“A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou, na última semana, a legalidade de um auto de infração aplicado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à empresa Omar e Ocampo por pesca ilegal de polvo no litoral gaúcho. Em 2013, a pesqueira catarinense foi flagrada com quase 800 Kg da espécie.
Como punição, além da apreensão dos moluscos e aplicação de multa, o Ibama determinou o perdimento da embarcação utilizada na ação, chamada Coelho F.
A empresa tentou anular a decisão do instituto sob o argumento de que os pescados foram pegos acidentalmente. Ainda alegou que as penalidades teriam sido desproporcionais.
Após a 2ª Vara Federal de Rio Grande (RS) julgar o pedido improcedente, a autora recorreu ao tribunal.
Conforme a relatora do processo, juíza federal Salise Monteiro Sanchotene, convocada para atuar no TRF4, as sanções administrativas impostas estão corretas, uma vez que a empresa não tinha permissão para a pesca da espécie, tem um extenso histórico de infrações e que a grande quantidade apreendida afasta a alegação de que foi um acidente.
‘Quanto ao mérito, não há dúvida no que se refere à legislação aplicável à espécie, a qual foi muito bem analisada na sentença. Também é inquestionável que na embarcação só havia polvo, inobstante a ausência de autorização para essa espécie. A prova testemunhal, ademais, corrobora a materialidade irrefutável, afirmando que o objetivo da embarcação era pescar polvo’, concluiu a magistrada”.
Fonte: notícia e imagem publicadas pelo TRF4 em 24/11/2015.
Leia a íntegra da decisão:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002911-31.2013.4.04.7101/RS
RELATORA
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Juíza Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
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APELANTE
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OMAR & OCAMPO COMERCIO E EXPORTACAO DE PESCADOS LTDA – ME
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ADVOGADO
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RODRIGO GOMES ROBAINA
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APELADO
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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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RELATÓRIO
Cuida-se de ação ordinária ajuizada por OMAR & OCAMPO COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO DE PESCADOS LTDA – ME em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, objetivando ser reintegrada na posse de embarcação apreendida pela autarquia ré. A aludida embarcação foi apreendida durante fiscalização do IBAMA, em virtude de transportar no seu interior, no momento da abordagem, 744 Kg de polvo, em desacordo com a licença emitida pelo órgão competente. Referiu que além da apreensão do barco, o réu aplicou penas de multa e de perdimento do pescado. Esclareceu que tem licença para pesca com utilização de espinhel de fundo, e que o polvo veio guinchado de outra embarcação, ‘enredado junto ao espinhel’. Argumentou estarem preenchidos os requisitos para a reintegração liminar na posse do bem e, ao final, postulou a procedência dos pedidos veiculados na inicial.
A liminar foi deferida para deixar a embarcação em posse da autora, como fiel depositária (evento 9 dos autos originários).
Após regular instrução, sobreveio sentença de improcedência (evento 56 dos autos originários).
Apelou a autora, impugnando a conversão da ação de mandado de segurança em ordinária. Alegou que o próprio IBAMA liberou a embarcação após edição de nota técnica. Afirmou que a embarcação tem capacidade para 80 toneladas e é desproporcional a determinação de perda da embarcação por trazer apenas 700kg de polvo. Argumentou que a embarcação emprega mais de 12 pessoas e possui licença para pesca. Asseverou que a apreensão e o perdimento dos produtos obtidos pela pesca sem licença, bem como a aplicação da multa, revelam-se adequados à proteção ambiental, configurando-se desproporcional a perda da embarcação.
Vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Cuida-se de ação anulatória de termo de apreensão e de depósito relativamente a autuação ocorrida em 14-06-2013, ajuizada pela empresa OMAR & OCAMPO E EXPORTAÇÃO DE PESCADOS LTDA – ME, a fim de obter a restituição de embarcação.
A sentença de improcedência tem a seguinte redação (evento 56 – SENT1 dos autos originários):
(…)
PRELIMINAR
O réu suscitou a preliminar de ilegitimidade ativa, argumentando que a licença de pesca está somente em nome de Lilian Aparecida Duran Coelho, razão pela qual haveria indício de irregularidade, uma vez que ela não exerce atividade pesqueira e a empresa autora não possui RGP. Dessa forma, requereu a extinção do feito sem resolução do mérito, fulcro no art. 267, VI, do CPC.
Contudo, o propósito da presente ação é a restituição do barco apreendido e a empresa requerente é, de fato, proprietária de 50% da embarcação Coelho F, nº 443-011992-9, de acordo com os documentos acostados juntamente com a inicial. Portanto, deve ser afastada a prefacial em comento.
Esclarecido este aspecto, passa-se ao exame do mérito.
MÉRITO
De início, cumpre esclarecer que, embora o pedido formulado na inicial seja a reintegração na posse da embarcação apreendida, o que se postula, em realidade, é a anulação do ato administrativo que determinou a apreensão do barco, o que determinaria, por via de conseqüência, a devolução do bem à demandante.
Todavia, o conjunto probatório dos autos vai de encontro à pretensão deduzida na inicial. O Certificado de Registro e Autorização de Embarcação Pesqueira (CERT10, evento 1) comprova que a parte autora – em que pese em nome de Lilian Aparecida Duran Coelho – detinha licença para pesca, na modalidade de linha com petrecho espinhel horizontal (fundo), das seguintes espécies:
Garoupa, Batata, Abrótea de fundo, Namorado, Cherne-pintado, Bagre-branco, Bagre-de-fita/Bandeirado, Bagre, Bagre-amarelo/Uricica.
Fauna acompanhante: Tubarão-azul, Cação-azul, Tubarão-lombo-preto, Cação-lombo-preto, Mako, Cação-anequim, Cação-bagre, Cação-espinho, Cação-malhado, Sarrão, Pargo-rosa, Olho-de-boi, Olho-de-cão, Congro-rosa, Congro/congro-preto.
Área de atuação: Mar territorial – SUL, Mar territorial – SUDESTE, Zona Economicamente Exclusiva – SUL, Zona Economicamente Exclusiva – SUDESTE.
Entre os espécimes descritos na licença não está incluído o polvo, de modo que é inquestionável o cometimento da infração ambiental. Nesse cenário, não se sustenta a alegação da requerente de que a captura dos 744kg de polvo (octopus vulgaris) ocorreu de maneira acidental, porquanto no interior da embarcação foi encontrado um covo, que consiste em petrecho utilizado especificamente para a pesca do molusco em comento (p. 9, PROCADM4, evento 7).
Ademais, a embarcação possuía em seu porão, por ocasião da fiscalização, ‘[…] somente polvos e nenhum outro tipo de pescado, exceto iscas salgadas para a pesca de espinhel, ou seja, a pesca executada visou somente à captura do polvo […]’ (p. 9, PROCADM4, evento 7). Tal fato é corroborado pelo depoimento de Heitor, um dos tripulantes da embarcação, o qual ‘[…]afirmou que o objetivo principal de sua pesca era a captura de polvo através de covos e que foram deixadas aproximadamente 200 milhas desse petrecho não autorizado em alto mar […] ‘.
Importa, ainda, destacar a informação de que ‘a proprietária Lílian Aparecida Duran Coelho e a Empresa Omar & Ocampo Com. E Exp. de Pescados Ltda. (ambos proprietários da embarcação) possuem histórico de infrações ambientais‘ (INF2, evento 7), o que reforça o perigo de que a embarcação apreendida seja novamente utilizada para a prática de atividade pesqueira irregular e revela que a sanção administrativa adotada é consentânea com as exigências do postulado da proporcionalidade. Nessa perspectiva, a apreensão da embarcação encontra respaldo na legislação vigente, uma vez que o art. 72 da Lei nº 9.605/98 preconiza que:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V – destruição ou inutilização do produto;
VI – suspensão de venda e fabricação do produto;
VII – embargo de obra ou atividade;
VIII – demolição de obra;
IX – suspensão parcial ou total de atividades;
X – (VETADO)
XI – restritiva de direitos.
O Decreto nº 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, estabelece, a seu turno, que:
Art. 3° As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
V – destruição ou inutilização do produto;
VI – suspensão de venda e fabricação do produto;
VII – embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;
VIII – demolição de obra;
IX – suspensão parcial ou total das atividades; e
X – restritiva de direitos.
[…]
Art. 37. Exercer a pesca sem prévio cadastro, inscrição, autorização, licença, permissão ou registro do órgão competente, ou em desacordo com o obtido:
Multa de R$ 300,00 (trezentos reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais), com acréscimo de R$ 20,00 (vinte reais) por quilo ou fração do produto da pesca, ou por espécime quando se tratar de produto de pesca para ornamentação.
Com efeito, a anulação do ato administrativo que aplicou a sanção impugnada só poderia ocorrer na hipótese de demonstração de que houve ilegalidade ou ofensa ao postulado da proibição de excesso, o que não restou comprovado no curso da marcha processual. Consoante referido, há disposição legal expressa que autoriza a apreensão de equipamentos, veículos ou produtos da infração utilizados no ilícito ambiental, previsão constitucional que estipula a competência comum dos três entes federativos para promover a proteção do ambiente e Lei Complementar que define a atuação supletiva e subsidiária dos entes no exercício do poder de polícia ambiental e na atribuição comum de fiscalização. Dessa forma, constata-se que o IBAMA agiu nos estritos limites da legalidade, não havendo justa causa para a anular a apreensão do barco pesqueiro.
Noutros termos, se o ato administrativo goza de presunção de legitimidade e o órgão ambiental entendeu por bem apreender a embarcação e os petrechos envolvidos na pesca ilegal, não basta a mera alegação da requerente, desprovida de provas de qualquer ilegalidade, para justificar a liberação judicial do bem objeto da lide.
Destarte, a apreensão da embarcação levada a cabo pela autarquia ré é lícita, não merecendo prosperar a pretensão deduzida na inicial. Nesse sentido:
‘ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. TRANSPORTE ILEGAL DE MADEIRA. APREENSÃO DE VEÍCULO. POSSIBILIDADE. A apreensão de veículo pelo IBAMA justifica-se pelos princípios da prevenção, precaução e o da eqüidade intergeracional, para evitar que o dano ambiental se concretize. (TRF4, AC 2008.71.00.026781-0, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 18/11/2010)’
‘MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. IBAMA. APREENSÃO DE VEÍCULO UTILIZADO EM PRÁTICA DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. RESTITUIÇÃO. DESCABIMENTO. 1. A atuação do órgão ambiental foi correta, posto que pautada na legislação vigente, a qual prevê a obrigatoriedade de apreensão dos bens utilizados em ilícitos ambientais. 2. O pagamento da multa imposta pelo IBAMA, ante ao auto de infração, não possui nenhuma relação com o bem apreendido, uma vez que tal quitação não isenta o réu de efetuar a entrega do veículo, levando-se em consideração constituírem penalidades administrativas diversas e independentes. 3. A responsabilidade do transportador demonstra-se através do conhecimento, ainda que potencial, da prática de ilícito por meio da utilização de seu veículo, afastando-se a presunção de boa-fé, eis que o flagrante se deu em meio ao Bioma da Mata Atlântica. 4. Considerando-se que o dano ambiental, muitas vezes, não pode ser precisamente quantificado, de modo a permitir a verificação da adequada proporção da pena com o dano que se pretende evitar, descabida a incidência do princípio da razoabilidade no caso. 5. Agravo retido não conhecido. Apelações e remessa oficial providas. (TRF4, APELREEX 5001015-98.2010.404.7119, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, D.E. 10/05/2012
Ante o exposto, julgo improcedente a demanda, resolvendo o mérito do processo, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 20 do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
A sentença deve ser mantida por seus jurídicos fundamentos, que adoto como razões de decidir.
Inicialmente é preciso consignar que houve equívoco na denominação da demanda proposta pela autora, que foi corretamente corrigida pelo magistrado para o rito ordinário, pois o que se pretende é a anulação do ato administrativo que determinou a apreensão do barco e que lhe aproveitaria, por via de consequência, a devolução do bem.
Quanto ao mérito, não há dúvida no que se refere à legislação aplicável à espécie, a qual foi muito bem analisada na sentença. Também é inquestionável que na embarcação só havia polvo, inobstante a ausência de autorização para essa espécie. A prova testemunhal, ademais, corrobora a materialidade irrefutável, afirmando que o objetivo da embarcação era pescar polvo.
Não procede, ademais, a alegação de desproporcionalidade da sanção imposta, porquanto a autora e Lilian Aparecida Duran Coelho não são primárias, pois possuem histórico de infrações ambientais (INF2, evento 7).
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Salise Monteiro Sanchotene
Relatora
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002911-31.2013.4.04.7101/RS
RELATORA
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Juíza Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
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APELANTE
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OMAR & OCAMPO COMERCIO E EXPORTACAO DE PESCADOS LTDA – ME
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ADVOGADO
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RODRIGO GOMES ROBAINA
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APELADO
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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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EMENTA
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO ANULATÓRIA. PESCA DE POLVO SEM LICENÇA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. PENA DE MULTA E RESTRITIVA DE DIREITOS. APRENSÃO DE EMBARCAÇÃO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE JUSTIFICADA DIANTE DO HISTÓRICO DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS.
1. Comprovada a materialidade do ato infracional, cuja prova é corroborada por testemunhas, correta a autuação do IBAMA. 2. A conduta lesiva justifica a imposição de multa, a apreensão da carga, dos petrechos e instrumentos usados. 3. Inexistência de violação ao princípio da proporcionalidade no perdimento da embarcação, considerando o histórico de infrações ambientais praticadas pela autora.
4. Apelação a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de novembro de 2015.
Salise Monteiro Sanchotene
Relatora