“Três casas de veraneio construídas irregularmente na Praia de Araçá, em Porto Belo (SC), terão que ser demolidas. Os proprietários também deverão pagar, juntamente com a prefeitura do município, multa de R$ 200 mil reais de indenização pelos danos provocados ao meio ambiente. A decisão foi tomada pela 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em julgamento ocorrido na última semana.
A ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) tramita na Justiça desde 2003. Nesse período, os réus foram advertidos diversas vezes pelos órgãos ambientais. Eles, entretanto, seguiram construindo as residências. Além de destruir a flora local, componente da Mata Atlântica, eles instalaram um sistema de esgoto que despeja resíduos não tratados no meio ambiente.
As residências ficam no final de uma zona urbana, em terreno de marinha e área de preservação permanente. Sua construção foi autorizada pela prefeitura e pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma), levando o MPF a contestar o licenciamento judicialmente.
A Justiça Federal de Itajaí (SC) julgou a ação parcialmente procedente, condenando os três proprietários a implantar medidas de recuperação ambiental e a pagar multa de R$ 200 mil, a ser revertida para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
O MPF, a União e o Ibama apelaram ao tribunal pedindo a procedência total, incluindo a demolição das casas. Por maioria, a 3ª Turma, deu provimento ao recurso. Como a decisão não foi unânime, os réus puderam novamente recorrer no tribunal, dessa vez com embargos infringentes junto à 2ª Seção, formada pelas 3ª e 4ª Turmas.
A defesa pediu a prevalência do voto vencido, que mantinha a multa, mas negava a demolição das casas por estas estarem em área já urbanizada.
Conforme o relator do processo, desembargador federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, os réus agiram de má-fé, pois mesmo após o aviso dos órgãos ambientais, inclusive da Fatma, que havia autorizado as construções num primeiro momento, eles continuaram edificando e destruindo a natureza local.
‘Se não houver a demolição das construções, não há possibilidade de se restaurar o meio ambiente de forma adequada e equilibrada. Restou claro que os recorrentes agiram de má-fé na continuidade da obra, pois foram avisados de que estava sendo feita em local proibido de edificar e ainda assim prosseguiram na construção. Ressalto ainda que não se está a determinar demolição no meio de agrupamento urbano, mas, sim, a determinar a remoção de edificação feita no final da vila, junto à vegetação. Desse modo, se a conduta não importar demolição do imóvel, haverá lucro com atividade contrária às normas de proteção ao meio ambiente e estará a se incentivar que outras pessoas edifiquem ao final do agrupamento urbano, violando a área de preservação permanente’, concluiu Leal Júnior. Ainda cabe recurso contra a decisão”.
Fonte: Notícias do TRF4, 26/02/2016.
Confira a íntegra da decisão:
Embargos Infringentes Nº 5009157-47.2012.4.04.7208/SC
RELATOR
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CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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EMBARGANTE
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FULVIO ALBERTO TREVISAN
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ADVOGADO
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ROBERTA NOROSCHNY SCHIESSL
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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EMBARGANTE
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ARNO DE SOUZA
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ADVOGADO
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JORGE LUIZ MARTINS
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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EMBARGANTE
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MARTINHO DIETRICH
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ADVOGADO
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Cambises José Martins
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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INTERESSADO
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UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
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FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – FATMA
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MUNICIPIO DE PORTO BELO
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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RELATÓRIO
Estes embargos infringentes foram interpostos por Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan contra acórdão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, por maioria de votos, deu provimento às apelações do Ministério Público Federal, da União Federal e do IBAMA e negou provimento às apelações dos ora recorrentes em ação civil pública (votantes os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Vânia Hack de Almeida, e vencido o desembargador Fernando Quadros da Silva).
O objeto da ação civil pública foi assim descrito na petição inicial (evento 3 – INIC2):
A presente ação tem por objetivo a condenação dos réus, acima nominados, na reparação civil dos danos já provocados ao meio ambiente (Mata Atlântica e cursos d’água) e ao patrimônio público federal (terreno de marinha e praia marítima, art. 20, IV e Vll, da CF/88), bem como a promover a sua recuperação integral, e ainda de forma liminar a paralisação de um obra de três pavimentos, de tipo residencial unifamiliar, em fase final de construção na Praia do Araça (ou Praia do Caixa D’aço), na localidade de Araça, Município de Porto Belo, com metragens e confrontações descritas na escritura pública de posse de fl. 26 do procedimento administrativo em anexo, tendo em vista que o réu ARNO DE SOUZA encontrar-se realizando a referida edificação em área de preservação permanente (Mata Atlântica), mais precisamente na faixa dos 33 (trinta e três) metros da linha da preamar média do mar territorial, em terrenos de marinha (Costão), ofendendo o meio ambiente praieiro e danificando bem integrante do patrimônio da União.
Fundamenta, ainda, a presente petição inicial, o fato da obra em questão ter sido realizada com a anuência da Prefeitura Municipal de Itapema/SC e do Órgão ambiental estadual (FATMA), os quais, contrariando os comandos legais e constitucionais sobre a matéria, ao invés de promoverem medidas de fiscalização e repressão de edificações irregulares e danosas ao meio ambiente, em obediência ao seu dever constitucional e legal, concederam alvará para construção e licença ambiental, permitindo a realização de obra degradadora do meio ambiente e com dano direto a bem público federal, em total desconformidade com a legislação ambiental vigente.
A sentença julgou parcialmente procedente a ação, constando de seu dispositivo o seguinte (evento 3 – SENT159):
Ante o exposto, extinguindo 0 processo, com julgamento de mérito, com fulcro no art. 269, I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos para condenar os réus Amo de Souza, Maninho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan a: [a] implantar as medidas mitigadoras propostas pela Perita, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais); [b] ao pagamento de indenização no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), em dinheiro, por cada réu, pelos danos causados ao meio ambiente, que reverterão em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei n°. 7.347/85.
Contra essa sentença, foram interpostos recursos de apelação pelo MPF, União Federal e IBAMA, buscando a procedência total da ação civil pública e, também foram interpostas apelações pelos ora recorrentes, visando a improcedência da ação civil pública. Os recursos do MPF, União Federal e IBAMA foram providos por maioria de votos pela 3ª Turma do TRF4, tendo os demais sido negado provimento por unanimidade.
O voto condutor desse julgamento foi de autoria do desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, acompanhado pelo voto da desembargadora Vânia Hack de Almeida. Ambos decidiram dar provimento às apelações, reformando a sentença e julgando procedente a ação.
O voto divergente foi da lavra do desembargador Fernando Quadros da Silva, que negou provimento às apelações e manteve a sentença.
Inconformados, Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan interpuseram embargos infringentes (eventos 116 e 117), pretendendo a prevalência do voto-vencido, por estes fundamentos:
(a) ‘Não constatadas ilegalidades nas autorizações dadas pela municipalidade e pela FATMA para as referidas edificações, que justifiquem a sua demolição… não merecem acolhimento as apelações do MPF e do IBAMA, no sentido de que seja determinada a demolição das edificações, uma vez que estas se encontram em área urbana consolidada, situação concluída no laudo do expert, em resposta aos quesitos do IBAMA‘.
(b) A demolição mostra-se como medida desproporcional no caso concreto, em virtude de que a construção das edificações se deu com autorização dos órgãos e autoridades públicas e, nesse momento, a área já se encontra urbanizada, o que afasta a possibilidade de recuperação do meio ambiente.
Os embargos infringentes foram recebidos (evento 125).
Foram apresentadas contrarrazões (eventos 135, 137 e 139), pedindo a manutenção do voto-condutor e destacando que:
(a) É inequívoco nos autos a má-fé dos ocupantes da área em questão, pois desde 2002, a área é alvo de reiteradas ações dos órgãos ambientais, que reafirmaram a ilegalidade de sua ocupação.
(b) O laudo pericial é claro em constatar que a manutenção das residências no local amplia e mantém o dano ambiental verificado, pois se vê que o sistema de tratamento de efluentes, utilizado pelos réus, não atende às exigências ambientais, o que faz com que esses efluentes sejam despejados no meio ambiente em condições inadequadas.
(c) Somente com a completa remoção da edificação poderia se chegar ao restabelecimento do estado original e similar às condições naturais existentes no entorno do imóvel, conseguindo, com isso resgatar o equilíbrio ecológico.
(d) As residências em questão são, confessadamente, imóveis de lazer, utilizados para temporada. Desse modo, esclarecido o dano ambiental que a manutenção dessas edificações continua a causar, a questão que resta é: estar-se-á protegendo que tipo de interesse com a manutenção dessas casas?
Não houve parecer, pois o Ministério Público Federal é autor da ação.
É o relatório.
Peço dia.
VOTO
1- DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan opõe estes embargos infringentes postulando a prevalência do voto vencido no acórdão da 3ª Turma do TRF4 que, por maioria de votos, deu provimento às apelações do Ministério Público Federal, da União Federal e do IBAMA e reformou a sentença originária.
Conforme o artigo 530 do Código de Processo Civil, ‘cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência‘.
A divergência cinge-se na proporcionalidade da ordem de demolição da obra realizada na área de preservação permanente e de terreno de marinha, quando já urbanizado o entorno. As razões dos embargos infringentes atacam justamente esse ponto.
O recurso interposto é cabível e tempestivo.
Portanto, nos limites da divergência, conheço do recurso.
2- DA DIVERGÊNCIA
A divergência estabelecida no julgamento da apelação está limitada ao seguinte: é proporcional a ordem de demolição dos imóveis construídos sobre área de preservação permanente e terreno de marinha, quando já urbanizada a área em torno do local?
O voto-condutor que prevaleceu foi de autoria do desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que deu provimento às apelações do MPF, União Federal e IBAMA. Transcrevo seu teor (evento 28, grifei):
Presentes as apelações, que analiso em conjunto, inicialmente, anoto a equação fática imanente à lide. Dos elementos cognitivos que compõem os autos, extrai-se –
1) 20/03/2001, o réu Arno de Souza compra os indigitados terrenos;
2) 14/12/2001, o projeto hidrossanitário da residência do réu Arno de Souza foi indeferido;
3) 12/02/2002, o réu Martinho Dietrich compra metade do terreno do réu Arno de Souza para possuírem em condomínio;
4) 07/03/2002, fiscalização do IBAMA na área indigitada constatou a prática de detonação de rochas, construção de muro de arrimo e corte de árvores na zona costeira, além de indícios de terraplanagem no local. O proprietário foi notificado (notificação entregue ao responsável pela obra Sr. Rogério Pedro da Silva) com prazo de 3 dias úteis para comparecer no IBAMA e prestar esclarecimentos;
5) 11/03/2002, o IBAMA lavrou o Auto de Infração n. 269702 – série D contra o réu Martinho Dietrich pela detonação de rochas no local; pela construção de muro de arrimo; pelo corte de árvores na zona costeira sem autorização. Também, lavrou o Termo de Embargo n. 0200758 – série C da área de 2.000m² e da construção do muro de arrimo;
6) 12/03/2002, foi liberado o Alvará de Construção do réu Arno de Souza – alvará de construção sem número, protocolo n. 1234, para residência de alvenaria com área de 800,00m² com 2 pavimentos;
7) 19/03/2002, data da Anotação de Responsabilidade Técnica do levantamento planialtimétrico e do projeto e execução de Recuperação Paisagística e Ambiental numa área de 2.134,40m²;
8) 19/03/2002, data do protocolo de requerimento da Autorização Ambiental junto à FATMA;
9) 20/03/2002, o réu Fulvio Alberto Trevisan comprou dois terrenos com áreas de 625,87m² e 457,33m², respectivamente;
10) 21/03/2002, data da Autorização Ambiental AuA – n. 014/02 expedida pela FATMA à construção de quatro residências com área total construída de 974,62m² num imóvel de 2.134,40m² e Recuperação Ambiental.
Espécies para a recuperação ambiental: Araçá (26 mudas), Vassoura-Vermelha (38 mudas), Figueira (13 mudas), Copororoca (5 mudas), Gerivá (22 mudas), Embaúva (9 mudas), Piteira (35 mudas), Aroeira (50 mudas), Hibiscus de Mimo (480 mudas).
Controles ambientais especificados na AuA: tanque séptico, filtro anaeróbico, valas de infiltração, caixa de gordura.
Especificação expressa na AuA: ‘De acordo com a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, fica expressamente proibido parcelar área com uma declividade igual ou superior a 30%’.
11) 28/06/2002, a Secretaria de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente lavrou a Autuação n. 0382 em face do réu Arno de Souza por comprometer o asseio das vias públicas e lançar nas vias públicas, locais de uso comum, terrenos, valas, boeiros e sarjetas lixo de qualquer material que possa ocasionar incômodo à população ou prejudicar a estética da cidade;
12) 04/07/2002, escritura pública de cessão de posse e benfeitorias do réu Fúlvio Alberto Trevisan de um terreno com área de 121,17m²;
13) 08/07/2002, a Polícia Federal realizou diligência através da qual foi constatado que, ‘segundo os moradores locais, após a obra ter sido autuada teve suas atividades aceleradas. Foi construído um canteiro de obras, estava sendo construída uma edificação, corte de várias espécies nativas vegetais, construção de um trapiche, na propriedade do Sr. Martinho Dietrich’;
14) 01/11/2002, a Polícia Militar de Proteção Ambiental em operação de fiscalização ambiental constatou que o réu Arno de Souza estava promovendo construção de residência, utilização de explosivos sem autorização para detonação de pedras com o intuito de construir um fosso de elevador;
15) 05/11/2002, a bióloga Ana Valéria J.S. Eiraldi exarou parecer técnico para a Polícia Militar de Proteção Ambiental no qual define a área ocupada como Costão e assevera que a Licença (AuA) foi emitida pela FATMA/Blumenau, mas a competência a tanto é da FATMA/Florianópolis;
16) 07/11/2002, o IBAMA, atendendo solicitação do Ministério Público Federal, realizou vistoria na área e o relatório do seu agente de fiscalização consigna –
‘(…)
A vegetação existente anteriormente no local afetado é nativa de Mata Atlântica, secundária e em estágio inicial e médio de regeneração; o corte de vegetação iniciou-se em fevereiro de 2002; o local é protegido por lei devido ao seu valor paisagístico, ecológico e turístico (Lei 9605/98, art. 63 e Lei 7661/88); caso os controles ambientais não forem implantados (tratamento de esgoto) de acordo com as exigências técnicas específicas a obra, após sua instalação deve ser considerada potencialmente poluidora, não devendo ser desconsiderada a atividade poluidora do período de instalação (corte de árvores, carreamento de sedimentos oriundos dos materiais empregados, como cal e cimento, atividades humanas no local, resíduos líquidos e sólidos resultantes da atividade em si que afetam diretamente o ambiente natural, que anteriormente ali estava; as obras impedem e dificultam a regeneração natural da vegetação ali existente; a sugestão para recuperar a área passa primeiro pela demolição total da obra e conseqüente replantio de espécies nativas de Mata Atlântica Costeira.
(…)’
17) 02/04/2003, o Ministério Público Federal propôs a presente Ação Civil Pública;
18) 04/04/2003, data da Anotação de Responsabilidade Técnica do Eng. Charles Roberto Puff, referente ao projeto de recomposição da área degradada. O prazo previsto para a execução dos serviços na ART é de 27/03/2003 até 27/03/2004;
19) 30/04/2003, deferida medida liminar nestes autos à imediata paralisação das atividades de edificação da obra e à sua lacração;
20) 02/05/2003, o IBAMA, através do seu Gerente Executivo Sr. Luiz Fernando Krieger Merico, enviou correspondência informando o deferimento do PRAD;
21) 05/05/2003, o IBAMA, através do seu Gerente Executivo Sr. Luiz Fernando Krieger Merico, enviou correspondência informando o levantamento do embargo – Termo de Embargo n. 200758 Série C;
22) 04/06/2003, a liminar deferida nestes autos teve seus efeitos suspensos;
23) 18/07/2003, vistoria realizada pela FATMA contatou que –
‘(…)
As áreas apresentam configuração topográfica de seção de encosta onde a declividade é acentuada, houve remoção de vehetação e detonação d rochas, o processo jamais poderia ter dado entrada na CERVI – Blumenau, pois Porto Belo pertence a CRF – Florianópolis, considerando o perfil topográfico das áreas e a faixa marginal do curso d’água entende-se que as áreas estão em Área de Preservação Permanente conforme Código Florestal.
(…)’
24) 04/12/2003, a FATMA, concluindo que a área em exame trata-se de APP conforme Código Florestal, cancelou a AuA n. 14/02 concedida ao réu Arno de Souza e a autorização de corte de vegetação;
25) 21/05/2004, foi realizada Inspeção Judicial no local, onde foi verificado: existência de um curso d’água a leste da construção; a 23,5 metros do início da edificação, utilização desse curso d’água para despejo de resíduos sanitários, inclinação do terreno inspecionado, na parte oeste, de 29° e, na parte leste, de 25°, inexistência de olho d’água no terreno objeto da ação, construção do muro e da garagem na parte final do terreno em desacordo com o projeto de construção e do projeto de recuperação ambiental, início da execução do projeto de recuperação em desacordo com a aprovação do IBAMA, a construção do muro e da garagem com agressão ao valor paisagístico;
26) 17/12/2004, liberado o habite-se da residência do réu Fulvio Alberto Trevisan. Habite-se sem número, protocolo n. 2570 para residência de alvenaria com área de 284,04m² com 2 pavimentos. Habite-se sem número e assinado somente pelo Secretário de Planejamento, Sr. Luiz Alberto Guerreiro. Segundo Decreto Municipal n. 013/2001, todas e quaisquer certidões, alvarás, licenças e ou informações prestadas via documental pela administração do Município de Porto Belo, a qualquer cidadão somente poderão ser liberadas após terem sido rubricadas pelo Chefe do Poder Executivo.
Essa é a equação fática imanente à lide.
À análise dos fatos em cotejo com a prova dos autos, a v. sentença recorrida literaliza –
‘(…)
2.4 – Mérito.
Trata-se de ação civil pública postulando, em síntese, o pagamento de indenização para financiar projeto de recuperação de danos causados ao meio ambiente, ou, alternativamente, a retirada da obra construída, a recuperação da área degradada e o pagamento de indenização.
2.4.1 – Da competência para o licenciamento.
O tema em exame envolve o estudo da repartição de competências entre os órgãos ambientais.
O art. 225 da Constituição Federal estabelece:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
(…)
§ 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Para assegurar a efetividade desse direito, a Constituição Federal estatui que a atuação administrativa na proteção do meio ambiente será comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios (artigo 23, VI), deixando claro, destarte, que os diversos entes da Federação devem partilhar responsabilidades.
Disciplinando o assunto, estabelece a Lei n. 6.938/81, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação:
Art. 6º – Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado:
(…)
IV – órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;
V – Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental;
VI – Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições;
(…)
Art 9º – São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:
(…)
III – a avaliação de impactos ambientais;
IV – o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;
(…)
Art. 10 – A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
(…)
4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.
(…)
Art. 11. Compete ao IBAMA propor ao CONAMA normas e padrões para implantação, acompanhamento e fiscalização do licenciamento previsto no artigo anterior, além das que forem oriundas do próprio CONAMA.
§ 1º A fiscalização e o controle da aplicação de critérios, normas e padrões de qualidade ambiental serão exercidos pelo IBAMA, em caráter supletivo da atuação do órgão estadual e municipal competentes.
Como se vê, ao IBAMA compete o licenciamento de obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional. A competência para o licenciamento, portanto, é definida pela extensão dos impactos ambientais, não pela propriedade do bem. Nesse contexto, cabe ao órgão municipal licenciar obras de impacto estritamente local.
Sobre o tema, transcrevo trecho do artigo jurídico Aspectos da Competência da Justiça Federal e Direito Ambiental: a Intervenção do Ministério Público ou do IBAMA, publicado pelo Juiz Vilian Bollmann, na Revista LEX n. 227 de julho de 2008:
No que se refere ao licenciamento, o art. 10, da Lei 6938/1981, estabelece que a atuação do IBAMA é supletiva quanto à aprovação de obras de construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores. Recentemente, o Ministério do Meio Ambiente, na qualidade de órgão central do SISNAMA (art. 6º, III, da Lei 6938/1981), decidiu conflito positivo de atribuições entre o IBAMA e a FATMA/SC, argumentando que o fato de a atividade licenciada atingir ou se localizar em bem da União não caracteriza a competência da autarquia federal para efetuar o licenciamento ambiental, pois este se dá em razão da abrangência do impacto ao meio ambiente, e não em virtude da titularidade do bem atingido (Despacho 2176/2004 – PROGE/GABIN, Parecer MMA 312/2008). Logo, quanto ao licenciamento, as atribuições do IBAMA são consideradas restritas e quando lhe faltar a atribuição a sua intervenção será considerada nula, por vício de incompetência (art. 37, da CR, c/c, art. 2º, ‘a’, da Lei 4717/1965), não se permitindo o ingresso na lide como pretenso órgão licenciador.
No caso, a área atingida pela edificação integra bem de propriedade da União, mas, como visto, tal fato não implica na necessidade do licenciamento ser realizado pelo órgão federal. O que interessa, segundo a lei, é a magnitude do dano e, neste ponto, não há como afirmar que a obra pudesse implicar em prejuízo ao meio ambiente de outro município que não Porto Belo/SC.
Assim, não há mácula no fato do licenciamento não ter sido conduzido pelo IBAMA.
Pois bem, no dia 12/03/2002 foi expedido pela Secretaria de Planejamento do Município de Porto Belo, em favor de Arno de Souza, o Alvará de Licença para Construção nº 1234, para a realização de obra de 2 pavimentos com área de 800,00 metros quadrados, situada na Avenida Geral do Araçá, s/n, em alvenaria, para fins de uso residencial (fl. 56).
A obra, portanto, foi devidamente autorizada pela municipalidade, não podendo o demandado ser penalizado pela falta da assinatura do chefe do executivo, pois o vício formal do documento é de inteira responsabilidade do município.
O demandado Arno também buscou licença ambiental junto à FATMA, sendo emitida, em 21/03/2002, a ‘Autorização Ambiental – AUA Nº 014/02’, viabilizando a implantação de quatro unidades familiares numa área total construída de 974,62 m² (fl. 59).
A perita esclarece (Anexo I, pág. 5):
É importante esclarecer que, conforme a Autorização Ambiental Nº 014/02 às fls. 59 dos autos, se previa a implantação de 4 unidades habitacionais, porém somente 3 unidades foram executadas: 1-Sr. Fúlvio Trevisan, 2 – Sr. Arno de Souza e 3 – Sr. Martinho Dietrich. As residências do Sr. Arno e do Sr. Martinho são geminadas. A 4ª unidade habitacional iria ser executada no terreno, que se encontra desocupado atualmente, ao lado da residência geminada, foto 04.
Portanto, a obra também foi autorizada pela FATMA, em que pese o cancelamento do ato pelo órgão ambiental estadual (04/12/2003 – fl. 218), após ser citado nesta ação.
No dia 30/04/2003, decisão liminar proferida por este Juízo determinou a paralisação da obra (fls. 131/134). Contudo, tal decisão foi suspensa pelo TRF4, em 04/05/2003 (fls. 153/154).
Pertinente também ressaltar que o IBAMA, após a lavratura de auto de infração e termo de embargo, deferiu projeto de recuperação da área degradada, permitindo a continuidade da obra no dia 05/05/2003 (fls. 342/343).
Assim, a obra foi concluída.
2.4.2 Do dano ambiental.
Segundo a inicial, a edificação foi realizada em área de preservação permanente (APP).
Extrai-se do laudo pericial (Anexo I, págs. 24 e 38/51):
SOBRE O LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO
Através do levantamento topográfico, que se encontra no anexo 10, pode se concluir que a residência do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan está a uma distância de 23,74 m do curso d’água no ponto mais próximo, e a residência do Sr. Arno de Souza a uma distância de 39,35 m do curso d’água no ponto mais próximo. A residência do Sr. Fúlvio está parcialmente inserida em Área de Preservação Permanente – APP e a residência do Sr. Arno de Souza não está inserida em Área de Preservação Permanente, segundo Lei 4771/65. As inclinações são de 17º a 24º para o terreno do Sr. Fúlvio e de 28º a 32º para o terreno dos Srs. Arno e Martinho, não caracterizando APP em relação à inclinação.
(…)
QUESITOS DO IBAMA
1- O local do imóvel em questão se caracteriza por estar em ambiente urbano ou rural? Quais os critérios adotados para justificar esta caracterização?
R: Conforme a Lei Municipal Nº 262/77 o lote está inserido dentro da malha urbana da cidade, e conforme a Resolução do CONAMA Nº 303/02 a área pode ser considerada como urbana consolidada, pois o município define legalmente a área como urbana e a área possui coleta de resíduos sólidos, rede de abastecimento de água, malha viária com canalização de águas pluviais, distribuição de energia elétrica e iluminação pública.
(…)
3- Existe curso d’água, permanente ou mesmo intermitente, que atravesse o interior do imóvel, da área degradada ou esteja em sua divisa ou próximo desta? Se afirmativo: quais as larguras médias destes cursos neste trecho? Eles sofrem influência de maré?
R: Sim, existe um curso d’água permanente próximo às edificações. A distância da margem do córrego até a residência do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan é de 23,74 metros e a distância até a residência geminada é de 39,35m. A largura média do curso d’água é de 1 metro. O curso d’água não sofre influência da maré.
(…)
5- Caso o item anterior seja afirmativo, sobre os cursos d’água existentes: houve alteração de seus traçados, do uso e ocupação do seu entorno, dos sentidos de deflúvio? Suas contribuições, sejam elas de afluentes ou efluentes de águas pluviais ou esgoto, também foram alterados?
R: Não foi possível localizar aerofotografias, imagens de satélite e/ou cartografia do local que fosse possível constatar a existência do curso d’água atual. Porém conforme informações da população que reside no local a ocupação da área de entorno do curso d’água ocorreu há mais de 20 anos e não houve alteração no seu traçado. Antes da execução das residências, objeto deste processo, os esgotos era lançados sem qualquer tratamento no curso d’água, após a execução das residências foi executado um sistema de tratamento de esgoto que atende toda a comunidade local.
(…)
7 – Existe no imóvel e na área degradada, local que seja considerado como APP, segundo resolução do CONAMA Nº 303/2002 e Lei Federal 4771/65? Caso seja positivo, há indícios que a construção e/ou ocupação ocorreram em APP?
R: Sim. Parte do imóvel e da residência do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan está em APP em função do curso d’água.
(…)
9 – Qual a área total do imóvel e da área degradada sobre área de preservação permanente segundo as definições federal, estadual e municipal?
R: A área da residência, em planta baixa, sobre APP é de aproximadamente 85 m² e a área degradada sobre APP é de aproximadamente 280 m², na propriedade do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan. Na propriedade dos Srs. Arno e Matinho não ocorreu agressão em APP.
(…)
11 – Existe ou existia vegetação no imóvel e nas áreas onde houve intervenção?
R: Sim. Existiam algumas árvores no terreno dos Srs. Arno e Martinho, conforme Parecer do IBAMA nas fls. 81 a 84 e as fotos às fls. 74 a 76 e 85 dos autos. No terreno do Sr. Fúlvio existia apenas vegetação rasteira.
12 – Existem indícios de existência atual ou pretérita de ocorrência, no imóvel e na área degradada, de espécies da flora ou fauna ameaçadas de extinção? Quais?
R: Não. Não foi possível encontrar estudos que revelem a existência de ocorrência no imóvel e na área degradada de espécies da flora ou fauna ameaçadas de extinção.
Portanto, segundo o laudo pericial, apenas parte do imóvel do Sr. Fúlvio está inserida em APP, isto em função da proximidade com curso d’água. Na propriedade dos Srs. Arno e Martinho não ocorreu agressão em APP.
Afirma a expert que o imóvel do Sr. Fúlvio está a uma distância de 23,74 m do curso d’água no ponto mais próximo.
A situação dos autos encontra solução na análise conjunta das Leis nº 4.771/65 e 6.766/79, por se tratar de parcelamento de solo urbano, assim como na resolução da questão pertinente à aplicação do Código Florestal em áreas urbanas.
Dispõem os referidos diplomas legais:
– Art. 2º, ‘a’, 1, e parágrafo único da Lei nº 4.771/65:
‘Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
(…)
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989).’ -grifei-
– Art. 4º da Lei nº 6.766/79:
‘art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
(…)
III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica; (Redação dada pela Lei nº 10.932, de 2004)’ -grifei-
Havendo duas regras legais que aparentemente regulam a mesma situação jurídica deve haver recurso às técnicas de interpretação de legislação para que seja solucionado o conflito.
No caso concreto, penso que deve haver incidência do princípio da especialidade, prevalecendo a regra especial em detrimento da regra geral. A meu ver, o Código Florestal apresenta previsão genérica sobre proibição de construções próximas a cursos d´água, revestindo-se a previsão da Lei nº 6.766/79 de conteúdo específico para parcelamento do solo urbano, o qual está proibido em distância inferior aos 15 (metros) de cursos d´água, e não 30 (trinta) metros como previsto na Lei nº 4.771/65.
Não fosse somente isto, também a aplicação do princípio interpretativo de prevalência da legislação mais recente sobre a anterior deve ser considerada na presente demanda, porquanto a redação do art. 4º, inciso III, da Lei nº 6.766/79, foi introduzida pela Lei nº 10.932 de 2004, ao passo que a última redação do Código Florestal (art. 2º) foi conferida pela Lei nº 7.803 de 1989.
Vale destacar, ainda, que o próprio parágrafo único do art. 2º do Código Florestal previu que ‘No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal(…) obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo (…)’, especialmente a Lei nº 6.766/79.
De outro lado, não há dúvidas se tratar de área urbana, conforme bem esclarece a perita. Nesse contexto, conforme os arts. 30, VIII e 182 da Constituição Federal de 1988, compete ao Município ‘promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano’ e que ‘A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes’, o que foi observado pelo parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.771/65, revelando-se inconstitucional qualquer legislação de outros níveis da federação que pretenda alterar conceitos de zona urbana definidos pela municipalidade.
Consequentemente, penso que as limitações do Código Florestal não têm aplicabilidade em áreas urbanas, conforme vem reconhecendo o TRF da 4ª Região:
‘EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANULAÇÃO DE LICENÇAS AMBIENTAIS. LEGISLAÇÃO FLORESTAL. FLORESTA URBANA. INEXISTÊNCIA DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. A embargada agiu dentro da legalidade, conforme orientações locais de proteção ambiental, não se tratando de área de preservação permanente, tendo em vista ser inaplicável ao caso o Código Florestal, que assim define as áreas ‘de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura’ (art. 2ª, a, 1, da Lei 4.771/65), uma vez que se trata de área urbana, cujas peculiaridades devem ser levadas em consideração ao se aplicar a legislação florestal.‘ (TRF4, EINF 2004.72.00.010090-0, Segunda Seção, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 08/09/2008) -grifei-
Destarte, entendo que a área non aedificandi deve ser limitada a 15 (quinze) metros de cursos d´água, afastada a tese de aplicação da distância de 30 (trinta) metros prevista na Lei nº 4.771/65.
Nesse contexto, não há motivos ponderáveis para determinar a demolição da obra.
Não bastasse isso, tratando-se de área urbana consolidada, nenhum efeito surtiria ao meio ambiente a retirada da edificação, haja vista que o entorno do local está todo edificado, conforme levantamento fotográfico da fl. 586.
Neste passo, calham as lúcidas observações do eminente Desembargado Luiz Carlos de Castro Lugon, aplicáveis, ‘mutatis mutandis’, ao caso concreto:
Tenho como premissa a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que haja a efetiva configuração do fato consumado, de modo que sejam desestimuladas práticas de violações ecológicas contando com o beneplácito fundado na constatação de que ‘o mal já está feito.’ Porém, ainda que não perca de vista a realçada importância do meio ambiente, com o incentivo de peculiaridades do caso concreto, pode-se amenizar a regra de prevalência, mesmo que esteja em pauta a integridade ambiental de área de preservação permanente. Assim penso, guiado pela idéia de que benefício algum surtirá em prol do meio ambiente a paralisação da obra, uma vez que a recuperação da restinga, pela intervenção da própria natureza, é inviável naquele trecho. O impacto ambiental, doutro modo, não se mostra significativo, a área em referência não tem grande extensão (suas medidas perimetrais são 30,00m frente a leste e 60,00m nas laterais). Finalizando, a medida requerida não dialoga com o princípio da proporcionalidade.
[…]
A intervenção recuperadora do meio ambiente alegadamente agredido, por outro lado, não pode se dirigir a um único ocupante da área. Todos que estão em idênticas condições, e são muitos, alguns, inclusive, sócios da associação autora, deveriam ser concitados a promover a demolição de seus imóveis e a reconstituição da área ambiental degradada. Modo diverso, não haveria a concretização da justiça, mas verdadeiro abuso de direito, porquanto ter-se-ia, travestida de exercício da cidadania, perseguição particular e direcionada. Este desvio não pode ser chancelado pelo Poder Judiciário, quanto mais verificando-se, como já disse acima, ser crível que muitos dos associados da entidade autora estão em idêntica situação à da construtora-ré. A fidelidade ao princípio da proporcionalidade é a receita para que os atos administrativos, judiciais e mesmo os legislativos transitem pela juridicidade. (GRIFEI)
Estas palavras foram proferidas no seguinte acórdão:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO MULTIFAMILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DANO E DESEQUILÍBRIO ECOLÓGICO. SENTENÇA EXTRA PETITA. REDUÇÃO AOS TERMOS DO PEDIDO. 1. É regra a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que haja efetiva configuração do fato consumado. Contudo, esta diretriz pode ser relativizada, como no caso concreto, quando verificado que a paralisação e demolição da obra não surtirá benefício algum ao meio ambiente e, ainda, que o dano ambiental é bastante reduzido (supressão de restinga em imóvel com medidas perimetrais de 30,00m de frente a leste e 60,00m nas laterais). 2. Várias circunstâncias inibem seja determinada a demolição da edificação como medida reparatória do meio ambiente, mesmo considerando haver sido ela construída em área de preservação permanente (300 metros a partir da linha preamar média), a saber: a) está ela situada em loteamento de há muito urbanizado e ocupado; b) o histórico de ocupação da área revela que a implantação do loteamento ocorreu no ano de 1991, atendendo, presumivelmente, as regras urbanísticas e ambientais vigentes à época, dentre as quais, importante que se registre, não se inscrevia a Resolução n. 303 do CONAMA, que empresta sustentação jurídica à tese da associação autora, e que foi editada somente em 13/05/2002; c) o pleito desatende o princípio da proporcionalidade, porquanto grandes seriam os prejuízos financeiros para a construtora, sem qualquer garantia da possibilidade de recuperação efetiva da área, mediante a reconstituição da cobertura vegetal primitiva – restingas, e, ainda que assim não fosse, não há um dimensionamento do impacto ambiental em face da ausência da flora originária naquela porção de terra em que edificado o empreendimento; d) não há evidências de ameaça ao equilíbrio ecológico, fim último das regras de direito ambiental, pois é pouca e imprecisa a repercussão ambiental da supressão de cobertura vegetal realizada pela recorrida; e, ainda, há notícia nos autos de que, em frente ao empreendimento, remanesce importante e significativa área de preservação devidamente delimitada e identificada com placas alertando para a sua condição jurídico-ambiental, o que minimiza qualquer temor de descompensação ambiental na região. 3. O empreendimento foi licenciado pelos órgãos competentes, tendo, inclusive, a FATMA expedido Licença Ambiental Prévia. A procura da aquiescência dos órgãos públicos, até mesmo daquele de controle ambiental estadual, evidencia a boa-fé da empresa construtora e desengana a possibilidade da sua responsabilização. 4. Havendo disposição na sentença que reconhece a nulidade dos autos de infração e de embargo da obra exarados pelo IBAMA, o que, evidentemente, discrepa do pedido inicial formulado no sentido do reconhecimento do dano ambiental, resta configurada a clássica hipótese de decisão extra petita, cuja solução recomenda é a glosa parcial do julgado, o que, vale dizer, pode ser feita mesmo ex officio, sem prejuízo de que tal declaração de nulidade seja posteriormente reivindicada.
(TRF4, AC 2003.72.00.004185-0, TERCEIRA TURMA, DJ 04/10/2006 Relator LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON).
No mesmo sentido:
DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENÇA PARA EDIFICAÇÃO. PRAIA DOS INGLESES. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. (…)3. Há nos autos parecer técnico do IBAMA que admite que aquela área, no passado, fora ocupada por vegetação de restinga, mas que a preservação daquela propriedade, com a recuperação da vegetação originariamente existente, não implicaria no retorno à condição inicial da Praia de Ingleses, o que somente seria obtido com a retirada de todas as residências nas mesmas condições. 4. Ademais, o embargo da obra vizinha, que sequer era licenciada, foi anulada pelo IBAMA por não se recomendar proteção ao inexistente. O terreno no qual se pretende construir está cercado de residências e edifícios, inclusive hotéis. O edifício de quatro pavimentos, que a agravante pretende construir, foi autorizado pela municipalidade e está de acordo com o Plano Diretor e, portanto, cumprindo sua função social.
5. Agravo de instrumento provido.
(TRF4, AG 2002.04.01.010666-0-SC, TERCEIRA TURMA, DJ 06/11/2002, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER).
De outro lado, não se vislumbra ilegalidade nos atos administrativos expedidos pela município e pela FATMA, quando muito eventual descumprimento destes pelos particulares, o que será objeto de estudo adiante, motivo pelo qual não há responsabilidade a ser imputada aos entes públicos.
2.4.3 – Influência da condenação criminal
Os réus Martinho Dietrich e Arno de Souza foram condenados criminalmente nos autos nº 2002.72.08.002522-8 pelos fatos narrados nesta ação civil pública (fls. 501/523).
Dispões o art. 935 do Código Civil:
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. -grifei-
Destarte, constatada a existência do fato imputado, bem como a respectiva autoria, pelo juízo criminal, tais questões não podem mais ser discutidas no juízo cível.
Isto não significa, contudo, que o juízo cível esteja adstrito às conclusões jurídicas emanadas do juízo criminal, pois a vinculação diz respeito exclusivamente à existência do fato e da autoria.
Tal situação é exposta neste caso concreto, pois a existência do fato (construção de imóvel no local indicado na inicial) e da autoria (imputada e admitida pelos réus) foi reconhecida pelo juízo criminal e não é objeto de divergência por parte deste juízo cível.
A divergência existente é jurídica, e diz respeito à caracterização da área como APP, entendendo o juízo criminal pela aplicabilidade do Código Florestal, ao passo que este juízo cível entende pela aplicação da Lei nº 6.766/79, nos termos da fundamentação supra.
Portanto, não há qualquer violação ao art. 935 do Código Civil, já que a existência do fato e da autoria é incontroversa, restando divergência apenas quanto às conclusões jurídicas decorrentes dos fatos por parte dos juízos criminal e cível.
2.4.4 – Da falta de autorização da GRPU.
Poder-se-ia cogitar da construção sobre bem da União sem a prévia autorização. Porém, se mantida essa única causa de pedir, vê-se que incide, então, a vedação à atuação do Ministério Público como órgão de assessoria daquele ente. Além disso, o ingresso como assistente litisconsorcial, e não como autor, veda o prosseguimento da ação, pois a exclusão do MPF implicaria ter-se uma relação jurídica processual sem autor; incabível, portanto.
De qualquer sorte, a qualquer momento tal irregularidade pode ser sanada pelo titular, sendo que a demolição somente teria sentido, dentro do razoável e do jurídico, se a União necessitasse utilizar o terreno para algum fim público.
Nada impede, por outro lado, a atuação ex officio da GRPU na regularização do imóvel e atualização dos valores da taxa de ocupação.
2.4.5 – Da preservação do meio ambiente.
A perita apresentou as seguintes sugestões para a preservação do meio ambiente na área objeto da lide (Anexo I, págs. 47/51):
6. CONCLUSÃO
(…)
6.1 – Imóvel do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan
Com base em todos os dados obtidos no processo, através das vistorias, em consulta às partes, e nos levantamentos realizados em campo, verificou-se que:
– Houve dano ambiental no local periciado.
– Existe ocupação consolidada de áreas à beira mar e às margens do curso d’água próximo a residência em questão.
(…)
– O Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD não foi totalmente implantado e não cumpriu com os seus objetivos.
– O efluente proveniente da Estação de Tratamento de Efluentes implantada não está com os parâmetros de acordo com a legislação.
Sugerem-se as seguintes medidas mitigatórias:
– Elaboração e implantação de um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD que atenda os seus objetivos.
– Recuperação da vegetação de mata ciliar.
– Elaboração de um projeto e execução de um tratamento de esgoto complementar ou ajuste do sistema de tratamento atualmente utilizado com objetivo de melhorar a eficiência da ETE e promover a desinfecção do efluente.
(…)
6.2 – Imóvel dos Srs. Arno de Souza e Martinho Dietrich
Com base em todos os dados obtidos no processo, através das vistorias, em consulta às partes, e nos levantamentos realizados em campo, verificou-se que:
– Houve dano ambiental no local periciado.
– Existe ocupação consolidada de áreas à beira mar e às margens do curso d’água próximo a residência em questão.
(…)
– O Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD não foi totalmente implantado e não cumpriu com os seus objetivos.
– O efluente proveniente da Estação de Tratamento de Efluentes implantada não está com os parâmetros de acordo com a legislação.
Sugere-se a seguinte medida mitigatória:
– Elaboração de um projeto e execução de um tratamento de esgoto complementar ou ajuste do sistema de tratamento atualmente utilizado com objetivo de melhorar a eficiência da ETE e promover a desinfecção do efluente.
-grifei-
Destarte, embora não constadas irregularidades nas edificações que justifiquem a demolição, entendo que a adoção das sugestões acima delineadas é medida necessária para alcançar o fim maior almejado nas ações desta natureza, ou seja, a preservação ambiental. Até por isso, não entendo que a medida acarrete julgamento extra petita, pois a preservação do meio ambiente, bem jurídico tutelado nestas demandas, pode ser alcançada por meio diverso daquele estipulado na petição inicial, e que, no caso concreto, revela-se bem menos agressivo do que as providências postuladas pelo autor da demanda (demolição do imóvel construído, p. ex.).
2.4.6 – Da imposição de condenação pecuniária
Em que pese o entendimento firmado de inexistência de danos em APP, não se pode ignorar as conclusões periciais e as imagens trazidas aos autos que demonstram, de forma incontestável, que a construção dos imóveis importou: [1] a retirada de vegetação; [2] o descumprimento dos alvarás de construção, pois foram erguidos mais pavimentos do que aqueles autorizados; [3] dano paisagístico, porquanto houve prejuízo à visualização do litoral e descaracterização do ambiente original; [4] utilização de explosivos não autorizados no local (detonação de rochas).
Tais fatos são graves e merecem reprimenda pecuniária.
Diante disso, e considerando o potencial econômico dos réus, presumível pela construção dos imóveis objeto desta lide, fixo a indenização pecuniária no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para cada réu, que reverterão em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei nº. 7.347/85.
(…)’
(sublinhei)
O ponto fulcral da lide consiste em saber se a área em que edificada a residência dos réus Arno de Souza, Martinho Diterich e Fúlvio Alberto Trevisan consubstancia área de preservação permanente, área no aedificandi e terreno de marinha.
Quanto à caracterização geográfica da área litigiosa, os autos contém diversos elementos cognitivos, sendo elucidativo citar –
a) o parecer técnico da lavra da bióloga ANA VALÉRIA J. S. EIRALDI (Bióloga / 3.737.497-4), fruto de vistoria in loco da propriedade do réu Arno de Souza, que compõem os autos do Processo n. 01.03.00074/03-02 da Companhia de Polícia de Proteção Ambiental ‘Dr. Fritz Müller’ do Estado Maior da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, literaliza –
‘(…)
Conforme vistoria ‘IN LOCO’ na referida área localizada no bairro – Araçá – Porto Belo, solicitado pelo Tenente Fabrício B. da Silveira, Comandante do 1º Pelotão da Polícia Militar de Proteção Ambiental, constatou-se o seguinte.
* Área de Topografia acentuada e totalmente irregular, pois trata-se de costão, situado em área de Marinha.
* Solo de constituição arenosa pois trata-se de área tipicamente litorânea, Cerca de aproximadamente 5 metros da praia do Araçá de Porto Belo.
* Pôr se tratar de (Costão) esta inserido dentro da área denominada de Floresta de Mata Atlântica, que circula toda a Região litorânea de Santa Catarina, Sendo portanto, área de APP. (Decreto 750 art. 1°)
* Recurso hídricos encontrados a menos de 40 metros da referida área, sendo continuação de uma mesma nascente em curso, que desce do referido morro acima do Costão.
* Abaixo da referida obra, constatou-se ainda um pequeno olho d’água, soterrado com argila e entulhos, cerca de 1 metro.
* A referida obra obteve autorização para ser realizada. FATMA/BLUMENAU. Sendo que a Jurisdição deste Município é de Florianópolis Porem o referido local, segundo legislação ambiental em vigor, não é contemplado com edificações ou obras. Não podendo ser autorizado a não ser quando trata-se de Obra Pública.
(…)’
(sublinhei)
b) o laudo da prova pericial realizada nos autos, por sua vez, consigna –
‘(…)
As edificações ficam localizadas à beira-mar e o afastamento entre as edificações e o curso d´água é variável, de 23,74m a 44,54m; conforme pode ser verificado na planta Planialtimétrica do Levantamento Topográfica no Anexo 10.
(…)
O Sr. Fúlvio mostrou, no porão embaixo da residência dele, as rochas que afloram no terreno, foto 7, argumentando que não seria possível ter vegetação de grande porte devido ao terreno rochoso.
(…)
SOBRE O LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO
Através do levantamento topográfico, que se encontra no anexo 10, pode se concluir que a residência do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan está a uma distância de 23,74m do curso d’água no ponto mais próximo, e a residência do Sr. Arno de Souza a uma distância de 39,35 do curso d’água no ponto mais próximo.
(…)
QUESITOS SR. ARNO DE SOUZA E MARTINHO DIETRICH
(…)
3 – Podem os Senhores Peritos esclarecer, considerando-se que o lote onde foi construída a residência situa-se entre a estrada e o mar, qual a sua inclinação e declividade?
R: Conforme levantamento topográfico, anexo 10, a inclinação do lote está entre 28° e 32° e a declividade entre 54% e 63%.
4 – Podem os Senhores Peritos esclarecer se há nas imediações da residência um córrego? – Caso positivo, qual sua vazão e largura? – E, qual a distância do córrego e da respectiva nascente, em relação à residência em questão?
R: Sim, existe um córrego nas imediações da residência. Não foi realizada a medição de vazão do córrego devido a sua grande variação, conforme pode ser verificado nas fotos 6 e 10, e considerando que a população local capta água para abastecimento de suas residências, porém pode se concluir que é um córrego com vazão bem pequena. A distância da margem do córrego até a residência geminada é de 39,35m no ponto mais próximo o curso d’água.
(…)
QUESITOS IBAMA
(…)
2- Como é caracterizado geomorfológica e topograficamente o local ocupado pelo imóvel e a área degradada em questão?
R: Segundo CARUSO (2007), na região da Ponta do Araçá: ‘predomina a unidade geomorfológica Serras do Leste Catarinense, que integra o domínio morfoestrutural Rochas granitóides, e pequenas áreas de Planície Marinha relacionado ao domínio Depósitos Sedimentares Quaternários’. A área em questão é composta por 2 (dois) terrenos de forma irregular, apresentando topografia acidentada, com declividade entre 54% e 63% e inclinação entre 28° e 32°, sendo as divisas: a sudoeste um lote sem edificações, a noroeste a Praia do Caixa D’aço, ao nordeste o lote do Sr. Cesar Obenaus e a sudeste a Rua Antônio José de Aquino.
3- Existe curso d’água, permanente ou mesmo intermitente, que atravesse o interior do imóvel, da área degradada ou esteja em sua divisa ou próximo desta? Se afirmativo: quais as larguras médias destes cursos neste trecho? Eles sofrem influência de maré?
R: Sim, existe curso d’água permanente próximo às edificações. A distância da margem do córrego até a residência do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan é de 23,74 metros e a distância até a residência geminada é de 39,35m. A largura média do curso d’água é de 1 metro. O curso d’água não sofre influência da maré.
(…)
6- CONCLUSÃO
(…)
Apesar de estarem inseridos num só processo há muitas diferenças entre os imóveis do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan e dos Srs. Arno de Souza e Martinho Dietrich, portanto as considerações finais serão feitas separadamente.
6.1- Imóvel do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan
Com base em todos os dados obtidos no processo, através das vistorias, em consulta às partes, e nos levantamentos realizados em campo, verificou-se que:
– Houve dano ambiental no local periciado.
– Existe ocupação consolidada de áreas à beira mar e às margens do curso d’água próximo a residência em questão.
– A edificação do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan encontra-se parcialmente inserida em Área de Preservação Permanente – APP.
– O habite-se liberado para o Sr. Fúlvio Alberto Trevisan, às fls. 415 dos autos, foi liberado para residência de 284,04 m² com dois pavimentos e a residência foi executada com térreo mais dois pavimentos. Segundo projeto da residência do Sr. Fúlvio às fls. 416 dos autos a taxa de ocupação calculada foi de 32,06% e a taxa de ocupação para Zona de Interesse Turístico é de 20%.
– O habite-se liberado não possui número, e foi assinado somente pelo Secretário de Planejamento, Sr. Luiz Alberto Guerreiro. Segundo Decreto Municipal N 013/2001, todas e quaisquer certidões, alvarás, licenças e ou informações prestadas via documental, pela administração do Município de Porto Belo, a qualquer cidadão, somente poderão ser liberadas após terem sido rubricadas pelo Chefe do Poder Executivo.
– O Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD não foi totalmente implantado e não cumpriu com os seus objetivos.
– O efluente proveniente da Estação de Tratamento de Efluentes implantada não está com os parâmetros de acordo com a legislação.
(…)
6.2- Imóvel dos Srs. Arno de Souza e Martinho Dietrich
Com base em todos os dados obtidos no processo, através das vistorias, em consulta às partes, e nos levantamentos realizados em campo, verificou-se que:
– Houve dano ambiental periciado.
– Existe ocupação consolidada de áreas à beira mar e às margens do curso d’água próximo a residência em questão.
– As edificações dos Srs. Arno de Souza e Martinho Dietrich não se encontram inseridas em Área de Preservação Permanente – APP.
– O Alvará de Construção liberado em nome do Sr. Arno de Souza, às fls. 56 dos autos, não possui número, foi liberado para residência com 800,00 m² com dois pavimentos e a residência geminada foi executada com quatro pavimentos. O Alvará possui somente uma assinatura e, segundo Decreto Municipal N 013/2001, todas e quaisquer certidões, alvarás, licenças e ou informações prestadas via documental, pela administração do Município de Porto belo, a qualquer cidadão, somente poderão ser liberados após terem sido rubricadas pelo Chefe do Poder Executivo.
– O habite-se liberado em nome do Sr. Martinho Dietrich, anexo 07, foi liberado para residência com 715,48 m² com dois pavimentos e a residência geminada foi executada com quatro pavimentos, não possui. O habite-se possui somente uma assinatura e, segundo Decreto Municipal N 013/2001, todas e quaisquer certidões, alvarás, licenças e ou informações prestadas via documental, pela administração do Município de Porto Belo, a qualquer cidadão, somente poderão ser liberadas após terem sido rubricadas pelo Chefe do Poder Executivo.
– O Plano de Recuperação de Áreas Degradas – PRAD não foi totalmente implantado e não cumpriu com os seus objetivos.
– O efluente proveniente da Estação de Tratamento de Efluentes implantada não está com os parâmetros de acordo com a legislação.
(…)’
(sublinhei)
O laudo pericial é indene de dúvida acerca da localização do imóvel do réu Fúlvio Alberto Trevisan em área de preservação permanente.
Igualmente, o laudo pericial denota que os imóveis dos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan, pela sua distância da beira mar, consubstanciam terreno de marinha. E o fato dos imóveis situarem-se em terreno de marinha no Município de Porto Belo/SC, per se, caracteriza a indigitada área como de preservação permanente e no aedificandi. Nesse sentido, é a Lei n. 426/84 do Município de Porto Belo/SC que dispõe –
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º – Fica instituído o Plano Diretor Físico-Territorial de Porto Belo, para orientação e acompanhamento de desenvolvimento da cidade e balneários, de acordo com o disposto nesta Lei e documentos que são parte integrante do seu texto.
Art. 2º – Constituem parte integrante desta Lei, plantas nas escalas 1:5000, contendo o zoneamento, o sistema viário, os equipamentos urbanos e o parcelamento do solo.
Art. 3º – Constituem também parte integrante desta Lei as tabelas definindo índices de aproveitamento e de usos do solo, além dos anexos contendo estudos de dimensionamentos do sistema viário e indicações detalhadas para soluções urbanísticas.
Art. 4º – Esta Lei somente poderá ser alterada no seu todo ou em parte, quando após, ouvido o Conselho Municipal de Planejamento Urbano, ratificadas e aprovadas pelo Legislativo Municipal.
CAPÍTULO II
DO USO DO SOLO
SEÇÃO I
DO ZONEAMENTO DE USOS
Art. 5º – A presente Lei divide o Território Municipal dentro dos limites do perímetro urbano, em áreas e zonas, define as atividades e usos permissíveis em cada uma delas e estabelece as intensidades de utilização do solo, segundo suas características físicas principais.
Art. 6º – Para cada zona existem usos admissível, permissível e vetado.
Parágrafo único – Os usos permissíveis serão aprovados mediante análise do Conselho Municipal de Planejamento Urbano.
Art. 7º – Para efeito desta Lei, considera ‘no aedificandi’ os terrenos situados nas zonas ZPP-1, ZPP-2 e ZPP-3, localizadas em todo o Município, conforme indicados nas pranchas de nº 01 a 07, integrante desta Lei, bem como as galerias dos rios ‘da Vina’ do rio do ‘Rebelo’ (5,00m em cada lado) – localizado na sede – Rio da Barra (5,00m) – localizado em Bombas – Rio de Bombinhas (5,00m) – localizado em Bombinhas – Rio Passa Vinte (5,00m) – localizado em Morrinhos – Rio Santa Luzia (5,00m) – localizado em Santa Luzia (divisa com o Município de Tijucas) – e o Rio Pereque (5,00m) – divisa com o Município de Itapema – bem como áreas de ocorrência de jazidas pré-históricas (sambaquis) de Araçá e do Canto Grande e a bacia hídrica do Morro de Santa Luzia acima da cota 20,00m em todo seu contorno, junto a costa Sudeste, bem como sua parte oriental.
Art. 8º – Fica vedado a qualquer pessoa física ou jurídica, o lançamento de qualquer resíduo direta ou indiretamente, nos cursos d`água, canais, lagos e no mar, sem a prévia autorização do órgão Municipal e Estadual competentes, para dispor sobre as modalidades do tratamento e disposição final em cada caso.
CAPÍTULO III
DA CLASSIFICAÇÃO DOS USOS
Art. 9º – A área urbana do Município de Porto Belo divide-se em zonas, cujos limites estão indicados nas pranchas de nº 01 a 07, que acompanham esta lei e são classificados segundo a predominância de uso em: (Vide Lei nº 1112/1999)
(…)
Zona de Preservação Permanente (ZPP) – representa três categorias de áreas ‘non aedificandi’
ZPP-1 – destinada a preservação das faixas de areia existentes em todo o Município, bem como as áreas acrescidas de Marinha natural ou artificialmente, pertencentes ao Patrimônio da União, e destinadas exclusivamente para uso público.
(…)
(sublinhei)
Também, releva anotar que o dissenso verificado entre o parecer técnico da bióloga Ana Valéria J. S. Eiraldi e o laudo pericial quanto à caracterização dos imóveis dos réus Arno de Souza e Martinho Dietrich como área de preservação permanente também não subsiste à vista das características geomorfológicas dos imóveis. Assim o é porque, ainda que se desconsidere que a residência dos nominados réus situa-se em terreno de marinha, ainda assim, o parecer técnico da bióloga Ana Valéria J. S. Eiraldi identifica a área dos imóveis como sendo ‘Costão’. E, rigorosamente, os costões gozam de proteção legal específica, legislação essa que remonta à época em que deferidas autorizações/licenças à edificação da residência dos nominados réus. Ao que interessa à lide, a legislação de regência consigna –
Constituição Federal/88
Art. 225. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
(…)
§ 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
(sublinhei)
Lei n. 7.661/88 –
Art. 1º. Como parte integrante da Política Nacional para os Recursos do Mar – PNRM e Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, fica instituído o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC.
Art. 2º. Subordinando-se aos princípios e tendo em vista os objetivos genéricos da PNMA, fixados respectivamente nos arts. 2º e 4º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, o PNGC visará especificamente a orientar a utilização nacional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei, considera-se Zona Costeira o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definida pelo Plano.
Art. 3º. O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:
I – recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas;
II – sítios ecológicos de relevância cultural e demais unidades naturais de preservação permanente;
III – monumentos que integrem o patrimônio natural, histórico, paleontológico, espeleológico, arqueológico, étnico, cultural e paisagístico.
(…)
Art. 5º. O PNGC será elaborado e executado observando normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, estabelecidos pelo CONAMA, que contemplem, entre outros, os seguintes aspectos: urbanização; ocupação e uso do solo, do subsolo e das águas; parcelamento e remembramento do solo; sistema viário e de transporte; sistema de produção, transmissão e distribuição de energia; habitação e saneamento básico; turismo, recreação e lazer; patrimônio natural, histórico, étnico, cultural e paisagístico.
§ 1º Os Estados e Municípios poderão instituir, através de lei, os respectivos Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento Costeiro, observadas as normas e diretrizes do Plano Nacional e o disposto nesta lei, e designar os órgãos competentes para a execução desses Planos.
§ 2º Normas e diretrizes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como limitações à utilização de imóveis, poderão ser estabelecidas nos Planos de Gerenciamento Costeiro, Nacional, Estadual e Municipal, prevalecendo sempre as disposições de natureza mais restritiva.
Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.
§ 1º. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei.
§ 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei.
Art. 7º. A degradação dos ecossistemas, do patrimônio e dos recursos naturais da Zona Costeira implicará ao agente a obrigação de reparar o dano causado e a sujeição às penalidades previstas no art. 14 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, elevado o limite máximo da multa ao valor correspondente a 100.000(cem mil) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. As sentenças condenatórias e os acordos judiciais (vetado), que dispuserem sobre a reparação dos danos ao meio ambiente pertinentes a esta lei, deverão ser comunicados pelo órgão do Ministério Público ao CONAMA.
(sublinhei)
Resolução do CONAMA n.º 001 de 23/01/86
Art. 1º – Para o efeito desta resolução, considera-se Impacto Ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causado por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança e o bem estar da população; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos naturais.
(sublinhei)
Lei 5.793/80 do Estado de Santa Catarina –
Art. 1º Esta lei, ressalva a competência da União, estabelece normas gerais, visando proteção e melhoria da qualidade ambiental.
Art. 2º Para fins previstos nesta lei:
I – meio ambiente é a interação de fatores, químicos e biológicos que condicionam a existência de seres vivos e de recursos naturais e culturais;
II – degradação da qualidade ambiental é a alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada pôr qualquer forma de energia ou de substâncias sólidas, líquidas e gasosas, ou combinação de elementos produzidos por atividades humanas ou delas decorrentes, em níveis capazes de, direta ou indiretamente:
a) prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criar condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) ocasionar danos relevantes à flora, à fauna e outros recursos naturais
III – recursos naturais são a atmosfera, às águas interiores superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territoriais, o solo, a fauna e a flora.
Art. 3º As diretrizes para a proteção e melhoria da qualidade ambiental serão formuladas em normas e planos administrativos, destinados a orientar a ação dos governos do Estado e dos Municípios.
§1º As atividades empresariais, públicas ou privadas, serão exercidas em consonância com as diretrizes para a proteção e melhoria da qualidade ambiental, respeitados os critérios, normas e padrões fixados pelo Governo Federal.
§2º A instalação e a expansão de atividades empresariais, públicas ou privadas dependem de apreciação e licença do órgão competente do Estado responsável pela proteção e melhoria do meio ambiente, ao qual serão submetidos os projetos acompanhados dos relatórios de impacto ambiental.
§3º Decreto do Chefe do Poder Executivo regulamentará a concessão de licença de que trata o parágrafo anterior.
(…)
(sublinhei)
Do transcrito, verifica-se que a legislação de regência utiliza-se da terminologia ‘costão’ para designar acidentes costeiros da paisagem litorânea do Estado de Santa Catarina a fim de salvaguardar esses locais especialmente destacados na Zona Costeira. Sobre o tema, vale anotar que CARVALHAL F. e BERCHEZ F.A.S. afirmam:
‘Costão rochoso é o nome dado ao ambiente costeiro formado por rochas situado na transição entre os meios terrestre e aquático. É considerado muito mais uma extensão do ambiente marinho que do terrestre, uma vez que a maioria dos organismos que o habitam, estão relacionados ao mar. No Brasil, suas rochas possuem origem vulcânica e são estruturadas de diversas maneiras. É um ambiente extremamente heterogêneo: pode ser formado por paredões verticais bastante uniformes, que estendem-se muitos metros acima e abaixo da superfície da água (ex. a Ilha de Trindade) ou por matacões de rocha fragmentada de pequena inclinação (ex. a costa de Ubatuba/SP). No Brasil, pode-se encontrar costões rochosos por quase toda a costa. Seu limite de ocorrência ao Sul se dá em Torres (RS) e ao Norte, na Baía de São Marcos (MA) sendo que a maior concentração deste ambiente está na região Sudeste, onde a costa é bastante recortada’.
(Costão Rochoso, a diversidade em microescala. Disponível em http://www.ib.usp.br/ecosteiros/textos_educ/costao/index2.htm. Acessado em 24 de julho de 2013)
Nessa equação, presentes os conceitos acima transcritos em cotejo com os elementos cognitivos que constam dos autos, é factível concluir que o local em que edificada as residências de todos os réus caracteriza sim ‘costão’, acidente geográfico que goza de proteção especial na legislação brasileira.
Impende gizar, em melhor exame, que a antinomia havida entre a Lei n. 4.771/65 (Código Florestal) e a Lei n. 6.766/79 no concernente à distância que caracteriza área de preservação permanente a partir de um curso d’água resolve-se pela aplicação do Código Florestal. Nesse sentido, bastante elucidativo é o precedente que segue –
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSO CIVIL. Cerceamento de defesa não configurado. DANO AMBIENTAL. Construção em faixa non edificandi. Área de preservação permanente. Lei nº 4.771/65. Lei nº 6.766/79. independência entre as esferas cível e penal. 1. Regularmente intimada a especificar provas que julga pertinentes para o deslinde da causa e, quedando-se silente no prazo assinalado pelo Juízo, não pode a parte, em momento posterior, alegar cerceamento de defesa. 2. A aplicação do Código Florestal em áreas definidas como urbanas pela municipalidade enseja a compatibilidade entre as Leis nº 4.771/65 e 6.766/79 ao caso concreto. 3. Tratando-se de Área de Preservação Permanente, ainda que a mesma possa ter sido especificada pela legislação municipal e/ou pelo Plano Diretor como urbana, a atividade de construção deve observar o disposto pelo Código Florestal, tendo em vista a aplicação da lei específica que menciona o art. 4º, inciso III, da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/79). 4. A construção ou edificação em faixa non edificandi sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes configura conduta lesiva ao meio ambiente, a ensejar a reparação do dano ambiental. 5. A extinção da punibilidade do crime ambiental por ocorrência da prescrição não tem o condão de influenciar o julgamento da ação por dano ambiental na seara cível, tendo em vista a independência entre as esferas. 6. Apelação desprovida.
– TRF/2R, AC 200451090002948, Rel. Des. Federal MARCELO PEREIRA/no afast. Relator, Oitava Turma Especializada, E-DJF2R – Data: 25/03/2010
(sublinhei)
Assim, também sob esse aspecto, as residências dos réus situam-se em área de preservação permanente porque as construções não distam, do curso d’água existente no local, o mínimo previsto pela legislação de regência à preservação do meio ambiente.
Repercussão da condenação criminal dos réus Arno de Souza e Martinho Dietrich (ACr n. 2002.72.08.002522-8/SC) à lide
Os réus Arno de Souza e Martinho Diterich foram condenados criminalmente pela conduta objurgada nesta ação civil pública. A parte dispositiva do julgado criminal consigna –
‘(…)
Frente ao exposto, dou parcial provimento ao apelo interposto pelo Ministério Público Federal para condenar MARTINHO DIETRICHT e ARNO DE SOUZA por infração ao disposto nos arts. 39, 44 e 64 da Lei 9.605/98 e, de ofício, declaro extinta a punibilidade dos réus em relação às condutas típicas descritas nos arts. 44 e 64 da Lei 9.605/98 por força do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, nos termos da fundamentação.
(…)’
(sublinhei)
Ao que interessa à lide, a Lei n. 9.605/98 literaliza –
Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente:
Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
(…)
Art. 44. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
(…)
Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
(sublinhei)
A condenação criminal produz certeza acerca da existência do fato e de sua autoria (CC, art. 935).
Os réus Arno de Souza e Martinho Dietrich foram condenados criminalmente pela exploração indevida de área de preservação permanente, não edificável. Os fatos que levaram à condenação criminal dos nominados são os mesmos objurgados na ação civil pública sub examine. Assim, ainda que a prova produzida neste caderno processual não fosse suficiente à caracterização dos imóveis como área de preservação permanente, não edificável e terreno de marinha – o que não ocorre porque a prova é sobeja em demonstrar tal característica da área -, ainda assim, a condenação criminal produziria certeza acerca de tal fato porquanto integrante do tipo penal cuja realização pelos réus restou reconhecida pelo Poder Judiciário.
Irregularidade das construções perpetradas pelos réus
A construção da casa dos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan deu-se ao arrepio da legislação de regência vigente à época dos fatos.
De consequência, a Autorização de Construção n. 1234, concedida em 12/03/2002 pelo Município de Porto Belo à construção da residência dos réus em área de preservação permanente, no aedificandi (Lei Municipal n. 426/84, art. 9º) ostenta vício de origem porquanto falecia competência à autoridade administrativa para conceder tal autorização.
Por igual razão – impossibilidade de construção em área de preservação permanente, no aedificandi -, afigura-se insubsistente a autorização ambiental (AuA n. 014/02) concedida pela FATMA em 21/03/2002 à construção da residência dos réus. E essa insubsistência restou reconhecida pelo próprio órgão ambiental no exercício do poder de autotutela haja vista em 04/12/2003, após constatar a ilegalidade da AuA n. 014/02, ter cancelado o indigitado ato administrativo.
Ainda, releva anotar que a área em que construída a residência dos réus situa-se em terreno de marinha e não se indigita a sua regularidade perante a Secretaria de Patrimônio da União.
Quanto à nulidade de autorização ou licença à construção em área de preservação permanente, bastante exemplificativos são os arestos que seguem –
..EMEN: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. ZONA COSTEIRA. LEI 7.661/1988. CONSTRUÇÃO DE HOTEL EM ÁREA DE PROMONTÓRIO. NULIDADE DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA URBANÍSTICO-AMBIENTAL. OBRA POTENCIALMENTE CAUSADORA DE SIGNIFICATIVA DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL – EPIA E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL – RIMA. COMPETÊNCIA PARA O LICENCIAMENTO URBANÍSTICO-AMBIENTAL. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR (ART. 4°, VII, PRIMEIRA PARTE, DA LEI 6.938/1981). RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938/1981). PRINCÍPIO DA MELHORIA DA QUALIDADE AMBIENTAL (ART. 2°, CAPUT, DA LEI 6.938/1981). 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta pela União com a finalidade de responsabilizar o Município de Porto Belo-SC e o particular ocupante de terreno de marinha e promontório, por construção irregular de hotel de três pavimentos com aproximadamente 32 apartamentos. 2. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, deu provimento às Apelações da União e do Ministério Público Federal para julgar procedente a demanda, acolhendo os Embargos Infringentes, tão-só para eximir o proprietário dos custos com a demolição do estabelecimento. 3. Incontroverso que o hotel, na Praia da Encantada, foi levantado em terreno de marinha e promontório, este último um acidente geográfico definido como ‘cabo formado por rochas ou penhascos altos’ (Houaiss). Afirma a união que a edificação se encontra, após aterro ilegal da área, ‘rigorosamente dentro do mar’, o que, à época da construção, inclusive interrompia a livre circulação e passagem de pessoas ao longo da praia. 4. Nos exatos termos do acórdão da apelação (grifo no original): ‘O empreendimento em questão está localizado, segundo consta do próprio laudo pericial às fls. 381-386, em área chamada promontório. Esta área é considerada de preservação permanente, pela legislação do Estado de Santa Catarina por meio da Lei n° 5.793/80 e do Decreto n° 14.250/81, bem como pela legislação municipal (Lei Municipal n° 426/84)’. 5. Se o Tribunal de origem baseou-se em informações de fato e na prova técnica dos autos (fotografias e laudo pericial) para decidir a) pela caracterização da obra ou atividade em questão como potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente – de modo a exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (Epia) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) – e b) pela natureza non aedificandi da área em que se encontra o hotel (fazendo-o também com fulcro em norma municipal, art. 9°, item 7, da Lei 426/1984, que a classifica como ‘Zona de Preservação Permanente’, e em legislação estadual, Lei 5.793/1980 e Decreto 14.250/1981), interditado está ao Superior Tribunal de Justiça rever tais conclusões, por óbice das Súmulas 7/STJ e 280/STF. 6. É inválida, ex tunc, por nulidade absoluta decorrente de vício congênito, a autorização ou licença urbanístico-ambiental que ignore ou descumpra as exigências estabelecidas por lei e atos normativos federais, estaduais e municipais, não produzindo os efeitos que lhe são ordinariamente próprios (quod nullum est, nullum producit effectum), nem admitindo confirmação ou convalidação. 7. A Lei 7.661/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, previu, entre as medidas de conservação e proteção dos bens de que cuida, a elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental – Epia acompanhado de seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental – Rima. 8. Mister não confundir prescrições técnicas e condicionantes que integram a licença urbanístico-ambiental (= o posterius) com o próprio Epia/Rima (= o prius), porquanto este deve, necessariamente, anteceder aquela, sendo proibido, diante da imprescindibilidade de motivação jurídico-científica de sua dispensa, afastá-lo de forma implícita, tácita ou simplista, vedação que se justifica tanto para assegurar a plena informação dos interessados, inclusive da comunidade, como para facilitar o controle administrativo e judicial da decisão em si mesma. 9. Indubitável que seria, no plano administrativo, um despropósito prescrever que a União licencie todo e qualquer empreendimento ou atividade na Zona Costeira nacional. Incontestável também que ao órgão ambiental estadual e municipal falta competência para, de maneira solitária e egoísta, exercer uma prerrogativa – universal e absoluta – de licenciamento ambiental no litoral, negando relevância, na fixação do seu poder de polícia licenciador, à dominialidade e peculiaridades do sítio (como áreas representativas e ameaçadas dos ecossistemas da Zona Costeira, existência de espécies migratórias em risco de extinção, terrenos de marinha, manguezais), da obra e da extensão dos impactos em questão, transformando em um nada fático-jurídico eventual interesse concreto manifestado pelo Ibama e outros órgãos federais envolvidos (Secretaria do Patrimônio da União, p. ex.). 10. O Decreto Federal 5.300/2004, que regulamenta a Lei 7.661/1988, adota como ‘princípios fundamentais da gestão da Zona Costeira’ a ‘cooperação entre as esferas de governo’ (por meio de convênios e consórcios entre União, Estados e Municípios, cada vez mais comuns e indispensáveis no campo do licenciamento ambiental), bem como a ‘precaução’ (art. 5°, incisos XI e X, respectivamente). Essa postura precautória, todavia, acaba esvaziada, sem dúvida, quando, na apreciação judicial posterior, nada mais que o fato consumado da degradação ambiental é tudo o que sobra para examinar, justamente por carência de diálogo e colaboração entre os órgãos ambientais e pela visão monopolista-exclusivista, territorialista mesmo, da competência de licenciamento. 11. Pacífica a jurisprudência do STJ de que, nos termos do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/1981, o degradador, em decorrência do princípio do poluidor-pagador, previsto no art. 4°, VII (primeira parte), do mesmo estatuto, é obrigado, independentemente da existência de culpa, a reparar – por óbvio que às suas expensas – todos os danos que cause ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade, sendo prescindível perquirir acerca do elemento subjetivo, o que, consequentemente, torna irrelevante eventual boa ou má-fé para fins de acertamento da natureza, conteúdo e extensão dos deveres de restauração do status quo ante ecológico e de indenização. 12. Ante o princípio da melhoria da qualidade ambiental, adotado no Direito brasileiro (art. 2°, caput, da Lei 6.938/81), inconcebível a proposição de que, se um imóvel, rural ou urbano, encontra-se em região já ecologicamente deteriorada ou comprometida por ação ou omissão de terceiros, dispensável ficaria sua preservação e conservação futuras (e, com maior ênfase, eventual restauração ou recuperação). Tal tese equivaleria, indiretamente, a criar um absurdo cânone de isonomia aplicável a pretenso direito de poluir e degradar: se outros, impunemente, contaminaram, destruíram, ou desmataram o meio ambiente protegido, que a prerrogativa valha para todos e a todos beneficie. 13. Não se pode deixar de registrar, em obiter dictum, que causa no mínimo perplexidade o fato de que, segundo consta do aresto recorrido, o Secretário de Planejamento Municipal e Urbanismo, Carlos Alberto Brito Loureiro, a quem coube assinar o Alvará de construção, é o próprio engenheiro responsável pela obra do hotel. 14. Recurso Especial de Mauro Antônio Molossi não provido. Recursos Especiais da União e do Ministério Público Federal providos. ..EMEN:
– STJ, RESP 769753, Relator HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, DJE DATA:10/06/2011
(sublinhei)
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO EM ZONA DE PROMONTÓRIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NON AEDIFICANDI. AUSÊNCIA DE LICENCIAMENTO. DEMOLIÇÃO. É irregular a construção de residência em área de promontório, considerada de preservação permanente pela legislação, e, conseqüentemente, área non aedificandi.Constatada a construção em terreno de marinha, na Zona Costeira, com danos à mata atlântica e sem licenciamento ambiental, cabível a demolição da obra.
– TRF/4R, AC 2004.72.08.001001-5, Quarta Turma, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, D.E. 23/06/2008
(sublinhei)
DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE MARINHA. ZONA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA. 1. Além de configurar terreno de marinha, a área em que está situada a construção localiza-se em Zona de Preservação Permanente (ZPP) prevista na Lei Orgânica do Município de Laguna/SC, consoante informado pela Administração Municipal. (…) 5. Sob este prisma exsurge inarredável a necessária ingerência do Judiciário sobre o mundo fático. Ocorre que, num mundo como o atual, onde cada vez mais, os problemas ambientais vêm degradando a qualidade de vida, todos têm responsabilidades a assumir e o Poder Judiciário, uma vez provocado, deve fazer prevalecer os postulados constitucionais e a lei, voltando-se para uma interpretação comprometida com essa realidade, para a melhoria do ecossistema. 6. Impõe-se a demolição da construção irregular (imóvel de alvenaria) e condenação do réu em proceder à completa reparação da área, através da remoção dos detritos, bem como pela plantação da vegetação característica do local.
– TRF/4R, AC 2002.72.07.008762-6, Quarta Turma, Relator MARGA INGE BARTH TESSLER, D.E. 27/08/2007
(sublinhei)
CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. REMESSA EX OFFICIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LEITO DE RIO. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO. ART. 225, PARÁGRAFO 1º, VII, E PARÁGRAFO 3º C/C ART. 23, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ARTS. 2º E 22 DA LEI N.º 4.771/65 C/C ARTS. 3º E 4º DA LEI N.º 6.766/79. DEMOLIÇÃO DO IMÓVEL. MEDIDA NECESSÁRIA. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO NOCIVA MAIOR A SER INDENIZADA. PELO IMPROVIMENTO DA REMESSA OFICIAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. O Município de Pitimbu é responsável pela agressão ao meio ambiente, sendo devida a sua condenação. A edificação, indubitavelmente, ocorreu em Área de Preservação Permanente (APP), conforme o Relatório de Vistoria n.º 01/00 do IBAMA que informa a localização do imóvel dentro do leito maior do Rio Acaú. 2. As fotografias trazidas aos autos pelo IBAMA confirmam que a construção foi erguida em Área de Preservação Permanente, pelo que houve negligência do Município de Pitimbu na fiscalização e proteção do meio ambiente. 3. A responsabilidade do Município, neste caso, originou-se de sua omissão, independentemente de estarem sendo efetuados projetos de fiscalização, haja vista restar evidenciado não terem sido as ações eficazes, diante da agressão constatada, de forma que não pode o meio ambiente ficar desamparado diante da omissão do governo local. 4. Nos termos do Art. 2º do Código Florestal (Lei n.º 4.771/65), são consideradas Áreas de Preservação Permanente as situadas ao longo dos rios, contendo vegetação típica do local. 5. A Lei n.º 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, impede edificações em áreas de preservação ecológica. 6. A Competência do Município de Pitimbu é inconteste no caso sub examine, conforme orientação da CF/88 (Art. 225, parágrafo 1º, VII, e parágrafo 3º c/c Art.. 23, VI), bem como da Lei n.º 4.771/65, que, em seu art. 22, prevê ser da competência dos municípios a fiscalização do meio ambiente, atuando a União supletivamente. 7. É suficiente a demolição do imóvel irregularmente erguido em Área de Preservação Permanente e a consequente remoção do entulho, eis que não restou demonstrada, durante a instrução processual, nenhuma repercussão nociva maior a ser indenizada. 8. Remessa oficial improvida.
– TRF/5R, REO 200382000050981, Relator Des. Federal Francisco Cavalcanti, Primeira Turma, DJE – Data: 17/09/2009
Dano ambiental – prova suficiente à comprovação da sua existência
O dano ambiental provocado pela residência dos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan restou comprovado pelos elementos cognitivos dos autos, notadamente a prova pericial. In verbis –
‘(…)
QUESITOS SR. ARNO DE SOUZA E MARTINHO DIETRICH
(…)
4 – Podem os Senhores Peritos esclarecer se há nas imediações da residência um córrego? – Caso positivo, qual sua vazão e largura? – E, qual a distância do córrego e da respectiva nascente, em relação à residência em questão?
R: Sim, existe um córrego nas imediações da residência. Não foi realizada a medição de vazão do córrego devido a sua grande variação, conforme pode ser verificado nas fotos 6 e 10, e considerando que a população local capta água para abastecimento de suas residências, porém pode se concluir que é um córrego com vazão bem pequena. A distância da margem do córrego até a residência geminada é de 39,35m no ponto mais próximo o curso d’água. Não se verificou a distância da nascente até a residência, porém a distância ultrapassa, e muito, os 50 metros previstos na Lei 4.771/65.
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7 – Podem os Senhores Peritos esclarecer, sob o ponto de vista do meio ambiente, se eventuais danos decorrentes em face da construção se tornaram irreversíveis?
R: A ocorrência de um dano ambiental não permite o retorno da qualidade ambiental exatamente ao estado anterior ao dano, ficando sempre algumas conseqüências do dano que são impossíveis de serem totalmente eliminadas. A natureza nunca pode ser completamente recomposta após a degradação, há sempre algo irreversível na degradação cometida, porém os danos podem ser reparados da maneira mais próxima possível a condição anterior ao dano ou daquela que o meio ambiente estaria caso não houvesse ocorrido o dano.
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QUESITOS SR. FÚLVIO ALBERTO TREVISAN
(…)
1- Considerando as condições originais da área, já destacadas no processo judicial, a edificação do Sr. Fúlvio promoveu a redução de espécies vegetais ou animais e respectiva alteração do exossistema local? Em caso positivo, como isto pode ser caracterizado?
R: Através da observação das fotos nas fls. 386 e 387 dos autos pode se observar que o terreno possuía vegetação rasteira, portanto houve alteração do ecossistema local, com alteração do relevo provocado pela movimentação de terra, além de parte do imóvel estar localizado em Área de Preservação Permanente – APP e, toda intervenção produz alteração no ecossistema.
2- O conjunto da obra realizada, assim como se encontra atualmente, representa potencial impacto poluidor ou degradador ao meio ambiente? A edificação é lesiva ao meio ambiente?
R: Considerando a edificação concluída e o sistema de tratamento de efluentes implantado, pode ser afirmado que a edificação é lesiva ao meio ambiente ou representa por si só, potencial impacto poluidor ou degradador ao meio ambiente porque o sistema de tratamento de efluentes não apresenta eficiência a ponto de não introduzir poluentes no local.
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4- A reparação do suposto dano causado sob a ótica de restabelecimento das condições originais da área (status quo ante), só pode ser obtida pela completa remoção da edificação?
R: Sim. Sabe-se que a ocorrência de um dano ambiental não permite o retorno da qualidade ambiental exatamente ao estado anterior ao dano, ficando sempre algumas conseqüências do dano que são impossíveis de serem totalmente eliminadas. A natureza nunca pode ser completamente recomposta após a degradação, há sempre algo irreversível na degradação cometida, porém os danos podem ser reparados da maneira mais próxima possível a condição anterior ao dano ou daquela que o meio ambiente estaria caso não houvesse ocorrido o dano. Somente com a completa remoção da edificação poderia se chegar ao restabelecimento do estado original e similar às condições naturais existentes no entorno do imóvel, conseguindo, com isso regatar o equilíbrio ecológico.
5- Existem outras edificações construídas em condições similares à edificação em questão?
R: Sim. Foi observado que na orla outros imóveis encontrams-e construídos a beira mar, conforme pode ser observado nas fotos e e 11, e também existem edificações às margens do curso d’água, ou seja em Área de Preservação Permanente – APP, conforme pode ser observado na foto 3.
6- Em caso positivo, quantas edificações estão nesta condições? E onde se localizam?
R: Existem duas residências novas construídas em terrenos ao lado do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan. Uma residência geminada de propriedade dos Srs. Arno de Souza e Martinho Dietrich, partes neste processo, e a outra do Sr. César Obenaus, parte no processo Nº 2004.72.08.005508-4.
(…)
8- No caso de remoção da edificação do Sr. Fúlvio, esta compreenderá ações de demolição, remoção e transporte de entulhos de construção civil. Esta atividade caracterizará um novo impacto ambiental? Em caso positivo, quais seriam os aspectos ambientais afetados?
R: Sim. Impactos negativos: poluição sonora, poluição atmosférica (poeira, máquinas), tráfego intenso de veículos, causando incômodo à população. Impactos positivos: recuperação da vegetação existente anteriormente no local, retorno da fauna ao local, além da possibilidade de visualização da paisagem litorânea pela Rua Antônio José Aquino, restabelecimento do equilíbrio ecológico do local.
9- Considerando que a recomposição das condições originais da área compreenderá também a remoção de pavimentação asfáltica da via de acesso, a remoção do sistema de esgotamento sanitário implantado e destruição da escada de acesso à praia, elementos infra-estruturais que atualmente atendem todas as residências vizinhas, pergunta-se: Serão estes impactos ambientais positivos ou negativos se comparados à condição atual proporcionada pela infra-estrutura presente?
R: A recomposição das condições originais da área não necessariamente inclui a remoção da pavimentação asfáltica, remoção do sistema de esgotamento sanitário implantado e destruição da escada de acesso á praia, pois em Área de Preservação Permanente é permitido a execução de obras de utilidade pública ou interesse social, segundo resolução do CONAMA Nº 369/06. Todas as benfeitorias mencionadas podem ser consideradas medidas compensatórias e serem mantidas.
10- O que está construído pode ser adequado e harmonizado à paisagem local? Por que?
R: Essa resposta exige uma opinião particular, pois é uma questão subjetiva. Contudo, houve a descaracterização da paisagem natural, ferindo o ambiente paisagístico da região o que, com a construção não pode ser harmonizado com a paisagem.
(…)
12- Por fim, considerando-se o conceito de ‘Degradação Ambiental’ descrito no Art. 3º do Decreto Estadual 14.250/81 e Art. 3º da Lei 6.938/81, pode o perito evidenciar a presença de degradação ambiental e conseqüente dano ambiental aos recursos na área em objeto, tais como ao ribeirão, solo, vegetação e ictiofauna? Caso positivo justifique.
R: Sim. Conforme Laudo de análise do efluente, o mesmo está sendo lançado no curso d’água um efluente com substâncias que podem alterar suas propriedades, houve perfuração de rochas para a execução da fundação da residência, havia vegetação rasteira no terreno que foi totalmente removida, foi realizada a impermeabilização do solo, movimentação de terra, com conseqüente dano ambiental ao ribeirão, ao solo, à vegetação e possível dano à ictiofauna.
QUESITOS IBAMA
(…)
3- Existe curso d’água, permanente ou mesmo intermitente, que atravesse o interior do imóvel, da área degradada ou esteja em sua divisa ou próximo desta? Se afirmativo: quais as larguras médias destes cursos neste trecho? Eles sofrem influência de maré?
R: Sim, existe curso d’água permanente próximo às edificações. A distância da margem do córrego até a residência do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan é de 23,74 metros e a distância até a residência geminada é de 39,35m. A largura média do curso d’água é de 1 metro. O curso d’água não sofre influência da maré.
(…)
6- Qual a área total degradada para a construção e/ou ocupação, incluindo locais utilizados para depósitos, movimentação, depositação de resíduos, etc?
R: A área total degradada corresponde às áreas totais dos terrenos:
– Sr. Fúlvio Trevisan: área aproximada de 634,75m², conforme projeto apresentado às fls. 416 dos autos.
– Srs. Arno e Martinho: área aproximada de 940,00m²
Não há indícios de outros locais utilizados para depósitos, movimentação, deposição de resíduos, etc.
7- Existe no imóvel e na área degradada, local que seja considerado como APP, segundo resolução do CONAMA Nº 303/2002 e Lei Federal 4771/65? Caso seja positivo, há indícios que a construção e/ou ocupação ocorreram em APP?
R: Sim. Parte do imóvel e da residência do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan está em APP em função do curso d’água.
(…)
9- Qual a área total do imóvel e da área degradada sobre área de preservação permanente segundo as definições federal, estadual e municipal?
R: A área da residência, em planta baixa, sobre APP é de aproximadamente 85m² e a área degradada sobre APP é de aproximadamente 280m², na propriedade do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan. Na propriedade dos Srs. Arno e Martinho não ocorreu agressão em APP.
(…)
13- O local do imóvel pode ser considerado como local de utilização por espécies migratórias ou endêmicas, para alimentação, descanso, acasalamento, reprodução ou abrigo?
R: Segundo CARUSO (2007) foi observado espécies migratórias e endêmicas na Ponta do Araçá, região onde está inserido o imóvel.
(…)
6- CONCLUSÃO
(…)
Apesar de estarem inseridos num só processo há muitas diferenças entre os imóveis do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan e dos Srs. Arno de Souza e Martinho Dietrich, portanto as considerações finais serão feitas separadamente.
6.1- Imóvel do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan
Com base em todos os dados obtidos no processo, através das vistorias, em consulta às partes, e nos levantamentos realizados em campo, verificou-se que:
– Houve dano ambiental no local periciado.
– Existe ocupação consolidada de áreas à beira mar e às margens do curso d’água próximo a residência em questão.
– A edificação do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan encontra-se parcialmente inserida em Área de Preservação Permanente – APP.
– O habite-se liberado para o Sr. Fúlvio Alberto Trevisan, às fls. 415 dos autos, foi liberado para residência de 284,04 m² com dois pavimentos e a residência foi executada com térreo mais dois pavimentos. Segundo projeto da residência do Sr. Fúlvio às fls. 416 dos autos a taxa de ocupação calculada foi de 32,06% e a taxa de ocupação para Zona de Interesse Turístico é de 20%.
– O habite-se liberado não possui número, e foi assinado somente pelo Secretário de Planejamento, Sr. Luiz Alberto Guerreiro. Segundo Decreto Municipal N 013/2001, todas e quaisquer certidões, alvarás, licenças e ou informações prestadas via documental, pela administração do Município de Porto Belo, a qualquer cidadão, somente poderão ser liberadas após terem sido rubricadas pelo Chefe do Poder Executivo.
– O Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD não foi totalmente implantado e não cumpriu com os seus objetivos.
– O efluente proveniente da Estação de Tratamento de Efluentes implantada não está com os parâmetros de acordo com a legislação.
(…)
6.2- Imóvel dos Srs. Arno de Souza e Martinho Dietrich
Com base em todos os dados obtidos no processo, através das vistorias, em consulta às partes, e nos levantamentos realizados em campo, verificou-se que:
– Houve dano ambiental periciado.
– Existe ocupação consolidada de áreas à beira mar e às margens do curso d’água próximo a residência em questão.
– As edificações dos Srs. Arno de Souza e Martinho Dietrich não se encontram inseridas em Área de Preservação Permanente – APP.
– O Alvará de Construção liberado em nome do Sr. Arno de Souza, às fls. 56 dos autos, não possui número, foi liberado para residência com 800,00 m² com dois pavimentos e a residência geminada foi executada com quatro pavimentos. O Alvará possui somente uma assinatura e, segundo Decreto Municipal N 013/2001, todas e quaisquer certidões, alvarás, licenças e ou informações prestadas via documental, pela administração do Município de Porto belo, a qualquer cidadão, somente poderão ser liberados após terem sido rubricadas pelo Chefe do Poder Executivo.
– O habite-se liberado em nome do Sr. Martinho Dietrich, anexo 07, foi liberado para residência com 715,48 m² com dois pavimentos e a residência geminada foi executada com quatro pavimentos, não possui. O habite-se possui somente uma assinatura e, segundo Decreto Municipal N 013/2001, todas e quaisquer certidões, alvarás, licenças e ou informações prestadas via documental, pela administração do Município de Porto Belo, a qualquer cidadão, somente poderão ser liberadas após terem sido rubricadas pelo Chefe do Poder Executivo.
– O Plano de Recuperação de Áreas Degradas – PRAD não foi totalmente implantado e não cumpriu com os seus objetivos.
– O efluente proveniente da Estação de Tratamento de Efluentes implantada não está com os parâmetros de acordo com a legislação.
(…)’
(sublinhei)
Destarte, comprovado o fato – construção de residência em área de preservação permanente (no aedificandi) situada em terreno de marinha -, o dano ambiental de aí de corrente e o nexo de causalidade entre o fato e o dano, passo à análise da responsabilidade de cada um dos réus na espécie.
Município de Porto Belo/SC
A responsabilidade do Município de São Francisco do Sul assenta-se no fato de ter concedido licença para a construção da residência dos réus em dissonância com a legislação de regência vigente à época. A atuação do ente político foi decisiva à perpetração do dano ambiental objurgado nesta lide, certo que inexiste qualquer justificativa à concessão da licença ilegal.
Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – FATMA
A responsabilidade da FATMA assenta-se no fato de ter concedido licença ambiental à construção da residência dos réus em dissonância com a legislação de regência vigente à época. A atuação da entidade foi decisiva à perpetração do dano ambiental objurgado nesta lide, certo que inexiste qualquer justificativa à concessão da licença ilegal.
Impende observar, contudo, que a nominada entidade reconheceu a ilegalidade do ato administrativo por si praticado e, sponte propria, promoveu ao seu cancelamento.
Réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan
A responsabilidade dos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan assenta-se no fato de terem construído sua residência em área non aedificandi e produzido dano ambiental com a sua conduta. Rigorosamente, a permanência da residência dos réus na área em que construída faz por perpetuar o dano ambiental objurgado nesta demanda.
À eventual mitigação da responsabilidade dos réus pelo dano ambiental não socorre a alegação de que a construção das residências estava amparada por licença para construção concedida pelo Município de Porto Belo. Assim o é porque as construções não observaram sequer os limites objetivos da própria licença concedida, produzindo os réus, sponte propria, a ampliação do dano ambiental autorizado ilegalmente pela municipalidade.
Rigorosamente, a conduta dos réus – desrespeito aos limites objetivos da licença de construção concedida – faz por afastar a possibilidade de eventual mitigação de suas responsabilidades na espécie pela invocação da boa-fé no seu agir.
Demolição das construções e recuperação do meio ambiente pelos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan
Presentes os esclarecimentos da prova pericial realizada nos autos, a má-fé na conduta dos nominados e o dano ambiental produzido na espécie, anoto que a condenação dos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan à demolição das construções objurgadas e à recuperação da área degradada é pretensão que merece acolhida.
Eventual direito indenizatório dos réus em face do Município de Porto Belo/SC pelo deferimento da licença à construção das residências é questionamento que não cabe ser analisado nestes autos.
A recuperação da área degradada deve observar o Plano de Recuperação da Área Degradada – PRAD a ser elaborado pelos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan e aprovado pela FATMA e pelo IBAMA, órgãos esses responsáveis pelo acompanhamento da realização do plano. O PRAD deve conter, necessariamente, a preservação dos equipamentos públicos construídos pelos réus e que apresentem utilidade à comunidade, tais como pavimentação asfáltica, sistema de esgoto sanitário implantado e escada de acesso à praia. A preservação de tais equipamentos produz a modo indenizatório pelos danos ambientais perpetrados.
Não se pode olvidar que a FATMA também concorreu com o dano ambiental vergastado nos autos. Impende ponderar que o cancelamento espontâneo do ato administrativo viciado – antes mesmo da prolação de sentença nos autos -, produz em seu favor. Em tal conformação, penso que a condenação da entidade ao pagamento de verba indenizatória seria mesmo desproporcional em face da conduta por si adotada intra e extra autos.
Nessa equação, a FATMA resta condenada tão só à elaboração conjunta do PRAD com os réus. Tal condenação deve ser cumprida com a disponibilização de um profissional qualificado do seu quadro para, juntamente com aqueles contratados pelos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan, elaborarem o Plano de Recuperação da Área Degradada.
Indenização pecuniária
O dimensionamento ditado à verba indenizatória pela v. sentença recorrida – R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) -, à vista dos elementos cognitivos produzidos nos autos, afigura-se consentâneo com as finalidades pedagógica e repressiva do instituto, guardando relação de razoabilidade/proporcionalidade com a equação fática retratada nos autos.
A produção subjetiva da condenação ditada ao pagamento de indenização nesse patamar, contudo, impende ser alargada para alcançar o Município de Porto Belo/SC. Tal medida serve para instar o ente político a uma maior atenção no desempenho das competências que lhe são próprias, notadamente com vistas ao adequado zelo ao meio ambiente, bem de todos.
Nessa equação, os réus Arno de Souza, Martinho Dietrich, Fúlvio Alberto Trevisan e o Município de Porto Belo/SC restam condenados ao pagamento de indenização no importe de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a conta de cada um dos réus. A verba indenizatória deve reverter em prol do Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados (Lei n. 7.347/85, art. 13 c/c Decreto n. 1.306/94).
Divulgação do julgado
Presente a transindividualidade do interesse em liça e a sua relevância social, condeno os réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan a suportarem o encargo financeiro pro rata decorrente da publicação, em jornal de circulação estadual, de resumo do acórdão deste julgamento, cujo teor cabe ser fixado pelo MM. Juízo a quo por ocasião do cumprimento do julgado. A publicação deve ocorrer em um dia de domingo ao alcance de um maior público e ao efetivo cumprimento do caráter pedagógico do instituto à sociedade como um todo.
Prequestionamento
Por derradeiro, solucionada a lide com espeque no direito bastante, tem-se por afastada a incidência concreta da legislação em confronto, senão pela total abstração, com as adequações de mister, sem que isso importe na sua violação. É o que se dá com os dispositivos legais invocados nas razões recursais, os quais tenho por prequestionados.
Ante o exposto, voto por dar provimento às apelações do Ministério Público Federal, União, e IBAMA e negar provimento às apelações dos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Trevisan.
É o meu voto.
O voto vencido foi da lavra do desembargador Fernando Quadros da Silva, que negou provimento às apelações do MPF, União Federal e IBAMA, mantendo a sentença. Transcrevo seu teor (evento 41, grifei):
Com a devida vênia, divirjo do eminente Relator, Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, para manter a sentença, que nos autos da ação civil pública na qual o MPF busca a condenação dos réus ao pagamento de indenização para financiar projeto de recuperação de danos causados ao meio ambiente, ou, alternativamente, a retirada da obra construída, a recuperação da área e a indenização, julgou parcialmente procedentes os pedidos, para condenar os réus Arno de Souza, Maninho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan a: [a] implantar as medidas mitigadoras propostas pela Perita, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (mil reais); [b] ao pagamento de indenização no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), em dinheiro, por cada réu, pelos danos causados ao meio ambiente, que reverterão em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei n°. 7.347/85.
Entendo que, como bem fundamentado pelo magistrado de origem, não obstante inexistentes danos em área de preservação permanente, de acordo com o laudo pericial juntado e, em não constatadas ilegalidades nas autorizações dadas pela municipalidade e pela FATMA para as referidas edificações, que justifiquem a sua demolição, o fato é que a construção dos imóveis importou em: [l] a retirada de vegetação; [2] o descumprimento dos alvarás de construção, pois foram erguidos mais pavimentos do que aqueles autorizados; [3] dano paisagístico, porquanto houve prejuízo à visualização do litoral e descaracterização do ambiente original; [4] utilização de explosivos não autorizados no local (detonação de rochas).
Assim, plenamente justificada a condenação ao pagamento de indenização pecuniária, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para cada réu, a serem revertidos em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do art.13 da Lei nº. 7.347/85, considerando-se o potencial econômico dos réus presumível pela construção dos referidos imóveis.
Contudo, não merecem acolhimento as apelações do MPF e do IBAMA, no sentido de que seja determinada a demolição das edificações, uma vez que estas se encontram em área urbana consolidada, situação concluída no laudo do expert, em resposta aos quesitos do IBAMA, sendo que a própria autarquia ambiental, nas razões da apelação, reconhece a validade do laudo pericial, embora sustente que houve dano ambiental e que o PRAD não foi totalmente implantado, além dos efluentes da estação de tratamento não estar com os parâmetros de acordo com a legislação. Também não merece acolhida a insurgência da União, de que as edificações foram erguidas sem autorização da SPU, ou que a ocupação estivesse regularizada, manifesta má-fé dos demandados, uma vez que, conforme bem destacado na sentença, a qualquer momento tal irregularidade pode ser sanada pelo titular do imóvel, sendo que a demolição somente teria sentido se a União necessitasse usar o terreno para algum fim público, possível a autuação ex officio para a regularização e atualização dos valores da taxa de ocupação.
E para assim decidir, valho-me dos mesmos fundamentos esposados pelo Juízo a quo em sua sentença, nos seguintes termos:
(…) 2. FUNDAMENTAÇÃO
(…) 2.4 – Mérito.
Trata-se de ação civil pública postulando, em síntese, o pagamento de indenização para financiar projeto de recuperação de danos causados ao meio ambiente, ou, alternativamente, a retirada da obra construída, a recuperação da área degradada e o pagamento de indenização.
2.4.1 – Da competência para o licenciamento.
O tema em exame envolve o estudo da repartição de competências entre os órgãos ambientais.
O art. 225 da Constituição Federal estabelece:
Art. 225, Todos têm direita ao meio ambiente ecologicamente equilibrada, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações:
(…)
§ 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização far-se-á, no forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Para assegurar a efetividade desse direito, a Constituição Federal estatui que a atuação administrativa na proteção do meio ambiente será comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios (artigo 23, VI), deixando claro, destarte, que os diversos entes da Federação devem partilhar responsabilidades.
Disciplinando o assunto, estabelece a Lei n. 6.938/81, recepcionada pela Constituição Federal de 1983, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação:
Art. 6º – Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado:
(…)
IV – órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;
V – Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental;
VI – Órgãos Locais: os Órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições;
(…)
Art. 9º – São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:
(…)
III- a avaliação de impactos ambientais;
IV – o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;
(…)
Art. 10 – A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAM/t, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis,
(…)
4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.
(…)
Art. 11. Compete ao IBAMA propor ao CONAMA normas e padrões para implantação, acompanhamento e fiscalização do licenciamento previsto no artigo anterior, além das que forem oriundas do próprio CONAMA.
§1º ‘A fiscalização e o controle da aplicação de critérios, normas e padrões de qualidade ambiental serão exercidos pelo IBAMA, em caráter supletivo da atuação do órgão estadual e municipal competentes.
Como se vê, ao IBAMA compete o licenciamento de obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional. A competência para o licenciamento, portanto, é definida pela extensão dos impactos ambientais, não pela propriedade do bem. Nesse contexto, cabe ao órgão municipal licenciar obras de impacto estritamente local.
(…)
No caso, a área atingida pela edificação integra bem de propriedade da União, mas, como visto, tal fato não implica na necessidade do licenciamento ser realizado pelo órgão federal. O que interessa, segundo a lei, é a magnitude do dano e, neste ponto, não há como afirmar que a obra pudesse implicar em prejuízo ao meio ambiente de outro município que não Porto Belo/SC.
Assim, não há mácula no fato do licenciamento não ter sido conduzido pelo IBAMA.
Pois bem, no dia 12/03/2002 foi e pedido pela Secretaria de Planejamento do Município de Porto Belo, em favor de Arno de Souza, o Alvará de Licença para Construção n° 1234, para a realização de obra de 2 pavimentos com área de 800,00 metros quadrados, situada na Avenida Geral do Araçá, s/n, em alvenaria, para fins de uso residencial (fl. 56).
A obra, portanto, foi devidamente autorizada pela municipalidade, não podendo o demandado ser penalizado pela falta da assinatura do chefe do executivo, pois o vício formal do documento é de inteira responsabilidade do município.
O demandado Arno também buscou licença ambiental junto à FATMA, sendo emitida, em 21/03/2002, a ‘Autorização Ambiental – AUA Nº 014/02’, viabilizando a implantação de quatro unidades familiares numa área total construída de 974,62 mi (fl. 59).
A perita esclarece (Anexo I, pág. 5):
É importante esclarecer que, conforme a Autorização Ambiental Nº 014/02 às fls. 59 dos autos, se previa a implantação de 4 unidades habitacionais, porém somente 3 unidades foram executadas: 1-Sr. Fúlvio Trevisan, 2 – Sr. Arno de Souza e 3 – Sr. Martinho Dietrich. As residências do Sr. Arno e do Sr. Martinho são geminadas. A 4ª unidade habitacional iria ser executada no terreno, que se encontra desocupado atualmente, ao lado da residência geminada, foto 04.
Portanto, a obra também foi autorizada pela FATMA, em que pese o cancelamento do ato pelo órgão ambiental estadual (04/12/2003 – fl. 218), após ser citado nesta ação.
No dia 30/04/2003, decisão liminar proferida por este Juízo determinou a paralisação da obra (fls. 131/134). Contudo, tal decisão foi suspensa pelo TRF4, em 04/05/2003 (fls. 153/154).
Pertinente também ressaltar que o IBAMA, após a lavratura de auto de infração e termo de embargo, deferiu projeto de recuperação da área degradada, permitindo a continuidade da obra no dia 05/05/2003 (fls. 342/343).
Assim, a obra foi concluída.
2.4.2 Do dano ambiental.
Segundo a inicial, a edificação foi realizada em área de preservação permanente (APP).
Extrai-se do laudo pericial (Anexo págs. 24 e 38/51):
SOBRE O LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO
Através do levantamento topográfico, que se encontra no anexo 10, pode se concluir que a residência do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan está a uma distância de 23, 74 m do curso d’água no ponto mais próximo, e a residência do Sr. Arno
de Souza a uma distância de 39,35 m do curso d’água no ponto mais próximo.
A residência do Sr. Fúlvio está parcialmente inserida em Área de Preservação Permanente – APP e a residência do Sr. Arno de Souza não esta inserida em Área de Preservação Permanente, segundo Lei 4771/65. As inclinações são de 17º a 24º para o terreno do Sr. Fúlvio e de 28º a 32º para o terreno dos Srs. Arno e Martinho, não caracterizando APP em relação à inclinação.
(…)
QUESITOS DO IBAMA
I- O local da imóvel em questão se caracteriza por estar em ambiente urbano ou rural? Quais os critérios adotados para justificar esta caracterização?
R: Conforme a Lei Municipal Nº 262/77 a lote está’ inserido dentro da malha urbana da cidade, e conforme a Resolução do CONAMA Nº 303/02 a área pode ser considerada como urbana consolidada, pois o município define legalmente a área como urbana e a área possuí coleta de resíduos sólidos, rede de abastecimento de água, malha viária com canalização de águas pluviais, distribuição de energia elétrica e iluminação pública.
(…) – Existe curso d’água, permanente ou mesmo intermitente, que atravesse o interior do imóvel, da área degradada ou esteja em sua divisa ou próxima desta? Se afirmativa: quais as larguras médias destes cursos neste trecho? Eles sofrem influencia de maré?
R: Sim, existe um curso d’água permanente próximo às edificações. A distância da margem do córrego até a residência do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan é de 23. 74 metros e a distância até a residência geminada é de 39,35m. A largura média do curso d’água é de 1 metro. O curso d’água não sofre influência da maré.
(…)
5- Caso o item anterior seja afirmativo, sobre os cursos d’água existentes: houve alteração de seus traçados, do uso e ocupação do seu entorno, dos sentidos de deflúvio? Suas contribuições, sejam elas de afluentes ou efluentes de águas pluviais ou esgoto, também foram alterados?
R: Não foi possível localizar aerofotografias, imagens de satélite e/ou cartografia do local que fosse possível constatar a existência do curso d’água atual. Porém conforme informações da população que reside no local a ocupação da área de entorno do curso d’água ocorreu há mais de 20 anos e não houve alteração no seu traçado. Antes da execução das residências, objeto deste processo, os esgotos eram lançados sem qualquer tratamento no curso d’água. Após a execução das residências foi executado um sistema de tratamento de esgoto que atende toda a comunidade local.
(…)
7 – Existe no imóvel e na área degradada, local que seja considerado como APP, segundo resolução do CONAMA Nº 303/2002 e Lei Federal 4771/65?
Caso seja positivo, há indícios que a construção e/ou ocupação ocorreram em
-APP?
R: Sim. Parte do imóvel e da residência do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan está em
APP em função do curso d’água.
(…)
9 – Qual a área total do imóvel e da área degradada sobre área de preservação permanente segundo as definições federal, estadual e municipal?
R: A área da residência, em planta baixa, sobre APP é’ de aproximadamente 85
m2 e a área degradada sobre APP é de aproximadamente 280 m2, na propriedade do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan. Na propriedade dos Srs. Arno e
Matinha não ocorreu agressão em APP.
(…)
11- Existe ou existia vegetação no imóvel e nas áreas onde houve intervenção?
R: Sim. Existiam algumas árvores no terreno dos Srs. Arno e Martinho, conforme Parecer do IBAMA nas fls. 81 a 84 e as fotos às fls. 74 a 76 e 85 dos autos. No terreno do Sr. Fúlvio existia apenas vegetação rasteira.
12 – Existem indícios de existência atual ou pretérita de ocorrência, no imóvel e
na área degradada, de espécies da flora ou fauna ameaçadas de extinção?
Quais?
R: Não. Não foi possível encontrar estudos que revelem a existência de ocorrência no imóvel e na área degradada de espécies da flora ou fauna ameaçadas de extinção.
Portanto, segundo o laudo pericial, apenas parte do imóvel do Sr. Fúlvio está inserida em APP, isto em função da proximidade com curso d’água.
Na propriedade dos Srs. Arno e Martinho não ocorre agressão em APP.
Afirma a expert que o imóvel do Sr Fúlvio está a uma distância de 23,74 m do curso d’água no ponto mais próximo.
A situação dos autos encontra solução na análise conjunta das Leis nº 4.771/65 e 6.766/79, por se tratar de parcelamento de solo urbano, assim como na resolução da questão pertinente à aplicação do Código Florestal em áreas urbanas.
Dispõem os referidos diplomas legais:
– Art. 2º, ‘a’, 1, e parágrafo único da Lei nº 4.771/65:
‘Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989);
(…)
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989).’ -grifei-
– Art. 4º da Lei nº 6.766/79:
‘Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
(…)
III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica; (Redação dada pela Lei nº 10.932, de 2004)’ -grifei-
Havendo duas regras legais que aparentemente regulam a mesma situação jurídica deve haver recurso às técnicas de interpretação de legislação para que seja solucionado o conflito.
No caso concreto, penso que deve haver incidência do princípio da especialidade, prevalecendo a regra especial em detrimento da regra geral. A meu ver, o Código Florestal apresenta previsão genérica sobre proibição de construções próximas a cursos d´água, revestindo-se a previsão da Lei nº 6.766/79 de conteúdo específico para parcelamento do solo urbano, o qual está proibido em distância inferior aos 15 (metros) de cursos d´água, e não 30 (trinta) metros como previsto na Lei nº 4.771/65.
Não fosse somente isto, também a aplicação do princípio interpretativo de prevalência da legislação mais recente sobre a anterior deve ser considerada na presente demanda, porquanto a redação do art. 4º, inciso III, da Lei nº 6.766/79, foi introduzida pela Lei nº 10.932 de 2004, ao passo que a última redação do Código Florestal (art. 2º) foi conferida pela Lei nº 7.803 de 1989.
Vale destacar, ainda, que o próprio parágrafo único do art. 2º do Código Florestal previu que ‘No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal (…) observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo (…)’, especialmente a Lei nº 6.766/79.
De outro lado, não há dúvidas se tratar de área urbana consolidada, situação admitida pelo próprio IBAMA em seu relatório de fiscalização. E, conforme os arts. 30, VIII e 182 da Constituição Federal de 1988, compete ao Município ‘promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano’ e que ‘A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes’, o que foi observado pelo parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.771/65, revelando-se inconstitucional qualquer legislação de outros níveis da federação que pretenda alterar conceitos de zona urbana definidos pela municipalidade.
Consequentemente, as limitações do Código Florestal não têm aplicabilidade em áreas urbanas. Neste sentido, vem reconhecendo o TRF4:
‘EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANULAÇÃO DE LICENÇAS AMBIENTAIS. LEGISLAÇÃO FLORESTAL. FLORESTA URBANA. INEXISTÊNCIA DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. A embargada agiu dentro da legalidade, conforme orientações locais de proteção ambiental, não se tratando de área de preservação permanente, tendo em vista ser inaplicável ao caso o Código Florestal, que assim define as áreas ‘de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura’ (art. 2ª, a, 1, da Lei 4.771/65), uma vez que se trata de área urbana, cujas peculiaridades devem ser levadas em consideração ao se aplicar a legislação florestal.’ (TRF4, EINF 2004.72.00.010090-0, Segunda Seção, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 08/09/2008) -grifei-
Destarte, a área non aedificandi deve ser limitada a 15 (quinze) metros de cursos d´água, afastada a tese de aplicação da distância de 30 (trinta) metros prevista na Lei 4.771/65.
Nesse contexto, não há motivos ponderáveis para determinar a demolição da obra.
Não bastasse isso, tratando-se de área urbana consolidada, nenhum efeito surtiria ao meio ambiente a retirada da edificação, haja vista que o entorno do local está todo edificado, conforme levantamento fotográfico da fl. 586.
Neste passo, calham as lúcidas observações do eminente Desembargado Luiz Carlos de Castro Lugon, aplicáveis, ‘mutatis mutandis’, ao caso concreto:
Tenho como premissa a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que haja a efetiva configuração do fato consumado, de modo que sejam desestimuladas práticas de violações ecológicas contando com o beneplácito fundado na constatação de que ‘o mal já está feito.’ Porém, ainda que não perca de vista a realçada importância do meio ambiente, com o incentivo de peculiaridades do caso concreto, pode-se amenizar a regra de prevalência, mesmo que esteja em pauta a integridade ambiental de área de preservação permanente. Assim penso, guiado pela idéia de que benefício algum surtirá em prol do meio ambiente a paralisação da obra, uma vez que a recuperação da restinga, pela intervenção da própria natureza, é inviável naquele trecho. O impacto ambiental, doutro modo, não se mostra significativo, a área em referência não tem grande extensão (suas medidas perimetrais são 30,00m frente a leste e 60,00m nas laterais). Finalizando, a medida requerida não dialoga com o princípio da proporcionalidade.
[…]
A intervenção recuperadora do meio ambiente alegadamente agredido, por outro lado, não pode se dirigir a um único ocupante da área. Todos que estão em idênticas condições, e são muitos, alguns, inclusive, sócios da associação autora, deveriam ser concitados a promover a demolição de seus imóveis e a reconstituição da área ambiental degradada. Modo diverso, não haveria a concretização da justiça, mas verdadeiro abuso de direito, porquanto ter-se-ia, travestida de exercício da cidadania, perseguição particular e direcionada. Este desvio não pode ser chancelado pelo Poder Judiciário, quanto mais verificando-se, como já disse acima, ser crível que muitos dos associados da entidade autora estão em idêntica situação à da construtora-ré. A fidelidade ao princípio da proporcionalidade é a receita para que os atos administrativos, judiciais e mesmo os legislativos transitem pela juridicidade. (GRIFEI)
Estas palavras foram proferidas no seguinte acórdão:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO MULTIFAMILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DANO E DESEQUILÍBRIO ECOLÓGICO. SENTENÇA EXTRA PETITA. REDUÇÃO AOS TERMOS DO PEDIDO. 1. É regra a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que haja efetiva configuração do fato consumado. Contudo, esta diretriz pode ser relativizada, como no caso concreto, quando verificado que a paralisação e demolição da obra não surtirá benefício algum ao meio ambiente e, ainda, que o dano ambiental é bastante reduzido (supressão de restinga em imóvel com medidas perimetrais de 30,00m de frente a leste e 60,00m nas laterais). 2. Várias circunstâncias inibem seja determinada a demolição da edificação como medida reparatória do meio ambiente, mesmo considerando haver sido ela construída em área de preservação permanente (300 metros a partir da linha preamar média), a saber: a) está ela situada em loteamento de há muito urbanizado e ocupado; b) o histórico de ocupação da área revela que a implantação do loteamento ocorreu no ano de 1991, atendendo, presumivelmente, as regras urbanísticas e ambientais vigentes à época, dentre as quais, importante que se registre, não se inscrevia a Resolução n. 303 do CONAMA, que empresta sustentação jurídica à tese da associação autora, e que foi editada somente em 13/05/2002; c) o pleito desatende o princípio da proporcionalidade, porquanto grandes seriam os prejuízos financeiros para a construtora, sem qualquer garantia da possibilidade de recuperação efetiva da área, mediante a reconstituição da cobertura vegetal primitiva – restingas, e, ainda que assim não fosse, não há um dimensionamento do impacto ambiental em face da ausência da flora originária naquela porção de terra em que edificado o empreendimento; d) não há evidências de ameaça ao equilíbrio ecológico, fim último das regras de direito ambiental, pois é pouca e imprecisa a repercussão ambiental da supressão de cobertura vegetal realizada pela recorrida; e, ainda, há notícia nos autos de que, em frente ao empreendimento, remanesce importante e significativa área de preservação devidamente delimitada e identificada com placas alertando para a sua condição jurídico-ambiental, o que minimiza qualquer temor de descompensação ambiental na região. 3. O empreendimento foi licenciado pelos órgãos competentes, tendo, inclusive, a FATMA expedido Licença Ambiental Prévia. A procura da aquiescência dos órgãos públicos, até mesmo daquele de controle ambiental estadual, evidencia a boa-fé da empresa construtora e desengana a possibilidade da sua responsabilização. 4. Havendo disposição na sentença que reconhece a nulidade dos autos de infração e de embargo da obra exarados pelo IBAMA, o que, evidentemente, discrepa do pedido inicial formulado no sentido do reconhecimento do dano ambiental, resta configurada a clássica hipótese de decisão extra petita, cuja solução recomenda é a glosa parcial do julgado, o que, vale dizer, pode ser feita mesmo ex officio, sem prejuízo de que tal declaração de nulidade seja posteriormente reivindicada. (TRF4, AC 2003.72.00.004185-0, TERCEIRA TURMA, DJ 04/10/2006 Relator LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON).
No mesmo sentido:
DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENÇA PARA EDIFICAÇÃO. PRAIA DOS INGLESES. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. (…)3. Há nos autos parecer técnico do IBAMA que admite que aquela área, no passado, fora ocupada por vegetação de restinga, mas que a preservação daquela propriedade, com a recuperação da vegetação originariamente existente, não implicaria no retorno à condição inicial da Praia de Ingleses, o que somente seria obtido com a retirada de todas as residências nas mesmas condições. 4. Ademais, o embargo da obra vizinha, que sequer era licenciada, foi anulada pelo IBAMA por não se recomendar proteção ao inexistente. O terreno no qual se pretende construir está cercado de residências e edifícios, inclusive hotéis. O edifício de quatro pavimentos, que a agravante pretende construir, foi autorizado pela municipalidade e está de acordo com o Plano Diretor e, portanto, cumprindo sua função social. 5. Agravo de instrumento provido. (TRF4, AG 2002.04.01.010666-0-SC, TERCEIRA TURMA, DJ 06/11/2002, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER).
De outro lado, não se vislumbra ilegalidade nos atos administrativos expedidos pelo município e pela FATMA, quando muito eventual descumprimento destes pelos particulares, o que será objeto de estudo adiante, motivo pelo qual não há responsabilidade a ser imputada aos entes públicos.
2.4.3 – Influência da condenação criminal
Os réus Martinho Dietrich e Arno de Souza foram condenados criminalmente nos autos n° 2002.72.08.002522-8 pelos fatos narrados nesta ação civil pública (fls. 501/523).
Dispões o art. 935 do Código Civil:
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sob quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. -grifei-
Destarte, constatada a existência do fato imputado, bem como a respectiva autoria, pelo juízo criminal, tais questões não podem mais ser discutidas no juízo cível.
Isto não significa, contudo, que o juízo cível esteja adstrito às conclusões jurídicas emanadas do juízo criminal, pois a vinculação diz respeito exclusivamente à existência do fato e da autoria.
Tal situação é exposta neste caso concreto, pois a existência do fato (construção de imóvel no local indicado na inicial) e da autoria (imputada e admitida pelos réus) foi reconhecida pelo juízo criminal e não é objeto de divergência por parte deste juízo cível.
A divergência existente e jurídica, e diz respeito a caracterização da área como APP, entendendo o juízo criminal pela aplicabilidade do Código Florestal, ao passo que este juízo cível entende pela aplicação da Lei n° 6.766/79, nos termos da fundamentação supra.
Portanto, não há qualquer violação ao art. 935 do Código Civil, já que a existência do fato e da autoria e incontroversa, restando divergência apenas quanto às conclusões jurídicas decorrentes dos fatos por parte dos juízos criminal e cível.
2.4.4 – Da falta de autorização da GRPU.
Poder-se-ia cogitar da construção sobre bem da União sem a prévia autorização. Porém, se mantida essa única causa de pedir, vê-se que incide, então, a vedação à atuação do Ministério Público como órgão de assessoria daquele ente. Além disso, o ingresso como assistente litisconsorcial, e não como autor, veda o prosseguimento da ação, pois a exclusão do MPF implicaria ter-se uma relação jurídica processual sem autor; incabível, portanto.
De qualquer sorte, a qualquer momento tal irregularidade pode ser sanada pelo titular, sendo que a demolição somente teria sentido, dentro do razoável e do jurídico, se a União necessitasse utilizar o terreno para algum fim público.
Nada impede, por outro lado, a atuação ex officio da GRPU na regularização do imóvel e atualização dos valores da taxa de ocupação.
2.4.5 – Da preservação do meio ambiente.
A perita apresentou as seguintes sugestões para a preservação do meio ambiente na área objeto da lide (Anexo 1, págs 47/51):
6. CONCLUSÃO
(…)
6.1 – Imóvel do Sr. Fúlvio Alberto Trevisan
Com base em todos os dados obtidos no processo, através das vistorias, em consulta às partes, e nos levantamentos realizados em campo, verificou-se que:
– Houve dano ambiental no local periciado.
– Existe ocupação consolidada de áreas à beira mar e às margens do curso d’água próximo a residência em questão.
(…)
– O Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD não foi totalmente implantado e não cumpriu com os seus objetivos.
– O efluente proveniente da Estação de Tratamento de Efluentes implantada não está com os parâmetros de acordo com a legislação.
Sugerem-se as seguintes medidas mitigatórias:
– Elaboração e implantação de um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD que atenda os seus objetivos.
– Recuperação da vegetação de mata ciliar.
– Elaboração de um projeto e execução de um tratamento de esgoto complementar ou ajuste do sistema de tratamento atualmente utilizado com objetivo de melhorar a eficiência da ETE e promover a desinfecção do efluente.
(…)
6.2 – Imóvel dos Srs. Arno de Souza e Martinho Dietrich
Com base em todos os dados obtidos no processo, através das vistorias, em consulta às partes, e nos levantamentos realizados em campo, verificou-se que:
– Houve dano ambiental no local periciado.
– Existe ocupação consolidada de áreas à beira mar e às margens do curso d’água próximo a residência em questão.
(…)
– O Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD não foi totalmente implantado e não cumpriu com os seus objetivos.
– O efluente proveniente da Estação de Tratamento de Efluentes implantada não está com os parâmetros de acorda com a legislação.
Sugere-se a seguinte medida mitigatória:
– Elaboração de um projeto e execução de um tratamento de esgoto complementar ou ajuste do sistema de tratamento atualmente utilizada com objetivo de melhorar a eficiência da ETE e promover a desinfecção do efluente.
-grifei-
Destarte, embora não constadas irregularidades nas edificações que justifiquem a demolição, entendo que a adoção das sugestões acima delineadas é medida necessária para alcançar o fim maior almejado nas ações desta natureza, ou seja, a preservação ambiental. Até por isso, não entendo que a medida acarrete julgamento extra petita, pois a preservação do meio ambiente. bem jurídico tutelado nestas demandas, pode ser alcançada por meio diverso daquele estipulado na petição inicial, e que, no caso concreto, revela-se bem menos agressivo do que as providências postuladas pelo autor da demanda (demolição do imóvel construído, p. ex.)
2.4.6 – Da imposição de condenação pecuniária
Em que pese o entendimento firmado de inexistência de danos em APP, não se pode ignorar as conclusões periciais e as imagens trazidas aos autos que demonstram, de forma incontestável, que a construção dos imóveis importou: [1] a retirada de vegetação; [2] o descumprimento dos alvarás de construção, pois foram erguidos mais pavimentos do que aqueles autorizados; [3] dano paisagístico, porquanto houve prejuízo à visualização do litoral e descaracterização do ambiente original; [4] utilização de explosivos não autorizados no local (detonação de rochas).
Tais fatos são graves merecem reprimenda pecuniária.
Diante disso, e considerando o potencial econômico dos réus, presumível pela construção dos imóveis objeto desta lide, fixo a indenização pecuniária no valor de RS 200.000.00 (duzentos mil reais) para cada réu que reverterão em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do art.13 da Lei n°. 7.347/85.
3. DISPOSITIVO.
Ante o exposto, extinguindo o processo com julgamento do mérito, com fulcro no artigo 269, I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedentes os pedidos para condenar os réus Arno de Souza, Maninho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan a: [a] implantar as medidas mitigadoras propostas pela Perita, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais); [b] ao pagamento de indenização no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), em dinheiro, por cada réu, pelos danos causados ao meio ambiente, que reverterão em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei n°. 7.347/85.
Sem honorários advocatícios. Custas na forma da lei.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Eventual recurso interposto será recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo (art. 520 do CPC), valendo o presente como seu recebimento em caso de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade. Preenchidos estes, dê-se vista à parte contrária para apresentação de contrarrazões, com posterior remessa ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (evento 3 – SENT159) (destaques no original).
Assim, renovando a vênia, o meu entendimento é no sentido de manter integralmente a sentença por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento às apelações.
Portanto, esta a divergência.
3- DO MÉRITO
A controvérsia em julgamento consiste em saber se é proporcional a ordem de demolição de imóvel construído sobre área de preservação permanente e terreno de marinha, quando já urbanizado os arredores.
O voto-condutor entendeu que a despeito da urbanização, o fato é que os recorrentes continuaram a construir em local de preservação permanente e terreno de marinha, mesmo após a autuação de diversos órgãos ambientais, inclusive os que haviam autorizado a construção em um primeiro momento. Desse modo, o entendimento esposado foi no sentido de que houve manifesta má-fé na continuidade dos trabalhos de construção, o que permite a demolição do imóvel para restaurar o meio ambiente.
Muito embora substanciais os fundamentos desenvolvidos no voto do desembargador Fernando Quadros da Silva, com a devida vênia entendo deva acolher nestes embargos infringente o entendimento adotado no voto condutor do desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.
Os motivos do meu convencimento são aqueles constantes do voto do desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que peço licença para adotar como razões de decidir, os quais inclusive já foram transcritos neste voto. Acrescento apenas as considerações de minha lavra que seguem, feitas a partir dos argumentos deduzidos pelas partes em suas razões e contrarrazões nestes embargos infringentes:
Neste processo, discute-se a indenização por dano ambiental, bem como a demolição dos imóveis, fruto de construção em área de preservação permanente e, igualmente, terreno de marinha. Os recorrentes foram acusados pelo Ministério Público Federal pela prática das seguintes condutas:
(a) edificar em terreno de marinha;
(b) depredar ecossistemas costeiros e vegetação natural da Mata Atlântica;
(c) danificar nascentes e veios de água que ocorrem no local edificado;
Na visão do Ministério Público Federal, os réus teriam infringindo as disposições constantes do art. 225, parágrafos 3º e 4º, da Constituição Federal, do art. 6 do Decreto-Lei 2.398/87, dos arts. 1º, caput e parágrafo único, e 7º do Decreto nº 750/93, do art. 2 º da Lei 4.771/65.
A sentença julgou parcialmente procedente a demanda, responsabilizando os réus pelo dano ambiental causado, mas não determinou a demolição dos imóveis por entender que não foram constatadas irregularidades nas edificações que justifiquem a demolição, já que o limite mínimo para a área de não edificação seria de 15 metros, como previsto no art. 4º, inc. III, da Lei 6.766/79, e, não, de 30 metros, como previsto no art. 2º, ‘a’ e ‘l’, e parágrafo único, Lei 4.771/65.
Como já relatado, a Terceira Turma dessa Corte Regional reformou essa sentença para admitir a demolição dos imóveis. No caso, entendeu a Turma, por maioria, que a demolição seria cabível não só pelo fato de os recorrentes continuarem a construir em local de preservação permanente e terreno de marinha, mesmo após a autuação de diversos órgãos ambientais, mas também porque houve manifesta má-fé na continuidade dos trabalhos de construção.
No presente recurso, os embargantes afirmam que não há motivos para se admitir a demolição da construção por dois motivos: (a) porque agiram com boa-fé ao edificarem no local, já que autorizados pelas autoridades competentes; (b) porque seria desproporcional e não razoável admitir que os imóveis fossem demolidos quando a área já se encontra urbanizada e dificilmente seria recuperada.
Como é sabido, o art. 225 da Constituição Federal abre o capítulo a respeito do meio ambiente, afirmando, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
Ao longo de seus incisos, a norma constitucional prevê diversas situações específicas, as quais o constituinte entendeu merecerem maior proteção pelo Estado. Nesse contexto, insere-se a proteção às áreas de preservação permanente, da mata atlântica e da zona costeira como forma não só de preservar um meio ambiente equilibrado, mas também de garantir às gerações futuras a manutenção de uma sadia qualidade de vida. Além disso, o próprio texto constitucional, no parágrafo 3º, afirma que ‘as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados‘. Assim sendo, o objetivo do constituinte é não só preservar o meio ambiente, mas punir, de forma exemplar, todos aqueles que violam referido bem jurídico e social.
No caso, como já afirmado, os recorrentes construíram em local considerado área de preservação permanente e de terreno de marinha, tendo degradado a mata atlântica presente no local. A questão a ser resolvida nesses embargos infringentes é a ordem de demolição dos imóveis. Nesse contexto, o voto do Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz foi exemplar ao verificar a irregularidade das construções, porque construídas em área proibida, e porque resultaram em dano ambiental o que impõe a ordem de demolição. Transcrevo e destaco um trecho do voto:
Irregularidade das construções perpetradas pelos réus
A construção da casa dos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan deu-se ao arrepio da legislação de regência vigente à época dos fatos.
De consequência, a Autorização de Construção n. 1234, concedida em 12/03/2002 pelo Município de Porto Belo à construção da residência dos réus em área de preservação permanente, no aedificandi (Lei Municipal n. 426/84, art. 9º) ostenta vício de origem porquanto falecia competência à autoridade administrativa para conceder tal autorização.
Por igual razão – impossibilidade de construção em área de preservação permanente, no aedificandi -, afigura-se insubsistente a autorização ambiental (AuA n. 014/02) concedida pela FATMA em 21/03/2002 à construção da residência dos réus. E essa insubsistência restou reconhecida pelo próprio órgão ambiental no exercício do poder de autotutela haja vista em 04/12/2003, após constatar a ilegalidade da AuA n. 014/02, ter cancelado o indigitado ato administrativo.
(…)
Destarte, comprovado o fato – construção de residência em área de preservação permanente (no aedificandi) situada em terreno de marinha -, o dano ambiental de aí de corrente e o nexo de causalidade entre o fato e o dano, passo à análise da responsabilidade de cada um dos réus na espécie.
Réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan
A responsabilidade dos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan assenta-se no fato de terem construído sua residência em área non aedificandi e produzido dano ambiental com a sua conduta. Rigorosamente, a permanência da residência dos réus na área em que construída faz por perpetuar o dano ambiental objurgado nesta demanda.
À eventual mitigação da responsabilidade dos réus pelo dano ambiental não socorre a alegação de que a construção das residências estava amparada por licença para construção concedida pelo Município de Porto Belo. Assim o é porque as construções não observaram sequer os limites objetivos da própria licença concedida, produzindo os réus, sponte propria, a ampliação do dano ambiental autorizado ilegalmente pela municipalidade.
Rigorosamente, a conduta dos réus – desrespeito aos limites objetivos da licença de construção concedida – faz por afastar a possibilidade de eventual mitigação de suas responsabilidades na espécie pela invocação da boa-fé no seu agir.
Demolição das construções e recuperação do meio ambiente pelos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan
Presentes os esclarecimentos da prova pericial realizada nos autos, a má-fé na conduta dos nominados e o dano ambiental produzido na espécie, anoto que a condenação dos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan à demolição das construções objurgadas e à recuperação da área degradada é pretensão que merece acolhida.
Eventual direito indenizatório dos réus em face do Município de Porto Belo/SC pelo deferimento da licença à construção das residências é questionamento que não cabe ser analisado nestes autos.
A recuperação da área degradada deve observar o Plano de Recuperação da Área Degradada – PRAD a ser elaborado pelos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan e aprovado pela FATMA e pelo IBAMA, órgãos esses responsáveis pelo acompanhamento da realização do plano. O PRAD deve conter, necessariamente, a preservação dos equipamentos públicos construídos pelos réus e que apresentem utilidade à comunidade, tais como pavimentação asfáltica, sistema de esgoto sanitário implantado e escada de acesso à praia. A preservação de tais equipamentos produz a modo indenizatório pelos danos ambientais perpetrados.
Não se pode olvidar que a FATMA também concorreu com o dano ambiental vergastado nos autos. Impende ponderar que o cancelamento espontâneo do ato administrativo viciado – antes mesmo da prolação de sentença nos autos -, produz em seu favor. Em tal conformação, penso que a condenação da entidade ao pagamento de verba indenizatória seria mesmo desproporcional em face da conduta por si adotada intra e extra autos.
Nessa equação, a FATMA resta condenada tão só à elaboração conjunta do PRAD com os réus. Tal condenação deve ser cumprida com a disponibilização de um profissional qualificado do seu quadro para, juntamente com aqueles contratados pelos réus Arno de Souza, Martinho Dietrich e Fúlvio Alberto Trevisan, elaborarem o Plano de Recuperação da Área Degradada.
Ressalto, além das razões acima transcritas, que salta aos olhos a conduta dos réus, pois ficou provado nos autos que a autorização que os recorrentes detinham para edificar no local foi alterada pela FATMA em 04 de dezembro de 2003 e, mesmo assim, quase um ano depois, as obras de construção prosseguiram, como se vê de vistoria do IBAMA (Evento 3 – OUT 28 e OUT34). Portanto, não há boa-fé no agir dos recorrentes para afastar a ordem de demolição.
Até porque, como se sabe, a boa-fé é uma justa expectativa de que a pessoa irá praticar determinados standarts de conduta, socialmente aceitos, sem causar dano. No caso, os recorrentes atuaram exatamente ao contrário do esperado pelo homem que atua de boa-fé. Primeiro porque violaram a legislação ambiental, indo de contra comandos normativos. Segundo, porque após terem sido cientificados da irregularidade de sua construção, ainda assim, continuaram a edificar no local. Logo, boa-fé na conduta dos recorrentes não há.
Ademais, também não merece acolhida o argumento de que a medida de demolição dos imóveis se demonstraria desproporcional e sem razoabilidade. O princípio da proporcionalidade tem como base três postulados: (a) adequação; (b) necessidade; (c) proporcionalidade em sentido estrito.
O primeiro postulado visa alcançar o meio que se demonstra mais adequado para os fins que se almejam, sempre com vista à barreira da vedação do arbítrio. O segundo postulado visa averiguar se o meio escolhido se demonstra necessário, ou seja, exigível frente ao caso em que se busca aplicá-lo. O terceiro postulado busca examinar se o meio adequado e necessário é o único capaz de atingir os fins colimados. No caso, se analisa a ordem de demolição.
Entendo que o meio escolhido é adequado, necessário e proporcional, atendendo o princípio da proporcionalidade. Primeiro, porque, como afirmado pelo perito, o meio ambiente danificado nunca mais será o mesmo, mas apenas será possível restaurar o equilíbrio ecológico se as construções forem demolidas. Se não por outra, vejam-se trechos laudo pericial (evento 3, ANEXO190, dos autos de origem):
‘(…)
4- A reparação do suposto dano causado sob a ótica de restabelecimento das condições originais da área (status quo ante), só pode ser obtida pela completa remoção da edificação?
R: Sim. Sabe-se que a ocorrência de um dano ambiental não permite o retorno da qualidade ambiental exatamente ao estado anterior ao dano, ficando sempre algumas conseqüências do dano que são impossíveis de serem totalmente eliminadas. A natureza nunca pode ser completamente recomposta após a degradação, há sempre algo irreversível na degradação cometida, porém os danos podem ser reparados da maneira mais próxima possível a condição anterior ao dano ou daquela que o meio ambiente estaria caso não houvesse ocorrido o dano. Somente com a completa remoção da edificação poderia se chegar ao restabelecimento do estado original e similar às condições naturais existentes no entorno do imóvel, conseguindo, com isso regatar o equilíbrio ecológico.
(…)
8- No caso de remoção da edificação do Sr. Fúlvio, esta compreenderá ações de demolição, remoção e transporte de entulhos de construção civil. Esta atividade caracterizará um novo impacto ambiental? Em caso positivo, quais seriam os aspectos ambientais afetados?
R: Sim. Impactos negativos: poluição sonora, poluição atmosférica (poeira, máquinas), tráfego intenso de veículos, causando incômodo à população. Impactos positivos: recuperação da vegetação existente anteriormente no local, retorno da fauna ao local, além da possibilidade de visualização da paisagem litorânea pela Rua Antônio José Aquino, restabelecimento do equilíbrio ecológico do local.
(…)’.
Ou seja, se não houver a demolição das construções não há possibilidade de se restaurar o meio ambiente de forma adequada e equilibrada. Restou claro que os recorrentes agiram de má-fé na continuidade da obra, pois foram avisados de que estava sendo feita em local proibido de edificar e ainda assim prosseguiram na construção. Ressalto ainda que não se está a determinar demolição no meio de agrupamento urbano, mas, sim, a determinar a remoção de edificação feita no final da vila, junto à vegetação. Desse modo, se a conduta não importar demolição do imóvel, haverá lucro com atividade contrária as normas de proteção ao meio ambiente e estará a se incentivar que outras pessoas edifiquem ao final do agrupamento urbano, violando a área de preservação permanente. Assim, a efetiva punição pela prática da conduta de edificar em área de preservação permanente e terreno de marinha, com presença de mata atlântica, mostra-se não só adequada, mas também necessária.
Ademais, ressalto que o quesito de proporcionalidade em sentido estrito também se encontra atendido, na medida em que o meio menos gravoso é, em última análise, a preservação do meio ambiente com a garantia do direito das partes. Ocorre que houve clara intransigência das normas de proteção, má-fé dos agentes e grave dano ao meio ambiente, lançando como única forma de restauração do status quo ante a demolição dos imóveis. No que tange à razoabilidade da medida, ou seja, aquilo que mais próximo da realidade seria aceitável, tenho que a preservação do meio ambiente, nesse caso, com a presença de má-fé, exige que ocorra a demolição dos imóveis, como forma de que o meio ambiente seja efetivamente protegido, tendo em vista não chancelar condutas semelhantes. Logo, entendo cabível a ordem de demolição dos imóveis.
4 – CONCLUSÃO
Estou conhecendo dos embargos infringentes, nos limites da divergência, para negar-lhes provimento e declarar proporcional e razoável a ordem de demolição dos imóveis.
5- DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por conhecer dos embargos infringentes e negar-lhes provimento, mantendo a posição vencedora perante a Turma, nos termos da fundamentação.
É o voto.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Desembargador Federal
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 5009157-47.2012.4.04.7208/SC
RELATOR
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CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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EMBARGANTE
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ARNO DE SOUZA
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ADVOGADO
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JORGE LUIZ MARTINS
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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EMBARGANTE
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FULVIO ALBERTO TREVISAN
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ADVOGADO
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ROBERTA NOROSCHNY SCHIESSL
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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EMBARGANTE
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MARTINHO DIETRICH
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ADVOGADO
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Cambises José Martins
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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EMBARGADO
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – FATMA
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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
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MUNICIPIO DE PORTO BELO
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UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
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VOTO-VISTA
Peço vênia para também dissentir do Relator, ainda que em menor extensão do que o voto que inaugurou a divergência.
Com efeito, as circunstâncias do caso concreto justificam, ao menos em parte, penso, a manutenção das construções.
No voto divergente constou:
Contudo, não merecem acolhimento as apelações do MPF e do IBAMA, no sentido de que seja determinada a demolição das edificações, uma vez que estas se encontram em área urbana consolidada, situação concluída no laudo do expert, em resposta aos quesitos do IBAMA, sendo que a própria autarquia ambiental, nas razões da apelação, reconhece a validade do laudo pericial, embora sustente que houve dano ambiental e que o PRAD não foi totalmente implantado, além dos efluentes da estação de tratamento não estar com os parâmetros de acordo com a legislação. Também não merece acolhida a insurgência da União, de que as edificações foram erguidas sem autorização da SPU, ou que a ocupação estivesse regularizada, manifesta má-fé dos demandados, uma vez que, conforme bem destacado na sentença, a qualquer momento tal irregularidade pode ser sanada pelo titular do imóvel, sendo que a demolição somente teria sentido se a União necessitasse usar o terreno para algum fim público, possível a autuação ex officio para a regularização e atualização dos valores da taxa de ocupação.
De fato, como consignado, trata-se de área urbana consolidada, e inicialmente foram autorizadas as edificações, sendo que a decisão do Juízo a quo que determinou a paralisação das obras foi suspensa por decisão do Relator nos autos do Agravo de Instrumento nº 2003.04.01.025408-1/SC, em 04/06/2003, tendo sido restabelecida por ocasião do julgamento pelo Colegiado, apenas em 07/06/2005 (eventos 3/19 e 3/68 dos autos originários).
Assim, estando os réus amparados inicialmente pelas licenças e, após, inclusive, em boa parte do período de construção, por decisão judicial provisória, não reputo plenamente caracterizada a má-fé.
Observe-se também, por oportuno, que apesar da proximidade de parte da residência do réu Fúlvio com um curso d’água, há outra edificação entre o imóvel do réu Fúlvio e o referido córrego (fotos anexadas ao laudo da perita do Juízo). Mais do que isso, pelo que demonstram os autos, há várias outras residências na área urbana consolidada que também estão próximas ou praticamente sobre os cursos d’água existentes na região. Nesse contexto, não vislumbro razoabilidade na demolição total do que foi construído, pois as edificações foram levantadas após licenciamento e ao lado e defronte de várias outras residências.
A propósito, o laudo pericial (ANEXO 190 e OUTROS 125 – sem negrito no original):
…
5- Existem outras edificações construídas em condições similares à edificação em questão?
R: Sim. Foi observado que na orla outros imóveis encontram-se construídos a beira mar, conforme pode ser observado nas fotos 1 e 11, e também existem edificações às margens do curso d’água, ou seja em Área de Preservação Permanente – APP, conforme pode ser observado na foto 3.
…
1- O local do imóvel em questão se caracteriza por estar em ambiente urbano ou rural? Quais os critérios adotados para justificar esta caracterização?
R: Conforme a Lei Municipal Nº 262/77 o lote está inserido dentro da malha urbana da cidade, e conforme a Resolução do CONAMA Nº 303/02 a área pode ser considerada como urbana consolidada, pois o município define legalmente a área como urbana e a área possui coleta de resíduos sólidos, rede de abastecimento de água, malha viária com canalização de águas pluviais, distribuição de energia elétrica e iluminação pública.
…
5- Caso o item anterior seja afirmativo, sobre os cursos d’água existentes: houve alteração de seus traçados, do uso e ocupação do seu entorno, dos sentidos de deflúvio? Suas contribuições, sejam elas de afluentes ou efluentes de águas pluviais ou esgoto, também foram alterados?
R: Não foi possível localizar aerofotografias, imagens de satélite e/ou cartografia do local que fosse possível constatar a existência do curso d’água atual. Porém conforme informações da população que reside no local a ocupação da área de entorno do curso d’água ocorreu há mais de 20 anos e não houve alteração no seu traçado. Antes da execução das residências, objeto deste processo, os esgotos era lançados sem qualquer tratamento no curso d’água, após a execução das residências foi executado um sistema de tratamento de esgoto que atende toda a comunidade local.
…
…………………….
…
2.a) Se implementadas as ações complementares de controle operacional e monitoramento do Sistema de Tratamento em conformidade aos requisitos legais, o impacto ambiental poderá ser mitigado ou mesmo eliminado
R: Conforme a conclusão da Perícia, com a elaboração de um projeto e execução de um tratamento de esgoto complementar ou ajuste do sistema de tratamento atualmente utilizado com objetivo de melhorar a eficiência do ETE e promover a desinfecção do efluente o impacto poderá ser mitigado ou mesmo eliminado.
…
Sendo este o quando, como se trata de área de ocupação urbana consolidada, é certo que a retirada de uma ou outra edificação isolada não surtirá efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as adjacências do local encontram-se edificadas. A efetiva recuperação do meio ambiente ao seu estado natural dependeria de ação conjunta, com a remoção de todas as construções instaladas na área (abstraída aqui a análise da razoabilidade dessa medida extrema), de modo que a medida não se apresenta útil para referido fim, ou sequer proporcional.
Não se pode olvidar, também, que a ocupação da localidade em questão, antes de reprimida, foi estimulada pelo Poder Público, de modo que se consolidou como área urbana, com obras de infra-estrutura, pavimentação asfáltica, energia elétrica, água e esgoto, entre outros serviços e obras.
A despeito de reputar inadequada a demolição total, a sentença merece parcial reforma, uma vez que, conforme o laudo da perita oficial, foram constatadas irregularidades nas edificações,verbis (sem negrito no original):
…
– O habite-se liberado para o Sr. Fúlvio Alberto Trevisan, às fls. 415 dos autos, foi liberado para residência de 284,04 m² com dois pavimentos e a residência foi executada com térreo mais dois pavimentos. Segundo projeto da residência do Sr. Fúlvio às fls. 416 dos autos a taxa de ocupação calculada foi de 32,06% e a taxa de ocupação para Zona de Interesse Turístico é de 20%.
…
– O Alvará de Construção liberado em nome do Sr. Arno de Souza, às fls. 56 dos autos, não possui número, foi liberado para residência com 800,00 m² com dois pavimentos e a residência geminada foi executada com quatro pavimentos.
…
– O habite-se liberado em nome do Sr. Martinho Dietrich, anexo 07, foi liberado para residência com 715,48 m² com dois pavimentos e a residência geminada foi executada com quatro pavimentos, não possui.
…
Assim, forçoso reconhecer que não havia licença para o levantamento de edificações da maneira como ocorreu, de forma que, nesse ponto em que excederam os limites do que foi permitido, deve ser mantida a determinação de demolição dos pavimentos e obras excedentes apurados por ocasião da perícia judicial. O provimento da apelação para este fim está justificado.
Desta forma, observados os limites da devolução operada pelo recurso, é caso de provimento parcial dos embargos infringentes, de modo que as obras podem ser mantidas, com todas as condicionantes da sentença, mas também com a observância do que permitido pelas respectivas licenças.
Ante o exposto, com a devida vênia, voto por dar parcial provimento aos embargos infringentes.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Embargos Infringentes Nº 5009157-47.2012.4.04.7208/SC
RELATOR
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CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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EMBARGANTE
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FULVIO ALBERTO TREVISAN
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ADVOGADO
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ROBERTA NOROSCHNY SCHIESSL
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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EMBARGANTE
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ARNO DE SOUZA
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ADVOGADO
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JORGE LUIZ MARTINS
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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EMBARGANTE
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MARTINHO DIETRICH
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ADVOGADO
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Cambises José Martins
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AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
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INTERESSADO
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UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
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FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – FATMA
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MUNICIPIO DE PORTO BELO
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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EMENTA
EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. ORDEM DE DEMOLIÇÃO DE IMÓVEIS CONSTRUÍDOS EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, TERRENO DE MARINHA E MATA ATLÂNTICA. PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA.
1. Os recorrentes construíram em local considerado área de preservação permanente e terreno de marinha, degradando a mata atlântica presente no local. A questão a ser resolvida nesses embargos infringentes é a ordem de demolição dos imóveis.
2. Ficou provado nos autos que a autorização que os recorrentes detinham para edificar no local foi alterada pela FATMA e, mesmo assim, quase um ano depois, as obras de construção prosseguiram. Portanto, não há boa-fé no agir dos recorrentes para afastar a ordem de demolição.
3. A boa-fé é uma justa expectativa de que a pessoa irá praticar determinados standarts de conduta, socialmente aceitos, sem causar dano. No caso, os recorrentes atuaram exatamente ao contrário do esperado pelo homem que atua de boa-fé. Primeiro porque violaram a legislação ambiental, indo de contra comandos normativos. Segundo, porque após terem sido cientificados da irregularidade de sua construção, ainda assim, continuaram a edificar no local.
4. Também não merece acolhida o argumento de que a medida de demolição dos imóveis se demonstraria desproporcional e sem razoabilidade.
5. O princípio da proporcionalidade tem como base três postulados: (a) adequação; (b) necessidade; (c) proporcionalidade em sentido estrito. No caso, o meio escolhido é adequado, necessário e proporcional, atendendo o princípio da proporcionalidade, pois se a conduta não importar demolição do imóvel, haverá lucro com atividade contrária as normas de proteção ao meio ambiente. Assim, a efetiva punição pela prática da conduta de edificar em área de preservação permanente e terreno de marinha, com presença de mata atlântica, mostra-se não só adequada, mas também necessária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2a. Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, conhecer dos embargos infringentes e negar-lhes provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de fevereiro de 2016.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Desembargador Federal