legislação, em dunas móveis que definem os limites da praia marítima no local, consideradas bens da União de uso comum do povo, que, por este fato, não podem ser objeto de ocupação, nos termos do art. 10, caput e §§ 1º e 3º, da Lei nº 7.661/88.
Como já demonstrado em tópico específico, o Decreto nº 23.793/34 e a Lei nº 4.771/65 (em sua redação original) já conferiam proteção às dunas como áreas de conservação perene/preservação permanente, nas quais era proibida a edificação, mens legis que ficou ainda mais evidente com a previsão expressa no art. 3º, XI, da Resolução nº 303/02 do CONAMA. Na legislação municipal, a área é considerada APP não edificável desde o ano 2000, quando editada a Lei Orgânica do Município de Laguna, como já referido.
Não bastasse isso, a metragem indicada no Alvará de Licença nº 103/2004 (79,80m² em 2004 – evento 19, ALV14 e OUT18), comparada à informada no Auto de Infração nº 034777-B (113,12m² em 2012 – evento 1, PROCADM2, fl. 2), demonstram que a edificação foi ampliada ao longo do tempo sem qualquer autorização dos órgãos ambientais, causando dano ambiental tanto pelas próprias obras em si, como pela ampliação da área construída em APP. Após a criação da APA da Baleia Franca, se fazia indispensável a autorização daquela Unidade de Conservação para qualquer intervenção no local, como já referido em tópico específico.
Ainda, como já destacado, o imóvel está inserido em terreno de marinha (evento 51), sendo sua ocupação vedada pelo fato de se tratar de área de preservação permanente e praia marítima, bem da União de uso comum. Ainda que não estivesse em terreno de marinha, é importante frisar que a impossibilidade de manutenção do imóvel naquele local se dá por se tratar de área de preservação permanente – para cuja caracterização não importa se tratar ou não de área da União – e praia marítima, bem de uso comum do povo.
Impõe-se, portanto, reconhecer o total descaso com o meio ambiente e sua preservação. Por certo, o fato não é isolado e não se verifica apenas nesta região, onde as ocupações geralmente iniciam com poucas casas que se multiplicam rapidamente. Tal fato, no entanto, não impede a adoção de medidas que busquem a recuperação de áreas degradadas, como no caso em tela.
Importante mencionar, também, que a existência de outras residências na Praia da Galheta – várias já objeto de Ações Civis Públicas – não elide a obrigação da parte ré de preservar o meio ambiente, nem impede a ação protetiva dos órgãos competentes e a aplicação das medidas necessárias à reparação dos danos ambientais causados.
A responsabilidade de José Aires Maggi Coelho se verifica pelo fato de ostentar a atual condição de proprietário do imóvel, já que a obrigação de reparar o meio ambiente degradado é propter rem e acompanha o bem.
O Município de Laguna, por sua vez, consentiu com a ocupação irregular, desordenada e ecologicamente lesiva da Praia da Galheta, em afronta, inclusive, à própria Lei Orgânica, sendo omisso no dever constitucional de preservação ambiental da praia e das dunas que a margeiam, área de preservação permanente prevista em sua própria legislação.
Não bastasse isso, o Município de Laguna buscou regularizar várias edificações na Praia da Galheta – dentre elas, a objeto da lide – através da concessão de alvarás de licença (evento 19, ALV14 e OUT18) com base na Lei Municipal nº 1.041/04, que foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina nos autos da ADIn nº 2004.027883-2, através de acórdão com efeito ex tunc, mantido pelo STF (RE 636719), justamente por representar tentativa de regularização de edificações que infringiam normas ambientais e de uso do solo:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 1.041/04, DO MUNICÍPIO DE LAGUNA, QUE DISPÕE SOBRE O SOLO DA ORLA MARÍTIMA, TRANSFORMANDO ZONA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM RESIDENCIAL. VEDAÇÃO EXPRESSA EM LEGISLAÇÃO ANTERIOR. MALFERIMENTO DOS ARTS. 141, INCISO I, ALÍNEA ‘D’ E 182, INCISO I, DA CARTA ESTADUAL, BEM ASSIM DO ART. 25 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO BARRIGA VERDE. INCONSTITUCIONALIDADE EVIDENTE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ‘(…) Incide em inconstitucionalidade Lei de município, situado na orla marítima, que institui normas e diretrizes menos restritivas que as existentes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como sobre a utilização de imóveis no âmbito de seu território. Possuindo a Assembléia Catarinense competência legislativa concorrente e não tendo a União estabelecido princípios gerais, era plena a competência do Estado para dispor, como o fez, através do artigo 25 do ADCT, fixando norma geral protetora da natureza, do solo, do meio ambiente, do patrimônio turístico e paisagístico. Assuntos, a toda evidência, de interesse regional’ (ADIN n. 88.077667-1, da Capital, rel. designado Des. Amaral e Silva). (TJSC, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2004.027883-2, da Capital, rel. Des. Sérgio Paladino, j. 15-10-2008, grifei).
Após o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade acima referida, o Município de Laguna revogou os alvarás expedidos com base na Lei Municipal nº 1.041/04 através do Decreto Municipal nº 1537/05 (evento 45, OUT2), o que, todavia, não tem o condão de afastar a responsabilidade do Município de Laguna, que, inclusive, realizou nova tentativa de regularização das ocupações ilegais da Praia da Galheta por meio do art. 39, § 3º, da Lei nº 1.658/13, que instituiu o novo Plano Diretor do Município.
Todavia, mais uma vez, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina fulminou esta tentativa na apreciação da ADIn nº 2014.034935-2:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 39, CAPUT, §§ 2º E 3º, E 45 CAPUT, §§ 1º E 3º DA LEI N.1.658/2013, DO MUNICÍPIO DE LAGUNA, QUE DISPÕE SOBRE ZONEAMENTO, USO E OCUPAÇÃO DO SOLO MUNICIPAL. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DA PROMOTORA DE JUSTIÇA, AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL, VÍCIO FORMAL E DE LITISPENDÊNCIA. REJEITADAS. NORMATIVO QUE PERMITE A OCUPAÇÃO DE ÁREA CLASSIFICADA POR LEGISLAÇÃO ANTERIOR COMO DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO AMBIENTAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO ENCARTADO NA INICIAL (TJSC, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2014.034935-2, de Laguna, rel. Des. Lédio Rosa de Andrade, j. 19-11-2014, grifei).
De qualquer sorte, é irrelevante, para fins ambientais, eventual definição da área como urbana em legislação de zoneamento municipal, ou alvarás fornecidos em desrespeito à legislação ambiental, exatamente por atenderem a fins e fundamentos diversos da proteção ao meio ambiente.
Até porque, como estabelece o art. 4º da Lei nº 12.651/12, as áreas ali arroladas são consideradas como de preservação permanente, estejam elas em zonas rurais ou urbanas. Do mesmo modo, o § 10 do citado artigo, em que pese, no caso de áreas urbanas, exigir a observância dos Planos Diretores e Leis Municipais de Uso do Solo, é expresso em afirmar que não resta prejudicado o disposto nos incisos do caput.
A propósito, é adequada a observação de Ana Maria Moreira Marchesan:
O Município pode e deve legislar em matéria de zoneamento urbano-ambiental, mas jamais para reduzir a proteção já alcançada pela lei federal ou estadual. Se, no exercício da sua competência concorrente e suplementar, resolver enfrentar o tema das áreas de preservação permanente em meio urbano, não poderá trabalhar com limites e definições menos protetivos que os já eleitos pela Lei 4.771 de 1965 (in Áreas de ‘Degradação Permanente’, Escassez e Riscos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 38, p. 23, jul. 2005).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se manifestou sobre a questão, nos seguintes termos:
Aos Municípios, é verdade, compete promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, inciso VIII, CR/88). Mencionada competência, porém, está adstrita a suplementar, no que lhe couber, àquela do âmbito dos demais entes políticos (inciso II). Todavia, atuando na seara legislativa em caráter suplementar aos demais entes políticos, se, por um lado, o Município pode estabelecer mecanismos de ampliação daquela proteção estabelecida pelo Código Florestal, tida como mínima, por outro, é-lhe vedado restringi-las, em atropelo aos lindes da competência legislativa que lhe são assegurados (AC 5014449-22.2012.404.7205, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 30/01/2014).
Ou seja, o alvará de licença para regularização do imóvel e o habite-se concedidos pelo Município de Laguna, assim como o pagamento de tributos municipais (evento 19, ALV14, OUT18, OUT19 e OUT20), não são suficientes para legitimar a ocupação perpetrada em desacordo com a legislação ambiental. Tais fatos, apesar de retirarem eventual dolo da conduta do proprietário do imóvel, não substituem a autorização ou licença dos órgãos ambientais competentes, razão pela qual não afastam a irregularidade ambiental da edificação.
Nesse ponto, vale destacar que as certidões de ocupações de terrenos de marinha (CERTNEG1) e o parecer da FATMA (OUT4) anexados ao evento 221 não dizem respeito ao imóvel objeto da lide, que jamais contou com a anuência da Secretaria de Patrimônio da União ou de qualquer órgão ambiental. Do mesmo modo, a existência de imóveis matriculados no Registro de Imóveis, o reconhecimento judicial de usucapião de terreno no local ou pretérita implantação de loteamento aprovado pela municipalidade também não possuem o condão de legitimar a ocupação perpetrada pela parte ré, em desacordo com a legislação ambiental.
Sucede que a tolerância de alguns órgãos públicos não gera direito adquirido a permanecer o imóvel em situação irregular, nem imuniza o proprietário da obrigação de recompor o meio ambiente degradado, pois o interesse particular não prevalece sobre a obrigação constitucional de tutela do meio ambiente.
Por certo, se foram autorizadas ocupações de terreno de marinha em APP ou foram concedidos pareceres favoráveis à manutenção de edificações sobre dunas, tais fatos se deram ao arrepio da lei e não permitem a continuidade da degradação ambiental, principalmente pelo fato de não se tratar de área urbana consolidada. A Praia da Galheta ainda guarda muitas de suas características naturais, como já referido, que podem desaparecer caso as edificações sejam mantidas e novas sejam construídas.
A esse respeito, são copiosos os precedentes no sentido da inexistência de direito adquirido à degradação ambiental, bem assim que eventual fato consumado não afasta a ilegalidade da situação, nem impede a remoção de construção, se a lei já considerava o local como área de preservação permanente desde a primeira edificação.
Conforme já asseverou o Min. Herman de Benjamin:
[…] décadas de uso ilícito da propriedade não dão salvo-conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente’ (STJ, REsp. 948921/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin).
Existe, na legislação e jurisprudência, certa tolerância com ocupação de áreas de preservação permanente em situações excepcionais, quando se tratar de comunidades tradicionais radicadas no local, envolver o direito à moradia, área urbana consolidada, atividades de interesse social, utilidade pública ou baixo impacto ambiental.
Não é o caso, porém, dos autos, que versa sobre imóvel construído sobre dunas, sem qualquer autorização dos órgãos ambientais, em área não urbanizada, utilizado exclusivamente para veraneio e que não se enquadra nas hipóteses legais de intervenção em APP.
E mesmo que o imóvel constituísse a residência da parte ré, o direito à moradia deveria ser exercido com respeito ao ordenamento jurídico, em especial às normas de proteção ao meio ambiente, valor igualmente protegido pela Constituição Federal.
Aliás, o direito difuso de proteção ao meio ambiente se estende à própria parte ré e a todos os demais cidadãos, razão pela qual a recuperação da área degradada é medida que se impõe.
Colhe-se da jurisprudência:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APP E ÁREA DE MANGUEZAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÃO DE RECOMPOR O MEIO AMBIENTE DEGRADADO. DIREITO DE MORADIA EM CONFRONTO COM O DIREITO À PROTEÇÃO AMBIENTAL. 1. A responsabilidade civil por danos ao meio ambiente encontra respaldo no art. 225, § 3º da Constituição Federal, que recepcionou o regime da responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, prevista pela Lei n. 6.938/81, art. 14, § 1º. Restou albergada também pelo art. 7º da Lei n. 7661/88, que dispôs sobre a zona costeira; pelo art. 2º, § 1º do Novo Código Florestal, e decorre dos princípios do poluidor-pagador, da prevenção e precaução. 2. A região na qual o réu construiu a casa é qualificada como terreno Área de Proteção Permanente. Além disso, por situar-se na região litorânea, propicia a formação da vegetação conhecida como manguezal, objeto de especial proteção. Restou comprovado que o local em que construído o imóvel, objeto da lide, trata-se de Área de Preservação Permanente, tal como disciplina o Código Florestal, demonstrando a necessidade de preservação e sua influência no equilíbrio do sistema lá existente. 3. A degradação ambiental resta comprovada nos autos. 4. Sopesando o direito à propriedade e a proteção do meio ambiente, em se tratando de construções que podem ocasionar dano a esse, imperioso fazer-se valer o princípio da precaução. 5. Apelação a que se nega provimento. (TRF4, AC 5017972-57.2012.404.7200, Quarta Turma, Relatora Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 27/08/2015).
AGRAVO LEGAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO AMBIENTAL. EXPLORAÇÃO INDEVIDA DE TERRENO DE MARINHA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DA MORADIA E BENFEITORIAS ERIGIDAS. NECESSIDADE. GARANTIA DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR A ÁREA VIOLADA. Constatada a abusividade na exploração do terreno de marinha, mediante a construção de casa de veraneio e benfeitorias à beira do mar, em área de preservação permanente, ao arrepio da lei, e da Constituição Federal, em prejuízo ao meio ambiente e, por consequência, ao direito da coletividade, cumpre aos titulares da posse promover a demolição da moradia, às suas expensas, bem como recuperar a área de preservação permanente violada, sob a supervisão dos órgãos ambientais competentes. (TRF4, AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001715-20.2004.404.7201, 3ª Turma, Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, POR UNANIMIDADE, D.E. 18/04/2011).
A ausência de consulta aos órgãos ambientais para a construção e ampliação do imóvel esvazia a alegação de ausência de informação e educação quanto à impossibilidade de edificação no local. Ainda que assim não fosse, tal fato não justifica o desrespeito à legislação, com a perpetuação da indevida ocupação da Praia da Galheta por edificações erigidas em APP, em atenção exclusiva aos interesses individuais e ao lazer dos que lá possuem imóveis.
Aliás, a invocação, pela parte ré, da proteção ao ser humano, da função social da propriedade, do desenvolvimento econômico sustentável, do direito à educação ambiental e do equilíbrio entre o meio ambiente natural, artificial e cultural, contraria sua própria pretensão de manutenção da edificação em área de preservação permanente, que visa atender exclusivamente seus interesses, em detrimento aos da coletividade.
Portanto, por se tratar de imóvel edificado sobre dunas, em área de preservação permanente, tenho que os réus devem ser condenados à reparação do meio ambiente, alterado no local em desrespeito à legislação ambiental.
Nesse sentido, a fim de minimizar os impactos ambientais gerados pela ocupação desorganizada do local, sobretudo pelo efeito de adensamento, revela-se necessária a demolição da edificação e recuperação do meio ambiente, cabendo aos órgãos competentes agir em relação aos demais imóveis do entorno.
Isso porque a manutenção do imóvel no local, que jamais contou com qualquer autorização dos órgãos ambientais, é suficiente para caracterizar o dano ao meio ambiente, ante a ilegal alteração das características naturais do local, que impõe o dever de reparação calcado na responsabilidade civil objetiva, independentemente de dolo.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em processos que tratavam de edificações na Praia da Galheta, manteve as sentenças que determinaram a demolição dos imóveis, conforme demonstram as ementas a seguir:
PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO IRREGULAR. DANO AMBIENTAL. RECUPERAÇÃO IN NATURA. CUMULAÇÃO COM INDENIZAÇÃO. 1. Constatado por equipe técnica especializada que a área em que se encontra a edificação é qualificada como de preservação permanente, não há como deixar de aplicar as disposições normativas pertinentes: Lei n. 4.771/65 (antigo Código Florestal), Resolução n. 303/2002, do CONAMA, e Lei n. 12.651/2012 (novo Código Florestal). 2. Verificada a ocorrência de dano ambiental e existindo a possibilidade de recuperação da área degradada, é pertinente a ordem de demolição de edificação erigida irregularmente, sem a licença do órgão competente. 3. Se a recuperação in natura é suficiente para a recomposição do meio ambiente afetado, não há razão para impor, cumulativamente, o dever de indenizar em pecúnia o dano perpetrado pelo infrator. (TRF4, AC 5001527-13.2012.404.7216, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 04/12/2015).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÕES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – PRAIA DE LAGUNA/SC. DANOS AMBIENTAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – DEMOLIÇÃO DA CONTRUÇÃO – ELABORAÇÃO DO PRAD E RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. RECURSO DE APELAÇÃO DA PARTE RÉ. DESERÇÃO. ARTIGO 511 DO CPC. JUSTO IMPEDIMENTO NÃO DEMONSTRADO. INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. CABIMENTO. PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO MPF. ARBITRAMENTO DE QUANTUM INDENIZATÓRIO. […] (TRF4, AC 5000375-90.2013.404.7216, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 04/12/2014).
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE MARINHA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA. 1. Além de configurar terreno de marinha, a área em que está situada a construção localiza-se em Zona de Preservação Permanente (ZPP) prevista na Lei Orgânica do Município de Laguna/SC, consoante informado pela Administração Municipal. 2. As praias são bens públicos de uso comum, isto é, de utilização comum pela coletividade, devendo seu acesso ser garantido a todos e não podem ser objeto de apropriação privada, mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. 3. A apropriação e transformação da praia para interesses meramente individuais, vai em sentido diametralmente oposto à destinação comum dada pelo legislador, devendo essa atitude ser coibida pelas vias competentes, impedindo que um bem dessa natureza seja modificado a bel prazer de alguns, que acreditam que possuem direito exclusivo sobre ele. 4. Sob este prisma exsurge inarredável a necessária ingerência do Judiciário sobre o mundo fático. Ocorre que, num mundo como o atual, onde cada vez mais, os problemas ambientais vêm degradando a qualidade de vida, todos têm responsabilidades a assumir e o Poder Judiciário, uma vez provocado, deve fazer prevalecer os postulados constitucionais e a lei, voltando-se para uma interpretação comprometida com essa realidade, para a melhoria do ecossistema. 5. Impõe-se a demolição da construção irregular e condenação do réu em proceder à completa reparação da área. (TRF4, AC 5002077-08.2012.404.7216, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 07/11/2014).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. VÍCIO DE CONGRUÊNCIA. NÃO VERIFICAÇÃO. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. VIABILIDADE. COMPROVAÇÃO DO DANO. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. DEMOLIÇÃO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. IMPERTINÊNCIA CASUÍSTICA DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO. 1. Não há vício de congruência na hipótese em que a sentença tenha observado os estreitos limites da pretensão autoral, atentando-se para a cumulação própria de pedidos. 2. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento segundo o qual, em ações civis públicas relativas a danos ambientais, afigura-se legítima, aprioristicamente, a cumulação dos pedidos de reparação do dano, de recomposição da área afetada e de indenização pelos danos já causados ao meio ambiente. 3. Constatado por equipe técnica especializada que a área em que se encontra a edificação especificada pelo Ministério Público Federal é qualificada como de Preservação Permanente, não há como deixar de aplicar as disposições normativas pertinentes, vale dizer: Lei n. 4.771/65 (antigo Código Florestal), Resolução n. 303/2002, do CONAMA, e Lei n. 12.651/2012 (novo Código Florestal). 4. Verificada a ocorrência do dano ambiental e constatada a possibilidade de recuperação da área degradada (Área de Preservação Permanente), pertinente se apresenta a ordem de demolição da edificação. 5. O fato de o requerido ter adquirido a propriedade já edificada em nada altera o contexto jurídico, uma vez que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados por proprietários antigos. 6. Ainda que o princípio da reparação total se aplique ao dano ambiental, de tal maneira que a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado seja compatível com a indenização pecuniária por eventuais prejuízos, até sua restauração plena, há de se estabelecer que, se houver restauração imediata e completa do bem lesado, em regra, não se fala em indenização. 7. Apelação parcialmente provida. (TRF4, AC 5001383-39.2012.404.7216, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 08/05/2014).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS AMBIENTAIS. CONSTRUÇÃO. CITAÇÃO DO CÔNJUGE. DESNECESSIDADE. COMPETÊNCIA. CERCEAMENTE DO DEFESA. INEXISTÊNCIA. ÁREA DE RESTINGA. TERRENO DE MARINHA. 1. Desnecessária a citação do cônjuge em ação civil pública que versa sobre responsabilidade por danos ambientais, decorrentes da construção de uma casa réu em área non edificandi, e não sobre direito real imobiliário. 2. Tendo a União protocolado petição requerendo a intervenção no feito na qualidade de litisconsorte ativo e a sentença admitido a intervenção respectiva na qualidade de assistente, ressaltando que, nos termos do artigo 50 do Código de Processo Civil, receberia o processo no estado em que se encontrava, justifica-se o processo e julgamento da demanda na Justiça Federal. 3. Contestada a ação apenas após a prolação da sentença, apesar de devidamente citado o réu, mostra-se indevido o argumento de que não teria sido oportunizada a produção de prova, eis que o próprio réu deixou de promover a reclamada perícia durante a instrução do processo. 4. Conjunto probatório que demonstra estar a construção localizada na Praia da Galheta, no Município de Laguna/SC, em área de restinga, de praia marítima, de uso comum do povo e que constitui terreno de marinha. (TRF4, AC 2002.72.07.008761-4, Quarta Turma, Relator Sérgio Renato Tejada Garcia, D.E. 21/09/2009).
DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE MARINHA. ZONA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA. 1. Além de configurar terreno de marinha, a área em que está situada a construção localiza-se em Zona de Preservação Permanente (ZPP) prevista na Lei Orgânica do Município de Laguna/SC, consoante informado pela Administração Municipal. 2. Embora prática temerária da Administração, a ausência de resposta aos pedidos efetuados pelo requerido junto do Serviço de Patrimônio da União, em face das normas citadas, cujos preceitos, sem sombra de dúvida são cogentes, não tem o condão de possibilitar ao particular que se apodere do bem, utilizando segundo seus próprios interesses. 3. As praias são bens públicos de uso comum, isto é, de utilização comum pela coletividade, devendo seu acesso ser garantido a todos e não podem ser objeto de apropriação privada, mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. 4. A apropriação e transformação da praia para interesses meramente individuais, vai em sentido diametralmente oposto à destinação comum dada pelo legislador, devendo essa atitude ser coibida pelas vias competentes, impedindo que um bem dessa natureza seja modificado a bel prazer de alguns, que acreditam que possuem direito exclusivo sobre ele. 5. Sob este prisma exsurge inarredável a necessária ingerência do Judiciário sobre o mundo fático. Ocorre que, num mundo como o atual, onde cada vez mais, os problemas ambientais vêm degradando a qualidade de vida, todos têm responsabilidades a assumir e o Poder Judiciário, uma vez provocado, deve fazer prevalecer os postulados constitucionais e a lei, voltando-se para uma interpretação comprometida com essa realidade, para a melhoria do ecossistema. 6. Impõe-se a demolição da construção irregular (imóvel de alvenaria) e condenação do réu em proceder à completa reparação da área, através da remoção dos detritos, bem como pela plantação da vegetação característica do local. (TRF4, AC 2002.72.07.008762-6, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 27/08/2007).
Consequentemente, devem ser atribuídas aos réus as obrigações de proceder ou custear a demolição da edificação, remoção dos entulhos provenientes da demolição e a restauração do meio ambiente degradado, através da implementação de PRAD. A demolição da edificação e a remoção dos entulhos são apontadas pela Informação Técnica nº 23/2011 – APA da Baleia Franca (evento 1, PROCADM13) como indispensáveis para a recuperação dos danos ambientais causados pelas edificações do local.
Em consequência, não há que se falar em aplicação de medida mitigadora ou regularização fundiária da Praia da Galheta, já que tais medidas em nada contribuiriam para a recuperação da área degradada, mantendo a indevida intervenção antrópica na área.
Ante a possibilidade de total reparação do dano ambiental, expressamente referida pelo Relatório de Fiscalização nº 034777-B – Parte II (evento 1, PROCADM2, fls. 7-10) e pela Informação Técnica nº 23/2011 – APA da Baleia Franca (evento 1, PROCADM13), e não havendo nenhum elemento de prova que indique a existência de danos irreversíveis, não se mostra adequada a condenação da parte ré no pagamento de indenização, ainda que subsidiariamente, nos termos da fundamentação supra.
III. DISPOSITIVO.
Ante o exposto, RATIFICO a decisão liminar e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar José Aires Maggi Coelho e, de forma solidária e subsidiariamente, o Município de Laguna, nos termos da fundamentação, a proceder ou custear:
a) a demolição total da edificação especificada na exordial e remoção dos entulhos; e
b) a recuperação total do dano ambiental causado à área especificada na exordial, por meio do pertinente Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD, observadas as exigências técnicas do órgão competente, a fim de que a área retorne ao status quo ante.
Da apelação do réu
Em matéria ambiental, o cerne da tutela jurídica é a prevenção ou a mais completa mitigação dos danos ocasionados, visto que estes afetam toda a coletividade e comprometem a própria existência das futuras gerações. Trata-se de respeito ao princípio da precaução, norteador do Direito ambiental, segundo o qual se deve evitar riscos potenciais e sempre tentar prevenir a degradação ambiental, objetivando-se manter o equilíbrio do ecossistema.
O dano ambiental que ora se analisa está suficientemente provado.
Em se tratando de Áreas de proteção, a rigor não se admite ou é restrita a ação humana interventora, devendo se destinar exclusiva ou majoritariamente à manutenção do meio ambiente intocado. O objetivo dessas áreas de proteção, como se sabe, é a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora e do solo, bem como assegurar o bem-estar das populações humanas.
Ademais, é cediço que, em se tratando de edificação erigida em área de proteção ocupada em desacordo com as normas jurídicas da espécie, impõe-se ao poluidor e aos demais responsáveis pela atividade causadora de degradação ambiental a obrigação de reparar e ou indenizar os danos causados, nos termos do artigo 225, § 3º, da Constituição Federal e dos artigos 4º, VII e 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81.
A reparação pode demandar, inclusive, a demolição da obra irregularmente edificada, conforme determina o artigo 72, VIII, da Lei n. 9.605/98, pois, somente desta forma se atinge a completa restauração e recuperação da área degradada.
Em casos análogos envolvendo residências edificadas na Praia da Galheta, em Laguna/SC, esta Corte reconheceu a necessidade de demolição da obra, com a posterior recuperação do meio ambiente lesado:
PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO IRREGULAR. DANO AMBIENTAL. RECUPERAÇÃO IN NATURA. CUMULAÇÃO COM INDENIZAÇÃO. 1. Constatado por equipe técnica especializada que a área em que se encontra a edificação é qualificada como de preservação permanente, não há como deixar de aplicar as disposições normativas pertinentes: Lei n. 4.771/65 (antigo Código Florestal), Resolução n. 303/2002, do CONAMA, e Lei n. 12.651/2012 (novo Código Florestal). 2. Verificada a ocorrência de dano ambiental e existindo a possibilidade de recuperação da área degradada, é pertinente a ordem de demolição de edificação erigida irregularmente, sem a licença do órgão competente. 3. Se a recuperação in natura é suficiente para a recomposição do meio ambiente afetado, não há razão para impor, cumulativamente, o dever de indenizar em pecúnia o dano perpetrado pelo infrator. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001527-13.2012.404.7216, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 04/12/2015)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE RESIDÊNCIA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRÓXIMO À UNIDADE DE CONSERVAÇÃO FEDERAL – APA BALEIA FRANCA. A prova técnica produzida pela Polícia Federal, que é prova produzida segundo as regras do processo penal, é válida e capaz para embasar uma condenação cível. Ainda que a ocupação seja antiga, isso não justifica sua manutenção, especialmente considerando que não houve regularização da área ocupada e que as construções não foram autorizadas. Em sendo suficiente a análise feita pela perícia para dar conta de que se trata de ocupação irregular, com comprometimento ao ecossistema local, e não sendo produzida prova em contrário, ônus que incumbia à parte ré, impõe-se a procedência da ação e o desprovimento da apelação. (TRF4, 4ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL nº 5001280-32.2012.404.7216, Rel. Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/03/2015)
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE MARINHA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA. 1. Além de configurar terreno de marinha, a área em que está situada a construção localiza-se em Zona de Preservação Permanente (ZPP) prevista na Lei Orgânica do Município de Laguna/SC, consoante informado pela Administração Municipal. 2. As praias são bens públicos de uso comum, isto é, de utilização comum pela coletividade, devendo seu acesso ser garantido a todos e não podem ser objeto de apropriação privada, mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. 3. A apropriação e transformação da praia para interesses meramente individuais, vai em sentido diametralmente oposto à destinação comum dada pelo legislador, devendo essa atitude ser coibida pelas vias competentes, impedindo que um bem dessa natureza seja modificado a bel prazer de alguns, que acreditam que possuem direito exclusivo sobre ele. 4. Sob este prisma exsurge inarredável a necessária ingerência do Judiciário sobre o mundo fático. Ocorre que, num mundo como o atual, onde cada vez mais, os problemas ambientais vêm degradando a qualidade de vida, todos têm responsabilidades a assumir e o Poder Judiciário, uma vez provocado, deve fazer prevalecer os postulados constitucionais e a lei, voltando-se para uma interpretação comprometida com essa realidade, para a melhoria do ecossistema. 5. Impõe-se a demolição da construção irregular e condenação do réu em proceder à completa reparação da área. (TRF4, AC 5002077-08.2012.404.7216, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 07/11/2014)
Considerando o local da edificação, correta, portanto, a sentença que condenou o réu à demolição da edificação situada em área praia marítima, terreno de marninha, sambaqui, dunas móveis, promontório, no interior da área de proteção ambiental – APA da Baleia Franca.
A tese suscitada pelo réu, de que adquiriu de boa-fé o imóvel, sem conhecer a proibição que incidia sobre a construção, igualmente não prospera.
Isso porque as obrigações em matéria ambiental são de natureza propter rem: isto é, em se tratando de degradação ambiental responde o novo adquirente, pois a obrigação de respeito às normas protetivas do meio ambiente se transfere ao novo proprietário.
Nesse sentido:
A obrigação de recompor o meio degradado tem natureza propter rem, ou seja, é inerente à função socioambiental da propriedade, de modo que acompanha o imóvel e pode ser exigida dos adquirentes posteriores, ainda que não tenham sido autores da lesão ecológica (STJ, AgRg no REsp nº 1.367.968/SP, Ministro HUMBERTO MARTINS, 2ª Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 12/03/2014).
Diante de hipótese de obrigação propter rem, é desnecessário que seja apontado se o réu adquiriu o imóvel de boa-fé, ou se tinha ou não conhecimento dos impedimentos ambientais que envolviam a área, pois, neste caso, a informação é irrelevante para a responsabilização.
De aí, tenho que a sentença andou bem ao determinar a demolição e a recuperação da área degradada pelo réu. Considerando a atuação do mesmo junto à APA da Baleia Franca, não vejo razões para lhe retirar a obrigação de demolição imposta acertadamente pela sentença de origem.
Da apelação do MPF
Sustenta o MPF a necessidade de arbitramento de condenação indenizatória. Requer o afastamento da condição do trânsito em julgado da sentença para que a mesma seja cumprida, sob pena de violação à execução provisória.
Em matéria ambiental, o cerne da tutela jurídica é a prevenção ou a mais completa mitigação dos danos ocasionados, visto que estes afetam toda coletividade e comprometem a própria existência das futuras gerações. Trata-se de respeito ao princípio da precaução, norteador do Direito ambiental, segundo o qual se devem evitar riscos potenciais e sempre tentar prevenir a degradação ambiental, objetivando-se manter o equilíbrio do ecossistema.
Ainda que a Constituição Federal imponha a toda a coletividade o dever de preservar e proteger o meio ambiente, devem ser considerados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para a aplicação da responsabilidade civil ambiental.
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade norteiam a responsabilidade civil e determinam que a reparação da conduta lesiva causada ao meio ambiente deve ser proporcional ao dano gerado, atentando para um critério razoável que, de um lado, não deixe o degradador/poluidor com a sensação de impunidade, mas que também não seja causa de ruína do mesmo.
Assim, não procede a apelação do MPF quanto ao pedido de cumulação da condenação de indenização à condenação de obrigação de fazer já fixada ao réu. Isso porque, embora o imóvel gere impactos ao meio ambiente, a demolição da edificação, cumulada com a implantação de PRAD, mostra-se medida suficiente para promover a completa reparação do local degradado e condenar o réu ao pagamento de indenização pecuniária mostra-se irrazoável.
É firme na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, comprovada a ocorrência de dano ambiental, a adoção de procedimentos, visando à integral recuperação da área degradada, não exime de responsabilidade o degradador do meio ambiente, sendo admissível a cumulação de obrigação de fazer e eventual indenização pelo dano ainda remanescente (Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, REsp nº 904.324/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJe 27/05/2009).
A cumulação de sanções, em atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, somente justifica-se quando insuficiente a reparação in natura do meio ambiente, o que inocorre na espécie. Nesse sentido:
DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. ELEMENTOS. CUMULAÇÃO ENTRE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAR. POSSIBILIDADE. DESCABIMENTO NO CASO.
1. A responsabilidade civil por dano ambiental dispensa a existência de dolo ou culpa, exigindo a presença dos seguintes elementos: conduta (ação ou omissão), dano ao meio ambiente e nexo causal entre ambos.
2. Comprovada a edificação de rancho em área de preservação permanente, com lançamento de resíduos diretamente nas águas do Rio Iguaçu, sem anuência da autoridade competente e com violação às normas de regência da matéria.
3. Embora não haja óbice para a cumulação da obrigação de fazer, consistente na reparação do dano, e a de indenizar (STJ, REsp 625.249/PR, Primeira Turma, Relator Luiz Fux, DJ 31/08/2006, p. 203), no caso dos autos a condenação dos réus na retirada do rancho, remoção do entulho e respectiva recuperação da área, somada ao custeio da divulgação da sentença, atende plenamente aos objetivos perseguidos na ação, mostrando-se proporcional ao ilícito flagrado. (TRF4, Apelação/Reexame Necessário nº 0001015-63.2008.404.7214/SC, Relatora Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, julgamento em 16/02/2011, publicação em 23/02/2011)
Há que se priorizar a aplicação do princípio da reparação in natura, sendo, assim, excepcional a conversão da obrigação de fazer – recuperar a área degradada, nesse caso, por meio da demolição da obra de reforma – em obrigação de pagar indenização ao patrimônio ecológico.
Nesse sentido e em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, entendo que seria desproporcional condenar o réu a pagar indenização por danos ao patrimônio ecológico, tendo em vista que já terá que arcar com os custos provenientes da demolição e da retirada dos entulhos dela originados, de modo a possibilitar a mais completa recuperação do meio ambiente degradado.
Por fim, não vejo razões para alterar o trato sentencial que determina o trânsito em julgado da ação para o cumprimento da obrigação de fazer por parte do réu. Nestes termos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AMBIENTAL. COMPLEMENTAÇÃO DO PRAD APÓS A SENTENÇA. OFENSA À COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. Não configura ofensa à coisa julgada a determinação de complementação do Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD após o trânsito em julgado da sentença, uma vez que os aspectos técnicos do Projeto não foram objeto de apreciação pelo Juízo a quo, o qual delegou expressamente à esfera administrativa os ajustes e a fiscalização do cumprimento do Projeto, sempre com observância do seu fim principal, a completa recuperação do ambiente degradado. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5009921-89.2013.404.0000, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 20/02/2014)
AÇÃO CIVIL PÚBICA. REPARAÇÃO AMBIENTAL DE ÁREA SITUADA ENTRE A MARGEM DA LAGOA DO CAPRI E A RUA BLANDINA STEINER BECKHAUSER. BALNEÁRIO DO CAPRI. OCUPAÇÃO IRREGULAR PELOS PROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL SITUADO IMEDIATAMENTE A FRENTE. NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO POR OMISSÃO PELO DANO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO DOS RÉUS AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE – AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO DO TRAPICHE E DA RAMPA DE ACESSO A EMBARCAÇÕES. ASTREINTES. PRAZO PARA IMPLEMENTAÇÃO DO PRAD – 90 DIAS. 1. Afastada a alegação de nulidade da sentença, seja por ausência de fundamentação, seja por não considerá-la decisão extra petita. 2. Em se tratando de ação civil pública para proteção ao meio ambiente, a relação entre pedido e sentença deve ser vista com prudência, a fim de que seja possível alcançar o objetivo maior de efetiva tutela jurisdicional de reparação do dano ambiental da forma mais eficaz e mais justa possível. 3. A responsabilidade da União deriva da omissão que se caracterizou quando, no passado, a Capitania dos Portos avaliou o loteamento e, mesmo sabendo das irregularidades, limitou-se a não expedir autorização; e quando a SPU de Santa Catarina não autorizou a ocupação ou aforamento da área. Não foi providenciada fiscalização da área. Nada foi feito para impedir ou paralisar os eventos que se sucederam na área degradada. 4. O particular deve responder pelas intervenções realizadas na área situada em frente à sua residência porque delas tira proveito na sua rotina, havendo provas de sua intenção de usufruto exclusivo do local, dando continuidade às intervenções no local, impedindo o restabelecimento ao seu estado natural e, consequentemente, perpetuando o dano ambiental. 5. É razoável que a análise da utilidade pública e do interesse social na manutenção do trapiche e da rampa de acesso a embarcações ocorra no âmbito administrativo e não diretamente pelo Judiciário neste momento, considerando que (i) se trata de obra considerada por lei como de baixo impacto ambiental passível de licenciamento; (ii) a Lagoa do Capri tem essa característica de ser utilizada para tráfego de embarcações (iates); (iii) não se está a autorizar de pronto a permanência destas estruturas no imóvel em questão, mas possibilitando que tais construções sejam avaliadas pela autoridade administrativa competente, que conhece bem a região e a quem incumbe uma análise mais criteriosa sobre as reais condições dessas benfeitorias a saber se atendem às normas ambientais e ao interesse social local. 6. Não tem cabimento a condenação ao pagamento de indenização porque não se apresenta necessária para solucionar o caso concreto em que os danos que podem ser imputados aos réus desta ação foram considerados pelos técnicos como passíveis de reversão. 7. A fixação de multa para o caso de descumprimento da obrigação encontra amparo no art. 461, §5º, do Código de Processo Civil e deve ser prestigiada essa previsão legal inclusive quando se tratar de imposição à Fazenda Pública (posicionamento atual do STJ e deste TRF). 8. O fato de ter sido fixado em até 90 dias a contar do trânsito em julgado da sentença não representa invasão da competência de admissibilidade dos recursos e definição dos seus efeitos, que ocorrerão independentemente do prazo fixado. É razoável que o cumprimento do plano de recuperação ocorra depois do trânsito em julgado uma vez que não há urgência que torne necessária a realização neste momento. 9. Sentença mantida na íntegra. Precedente da Turma. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5004638-84.2011.404.7201, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 10/12/2013)
Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. EDIFICAÇÃO. APA DA BALEIA FRANCA. DEMOLIÇÃO. PRAD. RECUPERAÇÃO AMBIENTAL. CUMULAÇÃO COM INDENIZAÇÃO. DESNECESSIDADE.
1. Mantida a sentença de procedência parcial com determinação de demolição de edificação em área de preservação permanente.
2. Em se tratando de Áreas de proteção, a rigor não se admite ou é restrita a ação humana interventora, devendo se destinar exclusiva ou majoritariamente à manutenção do meio ambiente intocado. O objetivo dessas áreas de proteção, como se sabe, é a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora e do solo, bem como assegurar o bem-estar das populações humanas.
3. As obrigações em matéria ambiental são de natureza propter rem: ou seja, constatada a degradação ambiental ou a infringência às normas protetivas do meio ambiente, configurada está a responsabilidade do novo adquirente, porquanto a obrigação adere ao título e se transfere ao novo proprietário.
4. Em que pese a Constituição Federal imponha a toda a coletividade o dever de preservar e proteger o meio ambiente, devem ser considerados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para a aplicação da responsabilidade civil ambiental.
5. O objetivo da reparação ambiental não implica tão somente a indenização pecuniária, mas, na medida do possível, recuperação das condições ambientais anteriores, ou seja, o status quo ante. A reparação do dano deverá ser a mais completa possível, buscando recompor a área degradada ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do dano ambiental.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, por negar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 01 de fevereiro de 2017.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator
Veja também:
– TRF4 determina demolição de imóvel construído na Praia de Laguna e a recuperação da área ambiental (Portal DireitoAmbiental.com, 30/11/2016)